terça-feira, 26 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16019: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (2): Dez comentários aos primeiros 1500 postes



Guiné-Bissau > Maqué > 2006 > " O mais belo poilão que conheço da Guiné" (Paulo Salgado) [. na foto, o Paulo Salgado, sentado, e Moura Marques, de pé, ambos antigos militares da  CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72].

Foto (e legenda); © Paulo & Conceição Salgado (2006). Todos os direitos reseravdos


1. Na festa dos 12 do nosso blogue (*), fizemos uma seleção (rápida de 10 comentários aos primeiros 1500 postes de um total de 16 mil já publicados desde 23/4/2004. Atenção, que passámos a ter comentários escritos a partir de  25/9/20054, ao poste P188:






Dunyazade disse...

Fiquei parva com esta história - de link em link cá cheguei. Está lá o coração todo.  E mais parva fiquei por este post não ter comentários. Os portugueses ignoram aquilo que não querem saber? Parece-me o caso. 

[20/1/2006]

4 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P399: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)

Anamargens disse...

Eu tive um tio na Guiné, marido e cunhado em Angola, irmão em Moçambique, na(s) Guerra(s). Nunca vi nada. Pouco ouvi de relatos. Não esqueci. E continuo a achar que não pode ser esquecido.
Aprecio que quem viveu deixe o seu testemunho. 

[6/1/2006].

Manuel Araújo disse...

Parabéns e obrigado, por despertar em mim a saudade e vontade crescente de voltar ao Olossato antes de morrer.

Regressei no dia 14 de Outubro de 1974, eram 11:45 da noite e, desde o regresso, nunca encontrei nenhum camarada do BCAV 8320/73 (2ª CCav)

Coloquei estas fotos no meu blog, para ver se "aparece" alguém:

http://manuelaraujo.blogspot.com/1999/09/guin-olossato_24.html
http://manuelaraujo.blogspot.com/1999/09/guin-olossato.html

Se alguém se reconhecer aí, entre em contacto comigo por favor...

Um abraço ao mentor deste espaço e muito obrigado.

Araújo 
(o Braga das Transmissões) 
[16/1/2007]


17 de maio de  2006 > Guiné 63/74 - P765: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira)

adavid disse...

Também estive em Mansoa (Janeiro de 1971-Janeiro de 1973) e a visualização da foto que ilustra este post não pode deixar de me comover. Ainda por cima servindo de suporte a um texto (magnífico) do padre Mário, por quem tenho grande apreço. É a primeira vez que passo por aqui. Irei continuar.

Um abraço. [21/5/2006].


28 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P810: Barro e Guidage, no tempo da CART 2412 (Afonso M.F. Sousa)

daniel matos disse...

Como estive 22 dias cercado em Guidage (Maio/Junho de 1973) gostaria de deixar também um testemunho. Tal como o posto de transmissões, nas fotos referidas também não aparece o abrigo do obus, destruído a 25 de Maio, onde me encontrava no momento do rebentamento da morteirada, com mais 15 camaradas, metade dos quais que ali se refugiaram durante um ataque do IN. Desses, morreram logo 6 (que dias mais tarde fui incumbido de enterrar nas imediações) e apenas eu não fui ferido (todos os outros se feriram com diferentes gravidades). A maioria pertencia à minha companhia (CCAÇ Ind 3518, Marados de Gadamael), que ali viu retidos 2 pelotões durante um abastecimento de cibe vindo de Bissau, fazendo segurança à coluna que inicialmente se destinava apenas a Farim. Não percebo por que razão esta Companhia nunca aparece referenciada nos acontecimentos de Guidage e nos efectivos que lá permaneceram nesses dias fatídicos. Aliás, o número de mortos em combate que muitas vezes é mencionado, parece-me incorrecto. Lembro-me de enterrar camaradas envoltos em lençois, por já se terem esgotado os caixões... Cordiais saudações

Daniel de Matos (ex-Furriel Miliciano) [23/8/2006]



7 de setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1055: Estórias do Zé Teixeira (12): O Balanta que fugia do enfermeiro

Anónimo disse...

Os jornalistas perguntaram a Holden Robertode Angola (fnla), logo a seguir ao 25 Abril de 1974, porque ao fim de 13 anos de luta de libertação, as populações quase nunca aderiram: Ele, que tinha sido educado numa missão protestante americana, respondeu: "Parecem coisas diabólicas, difíceis de explica"... 
Como eu vivi o antes, durante e depois da guerra quase sempre em África, (tenho quase 70 anos), faço como que um passatempo, tentar compreender como aguentámos 13 anos aquela guerra, e como o Holden Roberto, quase digo que são coisas diabólicas...Mas não digo: (Atenção que há 30 anos as minhas leituras são quase só referentes ao assunto), o que digo é que o "sucesso" se deveu aos milicianos e rasos, que foram "os senhores da não guerra" (e o Salazar sabia disso) e aos comerciantes que não arredavam pé...E ao inssucesso de todas as "falsas independências africanas" então, que vemos agora o resultado com os milhões de africanos a fugir para as Canárias. 

António Esteves Rosinha, Alverca [7/9/2006]


17 de setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1082: Notícias da CCAÇ 2402 e do BCAÇ 2851 (Raul Albino)

João Gomes disse...

Em primeiro lugar desejo saudar todos os que tem visitado e deixado impressões sobre a Guerra do Ultramar, em especial da Guiné-Bissau. O meu nome é João Gomes Bonifácio e fui Furriel Miliciano do SAM e pertenci à CCAÇ  2402 / BCAÇ 2851. Desejo enviar os meus parabéns ao ex-alferes Miliciano Raul Albino, e dizer-lhe que tenho tentado ler este magnífico blogue, mas muito devagar. Tambem eu gostaria de participar, mas a verdade é que por razões que ignoro, vejo muitos oficiais e poucos sargentos a enviar fotos e a comentarem. Espero que mais apareçam e falem das suas "guerras" para que todos saibamos como passaram a comissão de serviço, e ao mesmo tempo aprender mais sobre nós próprios, já que somos os únicos que compreendemos os nossos sacrificios passados em Có, Mansabá ou Bafatá.
Estou motivado para participar, tal como estou a fazê-lo na edição do segundo livro sobre a CCAÇ 2402, que será uma amostra não so desta Companhia, mas que também pode ser de qualquer outra Companhia e de qualquer ramo das FA.
Atualmente vivo no Canadá, numa cidade a cerca de 60 kms de Toronto.
Os meus cumprimentos para todos vós, em especial para o Autor deste blogue. Alguém tinha de fazer algo de bom. Parabéns. 

[24/11/2006]

5 de outubro de 2006 >  Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

Seringas do Jol disse...

Olá amigos!
Hoje 5 de Outubro, lá estive e pela 1ª vez, na  Mealhada,  no almoço anual da malta ! Correu muito bem e o "leitão" estava uma delícia !

Parabéns por este blog.
[5/10/2016]

António Ramos de CARVALHO - Lousã/Coimbra
(Furriel Enfermeiro 70/72 em Jolmete - Pelundo)


7 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1570: Convívios: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)


Cada vez que aqui venho, entre o muito que aprendo e o muito que me emociono, fico sempre com uma certeza outra: a da imensa dignidade da vossa camaradagem e da vossa ausência de ressentimento.
Aqui se destaca com grande evidência a generosidade, a sabedoria e a inteligência do papel das Forças Armadas...
Infelizmente... os mandantes de hoje parecem sofrer todos de memória de grilo!

Os melhores cumprimentos, Senhor e Senhores 


[7/3/2007]

8 de março 2007 > Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

Osvaldo Tavares disse...

Para dedicar ao meu pai, Victor Tavares

A presença remota do passado, 
Nos sentidos, ainda tão vibrante, 
Questiona o que se tem apressado 
E contido neste peito infante! 

O passado é potencial tão presente 
Mas passível de transformação, 
Naquilo que hoje se sente 
Bem no fundo do coração! 

