Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3172: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (42): Cartas de um militar de além-mar em África... (5)
Texto de Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70
Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Operação Macaréu à vista
Episódio XLII
CARTAS DE UM MILITAR DE ALÉM-MAR EM ÁFRICA PARA AQUÉM EM PORTUGAL (5) E OUTRAS PARAGENS EM ÁFRICA
Beja Santos
Para Comandante Avelino Teixeira da Mota, em Luanda
Sr. comandante e meu querido amigo,
Cá recebi as suas notícias, vejo que está asfixiado em papel e sempre a investigar nas poucas horas disponíveis. Surpreende-me vê-lo tão indiferente com as atracções de Luanda. Peço-lhe que não se esqueça de contactar o meu primo José Augusto Gândara de Oliveira, ele está ansioso por o conhecer. Estou agora nos Nhabijões, o reordenamento é enorme, mais de mil e seiscentas pessoas estão envolvidas, a obra de engenharia é de grande fôlego, estamos a fazer policiamento, tem havido raptos, roubos e episodicamente os nossos vizinhos de Madina lançam umas canhoadas da outra margem do Geba. Não percebo muito bem para quê, é puro fogo de vista, eles sabem que nós sabemos que é aqui que se abastecem, aqui têm familiares que lhes dão informações. Depois dos policiamentos, aproveito as últimas horas de luz, leio o que posso.
Venho revelar-lhe o meu espanto quanto a um documento de que já me tinha falado, confessando-lhe que a sua leitura foi uma feliz surpresa. Trata-se do relatório do administrador da circunscrição de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, referente a 1914. Foi uma neta do régulo Mamadu Sissé que mo emprestou através de uma professora de Bambadinca. Nunca li nada igual, o desassombro, o recorte literário, o entusiasmo das descrições tanto dos usos e costumes como das lutas entre etnias; Calvet de Magalhães fala inclusivamente de termos linguísticos locais e até da maneira como se deve resolver o assoreamento do rio Geba.
É evidente que não lhe estou a dizer nada que não saiba, quem foi apanhado de surpresa fui eu. Pergunto-me se este relatório é único, tal o inédito destas informações. Por exemplo, fico a saber que o régulo do Cuor, na época, se chamava Abdul Jujaz (não era Abdul Indjai?). Ele escreveu este relatório para o governador em Bolama ou queria fazer chegar as suas preocupações a Lisboa, candidatar-se a um qualquer cargo político? Não acredito que fosse comum na época escreverem-se coisas como estas: "O corpo de guardas é insuficiente! Não chegam mesmo para policiar a população; daí resulta que esta administração tem constantemente de encarregar diversos indígenas para irem desempenhar funções inerentes aos guardas, sem receberem remuneração alguma"; "Estes indivíduos recebem apenas uma instrução superficial e quando já sabem soletrar e juntar duas letras dão por finda a sua instrução, sendo, no futuro, uns descontentes, porque não vêem realizadas as suas aspirações, na escola não lhes criaram hábitos de trabalho"; "Os sírios começaram a aparecer em 1911 e são hoje uma elevadíssima colónia... O indígena é uma vítima nas mãos destes indivíduos que sem consciência nem escrúpulos o exploram". Estes são exemplos avulsos da linguagem crua de Calvet Magalhães. Penso que no futuro não se poderá estudar a situação da Guiné nesta época sem o ter em conta. Tomei nota do que ele escreve sobre os empregados aduaneiros: "Quando tomei posse do lugar de residente nesta circunscrição, em 1909, havia apenas um posto fiscal a que se chamava posto fiscal do Boé. Nunca houve, porém, posto algum no Boé, pois o que havia era em Pai-Ai, muito aquém do Boé. O aspirante ali destacado fazia o que queria. Apreendia borracha, mercadorias e dinheiro aos indígenas do nosso território, enfim, um verdadeiro salteador de estradas e nunca um funcionário da Alfândega. O que é, porém, uma verdadeira lástima, é o corpo de guardas fiscais. São recrutados entre indivíduos que já têm longa permanência na província, cheios de vícios e de uma indisciplina inacreditável. O guarda que estava em Bambadinca embriagava-se todos os dias, acabando por querer agredir o chefe de posto daquela localidade com um faca. O que estava em Che-Che encontrei-o no caminho a chorar, dizendo-me que ia para Bafatá, porque não podia viver sozinho no mato! O que foi para Che-Che substituir o primeiro não vem a Bafatá quando é chamado pelo chefe de posto fiscal e cada mês apresenta apenas o rendimento de cinquenta a sessenta centavos... Isto é para que V. Exa. possa avaliar a qualidade de pessoas que existe na classe de guardas fiscais!" Ele devia ser esforçado, procurou conhecer os rudimentos da etnografia e da antropologia. Fala da raça fula como formada por nómadas que vieram residir para os territórios dos mandingas e beafadas. E escreve: "A cor do fula varia entre a cor do bronze florentino e o negro mais carregado. Reputam-se brancos, a estatura é regular, têm a fronte bem desenvolvida, nariz aquilino, boca grande, os incisivos proeminentes, os membros perfeitamente bem modelados. Uma diferença enorme existe entre a mulher fula e a mulher fula-preta. A primeira tem glândula mamária perfeitamente esférica enquanto que a segunda tem-na em forme de pêra... Os mandingas têm as espáduas altas, o pescoço mais curto, o esqueleto mais forte do que os fulas". Decididamente, ele tinha pendor por estes estudos etnográficos, escreve sem hesitar, como se dominasse a matéria. "Todos os fulas-pretos ou fulas cativos da região Geba guardam respeito aos fulas forros. Todos os fulas-pretos da região são descendentes de mandingas, beafadas e soninqués... As crianças, criadas de pequeninas no meio dos fulas, e vivendo com eles em comunidade, herdavam-lhes todos os hábitos e esquecendo as suas línguas primitivas só falavam a fula. Daí resulta o chamar-se-lhes fulas pretos porque sendo os fulas forros de tez acobreada e não se julgando pretos fizeram esse distinção". Desculpe estar a ser enfadonho, até pretensioso, falando-lhe do que conhece muito bem. Mas tomei este Calvet Magalhães como um funcionário raro na observação, na crueza da narrativa, embalado por encontrar soluções, por combater a corrupção, por querer conhecer a religião, a organização social, a língua dos povos que administra.
Para lhe ser sincero, sinto que a minha missão aqui está prestes a findar. Vi partir os meus camaradas com quem convivi praticamente vinte e três meses, os que acabam de chegar parece que não precisam da minha experiência. Muitos dos meus soldados partem também, o contingente actual não tem praticamente nada a ver com aquele que eu conheci em Agosto de 1968. E é ingrato repetirmos dia após dia, semana após semana, as mesmas colunas de reabastecimento, as idas ao correio, as emboscadas nocturnas, a protecção das populações. Não é cansaço que sinto, é falta de aproveitamento. Ninguém nos pergunta como tem evoluído a guerra, como responder à implantação do inimigo no terreno. Não o incomodo mais com os meus desabafos, vou pôr agora os meus aerogramas a Bambadinca e passo a noite a montar segurança na ponte de Udunduma, sempre com o meu pelotão repartido. Até breve e, por favor, continue a escrever-me.
O comandante Teixeira da Mota, em aerograma de Agosto de 1969, falou-me pela primeira vez nos sónôs, perguntou-me se já vira alguma e se não me importava de perguntar junto das gentes do Cuor. Ele escreve numa comunicação que apresentou em 1963: "Objectos constituidos por hastes de metal com cerca de 1,20m de altura e com a parte inferior adelgaçada ou terminando em ponta de seta. Ao longo da haste há por vezes braços laterais, terminando frequentemente em pequenas figuras de bronze, quase sempre representando fuguras humanas. No topo da haste principal estão encaixadas esculturas de bronze representando cavaleiros. São simbolos da realeza ou da chefia, antes da islamização". Contituem um património de incalculável valor sobre a velha arte animista, bem gostava de ter um.
Teixeira da Mota vive afogado em papéis, no Comando Naval, em Luanda, viaja pelos rios Zaire, Zambeze, Cuíto e Cuanza. Fala da sucessão de Amílcar Cabral e suspira por regressar ao Centro de Estudos de Cartografia Antiga, onde, aliás, irá produzir as suas últimas magníficas obras de investigação.
Para Ruy Cinatti
Ruy, Dear Father,
Chegaram os seus livros, comecei logo a ler "Cien años de soledad", de Gabriel García Márquez. Meu Deus, que livro assombroso, mesmo não percebendo eu muitas da expressões deste castelhano da Colômbia. Já devorei quase cem páginas, a família Buendía e a povoação de Macondo vão ficar na literatura universal, estou absolutamente certo: magia , feitiço da palavra, a atmosfera das Caraíbas, gente retirada da literatura das fadas e dos génios de encantar. Muito obrigado por tudo.
Capa dos estúdios das Publicações Europa-América, tradução de Eliane Zagury. O exemplar que li devolvi-o ao Ruy Cinatti em 1970, era edição em espanhol, bem sofri mas deslumbrei-me. É um dos livros da minha vida, embora prefira Amor em tempos de cólera, a paráfrase do amor eterno. Todos os elogios apoucam ouvir falar deste colosso literário e não o devorar, primeiro, saboreando-o, a seguir: Muitos anos depois,diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo... Penso que o livro surgiu entre nós aí por 1971, continua êxito imparável.
O que se passa por aqui tem pouco interesse: estou nos Nhabijões, vejo uma nova povoação crescer, ando entretido com várias lides, desde destruir canoas do inimigo, a fazer autos de justiça militar, regresso às tarefas de professor, às emboscadas e apoio, quando me pedem, com informações o novo batalhão que acaba de chegar a Bambadinca. Em princípio será assim até ao fim do mês, parece que depois irei montar a segurança de uma estrada que está a ser alcatroada a partir do Xime, até Bambadinca.
Todo o tempo que posso reservar aos meus cadernos é destinado a leituras sobre a Guiné, aqui não há bibliotecas, nem mesmo em Bafatá encontro publicações que permitam conhecer o meio local, leio o que me emprestam. Imagine que eu já tinha a separata que me ofereceu sobre a casa timorense, comunicação que V. apresentou num congresso internacional de etnografia, em 1963. Pois as actas desse congresso foram-me agora emprestadas, reli o seu artigo que vem junto à comunicação de Teixeira da Mota, a dele sobre os bronzes antigos, os sónôs. O comandante já me tinha escrito em Agosto do ano passado a pedir-me para eu perguntar no Cuor e aqui em Bambadinca se havia vestígios de sónôs. Ninguém tinha visto essas esculturas que são ferros com mais de um metro e vinte de altura que têm braços laterais, também de ferro, que terminam frequentemente em pequenas figuras de bronze, quase sempre representando figuras humanas. De acordo com o nosso comum amigo, são símbolos da realeza ou de chefia antes da islamização. Certos actos importantes para a vida colectiva, como fazer a guerra, não eram decididos sem previa consulta ao sónô. Estas esculturas entraram em declínio no século XIX, com a islamização dos soninqués. Estes registos que vou fazendo despertam-me para a realidade dos meus estudos, se é verdade que ainda tenho deveres com os meus soldados, os Nhabijões têm metas próprias, não me provocam o fascínio de Missirá, não são a minha gente. Qualquer dia estou por aí, tenho muitas saudades suas, não pode imaginar como a sua presença é poderosa, as suas cartas têm sido um dos pilares da minha resistência. Mais uma vez muito obrigado por tudo e que Deus cuide da saúde do Dear Father.
