Paisagem de Galomaro
Foto: © Ex-Alf Mil TRMS Vasconcelos (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Fevereiro de 2012:
Eu não lhe chamaria discussões mas sim troca de ideias e conhecimentos.
Uns entram, outros dizem que vão sair, outros voltam a entrar mesmo antes de saírem, outros estão com pé dentro e outro fora e ameaçam que não voltarão a...
É um tipo de chantagem psicológica sobre os outros, ou para depois contarem espingardas e verem em que posição estão.
Fazem-se pressões para que não se diga, não se fale, para que ninguém escute a não ser o barulho, que causa o silêncio sobre as questões que martelam a nossa memória colectiva.
O contrário mostra vitalidade e como este blogue teimosamente sobrevive a uma morte, que é normal para este tipo de publicação.
Não percebo que os camaradas não vejam a beleza, que se consegue com todos a botarem palavra como quem planta uma flor. Bem sei que por vezes são cardos, cactos e as malditas alergias causam muita comichão.
Para que serve o direito de opinar e contraditar, se o mesmo não puder ser usado?
A pouco e pouco têm caído tabus e certezas adquiridas, por não haver documentação escrita. Sobre isso neste blogue escreveram-se milhares de palavras.
Após anos a jurar-se a pés juntos que o PAGIC não tinha artilheiros devidamente credenciados para utilizar algumas peças de artilharia, que não tinham logística motorizada, bem com blindados e por fim aviões e pilotos para os celebres MIGs, eis que aparecem testemunhos de que afinal isso era uma realidade próxima e se a guerra não tivesse acabado, os nossos soldados acabariam por provar por experiência própria, como se diz “que não se acredita em bruxas mas que as HÁ… HÁ!”
Talvez se pensasse que por serem cubanos, russos ou vietnamitas a usar as ditas armas, elas matavam menos e assim a guerra continuaria por tempo indeterminado. Que me importou saber se era guineense ou de olhos em bico, o gajo que disparou os rockets contar mim? No fim o que me interessa, foi que falhou e eu estou cá para contar.
Também se falava das enfermeiras suecas e poucos havia que não estivessem desejosos de encontrar uma. Só nos calendários é que vi algumas suecas, que não eram enfermeiras ou pelo o menos, não estavam fardadas.
Qualquer das formas a sofisticação, nunca foi impedimento para grupos de pés descalços, fazerem frente a exércitos tecnologicamente avançados e ganharem à custa de muitas vidas, mas ganharem. Que o digam os americanos na Somália e entretanto dirão no Afeganistão, onde os burros e kalaschs rivalizam com blindados e aviões de combate ultima geração. Os russos também provaram da mesma receita e os ingleses já há muito fizeram a digestão do mesmo problema que tiveram no século XIX.
O tipo de aquartelamento dos guerrilheiros também é outro pomo de discórdia. Queriam que eles tivessem campos militares assim tipo Sta. Margarida, assim pusessem de parte a mobilidade, apanágio de um exército de guerrilha e mais dizem com grande alegria, que chegavam e não estava lá ninguém. Queriam que eles estivessem à espera, editando uma guerra de posições, onde eles ficariam sempre a perder?
Quanto ao estado físico dos guerrilheiros também se sabe que era um problema cíclico consoante o tempo que andavam em campanha. Há tempos li sobre isso e houve médicos que fizeram estudos sobre o grau de falta de ferro e mais vitaminas na sua alimentação muito pobre, que conduzia a uma extrema fraqueza anémica. O problema agravava-se quando eles eram deslocados das suas zonas de naturalidade, se eram do norte e estava a combater no sul do território ou vice-versa.
Mas não nos admiremos pois em Caculim, quando tínhamos 10 meses de comissão, as doenças, o desânimo causado pelos ataques com mortos, feridos, deserções e alimentação deficiente, quase 40% da Companhia estava inoperacional. Sabe quem lá esteve e que viu pára-quedistas a reforçar a Companhia. Mais tarde estiveram lá Pelotões de Companhias independentes bem como do Dulombi. Eu fui dos que lá estive por diversas vezes.
Não querendo voltar ao mesmo, uma coisa era certa, se não resolvemos o problema enquanto tínhamos alguns créditos internacionais, de 1973 em diante, com o Mundo de costas voltadas à espera que fôssemos corridos, não estou a ver como é tomaríamos as rédeas do assunto para passar à ofensiva militar.
Quanto à situação actual, só constato que um homem armado nunca é bom dialogante nem governante, porque o facto de estar armado, baralha-lhe o discernimento e mais tarde ou mais cedo não resistirá a dar um tiro em alguém.
Termino contando uma pequena mas verdadeira estória que talvez mostre que não vale a pena ignorarmos factos, pois eles mais tarde ou mais cedo voltam.
Quando eu era criança eu não gostava de favas, de couves, de peixe, de gordura da carne etc. o meu pai sem desprimor para ninguém, era um homem muito sábio mesmo só com a 3ª classe, dizia invariavelmente, “põe na borda do prato”. No fim de eu comer o que gostava, ele juntava tudo o que estava na borda do prato e fazia-me comer o que não gostava a frio.
Só me fez isso uma ou duas vezes, porque cedo aprendi com a experiência.
Agora gosto mais de aprender a ouvir, do que erradamente, escolher o que gosto de ouvir.
Um abraço
JA
Dulombi > Soldados portugueses do nosso batalhão e guerrilheiros do PAIGC. Felizmente a guerra tinha acabado
Foto: © Luís Dias (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9332: Blogoterapia (196): Lembras-te? (Juvenal Amado)
Vd. último poste da série de 9 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9465: (Ex)citações (174): A mágoa de, no meu País, os bravos, os vivos e os mortos, não terem o reconhecimento e o respeito do seu sacrifício, que merecem (Rui Dias Moreira)