Num desenrolar de emoções 
Vão passando como um filme na mente 
As lembranças que fazem reviver 
A ascenção de uma vida tão ardente 

São belas recordações que inundam 
Com miragem o poder da fantasia 
As saudades de um tempo que não volta 
Mas invadem a alma de alegria 

Lembranças que abrem o caminho 
Como luzes que brilham com ardor 
E acalentam um grande sonho 
De viver um futuro com amor

 [18/3/2007]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 26 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, vão não ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)


(...) 12 (doze!) anos é idade maior na Net (que nasceu no início dos anos 90 do século passado). Com menos disso, já muitos blogues morreram.

12 (doze!) anos é "manga de tempo", dava para fazer 6 (seis!) comissões na Guiné, desde o princípio ao fim da guerra (1961/74).

12 (doze!) anos é cerca de um sétimo da esperança de vida (média) de alguém como eu que, nascido em 1947, tinha aos 65 anos em 2012...

Camaradas (e amigos/as): 12 (doze!) anos é "manga de tempo"!... Por isso, o 12º aniversário do nosso blogue merece ser comemorado, por muito cansados que estejamos da guerra e da vida!... (...)

Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)



Caldas da Rainha > RI 5 > Juramento de bandeira > 1968


Foto: © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados. [Edição. L.G.]



1. No dia 23 de abril de 2016, o nosso blogue fez 12 anos. Publicámos o nosso poste nº 1 em 23/4/2004. E depois desse mais de 16 mil. A efeméride não pode passar despercebida.


12 (doze!) anos é idade maior na Net (que nasceu no início dos anos 90 do século passado): com menos disso, já muitos blogues morreram.

12 (doze!) anos é "manga de tempo", dava para fazer 6 (seis!) comissões na Guiné, desde o princípio ao fim da guerra (1961/74).

12 (doze!) anos é cerca de um sétimo da esperança de vida (média) aos 65 anos, em 2012, de alguém, como eu, que tenha nascido em 1947.

Camaradas (e amigos/as):

12 (doze!) anos é "manga de tempo"!... Por isso, o 12º aniversário do nosso blogue merece ser comemorado, por muito cansados que estejamos da guerra, da vida e... do blogue!...

Traduzida em números, a atividade do nosso blogue representa:

(i) 16 mil postes;

(ii) 714 membros inscritos (formalmente na nossa Tabanca Grande, dos quais infelizmente 44 já morreram), oriundos dos mais diversos sítios onde vivem camaradas nossos (e também alguns amigos), da Austrália à América, da Suécia ao Brasil, de Paris ao Mindelo, de Viana do Castelo a Bissau, de Lisboa a Macau;

(iii) 700 álbuns, 59  mil imagens (, incluindo mais de 300 vídeos):

(iv) 63 mil comentários;

(v) 7,8 milhões de visualizaçõs de páginas;

(vi) 11 encontros nacionais, anuais, da Tabanca Grande, desde 2007, com cerca de dois mil inscritos;

(vii) e,  sobretudo,  muitas memórias e muitos afetos partilhados entre todos nós...


O blogue nasceu em 23/4/2004. E por essa altura eu escrevi, à laia de justificação para passar a dedicar o meu blogue pessoal (Blogue-Fora-Nada) unicamente à Guiné, à experiência (partilhada) da guerra na Guiné (primeiro circunscrita aos anos de 1969/71 e depois alargada, muito rapidamente, ao período de 1963/74):

"Trinta anos e tal anos depois. Para que não digam, os (por)tugas mais novos, que a Guiné nunca existiu. Que a guerra da Guiné nunca existiu. Ou que nunca ouviram falar da guerra colonial (em África). Uma guerra que marcou, se não um povo inteiro, pelo menos toda uma geração. A minha geração.

"Desenterro estes escritos, guardados no sótão da casa e sobretudo no sótão da memória, em homenagem a todos os que derramaram o seu sangue na Guiné, entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971. Ou que deram o melhor da sua vida, a sua juventude, a sua generosidade, os seus sonhos, as suas ilusões. Pela Pátria, dizia-se então. Ou por nada, o que é pior.

"Há trinta e tal anos... Em homenagem aos que combateram, de um lado e de outro, nos três teatros de operações (Angola, Moçambique e Guiné). Em particular aos meus camaradas, portugueses e guineenses, da Companhia de Caçadores nº 12 (CCAÇ 12). Que se bateram com dignidade, bravura, galhardia e honra (mas também com ética!) na Zona Leste, Setor L1, da Guiné. (...)

"Há trinta e tal anos... Em homenagem também aos que fizeram o 25 de abril de 1974. Foi no meu tempo, na Guiné, entre os milicianos, que o moral das tropas começou a deteriorar-se. Inexoravelmente. E a contaminar os oficiais e os sargentos do quadro, já poucos, velhos e cansados. Por exemplo, em 26 de novembro de 1970, a escassos três meses da minha rendição individual e do meu regresso a casa, mandei impunemente à merda toda a hierarquia militar do aquartelamento de Bambadinca, do tenente-coronel aos majores e capitães, depois de termos sofrido um dos nossos piores reveses militares, a CCAÇ 12 e a CART 2714 [Companhia de Artilharia aquartelada no Xime], no decurso da Operação Abencerragem Candente: seis mortos e nove feridos...

"Tudo aconteceu por grave erro que na altura imputámos ao major, segundo comandante do BART 2917, um militarão de artilharia [, antigo professor da Academia Militar,] que não gozava da simpatia dos alferes e furriéis milicianos. Abreviando razões, o comandante da força, que integrava a fatídica Operação Abencerragem Candente (...), obrigara-nos a repetir o percurso de véspera (25 de novembro de 1970), a caminho da Ponta do Inglês (Região do Xime, na confluência dos Rios Geba e Corubal)... Contra as mais elementares regras de segurança militar! É que na Guiné bichos e homens sabiam que nunca se pisava duas vezes o mesmo trilho e nunca se bebia duas vezes a água do mesmo rio...

"Ainda recordo, com nitidez, as palavras que dirigi, depois do regresso a Bambadinca, na parada, alto e em bom som, frente às instalações do comando do BART  2917, utilizando a mesma linguagem de caserna com que me fizeram soldado à força (...): 'Assassinos, criminosos de guerra, limpo o cu às folhas do RDM [ Regulamento de Disciplina Militar]'...

"Podiam ter-me mandado prender por insubordinação, por grave infracção ao RDM, por crime de lesa-pátria... Não o fizeram, não tiveram coragem de o fazer: pediram apenas ao médico (miliciano) que me desse um Valium 10; o meu capitão, por seu turno, achava que eu andava muito cansado... Diagnóstico: distúrbio emocional, muito frequente na época entre as NT (nossas tropas).

"E no final da comissão fiz-lhes a história dos seus gloriosos feitos em combate. Deram-me um louvor, averbado na minha caderneta militar, pela qualidade e seriedade do meu trabalho ... jornalístico. Dei-lhes a volta e fiz a crónica da guerra, baseado em toda a informação classificada a que tive acesso, para além das minhas próprias memórias, já que também fui um operacional com intensa actividade (...).

"O acesso aos arquivos da CCAÇ 12/CCAÇ 2590 contou, naturalmente, com a cumplicidade de um dos sargentos do quadro. Um alentejano, de origem proletária, que meteu o chico (leia-se: seguiu a vida da tropa), e que me alcunhou carinhosamente de soviético ou camarada Sov, ao que julgo saber por eu ser do contra (...).

"Dezenas de exemplares da história da CCAÇ 12, tirados a stencil, acabaram por ser distribuídos pelos tugas da companhia ( e em particular pelos meus camaradas milicianos), chegando assim à Metropóle, mau grado as instruções do capitão que, aflito e em vésperas de ser promovido a major, a mandara classificar como documento reservado. Onde quer estejas, meu caro Sargento P[iça], vivo ou morto, eu ainda tenho uma dívida de gratidão para contigo! E do meu capitão, então com 37 anos, uma comissão na Índia e três em África, eu só posso dizer que era um bom homem e um bom portuga. "(...)