Tinha estado a ler o livro de Apollinaire, que Ruy cinatti me enviara. É poesia sem interesse nenhum, é mesmo a última incursão no género. Retive 2 ou 3 imagens com alguma expressão intrínseca: «abicagem da galáxia numa cabana»; «falo do amor no açude dos tímpanos»; «ano versado, na parede brota um palavrão: guerra», nada mais. Mas senti os meus 25 anos, queria recomeçar a vida, estava apreensivo pela separação em marcha da solidariedade cimentada com os meus soldados.
Foi indiscutivelmente um grande poeta, inclassificável, um ilustre antropólogo, um amigo devotado de Timor. Deu-me uma companhia exemplar nos dois anos da Guiné, tenho legítimo orgulho em referir as suas cartas, os seus poemas que ali recebi, guardo a profunda saudade dos seus cuidados, comigo e com os meus soldados feridos. Encarou com o maior estoicismo a sua morte, em 1986, no Hospital de Santa Marta. Legou todos os seus bens à Casa do Gaiato.
Para Cristina Allen Santos
Meu adorado amor,
Bambadinca mudou muito com a partida destes amigos a quem tanto devo. Penso que o David Payne em breve vai para Lisboa, levei ao Xime o Augusto e o Calado, foi a segunda e a última leva do BCaç 2852. Não me perguntes como vai ser o meu futuro, aguardo instruções do novo comando. Por ora, a minha base está nos Nhabijões, mas não penses que são férias, as idas ao Xitole, as noites na ponte de Udunduma, as patrulhas às populações em autodefesa fazem parte do meu quotidiano. Também o pelotão começa a estar irreconhecível: partiu o Queirós, perdi um dos meus colaboradores mais preciosos, o Cruz, que viera substituir Alcino, baixou ao hospital com doença tropical. O Domingos já tinha partido, não resta nenhum dos cabos do tempo em que aqui cheguei.
Esta atmosfera não é a de Missirá, embora as populações do Cuor não percam uma visita a Bambadinca para me cumprimentar. Aliás, vieram convidar-me a ver a instalação eléctrica, o gerador está finalmente em funcionamento. Disse inicialmente que não, depois disse que sim, trouxe aquele gerador a ferros da engenharia de Bissau. O Mamadu Camará e o Queta Baldé vão partir para os Comandos, o Cherno já me informou que também partirá quando eu abandonar o pelotão, o mesmo me disse Adulai Djaló, o Campino. Fazemos toda a rotina mas aqui não há a chama de todo o regulado do Cuor, não me sei explicar. Leio muito, mas as tarefas de rotina também têm o seu peso: quase uma vez por semana vamos ao Xitole, ando a tratar do processo de Bacari Soncó para receber o prémio "Governador da Guiné", o processo de atribuição da Cruz de Guerra ao Mamadu Camará foi-me devolvido para dar informações complementares, voltei a ir a cerimónias de condolências. Desta vez, fui cumprimentar Fatu, a minha lavadeira, está inconsolável com a morte do seu Zé, um furriel dos Comandos que chegou a andar em operações comigo, pertencia ao pelotão do Saiegh, nos Comandos em Fá, ficou despedaçado por uma mina anti-pessoal na bolanha de Ponta Varela.
Bom, sigo agora para os Nhabijões, fico lá dois dias. Depois vou combinar com a D. Leontina dos Correios e telefono-te. Os meus soldados Serifo Candé e Ussumane Baldé foram premiados e vão passar férias a Bolama, podes imaginar o orgulho que sinto.
Depreendo da tua carta que não tens parado de procurar casa para nós. Sei que vais ser bem sucedida, vamos ter uma casinha muito bela e tu vais fazer milagres com o teu talento de decoradora. Mil beijos, toda a devoção, toda a minha saudade, está próximo o nosso sonho de Agosto, o nosso reencontro.
Para Emílio Rosa, em Bissau
Meu querido Padrinho,
Só duas palavrinhas para te agradecer tudo: a casa que nos emprestaste com a Elzira, a companhia que nos ofereceste com os Payne, os pequenos mas tão agradáveis passeios a Ponta Biombo, a Safim, a Nhacra. Foste um padrinho exemplar, tornaste a nossa lua-de-mel aprazível nessa cidade fardada. Por aqui o tempo corre, oiço música, acabo de ler "De Profundis", de Oscar Wilde, um Simenon memorável, estou a ler um colombiano de nunca ouvi falar, Gabriel García Márquez, toma notas dos livros que me emprestam sobre a Guiné (acalento o sonho de escrever sobre ela, mais tarde ou mais cedo), o resto é rotina, há mesmo um certo marasmo na actividade operacional de parte a parte, parece que o PAIGC está a avaliar o novo batalhão que chegou a Bambadinca.
Perguntas-me quando é que passo por Bissau. Recebi hoje uma convocatória do tribunal militar, vai ser julgado o meu soldado Quebá Sissé, por homicídio involuntário de outro, o Uamsambo. Será uma viagem muito rápida, não deixarei de te comunicar, vamo-nos encontrar, para mim é sempre uma grande alegria estar contigo. Fica a aguardar as minhas notícias, recebe a profunda estima do afilhado a quem forneceste toneladas de material de construção civil e toneladas de cordialidade e apreço.
Para Ângela Carlota Gonçalves Beja
Minha querida Mãezinha,
Obrigado pelas suas notícias, folgo que esteja muito melhor do seu reumático. Está ansiosa por me ver, que direi eu? É previsível que em Agosto, na pior das hipóteses Setembro, eu esteja de regresso. A guerra por aqui está muito calma, houve mudança de tropa em Bambadinca, passo a maior parte do meu tempo numa povoação que está a ser construída na margem esquerda do Geba, Nhabijões. Obrigado pelas notícias que me dá do Paulo, do Fodé e do Alcino. O estado de saúde do Paulo é muito preocupante, o Fodé adapta-se á prótese, o Alcino coxeia, penso que vai ficar com deficiência para toda a vida. A Cristina continua a procurar casa para nós, está a fazer exames, sei que tudo vai correr muito bem. Penso que dentro de dias vou de fugida a Bissau, terei o cuidado de lhe telefonar. Um dos meus camaradas de Bambadinca que dentro de dias segue para Lisboa ofereceu-se para lhe levar umas lembranças, espero que goste dos tecidos que lhe mando e uma pulseirinha em prata. Não esteja preocupada comigo, gozo de saúde, voltei a fazer ginástica, sinto o prazer de dar aulas aos meus soldados sempre que é possível. Prometo-lhe escrever amanhã uma carta mais longa, vou para os Nhabijões, à noite tenho um petromax e conto-lhe com mais tempo tudo quanto tenho feito Receba muitos beijinhos deste filhos que nunca a esquece e que tento lhe deve.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3120: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (41): Um mês nos Nhabijões
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3171: Dando a mão à palmatória (16): A CCAÇ 2701 não se vai encontrar no dia 23 de Setembro (Luís Graça e Carlos Vinhal).
Fomos alertados pelo nosso camarada Paulo Santiago para esta anomalia.
Na verdade, o dia 23 de Setembro deste ano é numa Terça-feira e ainda por cima o ano indicado era o transacto.
Um erro de comunicação entre mim e o Luís causou este lamentável engano.
Aos visados, pedimos desculpa e prometemos mais atenção para futuro.
Aproveitamos para pedir mais uma vez a vossa compreensão por qualquer falta que cometamos, que além de involuntária, se deve à enorme quantidade de mensagens que nos vem parar às caixas de correio, pessoais e do Blogue.
Como a pressa é inimiga da perfeição, dêem-nos algum tempo e então reenviem o que julgam estar esquecido, fazendo uso do vosso direito de participação.
Por último, que não passe pela cabeça de ninguém que fazemos qualquer tentativa de censura aos trabalhos que nos mandam.
Um abraço
Os editores
Guiné 63/74 - P3170: PAIGC - Instrução, táctica e logística (14): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Educação (A. Marques Lopes)
1. Mensagem do A. Marques Lopes, de 4 de Outubro de 2007:
[Ao ver este programa escolar, lembrei-me dos anos em que estive sentado nas carteiras das Oficinas de S. José, em Campo de Ourique, durante a minha instrução primária, e não me pareceu muito diferente. Foi meu professor o Padre Serafim Gama, que, depois de muitos anos, encontrei em Bissau como capelão militar (2).
Os alunos do PAIGC tinham incluída a formação política, como se vê, o que é natural, dada a situação em que se ministrava a sua educação e dada a natureza da organização que a orientava. Também, nas Oficinas de S. José, ouvi o Padre Gama falar-me muito de Deus, de Jesus, de Nossa Senhora Auxiliadora, da Igreja, da Sociedade Salesiana, de S. João Bosco, de S. Domingos Sávio, e outros, do pecado... o que era natural igualmente, dada também a situação e a natureza da organização salesiana a que esse meu professor pertencia.
Claro que, quando nos encontrámos em Bissau, o teor da nossa conversa já não foi esse, tendo-se, ao invés, aproximado bastante de alguns aspectos da "Parte Política" deste programa que vos mostro ... - A. Marques Lopes]
PROGRAMA DAS ESCOLAS DO PAIGC
PRIMEIRAS LETRAS
Conhecimento do alfabeto. Leitura soletrada. Conhecimento dos algarismos. Contar até mil.
PRIMEIRA CLASSE
Leitura sem soletrar. Cópias. Tabuada de adição e subtracção. Adições e subtracções e prova dos nove destas operações.
SEGUNDA CLASSE
Ler livremente. Cópias. Prova real da adição. Prova real da subtracção por meio da adição. Tabuada da multiplicação e adição. Pequenas multiplicações e divisões com a prova dos nove. Numeração romana até cincoenta.
TERCEIRA CLASSE
Revisão da matéria dada.
Português
Leitura livre e correcta. Interpretação e comentário breve dos trechos lidos. Ditado. Redacção sobre temas da vida.
Aritmética
1 - Leitura de números inteiros.