Camaradas e amigos/as: dou o pontapé de saída, com um texto que fui repescar ao meu já muito rapado baú... Cada um de vocês pode também contribuir, com textos, fotos e outros documentos inéditos (ou reformulados), para animar a Tabanca Grande e festejar os 12 (doze!) anos do nosso blogue. O administrador  deste condomínio (que não é fechado!) agradece!... LG



2. Heróis de um guerra que nunca existiu e que, por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu


por Luís Graça (*)





– E no fim quem levou a taça foi o capitão!... Pelo menos, sabemos que chegou a general de duas estrelas, disse-me o Pinto...Paz à sua alma, no caso de já ter morrido! – ouviu-se a voz do Paranhos, à segunda rodada de espumante da Bairrada, com que acompanhávamos o leitão, num restaurante de beira de estrada, ali para os lados da Mealhada, na antiga estrada nacional nº 1.
– Em boa verdade, pouco se soube dele, depois do 25 de abril... Não deu nas vistas, por boas ou más razões. Acho que estava num batalhão, no leste de Angola, na altura do 25 de abril, Ouvi dizer que era coronel, na guarda fiscal ou coisa parecida… Sim, e deve ter chegado a brigadeiro! – opinou o nosso vaguemestre, o Pinto que, depois da tropa, foi dos que continuou a estudar e era agora dono de uma pequena empresa de contabilidade em Coimbra, e um dos organizadores do encontro.
– Deu-me uma porrada, nunca fui à bola com ele! – desculpou-se o Paranhos… Hoje deve estar cheio de graveto…
– Mas, era a vida dele, a carreira dele! – atalhou o ex-alferes Pimentel, transmontano, advogado e autarca, que nada tinha perdido do seu espírito de reverência em relação a todas as hierarquias deste mundo.
– E depois nós éramos milicianos, estávamo-nos nas tintas para as divisas e os galões! – atalhei eu, tentando, sem jeito, deitar água na fervura.
– E, nós, soldados do contingente geral!... Carne para canhão, porra!– ripostou o Paranhos.
– Estávamos todos metidos no mesmo barco, essa é que essa! – opinou o Pimentel. – E demos o melhor à Pátria, quando a Pátria nos chamou para cumprir o nosso dever.
– Mas mesmo assim havia diferenças, carago! No meio daquela merda toda – desculpem lá a expressão! – vocês até eram uns fidalgos: tinham patacão, graveto; tinham messe, bar, bebidas estrangeiras; iam matar a malvada a Bafatá; comiam umas garinas, brancas ou verdianas,  de vez em quando, em Bissau; vinham de férias, na TAP, à Metrópole…

E lá continuou o reguila, o "corrécio", do Paranhos a vociferar contra os privilegiados dos tugas de 1ª classe que na guerra tinham messe, com direito a comer de garfo e faca e toalha branca na mesa:
– Olha que nem toalhas de plástico tínhamos na merda do refeitório!... Nós, os tugas, de 2º classe... Se é que podíamos chamar àquilo um refeitório, chamávamos-lhe a "manjedoura"...
– Exageras, ó Paranhos! – emendou o Pinto. Até nem se comia mal, pelo menos eu esforcei-me...
– Qual quê!?... E depois alguns dos milicianos que eu conheci,  na tropa e na Guiné,   se calhar até nem queriam outra vida se não fosse terem de andar com a puta da canhota no mato!.. Não falo dos chicos, nem vou citar nomes, muito menos quero referir-me à malta da nossa companhia que deu o litro e meio, que foram uns heróis... Mais: alguns milicianos que eu conheci (e vocês também), nunca tinham ganho um tostão na puta da vida, a não ser a mesada do velho...
– Calma aí e para o baile, ó Paranhos! Estás a ser injusto, ao meter tudo no mesmo saco ! – interrompeu, de chofre, o ex-vaguemestre Pinto – Havia milicianos e milicianos como havia chicos e chicos. Eu não posso queixar-me, que não fui operacional, mas houve vaguemestres que morreram em combate.
– E, se calhar, até cangalheiros, corneteiros e barbeiros,  dentro do arame farpado! – ironizou o Paranhos.
– Muitos de nós, furriéis e alferes, já trabalhávamos – comentei eu, ajudando a cortar o fio à meada do discurso torrencial (e potencialmente perigoso) do Paranhos, a quem a segunda garrafa de espumante, barato,  começava a abrir as goelas da desinibição e da "inconveniência"... Todos sabíamos que, no passado,  ele "tinha mau vinho"...
– Cá o Zé Soldado como eu já era chefe de família e há muito que fossava no duro, antes de ir parar com os quatros costados à Guiné. É bom que não se esqueçam disto, carago!... Quanto ao resto, reconheço que éramos todos iguais, tugas e nharros, alferes, furriéis, cabos e soldados, que elas no mato não traziam código postal, não distinguiam nem preto nem branco, de primeira ou de segunda...
– Ou nos ataques ao quartel, que lá também se morria, dizes bem... –  acrescentou o Pinto, conciliador.


Vinte anos depois do nosso regresso...


O Paranhos, o nosso cabo Paranhos!... Era com emoção, com alguma emoção, mal contida e disfarçada, que eu voltava a abraçá-lo, ali num restaurante da Mealhada, em 1991, vinte anos depois do nosso regresso, no verão de 1971!... O Paranhos, com o seu inimitável sotaque tripeiro e a franqueza que era timbre da boa gente do Norte!...

Passámos, muito naturalmente, a tratarmo-nos por tu... Tínhamo-nos tornado amigos (ou, talvez melhor, confidentes e cúmplices um do outro, camaradas, no sentido etimológico do termo, já que na tropa não havia nem colegas nem amigos, mas apenas gente que partilhava o mesmo chão, a mesma caserna, o mesmo bivaque, a mesma tenda, o mesmo abrigo,  o mesmo beliche, a mesma cama, o mesmo buraco, a mesma viatura e às vezes o mesmo leito de morte!) nessa longa noite em que viajáramos juntos, de comboio, do Campo Militar de Santa Margarida até ao cais de embarque, em Lisboa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos.

Entre dois tragos de bagaço de vinho verde tinto, rasca, o Paranhos fora-me contando a sua vida, os seus sonhos, os seus projetos, a mim, seu confidente de circunstância, vizinho de lugar e companheiro de infortúnio, lucidamente deprimido, à medida que o comboio da CP, requisitado pela tropa, galgava as terras banhadas pelo Tejo, pela calada da noite, envergonhadamente, só com as luzes de presença nos carruagens apinhadas de militares e de bagagens. Ao fundo, um acordeão, desafinado e melancólico, ainda nos punha mais deprimidos, a escassas horas de embarcarmos no velho Uíge da carreira colonial.

Do seu longo e pastoso monólogo, retirei algunas notas que assentei no meu diário (ou que guardei na minha memória): para lá do Douro, ficava uma infância pobre, uma adolescência truculenta, uma filha de mãe solteira, um futuro incerto de operário do têxtil ou da ferrugem, já não me recordo bem. Filho de pequenos rendeiros pobres, de Entre Douro e Minho, cedo pegara na trouxa para apanhar o comboio da Linha do Douro e assentar arraiais numa ilha na freguesia de Paranhos, no Porto, razão de ser da alcunha que lhe deram na tropa.
– Em busca de melhores dias, já que em casa o caldo, a broa e o verde tinto mal chegavam para dez bocas.
– Fome... mesmo, a sério ?! – insinuei eu, timidamente.
– Não, meu furriel, você não sabe o que é isso: uma sardinha para três em dia de festa; um bocado de toucinho quando se matava o porco lá pelo Natal; um caldo de água quente, pencas (ou couves, como vocês chamam em Lisboa) e pão de milho esfarelado para aconchegar o estômago; batatas com batatas, quando as havia, castanhas cozidas no tempo delas… Mas um homem habitua-se a tudo... Fome, fome, não. Digamos que passei necessidades... Eu e os meus irmãos e sobretudo os meus pais, para não falar dos pais dos meus pais que já não cheguei a conhecer…
– Tal como dizia o povo, "esta vida não chega a netos, nem a filhos com barba"...– interrompi eu.