2 – Números decimais: leitura de números decimais de duas maneiras. Operações com números decimais.
3 – Medidas de comprimento: o metro, múltiplos e submúltiplos.
4 – Medidas de superfície: o metro quadrado, múltiplos e submúltiplos.
5 – Medidas agrárias: are, hectare, miriare e centiare. Sua equivalência com as medidas de superfície.
6 – Medidas de volume: o metro cúbico, múltiplos e submúltiplos.
7 – Medidas capacidade: o litro, múltiplos e submúltiplos. Equivalência com as medidas de volume.
8 – Medidas de peso: grama, múltiplos e submúltiplos.
9 – Problemas simples aplicando as quatro operações e as medidas.
Geometria
1 - Noção do ponto. Noção da linha. Noção da linha recta. Linha curva e linha quebrada. Noção do ângulo. Divisão dos ângulos. Triângulos. Divisão dos triângulos. Quadriláteros. Polígonos. Circunferências.
Ciências naturais
1 - Os reinos da Natureza. Seres vivos ou animados e seres brutos ou inanimados. Divisão dos seres vivos em animais e plantas. Definição de Zoologia, Botânica e Mineralogia.
2 – Divisão dos animais em vertebrados e invertebrados. Divisão dos vertebrados em Mamíferos, Aves, Répteis, Batráquios e Peixes. Características destes grupos e exemplos.
Geografia
1 – A Terra e o Espaço. Divisão dos astros em estrelas, planetas e cometas. Noção de satélite. O Sol. A Lua.
2 – A esfericidade da Terra. Provas da esfericidade da Terra. Divisão da Terra em parte sólida e parte líquida. Os continentes e os oceanos.
3 – Noções de oceano, mar, lago, rio, continente, ilha, arquipélago, montnha, monte e serra.
QUARTA CLASSE
Português:
Leitura livre e correcta. Interpretação e comentários dos trechos lidos. Ditado.
Redacção sobre temas da vida e da luta.
Revisão da matéria da Gramática dada na 3.ª classe. Estudo da Morfologia e da Sintaxe.
Aritmética:
1 - Noções de fracção. Numerador e denominador. Fracções próprias e inpróprias. Número misto fraccionário. Transformação de número misto fraccionário em fracção imprópria e vice-versa. Adição e subtracção de fracções com o mesmo denominador. Multiplicação de fracções. Divisão de fracções. Adição e subtracção de racções com denominadores diferentes. Transformção em número decimal. Fracções decimais. Sinplificação de fracções.
2 – Multiplicação de um número decimal por 10, 100, 1000, etc. Divisão por 10, 100, 1000, etc. Multilicação por 0,1 – 0,001.
3 – Números complexos. Adição, subtracção, multiplicação e divisão de números complexos.
4 – Divisibilidade. Regras da divisibilidade: por 2, 3, 5 e 10.
5 – Problemas que utilizem as noções dadas.
Geometria:
1 – Sólidos: cubo, paralelipípedo, prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera.
2 – Área das figuras planas: paralelograma, losango, trapézio, polígonos regulares, círculo, coroa circular.
3 – Volume do cubo, do paralelipípedo e do prisma.
4 – Perímetro das figuras planas: do triângulo, quadrilátero, polígono, circunferência e semi-circunferência.
5 – Segmento circular, sector circular, zona circular, circunferências concêntricas e excêntricas.
Ciências Naturais:
1 – Revisão.
2 – Divisão dos invertebrados em insectos, aracnídeos, vermes ou anelídeos, moluscos e crustáceos. Características destes grupos e exemplos.
3 – O corpo humano. Partes do corpo humano.
4 – Esqueleto humano. Caveira. Crâneo e ossos da face. Divisão dos membros superiores em espádua ou ombrio, braço, antebraço e mão. Os ossos dos membros superiores. Divisão dos membros inferiores em anca, coxa, perna e pé. Os ossos dos membros inferiores. A coluna vertebral. As vértebras cervicais, dorsais, lombares, sagradas e coccígeas. As costelas (verdadeiras, falsas e futuantes). O externo.
5 – Aparelho digestivo. Tubo digestivo e órgãos anexos. Partes do tubo digestivo. As glândulas. A transformação dos alimentos ao longo do tubo digestivo.
6 – O aparelho respiratório. Partes constitutivas. Função do aparelho respiratório.
7 – O aparelho circulatório. Partes constitutivas. Divisão do coração. Vasos sanguíneos. O sangue. A grande circulação e a pequena circulação. Função do aparelho circulatório.
8 – O aparelho urinário. Partes cosntituintes. A urina. Função do aparelho urinário.
9 – O sistema nervoso. Centros nervosos e nervos. Divisão dos centros nervosos. Partes constituintes.
10 – Botânica – partes da planta. Distição entre plantas fanerogâmicas e criptogâmicas. Observação de exemplares de plantas.
Geografia:
1 – Revisão
2 – Geografia da Guiné: superfície, população, situação geográfica, clima, fauna e flora. Parte continental e parte insular. Rios: Geba, Cacheu, Corubal e Cacine. Relevo. Produção agrícola e florestal. Exportações e importações. Capital e centros comerciais. Principais portos.
3 – Geografia de Cabo Verde: superfície, população, situação geográfica, clima, fauna e flora. Di visão das ilhas em grupo Barlavento e Sotavento. Produção agrícola. Exportações e importações. Capital e centros comerciais. Principais portos.
PARTE POLÍTICA > SEGUNDA CLASSE
1 – Deveres das crianças para com os pais. O amor filial. Deveres das crianças para com a Pátria. O amor ao Povo. O patriotismo.
2 – Deveres das crianças para com os seus professores. Amizade e camaradagem entre as crianças da mesma escola, da mesma tabanca, da mesma terra; as crianças das nossas terras devem ser amigas de todas as crianças do Mundo.
3 – Necessidade que o nosso povo tem da contribuição que os nossos jovens podem dar à luta de libertação e à construção do progresso das nossas terras. Necessidade e os jovens se prepararem para amnhã contribuir melhor para a realização da felicidade do nosso Povo. O amor ao estudo. O amor ao trabalho e aos trabalhadores. A Juventude como garantia do futuro do nosso Povo.
4 – Exploração do nosso povo pelos colonialistas portugueses. A opressão, como se fazem a a exploração e a opressão. A exploração e a opressão não são do interesse do povo português. Distinção entre povo português e colonialismo português. [negrito meu - A. Marques Lopes]
5 – Condenação do colonialismo e dos crimes dos colonialistas portugueses por todos os povos do Mundo. O nosso Povo e os seus amigos. A ajuda dos outros povos à justa causa por que luta o nosso Povo. O direito do Nosso Povo à Liberdade e ao Progresso. O que é o Progresso.
6 – Necessidade de luta para a libertação das nossas terras, condição de construção de Progresso. Lugar dos jovens nessa luta.
7 – Necessidade de preparação do povo para a luta. Necessidade da mobilização. O que é a mobilização. Necessidade de organização e de direcção.
8 – O PAIGC, Partido do Povo da Guiné e de Cabo Verde. No Partido estão os melhores filhos do nossos Povo. Porque é o Partido a ESPERANÇA do Povo. O dever de defender o Partido. Os inimigos do Partido são inimigos do Povo. O dever de respeitar o Hino, a Bandeira, o Emblema e os dirigentes do Partido.
9 – O aluno e os combatentes da nossa luta de libertação nacional. A estima e o respeito que merecem os combatentes do Partido. As vítimas da nossa luta. As viúvas e os órfãos. Os mutilados. Motrar a importância que tem a ajuda que o aluno pode dar a uma vítima da luta. Glória e imortalidade dos nossos heróis.
10 – ORGANIZAÇÃO DO PARTIDO:
a) - O Grupo, organização de base do Partido. Onde se formam grupos, o número mínimo de militantes para que se possa constituir um grupo. O que é a Assembleia de Grupo. Quantas vezes se reune por semana. O que se faz nas reuniões. O Secretariado do Grupo – quem o criou e para quê.
b) - Existência de milhares de grupos, com milhares de militantes, cobrindo as nossas terras. O amor do Povo ao partido é a sua força principal. A direcção do Partido: o Comité Central. O Congresso como reunião dos representantes legítimos do Povo. Os membros do Comité Central como os filhos mais dedicados do Povo e os melhores amigos da Juventude e das crianças. Quem é o Presidente do Comité Central do Partido. Quem é o Secretário Geral do Partido.
PARTE POLíTICA > TERCEIRA CLASSE
1 – Revisão.
2 – ORGANIZAÇÃO DOS PIONEIROS
a) - Necessidade de organização de todo o Povo. A organização das crianças: Pioneiros do Partido. Deveres dos Pioneiros para com a família, a Pátria, e o Partido. A camaradagem no seio da organização dos Pioneiros. Necessidade de as crianças da mesma escola ou da mesma tabanca se constituirem em grupo de Pioneiros.
b) - Idade máxima para um Pioneiro.
3 – ORGANIZAÇÃO DO PARTIDO
a) Quem pode entrar para o Partido. O Juramento. Explicar o seu significado. Porque é que nesta fase se dispensa o pagamento das cotizações. As outras formas por que o povo tem contribuído.
b) A Secção – reunião de 5 grupos, sob a mesma direcção.
c) O Congresso como órgão máximo do Partido. Porquê. Quando se reune o Congresso.
4 – PROGRAMA DO PARTIDO:
a) - A felicidade do Povo como objectivo do Partido. A Liberdade como primeira condição da felicidade do Povo. A INDPENDÊNCIA.
b) A necessidade de defender permanentemente a Independênciadepois de conquistada.
c) - Necessidade de impedir que o poder seja tomado por indivíduos que vão exercê-lo no seu interesse, explorando o Povo. Inimigos internos. A Justiça e o Progresso para todos. Os inimigos internos na fase da luta. Os traidores e os oportunistas. O dever de vigilância dos militantes contra os inimigos internos. O direito do Povo de castigar os inimigos internos.
d) - A UNIDADE do Povo como condição da conquista da Independência, da defesa da Independência conquistada e da construção do Progresso. A importância da defesa da Unidade do Povo. Condenação do racismo e do tribalismo. Unidade do Povo na Guiné, unidade do Povo em Cabo Verde e a Unidade do Povo da Guiné e Cabo Verde.
e) - A administração colonialista é contra os interesses do Povo. Necessidade de liquidar a organização política e administrativa dos colonialistas. Necessidade de uma nova organização ao serviço do Povo.
f) - A Liberdade e Justiça para todos. Necessidade de o Povo ser efectivamente quem dirige, através dos melhores filhos do Povo (dos mais honestos, dos mais amigos do Povo dos mais capazes). Necessidade de a Lei ser igual para todos. A emancipação da mulher, exigência da Justiça e do Progresso.
g) - Respeito do direito à vida, à integridade física e à liberdade das pessoas (Direitos do Homem). Liberdade de domicílio, de religião e de trabalho. Necessidade da liberdade no casamento.
h) - Como devem ser tratados os estrangeiros que respeitem o Povo e as Leis.
i) - A instrução do Povo como condição do Progresso. A necessidade de alfabetização das massas. A necessidade de escolarização de todas as crianças em idade escolar. A necessidade da formação de quadros. Ensino primário obrigatório e gratuito. Necessidade da criação de escolas primárias, liceus, escolas técnicas e universidades. Necessidade de desenvolvimento da educação física e dos desportos. O que o Partido já está a fazer no domínio do ensino: alfabetização, criação de escolas e bolsas de estudo para futuros quadros.