E, no Porto, na sua Paranhos, ainda popular e rústica, onde havia grandes quintas até aos anos sessenta e tal, onde se cultivava pencas e milho, numa apinhada “ilha”, em que se juntara gente fugida da miséria dos campos,  de Cinfães, Baião e Marco de Canaveses, faria entretanto a sua "universidade da vida": marçano, barbeiro, trolha, biscateiro, futebolista, empregado de café, chulo de puta fina – “azeiteiro, como se diz na minha terra”… até descobrir o duro caminho que o levaria aos portões da fábrica, ali para os lados de Massarelos, se bem percebi.
– Ainda tive uma cautela premiada aos 18 anos, que me deu uns contos de réis... Mas tão depressa vieram, como se foram... Sempre tive alguma sorte ao jogo e basto azar nos amores... Mas quanto aos “cães grandes", deixe-me que lhe diga:  aprendi a tirar-lhes o boné e a cuspir-lhes na sombra desde o dia em que, descalço, mas já com pelo na venta, e os tomates inchados, acompanhava o meu velhote na visita anual à Casa do Fidalgo, pelo São Miguel, para acertar a renda: dois terços do vinho, metade do milho, a melhor fruta para a senhora, a viúva de um juiz salazarista que tinha tantas quintas na zona quantos os dedos nas mãos…

Falava do seu velho pai, "pai e patrão" (sic), com ternura contida e com o respeito comovido que lhe mereciam os queridos mortos de que a História não fala. Tinha falecido no princípio do ano de 1969, de cancro no estômago, segundo creio,  nas vésperas da ordem da sua mobilização para a Guiné. Portanto, a dor ainda "estava em ferida" e o luto por fazer.
– As alegrias passam, meu furriel. Só as desgraças e as injustiças nunca se perdoam e nem se esquecem. As tainadas, as bezanas, tudo isso a gente caga e mija... Veja o senhor meu pai, já falecido. Trabalhou uma vida inteira como uma besta de carga para morrer pobre como Job, sem um cantinho a que chamasse seu, como qualquer cabaneiro ou sem abrigo. Mal sabendo ler e escrever!... Fez tropa nos Açores, no tempo da II Guerra Mundial, andou a mourejar nas minas de ferro de Moncorvo, antes de se casar… Ainda pensou nos camiunhos de ferro,  mas o que valia um homem sem s 4ª classe ?!... Conheceu muitos fidalgos, como ele chamava aos senhorios ou patrões… Sempre o conheci de chapéu na mão, agradecendo a suas senhorias o grandessíssimo favor de continuar na terra por mais um ano, depois do São Miguel… Viveu uma vida emprestada, viveu por favor dos "cães grandes"... É isso que me revolta, carago. E é por isso que me chamam reguila, "corrécio"… Mas eu digo-lhe: há coisas que um homem nunca esquece por muitos tombos que dê na puta da vida, por muitas bezanas que apanhe ou por muitas sacanices que faça, ou por muitos coices que dê e leve… E eu já fiz muita merda, confesso, em quarenta e tal anos de vida que já cá cantam.

A guerra quer nunca existiu

Curiosamente, verificava ali na Mealhada, vinte anos depois de "tudo ter acabado em bem", como dizia o conciliador do Pimentel, que nenhum de nós se desculpava por feito aquela guerra. Para alguns de nós, por ventura para a maior parte de nós, tugas, agora despidos, desfardados, paisanos, passados à peluda, nus de corpo e alma como no dia em que fomos à inspecção, alcunhados de ex-combatentes do ultramar, últimos guerreiros do império, mal amados como todos os veteranos de guerra,   de todas as guerras– "mas vivinhos da costa como o carapau, graças a Deus!" (era o Peniche, o básico, o nosso artista de variedades, com jeito para imitar personagens, e que já então gostava de mascarar-se de mulher) – , tinha sido afinal a primeira e a última grande aventura das nossas vidas cinzentas, um rito de passagem, uma iniciação (entre dolorosa e divertida) à vida adulta. Uma espécie de acidente de percurso. Um pesadelo climatizado. Uma trovoada fantasmagórica numa bela noite de verão tropical. Um abcesso. Um furúnculo. Uma dor de dentes...
– Não fiquei mais homem por ter estado na Guiné! – acrescentou o Paranhos – Mas passei a dar mais valor à camaradagem e à vida, isso sim!
– Eu também! – concordou o Pinto.
– Um parto, meu furrriel, um parto, o nosso segundo parto! – arrematava o Peniche, no meio da galhofa geral.
– É, pá, deixa-te lá de merdas, trata-me por tu, se fazes favor! – atalhei eu, com algum desconforto.

No fundo, parvo, ingénuo ou idealista, talvez eu esperasse ouvir a confissão pública de alguém que, agora, à distância dos acontecimentos e na atmosfera distendida de um restaurante de beira de estrada, conhecido do nosso antigo vaguemestre, quisesse tomar partido e se levantasse para fazer um discurso puro e duro sobre a traição dos capitães de Abril, do Spínola, do Costa Gomes, do Caetano e de todos os gajos que andaram a gozar connosco aqueles anos todos, obrigando-nos a chafurdar na merda e no sangue. Ou então sobre o trágico equívoco que fora a guerra colonial, ceifando vidas, gastando cabedais, hipotecando o futuro. Mas não, nenhum dos presentes levantara o copo para gritar Viva ou Morra !...Nem nenhum de nós usava a expressão "guerra colonial"... não sei se por pudor, inibição ou tabu. Nem muito menos o Pimentel, que já tinha algum traquejo da política e conhecia as manhas dos cortesãos quando vinham à corte, na capital do reino. Afinal, agora ele era autarca do poder local democrático, e ser autarca em Trás-os-Montes era um posto mais alto do que tenente-coronel na tropa do nosso tempo, na então província portuguesa da Guiné!...

É que todos fazíamos o jogo da cumplicidade, jogo cujas regras tacitamente ninguém estava disposto a violar. Porque o momento era único, era mágico, e todos sabíamos que nunca mais voltaria a repetir-se, apesar das trocas de cartões e de fotos da família, e dos eflúvios do álcool e das promessas de, para o ano, irmos todos, com as nossas "bajudas", comer uma valente feijoada à transmontana e provar a famosa posta mirandesa, para lá do Marão "onde mandam os que lá estão" (assegurava o Pimentel, dos poucos de nós que subira na vida, e que logo se ofereceu para organizar um encontro com todos os mecos da companhia, logo que a malta conseguisse completar a lista dos nomes e moradas).
– Nunca lá pus os butes, e bibo no Porto, carago! – ironizou o Paranhos, tripeiro de gema,  que continuava, a miúde, a trocar os vês pelos bês, sentindo que ainda lhe achavam alguma graça, os gajos do sul, os "mouros".

No fundo, sabíamos que, na vida, há momentos irrepetíveis, pelo que nem os fantasmas, dolorosos, do passado, nem as paixões, ainda mornas, do presente, nem muito menos as inquietações, impercetíveis, do futuro deveriam perturbar este insólito,  fugaz  mas ternurento encontro de meia dúzia de ex-combatentes da Guiné, mesmo quando, já no fim do almoço e depois de uma nova rodada de uísques (de uma Old Parr de 1971 que o vago-mestre trouxera de lembrança, "from Sctoland to the Portuguese Armed Forces"), alguém (, creio que o Peniche ou o Pimentel) tivera o mau gosto (ou o azar) de evocar os mortos da companhia...
– Agora é que foderam tudo! – desabafou o Paranhos, à beira de um  ataque de choro.

Nunca conheci nenhuma alma tão sensível como a dele. Ou melhor: nenhum ator, com lágrima tão fácil como a dele... (…)
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Nota do autor:

(*) Nenhum destes heróis foi condecorado, muito menos o "corrécio" do Paranhos que, apesar de ter levado uma porrada do sacana do 1º sargento, de cavalaria, ainda em Santa Margarida, agravada pelo capitão, era um dos nossos melhores operacionais, um homem de grande generosidade e bravura. Felizmente que nenhum de nós fora condecorado no 10 de junho, muito menos a título póstumo.... Também nenhum destes heróis existiu. Nem poderiam existir: afinal, perdemos, senão a guerra, ou pelo menos o império. E, em boa verdade, esta guerra nunca existiu... Em todo o caso, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. 