PARTE POLÍTICA > QUARTA CLASSE
1 – Revisão
2 – ORGANIZAÇÃO DO PARTIDO
a) – Quais os órgãos da Secção, da Zona, da Região. Quais os Órgãos Nacionais. A Conferência como órgão máximo em cada escalão. Distinção entre as funções das Conferências, dos Comités e dos Secretariados. As funções das Comissões das Finanças. As funções das Comissões de Controle.
b) – Explicação a competência do Congresso: definição da linha política, aprovação do Programa e eleição do Comité Central. Quem escolhe os delegados ao Congresso. Referência à reunião do 1.º Congresso.
c) – Divisão do Comité Central em Departamentos. O Secretariado Geral como principal Departamento do Comité Central dirigindo os outros departamentos.
d) – Adopção na organização do Partido do princípio da direcção colectiva. As vantagens da direcção colectiva.
e) – Qual deve ser o comportamento do militante para com os seus camaradas. O que são a crítica e a auto-crítica. Distinção entre a crítica positiva e a crítica negtiva. Distinção entre a competição fraternal e a concorrência.
f) – O que é um Responsável do Partido. Qualidades que se exigem a um Responsável.
3 – PROGRAMA DO PARTIDO
a) – Necessidade de todo o Povo trabalhar com entusiasmo para a construção do Progresso das nossas terras. Condenação dos vadios. Os parasitas como inimigos do Progresso e do Povo. O respeito que merece o homem trabalhador. O amor ao trabalho. Heróis do trabalho.
b) – Necessidade de destruir todos os vestígios da exploração colonialista e imperialista, para que o fruto do trabalho do Povo seja para o Povo. Ideia de independência económica e de neo-colonialismo.
c) – Ideia de planificação. Vantagens da planificação.
d) – Bens que devem ser propriedade do Estado e porquê. As vantagens da cooperação e a propriedade cooperativa. Necessidade de acabar com apropriedade privada que não sirva o interesse do desenvolvimento económico das nossas terras. A propriedade pessoal.
e) – Necessidade de desenvolvimento da agricultura. A modernização da agricultura. Os inconvenientes da monocultura da mancarra na Guiné e da monocultura do milho em Cabo Verde. A necessidade da reforma agrária em Cabo Verde.
f) – Necessidade de desenvolvimento da indústria e do artesanato.
g) – O que o Partido tem feito no domínio da produção agrícola e do artesanato.
h) – Organização da assistência social para os que involuntariamente precisarem de ajuda, em caso de desemprego, invalidez ou doença.
i) – Necessidade de uma Defesa Nacional eficaz. Organização da Defesa Nacional a partir das forças armadas combatentes da luta de libertação nacional. Necessidade de apoiar a Defesa Nacional do Povo. Necessidade de disciplina nas forças armadas. A fidelidade e a submição das forças armadas à direcção política.
j) – Unidade Africana. Razão. Condições.
k) – Necessidade de colaboração fraternal com os outros povos. Explicação dos princípios em que deve basear-se esta colaboração: respeito da soberania nacional, respeito pela integridade territorial, não-agressão, não-intervenção em assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens e coexistência pacífica.
l) – Referência à UNTG [União Geral dos Trabalhadores da Guiné] e à UDEMU [União Democrática das Mulheres da Guiné]. A UNTG e a UDEMU contribuem para a realização dos objectivos do Partido. As relações entre o Partido e essas organizações. A direcção política pelo Partido. [A 12 de Setembro de 1974, no Boé, foi criada a JAAC - Juventude Africana Amílcar Cabral (LG)].
PARTE POLÍTICA > QUINTA CLASSE
1 – Revisão.
2 – Os outros povos em luta contra o colonialismo português. As organizações que dirgem esses povos. A CONCP [Conferência d das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, craiada em 1961, em Marrocos (LG)]. O que é, quem nela participa, quais os seus objectivos.
3 – A nossa luta como parte da luta de África pela sua libertação. Os outros povos em luta contra o colonialismo. O apartheid. Os povos em luta contra o apartheid. Os países independentes de África. A existência de países submetidos à exploração colonialista e a necessidade da luta contra o neo-colonialismo. A OUA como união dos Estados independentes de África. Os seus objectivos.
4 – O nosso Partido no Mundo. Os povos e os governos que ajudam a nossa luta. A ajuda da África. Os paízes vizinhos. Os países socialistas ajudam os povos que lutam pela libertação nacional. A ajuda dos países socialistas ao nosso Partido. Organizações anti-colonialistas no Mundo. Sua existência em países cujos governos ajudam os colonialistas portugueses.
5 – Os governos aliados de Portugal. Portugal não pode fazer a guerra colonial sem a sua ajuda. A OTAN [ou NATO]
(Reprodução de documento do PAIGC. In: Supintrep nº 32, Junho de 1971)
______
Notas de L.G.:
(1) Vd. último poste desta série > 7 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)
(2) António:
Este Padre Gama será o mesmo que a nossa amiga Teresa de Seabra procura ? O que foi capelão militar do BCAV 490 (1963/65)? A ser o mesmo, de certo que não o encontraste em Bissau, nessa época, mas só mais tarde, na altura em que por lá andaste (1967/69)... Confirmas ou infirmas ?
Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira)
Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2862 (1969/70) > 18 de Outubro de 1969 > Dois mortos e um ferido no decurso da Op "Ostra Amarga" (também ironicamente conhecida como Op Paris Match)... As NT (2 Gr Comb da CCAV 2487, comandadas pelo Capitão Sentieiro, hoje Coronel Ref.), caiem num emboscada do PAIGC... O combate é presenciado por jornalistas estrangeiros e registado em filme por uma equipa da televisão francesa...Foto: INA - Institut National de l' Audiovisuel (2006).
Se a amizade era na lealdade temperada
Também o tenebroso infame das acções
O mais negro ódio as condicionava.
Sobressaltadas as almas em turbulência
Abrasados pelo Sol, de rostos já tisnados
Ensaguentavam-se mãos na perda da inocência
Diluia-se a juventude nos corpos estropiados.
Penosas recordações, tempos duros e sofridos
que a idade generosa, a insana verdura do fervor
Faz lamentar hoje episódios jamais esquecidos.
Fantasma que nem a agonia do medo justificava
cruel descida a um inferno de verdadeiro horror
trágica visão da morte que toda a vida dominava.
1.O T. Coronel Ref. Rui A. Ferreira é natural de Angola (Lubango, 1943). Fez o COM em Mafra em 1964. Tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) e depois como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72). Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3168: Ser solidário (20): Bissau: O triste caso da Cadi e a ajuda extraordinária do Tino, que trabalha na AD (Nuno Rubim)
Fotos : © Nuno Rubim (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem do Nuno Rubim, com data de hoje:
Caro Luís
A Júlia e eu estamos muito comovidos com as as belíssimas palavras que editaste no blogue sobre o triste acontecimento sucedido à Cadi e ao seu pobre filho Nuninho. Não podia ter sido melhor explicitado o doloroso drama sucedido (*).
Por conselho nosso a Cadi regressará a Farim do Cantanhez, na próxima 6ª feira, para junto dos pais. Estaremos sempre em contacto com ela por intermédio de um amigo em Iemberém.
Esperamos sinceramente revê-la no próximo ano. A ela e a outros bons amigos e amigas que deixámos na Guiné.
Interessa agora ressaltar a extraordinária ajuda e dedicação prestadas pelo Moisés Caetano Pinto, o Tino, que trabalha na AD, que eu nunca esquecerei !
Não fora ele teria sido quase impossível acorrer em tempo à própria Cadi. Durante quatro dias ele não parou um segundo que fosse, a pedido da Júlia e meu, para tentar resolver o problema da saúde dela. Em dois dias alternados uma clínica privada realizou vários exames e análises, sendo-lhe diagnosticado um caso grave de paludismo associado a uma infecção amibiana intestinal. Os medicamentos aplicados em tempo resolveram, felizmente, a situação.
Mais uma vez te agradecemos muito a forma carinhosa e amiga como relataste o sucedido.
Beijinhos da Júlia para a Alice e para ti e um grande abraço do
Nuno Rubim
_______
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma jovem, da região, que estava grávida, e que tinha o marido em Bissau. Caíu nas boas graças das nossas senhoras, sempre muito maternais: a Júlia, a Alice, a Isabel... Cadi era o seu nome. Vivia em Farim do Cantanhez. Esteve recentemente às portas da morte. E perdeu o seu primeiro e único filho, o Nuninho, de 4 meses. Por paludismo. Por abandono. Por falta de tudo (ou quase tudo). Por falta de cuidados de saúde (primários e secundários). Por falência dos serviços públicos de saúde. Por falta de médicos que vêm estudar para Portugal e não voltam.... Por ser guineense, por ter nascido num dos piores países do mundo no que diz respeito a indicadores de saúde materno-infantil... "Que raiva, que mundo, que desgraça de país" - é a primeira reacção que nos ocorre, a nós, que estamos num país que tem um dos baixos indicadores de mortalidade infantil do mundo... Sofremos, e muito, com estas notícias tristes que nos chegam da nossa querida Guiné... e que nos envergonham a todos (LG).
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
.
(…) “Segundo os dados da UNICEF, em cada mil crianças nascidas na Guiné-Bissau, 233 morrem antes de completar os cinco anos de idade, das quais mais de metade (138) não chegam a fazer o primeiro aniversário”. (…) (Dos jornais)
Nuninho, o filho da Cadi, morreu (*)
Cadi, de seu nome.
Amorosa.
Uma ternura.
Uma jóia de miúda.
Tinha a graça de uma gazela
Apascentando na orla da bolanha.
Era nalu.
Vivia em Farim do Cantanhez.
Filha de um velho combatente da liberdade da pátria,
Com direito a pensão
Ao fim do mês.
Estava grávida de muitas luas.
Atrelou-se à Júlia e à Alice
Em Iemberém,
No início de Março de 2008.
Com aquela candura, doçura, espanto e maravilhamento
Das crianças africanas,
Quando vêem uma Mulher Grande, branca.
Homem estava em Bissau.
Todo o mundo vai p’ra Bissau,
Onde é a escola da malandragem.
Homem vai embora.
Diz que vai à lenha
E não mais volta.
Que o mundo é bem maior e mais sedutor
Que Farim do Cantanhez.
E deixa Cadi com a barriga cheia.
Agora Cadi vai a Bissau,
Levantar a pensão do pai.
As duas novas mães, tugas,
Dão-lhe dinheiro para a viagem.
Ficam amigas.
Prometem dar notícias,
De Lisboa, cidade grande,
Chão dos tugas,
E mandar roupa para o menino ou menina.
Cadi bem gostaria que fosse menino.
Para trabalhar na horta com ela.
Agora Menino já nasceu
E vai ter nome de padrinho, tuga,
Lá longe, bem longe,
Tão longe,
Que é preciso tomar avião.
Nuno vai ser nome do menino,
Por homenagem
Ao senhor capitão-fula,
Homem valente de Guileje,
Nuno Rubim, hoje coronel.
Todo o mundo está contente.
Família está contente.
Nalu está contente.
Agora que o Nhinte Camatchol proteja o menino
E a sua mãe Cadi.
E o avô, pensionista, combatente da liberdade da pátria.
E o Estado guineense que ainda paga pensão do avô.
Que a vida é a travessia de um rio,
Cheio de rápidos e de armadilhas,
De crocodilos,
De diabos,
De irãs maus…
A vida corre, como a água do rio.
Vem tempo das chuvas,
Vem mosquito,
Vem insecto, aos milhões,
Vem virús,
Vem bactéria,
Vem fungo,
Vem nuvem negra,
Vem tempestade,
Vem fome,
Vem doença,
Vem ave agoirenta,
Vem a morte, aos quatro meses...
Por paludismo!
A dor quebra coração da gente.
Da Cadi. Da Júlia. Do Nuno.
O Nuninho morreu.
Dirão as estatísticas:
Foi mais um dos duzentos
Em cada mil
Que não chega aos cinco anos.
A implacável estatística
Da mortalidade infantil
Na Guiné-Bissau:
138 por mil nados-vivos não sobrevivem
Ao primeiro ano,
diz a OMS.
O que é tu podes fazer ?
No teu país, há um século atrás
Também era assim...
A Alice não sabia.
Não sabia das últimas notícias.
Hoje foi comprar roupinhas, lindas,
Para o filho da Cadi.
Ao Colombo,
Em Lisboa,
No chão dos tugas.
Telefona ao Pepito
Para saber quando vai,
De regresso a casa,
No Bairro do Quelelé,
Para retomar o belíssimo trabalho da AD.
E se ainda tem espaço na mala,
Ele ou a Isbael,
Para arrumar uma roupa bonito para menino.
Eu deve estar lindo e robusto e saudável.
Que em Iemberém
Os meninos não tinham barriga grande.
E eram lindos, robustos, saudáveis.
Telefona ao Nuno e à Júlia
Para saber notícias da Cadi e do Nuninho.
Do outro lado da linha,
O desalento, a tristeza, a desolação.
O Nuninho morreu, aos quatro meses.
De paludismo.
Sem assistência médica.
Sem esperança.
Sem salvação.
Como um cão vadio,
Que morre na beira da estrada,
No meio do capim,
Na lixeira do bairro.
E A Cadi também esteve às portas da morte.
Por paludismo.
O Nuno e a Júlia providenciaram, a tempo,
O recurso a uma clínica privada.
Em Bissau.
E a Cadi salvou-se.
Porque gente amiga e solidária
Proporcionou os cuidados de saúde decentes
Que o dinheiro pode comprar.
Cadi perdeu o seu menino,
Espero que não tenha perdido
A fé e a esperança nos seres humanos,
Mesmo naqueles
Que assobiam para o lado,
Enquanto as crianças da Guiné morrem
Como os cães à beira da picada e do capim.
De paludismo.
De pneumonia.
De diarreia.
De má nutrição.
De SIDA.
De abandono.
De indiferença.
De falta de médico
(Que não volta
E fica a ganhar bom dinheiro em Lisboa,
Tabanca grande,
Chão dos tugas).
E de falta de medicamentos.
E de meios de prevenção e tratamento.
E das coisas mais elementares e essenciais da vida,
Como a água potável.
Ou um mosquiteiro impregnado.
O Nuninho morreu.
De paludismo,
Que é a doença da vergonha dos ricos
E um dos inimigos mortais dos pobres,
Nomeadamente em África.
O Nuninho não é, não devia ser
Um número, mais um número
Para as estatísticas, frias e cínicas,
Do nosso descontentamento
E da nossa má conscência.
O Nuninho era um menino nalu,
Filho da Cadi,
Sem pai,
Ou com um mau pai, ausente,
Que foi a lenha e não mais voltou.
E nesse dia, fatal,
Sem a sorte do Nhinte Camatchol
A protegê-lo.
Hoje a morte em Bissau tem um rosto:
O do menino da Cadi.
E a ti, pobre gazela,
Que direi ?
Coragem,
És nova,
A vida continua...
Não tenho palavras
Para calar a tua dor...
E mesmo assim sei
Que irás lutar para vingar a morte do Nuninho,
Que irás lutar pela felicidade a que tens direito,
Que irás herdar a coragem do teu velho pai,
Que lutou por um país novo,
Onde os meninos pudessem nascer e crescer,
Lindos, livres, robustos e saudáveis.
Não tens outro jeito, Cadi.
Não temos outro jeito mesmo,
Os guineenses e os amigos da Guiné.
Luís Graça
(*) Dedicado à Júlia, à Alice e ao Nuno Rubim,
Que na semana de 1 a 7 de Março de 2008
se afeiçoaram à Cadi e ao seu futuro menino,
que só teve neste mundo
direito a uma curtíssima viagem de 4 meses.
Guiné 63/74 - P3166: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (6): Tempos Modernos.
Tempos modernos
por Alberto Branquinho (*)
Era Domingo.
Quem àquela hora passasse na Avenida da República em frente à Catedral de Bissau (talvez a caminho da 5ª. Rep…), não poderia deixar de notar a algazarra que cerca de dez mulheres idosas faziam. Umas trajavam de negro outras de tons escuros. Aparentavam grande nervosismo, apertando e desapertando os panos da cintura, falando todas ao mesmo tempo, enquanto olhavam a porta da Catedral.
A tempos, faziam um batuque com pequenos paus de dez a quinze centímetros, batendo uns contra os outros ou batendo em pequenas latas. Por vezes duas ou três aproximavam-se da porta batucando paus e latas, cantando e dançando, batendo com raiva ritmada as plantas dos pés contra a laje, ao alto das escadas.
Mais ninguém estava pelas redondezas, excepto algum transeunte que, em vez de usar o passeio de Avenida, caminhasse pelo pátio da Catedral. Quedava-se por um instante, olhando a cena e seguia o seu caminho.
De entre as velhas notava-se uma ainda mais velha, com uma cara preta acinzentada, cobertas de rugas profundas. Permanecia sentada num degrau e a sua voz esganiçada e raivosa estimulava as demais, enquanto dava palmadas nos joelhos. Elas rompiam numa algaraviada estridente entre berros e lenga-lengas, novamente batucando. Acabavam as vozes e voltava a cantilena sincopada, mais raivosa que melódica e, de novo, duas ou três caminhavam, batucando, até próximo da porta da Catedral.
Assim estiveram bastante tempo.
Abriu-se a porta da Catedral. Saíram para o exterior sons de órgão e algumas pessoas. As mulheres precipitaram-se para a porta cantando, dançando, batucando. O som do órgão abafava o barulho que faziam.
Era um casamento.
Surgiram os noivos impecavelmente vestidos. Ela de tez mais clara, de vestido de noiva com uma grande cauda, que arrastava pelo chão. Ele, negro puro, de fato azul-escuro. A música do órgão subia, subia, abafando a algazarra das velhotas. Estas colocaram-se ao lado do noivo, algumas ostensivamente encostadas a ele, sempre a cantar, a dançar, a batucar. Assim os acompanharam, descendo as escadas para o passeio da Avenida, seguidos pelo cortejo de convidados.
Aguardava-os um automóvel escuro de boa marca, que, entretanto, chegara. O motorista segurava a porta traseira do lado direito, aberta.
Os noivos, assim como os convidados, continuavam, aparentemente, a desconhecer o batuque, embora o noivo mantivesse o rosto tenso e o olhar fixo.
Quando entraram no carro, o batuque, raivoso, subiu de tom, agora mais audível, ou porque a música do órgão cessara ou porque estava mais longe. O carro partiu, com um arranque rápido. Algumas velhotas pretenderam segui-lo. Era impossível.
Sentaram-se no lancil, repentinamente caladas, colocando as mãos, com os dedos enlaçados, sobre a cabeça.
Notas de vb:
(*) Alberto Branquinho, ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69).
(**) Vd. poste anterior desta série:
1 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3160: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (5): (Des)temor...
Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > O José Manuel Lopes in su situ, o Alto Douro Vinhateiro, património mundial da humanidade...
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > A entrada, íngreme, da quinta que o Zé Manel recebeu de herança do seu avô materno ("com pagamento de tornas, aos restantes herdeiros", convém que se diga...).
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > O Zé Manuel, em "farda nº 3", a de trabalho, mostrando as vistas da sua quinta... "Com um pé no Douro, e uma mão o Marão", como ele gosta de "legendar". Na foto, à direita, o meu cunhado, Augusto Soares (Gusto, na intimidade), economista e gestor reformado, e o nosso especialista em vitivinicultura na Nossa Quinta de Candoz, que fica na região demarcada do vinho verde (Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, sub-região de Amarante).
Fotos, texto e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
1. Na passada 4ª feira, dia 27 de agosto, ia eu a caminho do Marco de Canavezes para passar os últimos dias de férias na nossa Quinta de Candoz, quando dei conta que tinha um registo de chamada no meu telemóvel. Era do Zé Teixeira. Lembrei-me então, mas já tarde, que às quartas feiras está, de há muito, marcado encontro semanal da tertúlia de Matosinhos, na Casa Teresa. Imaginei que o Zé Teixeira me estivesse a convidar a desafiar para aparecer lá. E não me enganei, depois de entrar em contacto com ele, à hora do almoço. Estiveram lá quase todos os tertulianos habituais, incluindo o José Manuel Lopes .
Aproveitei então esta última semana de férias para concretizar outros projectos, um dos quais foi o da visita ao José Manuel Lopes, na sua Quinta da Sra. da Graça, perto da Régua. Estava planeada desde o nosso último encontro, em Monte Real. Bastou-me telefonar-lhe para ele, de imediato, se mostrar disponível para nos receber, a mim, à Alice e aos meus cunhados Nitas e Gusto. A visita ficou marcada para as 13h de 5ª feira passada, dia 28.