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16017: Efemérides (221): Tempos passados ou como recuar a 24 de Abril de 1970, data de embarque do BCAÇ 2912 com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 24 de Abril de 2016


TEMPOS PASSADOS

Camarigos,
Na famosa fotografia "The Steerage", de Alfred Stieglitz (1907), vemos os abastados em cima e em baixo os outros.
Ao ver esta imagem imediatamente recuei a 24 de Abril de 1970, data de embarque, no navio T/T Carvalho Araújo, do BCaç 2912 rumo ao Comando Territorial Independente da Guiné. Viagem em que o militar se sentiu passageiro de classes.

The Steerage de Alfred Stieglitz (1907)

Passados 46 anos recordo as primeiras horas daquele dia ímpar.
O dia do começo das aventuras coloniais vivido por centenas de jovens com pouco mais de 21 anos.
O Batalhão partiu de Santa Margarida em comboio. Cerca das seis e trinta chega ao cais marítimo de Alcântara. O comboio entra no Porto de Lisboa e de imediato avistamos o navio que nos transportou até ao cais de Pindjiguiti. O navio, visto do cais, era enorme mas de certeza mais pequeno do que outros que já tinha visto.

 Lisboa - "Carvalho Araújo"

Depois de retiradas as bagagens individuais do comboio transportamo-las para o navio.
Tudo arrumado viemos tomar o pequeno-almoço no cais onde até uma cozinha de campanha nos aguardava para conforto do estômago.
Realizadas as cerimónias oficiais de despedida, no cais marítimo de Alcântara, regressamos ao navio.

Cozinha de Campanha no Cais

Começaram a aumentar os lancinantes gritos e choros dos familiares que tinham ido dizer adeus aos jovens combatentes. Infelizmente para alguns foi o último ADEUS.
Ao meio dia certo o CARVALHO ARAÚJO zarpou e poucas milhas percorridas entrou no Oceano Atlântico, que sulcou durante seis dias. Um Oceano Atlântico diferente daquele que conhecia.

24 de Abril de 1970 - Embarque do BCAÇ 2912

Sala de Jantar do "Carvalho Araújo"

 Camarote de 1.ª Classe do "Carvalho Araújo"

As personagens ao longo dos tempos foram diferentes.

Durante a Guerra Colonial (1961 – 1974) víamos os tropas nesta situação de classes. Antes da data da fotografia, The Steerage, em piores condições os escravos.

Em tempos passados não há melhor protagonista deste marear do que cada um dos combatentes enquanto navegantes. E cada caso era um caso.

Abraço António Tavares
Foz do Douro, Domingo 24 de Abril de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16008: Efemérides (220): Cerimónia de comemoração do Dia do Combatente e VII Aniversário do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, dia 30 de Abril, em Matosinhos e Leça do Balio (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P16016: Blogpoesia (444): "Um ritual...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Em mensagem do dia 25 de Abril de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este de sua autoria:


Um ritual...

Tão simples, nem se dá conta.
Se repete. Este ritual solene.
Que nos abre o mundo.
Permite ver bem.
O céu e o chão.

Umas simples lentes de vidro.
Leves, sem devaneios,
dilatam as formas,
avivam os tons e as sombras,
sem alterar as formas.

Como fica mais belo o mundo.
Cheios de cor e luz.
Ao pé e ao longe.

Benditos óculos,
Companheiros bons
Que nos dão a mão
E nos fazem tão bem...

ouvindo concerto para violino n.º 3 de Mozart
por Hilary Hahn

De novo em Berlim, 25 de Abril de 2016
6h9m

JLMG
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15958: Blogpoesia (443): "Quando no céu...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16015: Agenda cultural (476): Lançamento do livro “Ten-General Alípio Tomé Pinto – O Capitão do Quadrado”, de Sarah Adamoupoulos, levado a efeito no passado dia 7 de Abril de 2016, no Palácio da Independência (José Eduardo Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 19 de Abril de 2016, dando-nos conta do lançamento do livro biográfico "Ten-General Alípio Tomé Pinto - O Capitão do Quadrado", da autoria de Sarah Adamoupoulos, ocorrido no passado dia 7 de Abril:


Lançamento do livro “Ten-General Alípio Tomé Pinto – O Capitão do Quadrado”

Em Lisboa, o lançamento do livro decorreu no passado dia 7 de Abril no Palácio da Independência, onde estiveram presentes algumas das principais figuras nacionais e internacionais, presenteando o biografado com uma sala absolutamente cheia.


A obra em causa é da autoria de Sarah Adamoupoulos, que também esteve na mesa de honra.
Por motivos profissionais, o General António Ramalho Eanes, que prefaciou o livro, não pôde estar presente. No entanto, o Gen. Alexandre de Sousa Pinto leu na altura o discurso que o antigo Presidente da República tinha preparado e do qual destacamos o seguinte: "Tomé Pinto é, para mim – que o conheço há décadas – não só, como o próprio afirma nesta obra, um Militar por paixão, mas, sobretudo, um militar de sonho e aventura, de vocação, ambição e missão, um dos melhores entre os melhores, e não só na Instituição Militar, mas, também, no Pais (Portugal)"

Na mesma cerimónia, o Gen. Alexandre de Sousa Pinto aproveitou também para proferir algumas palavras sobre o biografado: "O exercício da profissão de militar exige uma vocação; tal como o sacerdote, o militar que não tenha verdadeira vocação será sempre um infeliz e, mais grave, fará infelizes os subordinados que tenham que o aturar."

O “Capitão do Quadrado, que conta hoje uns invejáveis 80 anos, deslocou-se no fim de semana seguinte a Angola, para fazer o lançamento do seu livro, que teve lugar na Fortaleza em Luanda, no passado dia 12 de Abril.


Alípio Tomé Pinto, hoje General na reforma e que anda a plantar árvores em Maçores, no planalto Mirandês, ficou conhecido como o “capitão do quadrado”. Quando chegou à Guiné, no comando da CCAÇ 675, já tinha desnorteado a “senhora morte”. Fora alvejado numa patrulha a São José do Enconge, no coração dos Dembos, em Angola. A bala atravessou o maxilar e alojou-se junto à carótida. Foi-lhe administrada a extrema-unção mas recuperou. A lenda de Tomé Pinto, também conhecido pelo Capitão de Binta, começa com os primeiros trinta dias em que chegou ao aquartelamento e se pôs a patrulhar toda a região, os guerrilheiros cultivavam à volta de Binta, aproveitavam-se do temor da tropa que anteriormente ali estivera.


Há já obras publicadas sobre esta CCAÇ 675, nomeadamente do então Furriel Milº. Enfermeiro José Eduardo Oliveira que escreveu sobre o primeiro ano de atividade desta Companhia. É o caso inédito de um diário com olhar coletivo publicado em tempo praticamente real.

O Capitão do Quadrado voltará a ser ferido em combate e o cronista destes acontecimentos escreverá com imensa ternura, como soperasse a dor coletiva: “Todos queriam pegar na maca para o transportar; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça; outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate; outro ainda quase que o obrigava a beber água do seu cantil”.


Regressará a Binta semanas depois e lança-se na atividade operacional. Abandonará a Companhia para fazer o curso do Estado-Maior do Exército. O seu sucessor desabafará: “Envergonho-me de comandar os homens de Tomé Pinto. No meio deles, sinto-me um soldado, pois eles não precisam de ordens, nem as esperam. Têm tal conhecimento da zona, tal sentido de orientação e tal intuição do perigo que se movem ordeiramente para qualquer lado". Tomé Pinto chegara a Binta a 29 de Junho de 1964 e no relatório de 24 de Dezembro já registavam 51 ações de fogo sobre o seu comando. Alguns dos seus militares dos tempos de Binta estiveram presentes na cerimónia de Lisboa.