A Quinta da Sra. da Graça fica a 2 ou 3 km de Peso da Régua, na estrada nacional nº 2, Régua-Santa Marta de Penaguião-Vila Real. Por detrás da quinta passa a A24. Já faz parte do concelho de Santa Marta de Penaguião, freguesia de S. João de Lobrigos. A estrada apanha-se junto às três pontes da Régua, um dos locais que está ligado às memórias de infância do Zé Manel.
Peso da Régua > 28 de Agosto de 2008 > O sítio das três pontes... É aqui que se toma, à esquerda, a estrada para para Santa Marta de Penaguião, paralela à A24... A 2 ou 3 quilómetros fica a Quinta da Senhora da Graça... Em primeiro plano a velha ponte do Eiffel, hoje desactivada... Tinha um tabuleiro de madeira onde passavam carros de bois e peões... Um ex-libris da Régua. Tiveram o bom senso de não a deitar abaixo, contrariamente ao que é habitual neste país com o património edificado...
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Abril de 2008 > Estrada Peso da Régua - Santa Marta de Penaguião - Vila Real, paralela à A24 > Tabuleta com a indicação do acesso à quinta.
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Foi-me fácil dar com o sítio. Parti de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canavezes, seguindo pela margem direita do Douro, por Eiriz, até à Régua. São cerca de 70 km de paisagens magníficas, a começar pelas terras de São Martinho do Zêzere, onde fica a Quinta de Tormes, imortalizada numa das obras-primas do Eça de Queirós, A Cidade e As Serras. (Na Quinta de Tormes está a sede da Fundação Eça de Queirós.) Parando em dois ou três miradouros, é mais de 1 hora de viagem, numa estrada, de piso recentemente melhorado, mas de traçado antigo, cheio de curvas e contracurvas.
Reconheci de imediato o Zé Manuel, a trabalhar no seu armazém, a ultimar uma encomenda de vinhos. De costas, não se apercebeu da minha chegada. Estava, para mais, a ouvir num velho leitor de CD músicas do seu/nosso tempo: Zeca Afonso, Pink Floyd… Percebi, pelo traje desportivo, que tinha acabado de fazer o seu jogging (12 km, o que é uma obra, no verão, no Alto Douro, em que o termómetro ultrapassa por vezes os 40 graus)...
Nesse preciso momento chegava um casal de turistas, franceses, de carro, à procura de pernoita. Julgo que iam a caminho do Alto Minho, demandando a Pousada de Terras do Bouro. Tinham visto, na estrada, a tabuleta Quinta Sra. da Graça. O Zé Manuel, além de vinho, faz turismo rural. Tem 3 quartos, que quer alargar para 7 dentro em breve. Foi uma solução de recurso, devido à perda de rendimento que implicou a expropriação de mais de metade da quinta, para a construção da autoestrada, que passa ali ao lado, a A24.
Feitas as apresentações e as ofertas (trouxemos-lhe uma caixa do nosso vinho verde, produzido na Quinta de Candoz), o Zé Manel de imediato nos foi mostrar a sua casa e a sua quinta. E o dia foi curto para pôr a conversa em dia… Entretanto, chegou a Maria Luísa Valente, e foram-nos depois apresentados os filhos do casal: a mais nova, a Marta, estudante, que dentro de poucas semanas irá para Coimbra fazer o seu curso de Design e Multimédia; e o Vasco, de 24 anos, talentoso e medalhado enólogo, além de disc-jokey nas horas vagas…
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > O edifício que veio do tempo do avô: reconstruído depois do incêndio de 1959: hoje funcionam como armazém , a parte de baixo; e ampla sala de jantar para eventos, a parte de cima (com vistas fabulosas sobre a Régua, o rio Douro, os vinhedos, a serra do Marão). A piscina (salgada...) é uma das amenidades que está associada à parte hoteleira... Na foto em baixo, o Zé Manel explica como encontrou esta relíquia arqueológica, enterrada no xisto: um moinho manual para o milho...
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
A Quinta da Senhora da Graça pertencia ao avós maternos do Zé Manuel. Eram originalmente sete hectares de solos de xisto, íngremes, duros de trabalhar, situados entre os 250 e os 400 metros, onde não entra tractor, só mula ou macho… Dali pode-se, de facto, metaforicamente falando, “ter um pé do Douro” (com a Régua, lá em baixo, à nossa esquerda) e “uma mão no Marão” (imponente, azul, no seus 1800 metros de altitude, rodeada por um mar verde de vinhedos)… A frase, de antologia, é do Zé Manel, cuja paixão pelo Douro e pelo Marão eu só conhecia dos seus poemas de Mampatá…
Foi a casa onde o Zé Manel cresceu e viveu até ir para a tropa. O resto da familía (pai, mãe e mais seis irmãos) vivia na Régua onde o pai era tesoureiro da câmara municipal e projectista do cinema local (Não admira, por isso, que o Zé Manel seja também um cinéfilo, e passe hoje, desolado, pelo velho edifício do cine-teatro da Régua, em ruínas; tal como eu, tem no Cinema Paraíso, do italiano Giuseppe Tornatore, 1988, um dos filmes da sua vida).
A casa ficou em ruínas, depois de um incêndio em 1959, sendo depois reconstruída pelo avô (que é uma figura de referência para o Zé Manel). Quando veio da tropa, o nosso camarada fez questão de lá continuar a viver e a dedicar-se à vitivinicultura. Entretanto, trabalha numa empresa inglesa, do ramo de vinhos, a Cockburn & Smith. Casou com a Luísa em 1983, e por um questão de ética e deontologia profissional, a exploração da Quinta da Sra da Graça ficou em nome da Maria Luísa Valente Lopes. O Zé é um homem de valores.
Quinta Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > Em cima, o Zé Manel e a Luísa, sua companheira, que ele trata por você, com grande ternura... Foi uma das suas musas inspiradoras, no tempo em que fazia poesia... Em baixo, gravura dos tempos heróicos do Douro, emoldurada. Local: A Tendinha, casa de pasto, muito popular, da Régua (cidade onde, de resto, há excelentes restaurantes, para todas as bolsas, ou quase...).
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
O Zé Manel trabalhou cerca de 30 anos na empresa inglesa, até à morte do Sr. Smith, um antigo piloto da RAF (força área britânica), cujo avião foi abatido pelos alemães no Canal da Mancha, sendo o inglês recolhido por pescadores franceses… Mesmo sabendo isso, o Zé Manel nunca confidenciou ao patrão que tinha feito a guerra colonial na Guiné… Ele vem a sabê-lo mais tarde, quando alguém, um antigo camarada de Mampatá, apareceu, nos escritórios de Gaia, a pergunta por um tal José Manuel que tinha estado na Guiné e que ninguém, pelos jeitos, conhecia… (O sr. Lopes trabalhava na filial, na Régua; em Mampatá era apenas conhecido por José Manuel...). o sr. Smith um dia veio expressamente à Régua para conhecer, de mais perto, o seu colaborador que, afinal, também tinha – Você nunca mo disse! – repreendeu-o.
– É uma aspecto do meu currículo que não interfere minimamente no meu trabalho – desculpou-se o Zé Manel.
Vê-se que fala, com grande simpatia e cumplicidade, do seu antigo patrão que ía todos os anos a França pagar a sua dívida de gratidão à família que o salvou, na II Guerra Mundial, e a que atribuiu uma pensão vitalícia…
Depois da morte do sr. Smith, a empresa passou de mãos, ficando sob o controlo de uma multinacional, inglesa, e o Zé Manel optou pela rescisão amigável do contrato e pela indemnização a que teve direito. A partir daí, dedicou-se a tempo inteiro à sua paixão, que é fazer vinhos do Douro… A exploração continua em nome da Maria Luísa Valente Lopes...
O resto da história é conhecida: recentemente, um dos seus vinhos tintos DOC, o Pedro Milanos Reserva 2005, ganhou um espectacular 2º lugar (medala de prata) numa competição internacional, em provas cegas, no meio de milhares de produtores de todo o mundo… Não faltaram as invejas, as intrigas, os ciúmes, num meio (o vitivinícola, do Douro) que é afinal pequeno (40 mil produtores, meia dúzia de grandes empresas e seus enólogos que dominam o sistema):
– O que se passa a nível da enologia nacional é vergonhoso: há enólogos-turbo que fazem vinhos de Norte a Sul do país… Ora o enólogo não pode estar em toda a parte ao mesmo tempo… E tem meia dúzia de semanas, num ano, para mostrar o que vale.. O que se passa é que eles põem os putos, como o meu, a trabalhar para eles, por tuta e meia (menos de 500 euros)… E quem ganha os prémios, não são os putos, são eles… É difícil a uma jovem enólogo afirmar-se em Portugal, rompendo com as regras (viciadas) do sistema. Por isso alguns, e dos melhores, acabam por emigrar. Para o Chile, por exemplo. Ainda há dias uma amigo e colega do meu filho Vasco veio cá despedir-se da gente…
Não se pode ser mais frontal e corajoso, ao denunciar uma situação, como esta, que é pouco conhecida dos consumidores, e que mexe com muitas coisas (poder, dinheiro, prestígio, história, cultura, consumo, gastronomia, deontologia profissional, ética nos negócios, responsabilidade social...). Mas o Zé Manuel é também um homem lúcido e desassombtado: acabada a minha geração, desaparece esta paisagem que eu tanto amo... Somos cerca de 40 mil produtores, mas poucos, muito poucos, são verdadeiros profissionais. Não há cultura empresarial. E a terra atinge preços altamente especulativos... Há tempos pediram-me dez mil contos por um bocado de chão que confina com a minha quinta... Eu disse ao dono que nem mil lhe dava: dez mil contos é um investimento que nunca mais vou recuperar em vida...
Quinta Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > A adega onde o Zé Manel faz o seu vinho... Na foto de cima, meias pipas de carvalho francês onde envelhecem os lotes de vinho feitos com as diferentes castas... Para quem não sabe e acha caro um vinho de reserva DOC, um casco de carvalho novo, francês, importado, custa 750 euros mais IVA... Usa-se uma vez, só uma vez, para dar o gosto da madeira ao vinho... Depois serve apenas para o vinho de segunda escolha e, por fim, para a aguardente... E com meia pipa (cerca de 300 litros), engarrafam-se no máximo 400 garrafas... que podem ser vendidas directamente pelo produtor a 5 euros cada (30 euros uma caixa de seis)... Como se vê, um pequeno produtor (de 30 pipas...) nunca poderá enriquecer a produzir e a vender vinho... Resta a paixão, o saber-ser, o saber-estar, o saber-fazer... O ser é mais importante que o ter: esta é a filosofia do Zé Manel e da Luisa, que têm uma lindo projecto de vida em comum...
Na foto em baixa: os tachos com que se serve a comida, no campo, por altura das vindimas... O Zé Manel garante não ter problemas de falta de mão de obra: nas vindimas, os trabalhadores, sazonais, comem à mesa da família, são bem tratados e bem pagos... A vindima pode mobilizar quinze a vinte pessoas. O vinho tinto é todo pisado ao pé, como manda a tradição e a ciência... Durante o ano, o Zé Manel tem apenas um colaborador, externo à família, que o ajuda nos trabalhos agrícolas... Além de excelentes vinhos, a Quinta também produz um maravilhoso azeite - cerca de 600 litros - que desaparece num ápice: colhe-se à colher, ensopado no pão, no prato, de todas as maneiras e feitios... As oliveiras, aqui, bordejam os vinhedos.
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
É um homem generoso, lúcido, apaixonado mas realista, combatente, crítico e às vezes cáustico que nos fala da sua terra (a Régua) e da sua região (o Alto Douro Vinhateiro, “património mundial da humanidade”)… É crítico em relação às elites, às famílias importantes... Não perdoa os crassos erros de urbanismo que se têm cometido na Régua, em nome do poder autárquico, democrático, e que descaracterizaram a cidade:
- Dantes, toda a gente tinha acesso à vista de rio, a partir da janelas das suas casas… A especulação imobiliária e a ditadura do betão mudaram o perfil da cidade. A excessiva volumetria dos novos edifícios destruiu a Régua do meu tempo de menino e moço… Valha-nos, ao menos, o termos conseguido trazer para a Régua o Museu do Douro... Foi a única coisa boa que nos aconteceu nestes últimos dez anos… É a Régua e não Gaia que é a capital do Vinho do Porto e da Região do Douro.
Quinta Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > A última criação da dupla Vasco Valente Lopes / José Manuel Lopes... Penedo do Barco, vinho tinto, DOC, Douro... 14 graus. Um néctar, já o provámos em Candoz. O Zé Manel acha-o superior ao Pedro Milanos... Todos os anos ele faz um vinho tinto reserva, com nome diferente... É um criador e um criativo. E tem no filho, enólogo, que já estagiou na Austrália -país de grandes enólogos - seguramente um continuador a quem já transmitiu a paixão pelo Douro, a sua paisagem, a sua gente, o seu vinho... Para quem quiser provar este vinho superior, pode encomendar directamente ao produtor: 50 aéreos por caixa de seis, entregue ao domicílio, sem mais encargos. (O Pedro Milanos, tinto, DOC, Douro, 2005, sai a 30 aéreos por caixa de 6 garrafas). Telefone: 254 811 609. E-mail: quinta.grande@mail.pt
Só um produtor-poeta como o Zé Manel podia pôr no rótulo da garrafa um texto de antologia como este:
"Nascido entre muros de xisto, à mão plantados por Durienses anónimos, escultoresdeste fantástico Douro, Património da Humanidade, este vinho é resultado do microclima Duriense, do solo xistoso, das nobres castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Touriga Roriz e Touriga Barroca, de muita tradição e paixão. Vinificado em lagares tradicionais, procurámos dar-lhe a qualidade que só as pequenas qualidades garantem plenamente e o tempo certo para nascer e crescer. Este é o nosso vinho, uma parte da nossa vida que queremos sempre cheia e partilhada".
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Dá gosto ouvir o Zé Manel, na sua terra, na sua casa, na sua quinta, a falar do Douro, do vinho, das vinhas, da agricultura, da enologia, mas também do seu passado, do seu presente e do seu futuro… E, claro, a falar também da Guiné e da experiência da guerra colonial.
- Só me chateei uma vez com o pai, que era um homem severo, mas de princípios: foi quando ele tentou livrar-me de ir parar à Guiné… Ainda mexeu os seus pauzinhos. Foi comigo a Lisboa. Chegado lá, desistiu, quando percebeu a minha determinação em cumprir o meu dever. Na altura, eu estava convicto que ia defender a Pátria… E lá fui parar a Guiné, a Mampatá, em rendição individual, com ano e meio de tropa…
Na sua casa ainda me mostrou alguns “recuerdos” que trouxe do tempo em que esteve em Mampatá… A maior parte do tempo a fazer segurança aos tipos da Tecnil que estavam a abrir a nova estrada Buba – Mampatá – Quebo - Salancaur.
- Trouxe comigo uma Kalash... Um dia tive que a deitar ao rio… Houve uma denúncia, a GNR apareceu cá em casa… Ainda me chatearam. Mostrei-lhes apenas o carregador, que ainda hoje conservo… Também tenho um carregador de uma Tokarev. Numa cena de copos, em Bissau, um capitão qualquer acabou por ficar com ela, ou melhor, roubou-ma. E tenho aqui esta peça de museu: um cantil do PAICG, perfurado por uma bala de G3…
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > Memórias da Guiné (1972/74): restos de despojos de uma batalha... Um cantil, perfurado, um carregador de Kalash, outro carregador de Tokarev...
Recorde-se aqui um dos poemas do nosso Josema, Naquela picada havia a morte, em que o pesadelo da guerra está omnipresente, o terror das minas e das emboscadas, enquanto se rasgava a estrada até Salancaur:
Naquela picada havia a morte
havia a morte naquela picada
de vinte e quatro
foi tirada a sorte
para um foi a desgraça
o diabo o escolheu
ou foi Deus que o esqueceu
havia a morte
naquele caminho
naquela picada havia a morte.
Estrada de Nhacobá, 1973
josema
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Segundo depreendi, este material pertencia uma guerrilheiro abatido pelas NT. A construção da estrada (alcatroada) acima referida (e que chegou a Salancaur, por alturas do 25 de Abril de 1974) foi uma das maiores "provocações" que o Spínola fez ao PAIGC. A estrada entrava no coração das "regiões libertadas" no sul, e afectava o corredor de Guileje, por onde entravam mais de dois terços dos abastecimentos da guerrilha, para todas as frentes (armamento e outro equipamento, víveres, medicamentos, material escolar, bens de consumo corrente, etc.).
- Spínola era um estratego com visão... - reconhece o José Manuel que prefere falar, com mais calor humano, das suas missões de paz: auxiliava o Fur Mil Simões no posto escolar de Mampatá, chegava à bola com os putos das tabancas, conseguindo com isso levá-los a frequentar a escola portuguesa (em detrimento da escola corânica, o que não deixava de levantar problemas com o cherno local)...Fala com grande admiração do Simões (hoje doente) cuja despedida de Mampatá foi uma verdadeira manifestação de massas, de alegria, saudade e dor... Millhares de africanos apareciam ao longo do caminho a despedir-se do Fur Simões, que partia para a Metrópole, depois de finda a sua comissão:
- Um espectáculo impressionante... Nunca conheci ninguém tão popular entre a população local como o Simões... Infelizmente não aparece nos nossos encontros anuais. Está doente...
Volta falar-me da experiência do pós-25 de Abril… e da sua admiração por alguns guerrilheiros do PAIGC com quem se correspondeu, ainda por uns largos tempos depois do seu regresso a Portugal...
O dia foi curto para tantas emoções e novos conhecimentos. Resta-me dizer que almoçámos numa casa de pasto castiça, A Tendinha, na Régua, e que comemos pernil de porco, guisado, que estava uma delícia. Acompanhado com um rosé, fresquíssimo, que o Zé Manel trouxe de casa.
Ele e a Luisa tinham gente em casa, ao jantar. Amigos do Museu do Douro, além dos hóspedes do turismo rural e os clientes, já habituais, que vêm expressamente do Porto e de outros sítios comprar-lhes caixas de vinho... Não quisemos mais abusar da sua hospitalidade. Por volta das seis da tarde estávamos de regresso ao nosso sítio, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, com vista para a Serra de Montemuro e, ao fundo do vale, o Rio Douro, a famosa barragem do Carrapatelo por onde obrigatoriamente os cruzeiros do Douro que seguem até à Régua.
O Zé Manel e a Luísa ficam-nos a dever uma visita... Até lá, o nosso muito obrigado por este dia "cheio e partilhado". Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça
__________
Nota de LG:
Vd. último poste da série de 26 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3149: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (5): Com o Pepito na Lourinhã, capital dos dinossauros (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P3164: Em busca de... (37): Capelão Gama, do BCAV 490 (Teresa de Seabra)
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem da senhora Dona Teresa de Seabra, com data de 31 de Agosto de 2008, dirigida ao nosso Blogue.
Olá, estive em Farim em 1964-1965, onde meu Pai era o Administrador do Concelho e conheci muita gente do Batalhão 490 (*).
Morando no Estoril, há 3 anos soube que o Tenente Coronel Cavaleiro se encontrava no Lar em Oeiras. Em 1966, em Lisboa, reencontrei-o e a várias pessoas daí, conhecendo as respectivas famílias. Mas perdi o rasto do padre Gama, capelão do Batalhão, quando foi para o Brasil, lá para 1974.
Já estive em Bissau a matar saudades - fui como Professora, que sou, e devo estar viva graças ao Nino Vieira que me mandou regressar a Portugal à custa da Guiné-Bissau.
Deram-me 6 meses de vida, por causa de um vírus tropical apanhado em Bubaque, mas... já estive em Macau e por meio mundo e... cá estou eu.
Será que o Padre Gama ainda é vivo??? Estava muito doente, em 1974-5, no Brasil, depois de ido de Angola.
Se souber algo dele, agradecia me dissesse.
Obrigada e cumprimentos,
Teresa de Seabra
2. Comentário de CV
Senhora Dona Teresa de Seabra, muito obrigado pelo seu contacto.
Poderá consultar os postes abaixo discriminados, bastando para tal clicar em cima de cada endereço. Aí vai encontar algumas notícias do BCAV 490 e do Cor Cavaleiro, Comandante desta Unidade. Poderá também entrar em contacto com as pessoas que estiveram neste Batalhão no sentido de encontrar notícias do Capelão Gama.
Pode ainda acontecer que alguém que leia este poste nos contacte se tiver notícias para lhe dar.
Os nossos cumprimentos
Carlos Vinhal
Co-editor
___________________
Notas de CV:
(*) - Vd. postes de:
10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)
13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2756: Tabanca Grande (62): 14 de Abril de 1965, domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira, CCAV 489 / BCAV 490, 1963/65)
23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira, CCAV 489/BCAV 490)
1 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2909: Convívios (62): Encontro do BCav 490. Valentim Oliveira.