No emblema da CCaç. 675 a inscrição que permanece viva diz: “Nunca Cederá”.

No dia 8 do próximo mês de Maio, o “Capitão do Quadrado” e os seus homens de Binta deslocar-se-ão a Évora para comemorar os 50 anos do seu regresso a Portugal.

JERO
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Último poste da série de 20 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15994: Agenda cultural (475): Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, amanhã, 21, às 16h00, no auditório da biblioteca municipal da Covilhã: Juvenal Amado apresenta o seu livro "A Tropa Via Fazer de Ti um Homem"; confirmada a presença do prof Pereira Coelho, que foi um dos médicos do BCAÇ 3872, em Galomaro, 1971/72

Guiné 63/74 - P16014: Agradecimento: David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716, a propósito do seu aniversário ocorrido ontem, dia 24 de Abril

A pedido do nosso camarada David Guimarães, (ex-Fur Mil, At Inf, MA da CART 2716, Xitole, 1970/1972), publicamos o seu postal de agradecimento pelas mensagens de parabéns a ele enviadas a propósito do seu aniversário ocorrido ontem, dia 24 de Abril.


Guiné 63/74 - P16013: Nota de leitura (833: “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Já ninguém ignorava que o MFA da Guiné agira singularmente e por conta própria num processo de descolonização com inúmeros melindres. Na Guiné, a contestação dos militares formara núcleo próprio e tinha vida desde 1973. Como escreveu o investigador António Duarte Silva, o MFA local controlava todo o aparelho militar: o Batalhão de Comandos Africanos, o Batalhão de Paraquedistas, a maioria do pilotos, a Companhia de Polícia Militar, o Agrupamento de Transmissões e o Grupo de Artilharia da Guiné.
Em 26 de Abril, em Bissau, tornou-se irreversível o golpe do dia anterior na metrópole. É sobre todo este processo imparável, com compreensíveis ziguezagues, dores e apertos de alma, onde houve relações amistosas entre as tropas portuguesas e o PAIGC, onde se revelou também que o PAIGC estava impreparado e até enviou para Bissau um comissário político com falta de envergadura, tudo isto é contado com impressionante rigor por alguém que viveu todo este processo do princípio ao fim.
De leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


A descolonização na Guiné-Bissau e o movimento dos capitães (2)

Beja Santos

“A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016, é o relato na primeira pessoa do singular de alguém que acompanhou na primeira fila a criação do MFA da Guiné e todo o processo de descolonização, descrevendo reuniões, relatórios, vicissitudes de vária ordem, negociações com o PAIGC, assembleias do MFA da Guiné, e muito mais. Jorge Sales Golias trabalhou diretamente com Mateus da Silva, primeiro Encarregado do Governo depois da partida do General Bettencourt Rodrigues e com Carlos Fabião.

Estamos em Junho, Spínola que insistira num referendo mudou de posição e começou a falar num Congresso do Povo em que ele apareceria como tutor da independência, fez chegar a Bissau 20 mil cartazes com a sua foto. A vida política deste período é suficientemente turbulenta para haver posições impensáveis enquanto o MFA da Guiné, reunido em Assembleia Geral, em 1 de Julho, aprova uma moção exigindo ao governo português não só o reconhecimento da República da Guiné-Bissau como o reatamento das negociações com o PAIGC. Ao mesmo tempo, começam a chover os ultimatos do PAIGC: logo no dia 1 de Julho um ultimato às tropas aquarteladas em Buruntuma, Fabião desloca-se ao local mas mais não conseguiu do que evacuar o quartel. Segundo Sales Golias, começa-se a observar discrepâncias e desorientações na hierarquia política e militar do PAIGC: no Sul, onde sempre se combateu a sério, negoceia-se com prudência, a retração do dispositivo ir-se-á fazendo sem sobressaltos nem humilhações para ninguém; no Leste, onde o PAIGC teve sempre problemas, houve comportamentos fundamentalistas, caso de Buruntuma e Pirada. Haverá uma eminência parda em todo este processo, o comissário político Juvêncio Gomes, colocado em Bissau, revelará imaturidade, duplicidade e comportamento grosseiro ao longo de todo o processo negocial até à independência de facto, com sérios prejuízos para ambas as partes.

Sales Golias pormenoriza as etapas da retração do dispositivo, a questão melindrosa de todas as tropas africanas e a procura de soluções mais avisadas para as tropas especiais. Ficou largamente escrito que se procurou providenciar segurança para as tropas especiais, inicialmente elas disseram que sim, que queria vir para a metrópole, o PAIGC deu garantias de tranquilidade, com raras exceções os membros das tropas especiais ficaram nos seus chãos. Todo o mês de Julho é uma permanente azáfama: as tensões com partidos como a FLING que procura disputar espaço ao PAIGC; em Lisboa, membros do MFA da Guiné procuram esclarecer os decisores políticos da evolução da situação na Guiné, em que a generalidade das tropas pretende partir o mais breve possível; os desencontros bem visíveis entre os comissários e comandantes militares do PAIGC, quadro que conheceu melhorias com os encontros que se realizaram no Cantanhez em 15, 16 e 18 de Julho; além de peripécias, acidentes e tensões entre as próprias forças portuguesas. Em 9 de Agosto, o MFA da Guiné alerta a Comissão Coordenadora do MFA para a gravidade da situação disciplinar nas unidades militares, era uma corrida contra o tempo em que se falava da retração, do pagamento de pensões, da passagem à disponibilidade e desarmamento do Batalhão de Comandos Africanos, o alívio vem com a notícia da assinatura do Acordo de Argel que reduziu muita da instabilidade existente. Porém sentia-se a insegurança da população branca, da cabo-verdiana e da guineense com laços culturais mais estreitos com Portugal, o PAIGC procurava desdramatizar pretextando que haveria reconciliação nacional e lugar para todos.

Estamos já em Setembro, o Comité Executivo de Luta ratificou o Protocolo de Acordo de Argel, a transferência de poderes acelera-se: o Emissor Regional da Guiné passou a designar-se Rádio Bissau, há uma comissão mista em permanente azáfama a resolver infindáveis problemas enquanto as tropas portuguesas vão abandonando o território. Foi preciso chegar a Outubro para se sentir que os quadros do PAIGC sentiam pressa em abordar questões de grande sensibilidade. A partir da independência: quadros no setor da educação, médicos, modo de pagamento até final de 1974 de vencimentos, comércio prioritário com Portugal, etc. É destes relatos que nos fica a imagem um tanto confrangedora que os quadros do PAIGC revelavam impreparação, desconhecimento e até mesmo insensibilidade para os problemas da administração de um território, foi revelador que deixaram para a última a apresentação de propostas de cooperação. Subjacente a estes ziguezagues estariam certamente duas correntes em conflito: os que pretendiam uma transição pacífica, com mais meses ou até anos de uma presença portuguesa e aqueles que pretendiam empurrar para os barcos e aviões os militares e os funcionários coloniais.

O autor releva o ambiente de grande cordialidade que existiu na generalidade dos encontros. Não deixa, porém, de deplorar procedimentos grosseiros como o de Juvêncio Gomes que já presidente da Câmara Municipal de Bissau e na presença portuguesa mandou apear as estátuas de Teixeira Pinto, Honório Pereira Barreto, Diogo Gomes. Em 14 de Outubro, as autoridades portuguesas ao mais alto nível retiraram-se, a bandeira nacional é arreada nas instalações navais de Bissau e a bandeira é entregue ao Comodoro Vicente Almeida d’Eça.

Que importância devemos atribuir a este relato da descolonização da Guiné: as notas pessoais de um oficial que acompanha as mudanças radicais no teatro de operações e que se apercebe com outros camaradas que se fechou a porta a qualquer negociação, a Guiné-Bissau passa a ser reconhecida a partir de Outubro de 1973 por mais de 80 Estados, os apoios político-militares previsivelmente ir-se-ão agravar, Marcello Caetano determina a Bettencourt Rodrigues que resista até à exaustão dos meios, no ar paira a ameaça da repetição da queda do Estado da Índia, forma-se o MFA-Guiné que irradia para a metrópole e deste recebem influxos; a 26 de Abril é na Guiné que se altera a situação político-militar que o autor descreve com uma grande riqueza de pormenores.