26 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3094: O Nosso Livro de Visitas (21): Henrique Simões, Fur Mil da CCAV 488/BCAV 490, Guiné 1963/65
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3163: O Nosso Livro de Visitas (25): Francisco Passeiro, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)
Foto: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem recebida no nosso Blogue no dia 1 de Setembro de 2008, endereçada pelo nosso camarada Francisco Passeiro, ex-Fur Mil de Trms da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)
Os meus cumprimentos.
Não sei porque carga de água fui parar ao blogue da Guiné onde também residi como Fur Mil de Transmissões até Maio de 1967, na CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 numa terra chamada Mansabá.
O blogue tem de facto informação que nos absorve por horas e horas e pelo que já cheirei, vou voltar a ele, mas para já achei o nome muito complicado, embora original.
Para mais fácil ser encontrado não será possivel ser um Guiné... qualquer coisa... sendo rebaptizado? Não sei se possivel... mas seria mais fácil dar com ele nesse monstruoso Mundo da Internet.
Fui lá parar por mero acaso e tenho pena de só agora o descobrir... parabéns pelo trabalho efectuado. Estou certo que é desconhecido de muita e muita gente que certamente poderia ajudar a manter para os futuros umas páginas de História...
Na pesquisa que fiz, curiosamente reparei nos memoriais que aparecem incritos em Mansabá que o BART 645 esteve lá até 1966. Irei ver se de facto estou errado pois lembro-me que a minha Companhia foi render os Águias Negras em Mansabá em 1966 ou 1965 (?). Depois direi alguma coisa.
Com tristeza não encontrei nada sobre o destacamento K3 que à data, tanta tinta e pólvora fez correr, e que foi instalado pela CCAÇ 1421 e outros, a 3km de Farim, para interromper um trilho de cambança da Zona donde se destacava a muito importante base de Morés, no centro do muito célebre, na altura, triangulo da morte (povoações do Olossato, Bissorã, Mansabá)
Divulgarei o blogue quando possível, nomeadamente nos almoços anuais que se realizam. É muito gira a ideia.
Embora não tendo sido um operacional, contrbuirei com o que me lembrar.
Parabéns
Francisco Passeiro
2. Comentário de CV
Caro Passeiro
Obrigado pelo contacto.
Estou a responder-te em nome do nosso camarada Luís Graça, fundador e principal animador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, conhecido entre os Tetulianos por Tabanca Grande, onde acolhemos todos os camaradas que combateram na Guiné e que queiram colaborar na feitura de um trabalho que queremos seja um espólio para, no futuro, dar a conhecer aos nossos vindouros o que foi a guerra colonial, neste caso, naquela pequena parcela da Guiné.
Aceitamos a tua opinião sobre o nome do Blogue, mas primamos pela originalidade e diferença, pelo que para já sentimo-nos muito bem assim.
Com respeito ao fim em si, deste Blogue, acertaste quando disseste que seria um legado para os futuros. É isso mesmo. No primeiro contacto connosco, adivinhaste o nosso propósito.
Como todos seremos poucos, ficas convidado, desde já, a aderiri à nossa Tabanca Grande. Manda uma foto do teu tempo de tropa e outra actualizada, tipo passe preferencialmente, começa a preparar as tuas estórias e as tuas fotografias e manda para nós. Assim serás mais um, nesta tarefa de dar a conhecer aos mais novos o que foi a maior preocupação da nossa geração (a guerra colonial) e como soubemos aguentar aquele duro sacrifício, com enormes cutos de vidas e saúde, com incapacidades temporárias e permanentes.
Na nossa Tabanca tratamo-nos todos por tu, independentemente dos postos que tivemos (e alguns ainda têm) e da posição que cada um ocupa na sociedade. Somos verdadeiros camaradas e amigos, unidos pelas recordações das nossas vivências naquela pequena terra da Guiné, que nos marcou, para o bem e para o mal, para sempre.
Falando do K3, se procurares, encontras alguma coisa, uma vez que até temos entre nós pelo menos um tertuliano que passou lá bons tempos, no dizer dele. Trata-se do ex-Alf Mil Vitor Junqueira da CCAÇ 2753, Companhia esta que nos foi render a Mansabá, ainda antes de acabar a sua Comissão.
Falando de Mansabá, onde também estive entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972, se tiveres fotos de lá, podemos trocar, como fazíamos com os cromos quando éramos putos.
Ficamos à espera de notícias tuas. Até lá pesquisa o nosso Blogue para te sentires também responsável pela sua continuidade.
Recebe um abraço de boas vindas, em nome de todos os tertulianos
Carlos Vinhal
Guiné 63/74 - P3162: Estórias do Juvenal Amado (15): Adeus, até ao meu regresso
Caros camaradas Carlos, Virgílio, Luís Graça e restante Tabanca
Cá vai mais uma pequena estória, embora uma ficção, que se repetiu vezes sem conta ao longo dos anos de Guerra.
Como digo na introdução, ela surge da correspondência mantida com o nosso camarada Vasco Joaquim (**).
Ele pertenceu ao BCAÇ 2912 que nós fomos render. Algumas das fotos para além de ilustrarem a estória, servem também de documento histórico, onde são mensionados os nomes dos camaradas que morreram nas Duas Fontes, em 1 de Outubro de 1971.
Deixo ao teu critério as fotos que entenderes usar.
Um abraço a todos os camaradas que já eram casados ou não
Juvenal Amado
2. Introdução
Casado desde os vinte anos, ela com dezoito e após 40 anos de matrimónio, já com cinco filhos, a forma que ele fala do grande sofrimento que foi a separação durante os anos que esteve na Guiné, mais precisamente em Galomaro, (BCAÇ 2912 de 1970 a 1972), é elucidativa do drama que o atingiu com a separação.
Também me levou a recordar uma situação passada com o meu camarada Lourenço Periquito, que também já era casado e tinha um filho quando embarcou para a Guiné.
O Lourenço todos os dias escrevia e recebia carta da mulher. A dada altura essa corrente de escrita quebrou-se, pois o nosso camarada deixou de receber as cartas da esposa. O nosso camarada estranhou, mas lá ficou esperando sem dizer nada a ninguém.
Os dias e as semanas foram passando, o correio não chegava. O desespero levou a umas cervejas a mais, o nosso camarada soltou o seu drama dando largas à sua dor.
Falou-se com o Comandante e a partir daí, logo ele recebeu noticias de casa. Também a esposa estava aflita, pois não sabia como contactar o marido. (Telemóveis vieram muitos anos depois).
O incidente foi motivado pelo carteiro que fazia aquela zona ter ido de férias e o que o substituiu, nunca ter levantado o correio da caixa que ficava no pequeno povoado.
O Lourenço recebeu de uma só vez a correspondência de quase um mês, e era vê-lo devorar as cartas com a felicidade estampada no rosto.
Embora esta estória tenha sido gerada pelo testemunho do nosso camarada Vasco, que confidenciou que tanto ele como a esposa, numeravam os aerogramas para terem a certeza que não perdiam nenhum, é intenção minha dedicá-la a todos os que viveram situações semelhantes.
Os dois casos têm final feliz.
Fotografia de casamento do nosso camarada Vasco Joaquim, mas que podia ser de qualquer um dos muitos militares que deixaram as suas esposas para ir combater.
Foto: © Vasco Joaquim (2008). Direitos reservados.
3. Adeus até ao regresso
Mais uma estória de amor
Olho os teus cabelos espalhados na almofada.
Nunca te disse quanto te amo. Na penumbra, o meu olhar desce pela curva do pescoço, ombros até ao arredondado dos seios. Finalmente adormeceste, após a longa vigília que prolongou o amor feito de desespero e ansiedade, pela partida próxima.
O teu corpo nú, encostado ao meu, tão perto da despedida. Acaricio-te a pele macia, mexes-te ligeiramente sem acordar.
Volto a olhar a curva do teu rosto sereno, de vez em quando atravessado por um leve franzir, como se uma preocupação teimasse em não desaparecer.
Algumas horas nos separaram dos dois anos em que possivelmente nunca nos veremos.
Antevejo a dolorosa despedida, não com um até já ou um até logo, mas sim com um até qualquer dia.
Acordo-te suavemente. Abres os olhos e sorris, mas logo o sorriso é substituído pelo pânico:
- Já está na hora? - Perguntas aflita.
- Sim tenho que me preparar, não posso perder o comboio - respondo.
Tinha sido um acto de loucura termo-nos casado antes de eu ter sido mobilizado. Nem casa tínhamos, por isso o termos ficado em casa dos meus pais, ocupando o meu quarto de solteiro, rodeados dos meus livros e discos.
Depois da minha partida, voltará para casa dos pais dela, onde se sentirá mais apoiada.
São tempos conturbados estes. O nosso horizonte é limitado pelo o fantasma da guerra.
Aquele trocar de olhares no baile, o convite mudo para dançar, fez-me ficar preso à tua juventude e guardá-la para mim, nesse momento único.
Beijámo-nos sem parar. Os lábios sabem a sal.
- Vou-te escrever todos os dias.
Os sacos pesam como chumbo, ou se calhar são os meus braços que os não aguentam. A despedida é mais violenta que eu alguma vez imaginei.
- Não chores. Não quero guardar de ti esta ultima imagem.
- Todos os dias quero receber carta tua e eu todos os dias te respondo. Prometes?
- Prometo - respondo, não conseguindo afastar-me daquele abraço.
Fica à porta, parece mais pequena. Está frio, mas não parece dar por ele.
Terei esta imagem dela no combóio, nas árvores, nos rios, nas núvens e nos momentos de solidão.
Desejarei tê-la comigo ao deitar e ao acordar. A saudade vai-me perseguir cada dia e cada hora até ao intolerável.
O navio já está à espera nos Cais. O Tejo está cinzento e um manto de neblina paira sobre ele.
A cidade dorme.
Não avisei do dia do embarque. Não seria capaz de suportar outra despedida.
Entro para o barco, estou cheio de frio, não tem conta os cigarros que acendi. Olho para o Cais. Há muitos familiares dos meus camaradas. Foram mais corajosos do que eu.
O barco parece estar inclinado, pois todos nos agrupamos do lado do Cais. Ouvem-se as sirenes e aqueles cabos que ainda nos ligavam a terra já estão soltos. Os gritos e os assobios dos meus camaradas enganam a angustia.
Muitos dos pais vieram a Lisboa pela primeira vez. Uma ocasião para ser recordada pela tristeza.
Vejo o teu rosto em todas as jovens que se despedem com lenços a acenar.
Também eu aceno, despeço-me de ti em todas elas.
- Adeus até ao meu regresso meu amor
Juvenal Amado
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Notas de CV:
(*) - Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3126: Estórias do Juvenal Amado (14): Morteiro no meio da Parada de Cancolim
(**) - Vd. poste de 9 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3124: O Nosso Livro de Visitas (23): Vasco Joaquim, 1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912 (Juvenal Amado/Carlos Vinhal)