A historiografia da guerra colonial acaba de receber um apreciável documento que se deverá juntar a outros para ser compulsado com toda a documentação existente e depositada em arquivos, caso da Fundação Mário Soares. Como escreve no prefácio Carlos de Matos Gomes: “O processo que o núcleo dos militares do MFA na Guiné conduziu para dotar do caráter de anticolonialista o Portugal que iria emergir do 25 de Abril, essencial para a sua credibilidade, desenrolou-se com grande autonomia e, em boa parte, em contínua rebeldia. Primeiro contra o governo de Marcello Caetano, seguida contra as orientações da Junta de Salvação Nacional, finalmente contra as conceções do General Spínola quanto à descolonização”.

Insiste-se que toda esta autonomia, rebeldia e tensões com os poderes constituídos, a par do melindroso problema das negociações com o PAIGC numa atmosfera em que as nossas tropas já tinham afastado do horizonte a necessidade de combater, recebe neste livro um tratamento rigoroso que os estudos posteriores não poderão ignorar.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16001: Nota de leitura (832): “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16012: Manuscrito(s) (Luís Graça (82): Uma estranha maneira de dizer adeus… (ou quando os soldados partiam para a guerra)

v13  25abr2016

 Uma estranha maneira de dizer adeus… (ou quando os soldados partiam para a guerra)

por Luís Graça



Um estranha maneira de dizer adeus, um estranho povo este
que vem ajoelhar-se, no cais de partida,
não em oração, para aplacar a ira dos deuses, mas vergado,
vergado à toda poderosa razão de Estado.

A tentacular força centrífuga que, de há séculos,
te leva os filhos teus, 
ó Pátria, para fora,
paridos e expulsos do ventre da Mátria, para longe,
bem para longe, muito para lá do mar.

Ordeiros os soldados, como os cordeiros da matança da Páscoa,
anhos, dizem no norte,
alinhados no Cais da Rocha Conde de Óbidos,
como os elétricos amarelos que vão para a Cruz Quebrada,
empilhados, aboletados, requisitados às mães 
para servir a Pátria, o pai-patrão
que lhes cobra o dízimo em sangue, suor e lágrimas.

A mesma atitude, admirável, de patética resignação
perante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem e podem, diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que este é um povo religioso
porque tem o sentido do pathos, leia-se:
da tragédia inelutável.

Coitadas das mães que tais filhos pariram,
dizes tu, entre dentes,
para o teu camarada que vai subindo à tua frente o portaló,
o cadafalso, com um nó na garganta, mal disfarçado,
no meio dos lenços brancos ao vento,
em fundo preto, 
como em Fátima no 13 de maio.

Uma despedida breve com lágrimas salgadas no rosto,
com o Niassa
a última nau das Índias,  
a apitar três vezes,
sob a ponte de Salazar, ainda reluzente,
o velho abutre que alisa as suas penas,
dirás tu, Sophia, pitonisa de Delphos,
quase morto mas não enterrado.
Os últimos golfinhos do Tejo,
a última fragata de vela erguida,
a última caravela,
a última nau do cais da Ribeira,
o último império que ficou por haver,
o último marinheiro em terra,
sinal de tempestade,
o último uísque marado que ficou por beber no Cais do Sodré,
o Cristo Rei em terra que outrora foi de infiéis,
o Terreiro que continua do Paço, não do povo…
Ah! Lisboa, Lisboa, 
e o teu casario, branco, sujo,
um filme a preto e branco, riscado,
um gato preto à janela, sinal de mau agoiro.
Lisboa,  Lisboa, e lá longe a Guiné,
Lisboa, enfim,  as tuas ruínas,
pré-pombalinas,
o poço dos mouros, o poço dos negros,
o lundum, a umbigada
a procissão da Nossa Senhora da Saúde.
mais a Santa Inquisição,
zelando pela pureza da raça e do sangue,
zurzindo corpos e almas,
o Cemitério dos Prazeres, 
numa das tuas colinas,
com os seus altos ciprestes negros,
os mastros dos navios da carreira colonial,
o império por um fio dental,
a vida, curta, que se recapitula, de fio a pavio,
no último comboio que veio do campo militar de Santa Margarida,
pela calada da noite.

Lisboa revista, revisitada, revistada,
devassada, despojada,
em filme de oito milímetros, a preto e branco
ou a preto e negro, 
dizes tu, corrosivo.
Uma só nação, valente mas mortal,
ironiza alguém.
O Niassa colonial na azáfama do seu vai-e-vem,
antes de ir parar à sucata,
inglória a sucata da história que tu perdeste
aos dezoitos anos,
quando deste o nome para as sortes.
Estranha palavra esta, das sortes,
que rima com desnortes e com mortes,
e com os fracos de que não reza a história.

 Ah!, e os jacarandás que choram,
de lágrimas lilases, em pleno mês de maio,
e as santas das nossas mães que ficaram em casa,
a acender a vela à santa das santas,
a tecer o lenço de enxugar lágrimas,
um fado que tu ouviste no Bairro Alto,
e que já não era batido nem dançado nem cantado,
um fado apenas gemido, 
sussurrado.

 Passado o Bugio,
deixado para trás o velho do Restelo,
choradas as mães de xaile preto,
há um briefing às cinco da tarde, anunciam a bordo,
já em velocidade de cruzeiro,
no mar alto que outrora foi português,


Não, não uso a cruz, o crucifixo,
como colete de salvação, senhor capelão,
não vou para a guerra santa combater os infiéis,
alguém há de rezar por mim
para que eu volte são e salvo.
Do regulamento é apenas a chapa de zinco
com o número mecanográfico 13151468
e o picotado ao meio,
para mais facilmente ser cortada em duas partes
que seguirão caminhos distintos,
tudo isto face ao risco, bem real e concreto,
de eu morrer longe, bem longe da minha pátria,
para lá do mar, em terra que não me viu nascer.


E tu, camarada, descansa, que ninguém fica para trás,
se tu  morreres na batalha, alguém tratará da tua mortalha,
cerrará os teus dentes, puxará as persianas das meninas dos teus olhos,
porá um moeda na tua boca para pagares a viagem 
ao barqueiro de Caronte,
e fará o teu espólio e engraxará as tuas botas.

Sim, levarei comigo a pedra-chave que me liga ao além.
uma chapa de zinco, picotada ao meio,
outrora era de xisto ou de grés,
entre o meu antepassado calcolítico, castrejo, romanizado.

Pois, então, camaradas
se eu morrer, 
que me enterrem, de vez,
numa anta do meu país megalítico.



A bordo do T/T – Transporte de Tropas, Niassa,
a caminho da Guiné,
24-29 de maio de 1969.

Luís Graça

Revisto em 24nov2023.
 
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Guiné 63/74 - P16011: Álbum fotográfico do Fernando Andrade Sousa, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) - Parte I: Uma ida ao Mato Cão


Guiné > Zona leste > Setor L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Finete > "Eu à esquerda, na primeira fila, com a mala de primeiros socorros, e a minha G-3 (nunca usei pistola), com malta de da 1ª secção do 2º Gr Comb, da CCAÇ 12. Além do Arménio Monteiro da Fonseca [, que vive no Porto, em Campanhã], a secção era composta por:  (i) soldado arvorado  Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7); e ainda os sold Samba Camará, Iéro Jaló,  Cheval Baldé (Ap LGFog 8,9) [, à direita do Arménio), Aruna Baldé (Mun LGFog 8,9) [, à minha esquerda], Mamadú Bari, Sidi Jaló (Ap Dilagrama) (FF) [, dado como tendo sido fuzilado depois da independência], Mussa Seide,  e Amadú Camará, todos fulas ou futa-fulas. Desta vez, também, a secção, o fur mil arm pesa inf Henriques [, o  nosso editor, Luís Graça], de óculos escuros, ao lado do Arménio".


Guiné > Zona leste > Setor L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > "Travessia do rio Geba, ao fundo Finete, no regresso de uma patrulhamento ao Mato Cão. Da popa para a proa da piroga, o alf mil at inf Carlão,  o 1º cabo Branco, o 1º cabo aux enf Sousa e, se não me engano, o soldado de transmissões Santos, [António Dias Santos, de alcunha,   'O Bacalhau', que já terá falecido, segundo informação do Humberto Reis]."

Fotos (e legendas): © Fernando Andrade Sousa  (2016). Todos os direitos reservados.


1. Algumas fotos que nos mostrou, em Monte Real, no passado dia 16, o Fernando Andrade Sousa, o último camarada a integrar a Tabanca Grande, com o nº 714.  Foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadiinca, entre maio de 1969 e março de 1971).  

Sobre o famigerado Mato Cão recorde-se o seguinte. "O Geba Estreito (a partir do Xime) era traiçoeiro, sujeito às marés, e ao  fenómeno do macaréu (até para lá do Mato Cão)... Metia respeito... A segurança entre o Xime e Bambadinca era um  problema sério. Montávamos segurança às embarcações (, nomeadamente civis), no sítio do  Mato Cão, na margem direita do rio, frente a Nhabijões. No mínimo, era destacado um grupo de combate para fazer segurança próxima, no Mato Cão, sempre que havia embarcações a navegar no Geba Estreito. Para passar para a outra margem, a tropa de Bambadinca tinha que atravessar o rio,  de piroga, seguindo depois para o Mato Cão, atravessando o destacamento e tabanca em autodefesa de Finete". Entre o rio e Finete, havia uma bolanha... E o nosso destacamento mais avançado, no
regulado do Cuor, depois de Finete, era Missirá, guarnecido no nosso tempo pelo Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, e depois pelo Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral" (LG) .
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Nota do editor:

domingo, 24 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16010 Recortes de imprensa (80): João Paulo Diniz (que vai estar mais logo no Jornal da Meia Noite, da SIC Notícias, para relembrar o seu papel no 25 de abril): "As minhas melhores amizades são do tempo da Guiné, quando fui locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, em Bissau, em 1970/72" (Excerto de entrevista, DN -Diário de Notícias, 30/8/2015)

1. Excerto, com a devida vénia, de um entrevista dada pelo nosso camarada João Paulo Diniz, ao DN - Diário de Notícias, em 30/8/2015.

João Paulo Diniz, ex-1º cabo, BENG 447, ex-locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, Serviço de Radiodifusão e Imprensa, Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, QG / Com-Chefe, Bissau, 1970/72; profissional da Rádio e da TV, com 50 anos de carreira; Oficial da Ordem da Liberdade em 2013; membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 630, desde 19 de outubro de 2013]


DN - Díario de Notícias > 30 de agosto de 2015 > 

João Paulo Diniz: "Gostava que me deixassem trabalhar"

Entrevista por Paula Freitas Ferreira


Na noite de 24 de abril de 1974, anunciou a chegada da democracia na rádio. Aos 66 anos, e com uma carreira de cinco décadas celebradas amanhã, o jornalista confessa ao DN que gostava de experimentar ser pivô de TV.


P: Comemora amanhã 50 anos de carreira no jornalismo. Ainda se lembra do seu primeiro dia?

Foi na Rádio Peninsular e pela mão de Augusto Poiares. Desde os 13 anos que lhe pedia constantemente que me deixasse fazer um teste na rádio. Tanto insisti que ele acedeu. Dias depois de fazer o teste, o meu pai telefonou-me e disse que tinham gostado do meu registo de voz. O radialista Aurélio Carlos Moreira tinha gostado da minha gravação e convidou-me para apresentar o Pajú, que era um passatempo juvenil. Tinha 16 anos.

P: E passou a viver na rádio...

João Paulo Diniz, radialista do PIFAS (Bissau, 1970/72).
Foto de Garcez Costa
Atirei-me de cabeça. Passava lá os dias. Saía às duas da madrugada e entrava às seis da manhã. Foram tempos muito felizes e fartei-me de aprender. Tapava buracos. Se faltava alguém, porque estava doente, eu substituía-o. Eles chamavam-me: "Miúdo, anda para aqui para a cabine" e lá ia eu, com todo o respeito, observar o que faziam essas pessoas que tinham uma enorme experiência em rádio.



P: Também esteve ao microfone durante a guerra colonial...

Fui mobilizado para a Guiné, onde estive entre 1970 e 1972. Tive muita sorte. Nesse período foram fabricadas as minhas melhores amizades. Como tinha experiência em rádio, convidaram-me para apresentar o Programa das Forças Armadas, que era carinhosamente chamado de PIFAs. Era um programa do género de Good Morning Vietnam. Anos mais tarde, já a Guiné-Bissau era independente, cruzei-me com o Presidente Nino Vieira e disse-lhe que tinha sido militar na Guiné, que apresentava o PIFAs e ele confessou-me que também eles ouviam o programa.

P: Otelo Saraiva de Carvalho escolheu-o para dar o primeiro sinal que esteve na origem da Revolução de Abril de 1974. Como é que tudo aconteceu?

Estava na cabine da rádio [Peninsular] e chamaram-me à porta, porque estava ali alguém para falar comigo. Era o Capitão José Costa Martins. Chamou-me ao carro e disse que as Forças Armadas precisavam que eu desse um sinal na rádio que iria marcar o início de um golpe de estado. Respondi que não o podia fazer. Não o conhecia, até podia ser da PIDE. Ele identificou-se e fez-me esta pergunta: "E se fosse o Otelo a falar consigo?"

P: E falou?

Sim. Eu tinha-o conhecido na Guiné-Bissau. Respondi que até gostava de lhe dar um abraço. Então o Capitão Costa Martins perguntou-me quando é que eu podia encontrar-me com o Otelo. Estávamos a 22 de abril de 1974 e respondi que podia marcar o encontro lá para meados de maio. Olhou muito sério para mim e disse que teria de ser naquele dia, que era muito importante. Percebi que era. Combinámos encontrar-nos nessa noite no Centro Comercial Apolo 70.

P: Como foi esse encontro?

O Otelo explicou-me os objetivos da Revolução: fim da guerra no Ultramar, libertação dos presos políticos, instauração de uma democracia com eleições livres. E foi então que se escolheu a canção que eu teria que anunciar, logo após a transmissão da senha, que era a frase: "Faltam cinco minutos para as 24 horas". A hora foi depois antecipada e marcada para quando faltassem cinco minutos para as onze da noite. Ele queria que eu colocasse no ar uma cantiga do Zeca Afonso, que estava proibido de passar na rádio e eu sugeri a canção E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho. A música tinha ido ao Festival da Canção e não iria despertar desconfianças.

P: Aceitou logo? Não teve medo?

Claro que sim. Perguntei: "E se corre mal?"

P: Otelo respondeu-lhe?

Disse-me isto: "Se correr mal, nós, que somos militares, vamos para a Trafaria [prisão militar] e o João, que é civil, vai para Caxias [cadeia]".


P: Há quem lhe chame herói de Abril. Arriscou a vida. Podia ter corrido mal...

Não sou nenhum herói. Os heróis foram os militares das Forças Armadas. Não arrisquei a minha
vida, arrisquei a minha liberdade. Eles sim, arriscaram as vidas... (...)


2. Mensagem de hoje do Garcez Costa,  reencaminhando um mail do João Paulo Diniz, de ontem, e  que se retranscreve:

De: João Paulo Diniz
Data: 23 de abril de 2016 às 16:15
Assunto: SIC-Notícias

Olá,

Por este meio gostaria de informar as minhas Amigas e Amigos que fui convidado para estar presente no 'Jornal da Meia-Noite' da  SIC-Notícias. E decidi aceitar.

Data - de 24 para 25 de Abril.


O 'Jornal' começa à meia-noite, já nos primeiros instantes de dia 25 e eu aparecerei não sei exactamente a que horas. Se puderem ver, agradeço, e que depois me digam o que acharam...

Kisses & Abraços,
JP

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Nota do editor: