segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8915: Notas de leitura (288): Pami Na Dondo, A Guerrilheira, de Mário Vicente [, o nosso Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66] (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Devíamos obrigar Mário Vicente (ou Mário Fitas ou Mário Ralheta) a remexer toda a sua novela, de indiscutível interesse e originalidade. Ele presta uma eloquente homenagem à CCAÇ 763 através de uma guerrilheira, a região de Cufar experimenta a agressividade operacional e também a resposta dos guerrilheiros. O autor intenta pôr nos olhos dos outros a interpretação da nossa realidade. A trama novelística tem pés para andar, carece de uma intensa revisão, quem tem aquela experiência, que é bem patente, bem pode desenvolver o que importa ser desenvolvido e despojar o texto da história da Guiné quando ela é postiça e deslocada.

Um abraço do
Mário


Pami Na Dondo, a guerrilheira

Beja Santos

Em “Os Anos da Guerra”, João de Melo observou que “Os melhores livros de guerra perfilham uma atitude comum: a de designarem permanentemente o outro e o outro lado da sua guerra; de irem ao encontro da dignidade desse outro, dos seus enigmas, do seu mistério e da sua identidade. A principal lição moral podia mesmo sintetizar-se nestes termos: quem combate quem? como? porquê?”.

O livro de Mário Vicente (também Mário Fitas, igualmente Mário Ralheta) é uma exaltação da CCAÇ 763, pondo-a reflectida ao espelho, vista por uma guerrilheira. É uma ideia poderosa, tanto mais que abraça um período de dois anos e nos dá a evolução da guerra em Cufar, por onde o autor andou e combateu (Pami Na Dondo, a guerrilheira”, por Mário Vicente, prefácio de Carlos da Costa Campos, edição do autor, 2005).

A novela assenta na dualidade: a força combatente que procura liquidar a bolsa de resistentes ou guerrilheiros, evidenciando-se pela audácia e pelo heroísmo; a resposta dos guerrilheiros, convictos de uma pátria livre, cada vez melhor organizados e municiados, derrotados umas vezes e preparados para tirar desforço, é assim a maquinação do terror. Aliás, o texto começa em plena atmosfera colonial, sente-se o despertar da subversão em toda aquela região sul, pouco tempo antes ocorrera o massacre do Pidjiquiti, há gente a aderir ao PAIGC e a ingressar na mata. Pan Na Ufna, Luís Ramos, o padre Francelino informam o leitor que a revolução está para breve. Como a novela não tem que ter rigor histórico, somos logo induzidos nas questões da organização militar, as FARP (que só surgiram em 1964) e a filha de Pan Na Ufna, Pami Na Dondo é instruída na guerrilha com armamento que só veio mais tarde, mas que para a trama da novela introduzem um sabor épico, o espectacular da preparação dos guerrilheiros. Um estúpido acidente transforma a vida da guerrilheira, perde a sua mão esquerda, o PAIGC coloca-a como professora em Flaque Injã, aqui vai conhecer Malan Cassamá, outro guerrilheiro, com quem casará.

Mário Vicente comprova que falamos sempre sobre nós, ele aproveita habilmente o que sabe sobre Cufar e as tabancas afectas ao PAIGC e quem vai apoiar a bandeira portuguesa. Flaque Injã será destruída pelos Lassas, a CCAÇ 763, Pami e Malã serão capturados e trazidos para Cufar. O autor socorre-se, em todo o seu verdor e autenticidade, da linguagem de caserna e reelabora com sucesso uma mescla de linguajar crioulo e português, somos introduzidos na condição precária de prisioneiros sujeitos à brutalidade dos interrogatórios. Pami, boa conhecedora da língua portuguesa, vai registando situações, procedimentos, a localização de todas as instalações de Cufar. Os Lassas parecem controlar a situação, o inimigo aparentemente perdeu a iniciativa e retira para outras posições, as operações sucedem-se, os êxitos repetem-se. Pena é que Mário Vicente não tenha explorado todo este caudal de agressividade operacional, subitamente entra numa didáctica de divulgação sobre o clima, a agricultura, a etnologia e a etnografia, e o que até então era verosímil torna-se postiço, é um relambório de alferes e capitão com um carácter grotesco que destrói o ritmo da trama novelística. Felizmente que temos a insegurança e a ansiedade de Pami, como na tragédia grega Malã é reconhecido e forçado a acompanhar como guia as tropas de Cufar que vão à procura dos guerrilheiros. Aqueles homens estão sós e procuram sexo, Pami será levada à presença do furriel Gonçalo, este segue depois para uma operação onde morre.

Assistimos a um período de acentuada degradação dos Lassas, houve mudança de capitão, a vida da CCAÇ 763 já não é tão vistosa nem tão vitoriosa, temos aqui bons parágrafos do autor a comentar a situação: “Apesar dos alferes e sargentos se manterem unidos e firmes, as coisas começam a degradar-se e a prestação, em termos de antiguerrilha, não era a mesma. Começou a verificar que os militares bebiam e consumiam cada vez mais álcool. Assistiu àquela luta em que dois soldados se socaram, pontapearam e morderam, como os cães raivosos, espumando pela boca, e depois de completamente esgotados abraçarem-se, chorando. Viu em dia de imensa chuva, o próprio “Bolinhas”, completamente molhado, correndo atrás do soldado Lopes, como uma grande faca na mão e o Lopes, com fobia de tudo o que era lâmina, fugindo por todo o aquartelamento, e os soldados todos a aplaudir. Viu o corneteiro rufar tambor e o furriel Rafael a fazer circo com uma cabra, sobre o muro da varanda, levantando a pata para fazer continência ao povo. Viu o soldado Nazaré, tronco nu peludo como macaco cão, envergando apenas uns calções, cinturão de lona preso a uma corrente, a fazer momices, ser passeado por outro soldado como se de chimpanzé se tratasse. O sargento Tavares a fazer o pino para o Punch – cão pastor alemão – saltar por entre as pernas. Parecia este aquartelamento uma casa de pessoas enlouquecidas”.

Um pesado revés tinha modificado a vida dos Lassas. Pami descobre que está grávida do furriel Gonçalo. Pami comparece a um interrogatório do furriel Rafael, conta-lhe a verdade. Rafael leva-a à porta de armas, “Pami sentia o corpo todo em demente tremura, e os seus passos seguindo os do militar eram já inseguros e incertos. O furriel andou uns 150 metros, e parou debaixo de uma árvore, carregada de ninhos de tecelões que, com o aparecimento dos intrusos, voaram num grande chilrear. O sol caia sobre o fundo da pista. Brevemente a noite africana apareceria com os seus sons e mistérios. O furriel puxou a culatra da G3, e introduziu uma bala na câmara rodando a patilha de segurança para tiro de rajada”. Depois vem a confissão e a libertação. Pami volta a ser mulher livre, vagueou perdida pelas matas Cufar Nalu, Camaiupa Cachaque e Cabolol. Passados dois dias foi encontrada pelos guerrilheiros junto ao rio Quaianquebam. Mais tarde, quando os Lassas desembarcavam em Lisboa nascia na mata do Cantanhez Umberto Cassamá.

Mário Vicente interessou-se pelo outro e recorreu ao que sabia e que experimentou. Na primeira oportunidade que se ponha a reedição de “Pami Na Dondo” deverá rever cuidadosamente o texto, polvilhado de agruras e dislates gramaticais. O texto merece e “Pami Na Dondo” agradece (*). Até breve.
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Notas de CV:

Mário Fitas, que é membro do nosso blogue desde 2007, foi Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Os Lassas, Cufar, 1965/66


(*) Há um edição, em 2008,  desta obra, no nosso blogue, dividida  em dez partes, com revisão e fixação do texto pelo nosso editor Luís Graça, e devidamente autorizada pelo autor   > vd, último poste > 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

domingo, 16 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8914: Álbum fotográfico de Antóno Dias das Neves: a parte final, germânica, de um doloroso calvário... A reabilitação no Hospital Militar de Hamburgo (Marisa Neves)

Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu Pai é o que está na cadeira de rodas com o prato na mão. Esteve lá 8 meses. Antes passou pelo anexo de Campolide, em Lisboa, onde fez 18 operações" (MN).
Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o que vêm com duas canadianas de camisola branca" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o que esta de frente camisola acastanhada" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o que está no  lado direito, de camisola acastanhada, sentado na cadeira de rodas"

Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "O meu pai é o de camisola castanha, sentado na cadeira de rodas" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 > "Pai sentado na cadeira de rodas" (MN)

Alemanha Ocidental > Hospital de Hamburgo > Possivelmente, em 1972 >

"O meu pai é o mais baixinho" (MN)...

Fotos (e legendas):  © Marisa Neves (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Antiga Alemanha Ocidental > Hamburgo > Hospital de Hamburgo >  Álbum fotográfico de António Dias das Neves (1947-2001) (*) > Depois de ter ficado sem as duas pernas, devido ao acionamento de uma mina A/P, a norte de Bula, no decurso da tão mediatizada Op Ostra Amarga, 18 de Outubro de 1969, o sold at cav António Dias das Neves, da CCAV 2486/BCAV 2868 (1969/70), foi evacuado para a metrópole, longe dos holofotes da televisão e do voyeurismo dos jornalistas franceses... 

Sabemos que passou esteve no Hospital Militar da Estrela, anexo de Campolide, possivelmente mais de dois anos (desde finais de 1969). Não sabemos se passou pelo Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, inaugurado em 1966....No prestigiado Hospital de  Hamburgo, na Alemanha (, hospital que pertence à Universidade de Saarland),  recebeu, com sucesso, duas próteses que lhe permitiram refazer a sua vida como civil... na sua terra natal, Ramada, Odivelas. 

"O meu pai fez bastantes amigos durante os 8 meses que esteve em recuperação no hospital de Hamburgo. Sei que fartou-se de passear, pois tenho alguns postais de vários sítios da Alemanha que o meu pai mandava para a minha avó", escreve-nos a sua filha Marisa.

"Sei também que o meu pai foi um caso de sucesso na adptação das próteses, sei que fizeram bastantes arquivos documentados para próximos doentes". 

"As pessoas que acompanham o meu pai nas fotos, infelizmente não sei quem são, só ele poderia dizer ou a minha avozita que infelizmente faz agora dia 6 de Novembro um ano que me deixou. O meu pai sempre foi um homem de coragem e de orgulho".

Em 1979 nasceu a sua primeira filha, Marisa Neves, hoje com 31 anos. Estas fotos, recebidas originalmente sem legenda, documentam a parte final, germânica,  do seu calvário da Guiné... 


Sobre a hospitalização do seu pai, a Marisa disse-nos o seguinte: "Em relação aos hospitais,  infelizmente não sei datas concretas, acho que ele foi, primeiro,  para Bissau  e depois veio para Portugal. A seguir foi transferido para Alemanha. Sei que esteve algum tempo na Alemanha em tratamentos e recuperação para adaptação das próteses". E, ao que parece, adaptou-se bem, do ponto de vista funcional,  às suas novas pernas artificiais, segundo o testemunho da filha.

Há um ponto que gostaríamos de esclarecer com a Marisa. Diz ela que, de acordo com a caderneta militar, o pai foi "evacuado para o HMP em 6/11/71" (?)... "por despacho de 30/12/70 de sua Excia o Secretário do Estado do Exército"... Admitamos que é um erro de transcrição, dela ou do burocrata do exército... Não é crível  que tenha ficado mais de dois anos no HM 241, em Bissau (contando o período que medeia entre a data dos ferimentos em combate, 18/10/1969, e a alegada mas improvável data de evacuação para o HMP, 6/11/71)...  Até por que no tempo de contagem da comissão de serviço militar no TO da Guiné, não aparece mencionado, na caderneta, o ano de 1971...

De qualquer modo, o que importa é sublinhar a novidade destas fotos: julgo que é a primeira vez, em oito anos, que aqui se fala, no nosso blogue, de camaradas nossos, feridos na guerra de África, que foram beneficiários do programa de reabilitação do Hospital de Hamburgo... E isso fica aqui documentado. Não sabemos quantos por lá passaram, por causa das próteses... O mesmo se passa com o CMRA - Centro de Medicina de Reabilitação (**)... Não sei se a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas tem informação informação estatística, ou dados históricos,  adicionais, com referência a este doloroso dossiê...  

À Marisa, mais uma vez, o nosso profundo reconhecimento por querer partilhar, connosco, com os camaradas do seu pai, este cantinho da sua intimidade, o álbum fotográfico do seu querido pai e seu grande herói... LG

[ Seleção e edição das fotos: L.G.]


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8910: In Memoriam (94): António Dias das Neves (1947-2001), Sold At Cav, CCAV 2486 (Bula, 1969/70), "o meu herói" (Marisa Neves)

(**) Apontamento histórico sobre o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, sito no concelho de Cascais:

(...) "Em 1956, sendo Provedor o Dr. José Guilherme de Melo e Castro, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) decidiu dar início à construção de um Centro de Reabilitação. O contexto social e político nacional ditou a criação de um centro com estas características, sendo a principal motivação dar resposta às necessidades dos lesionados da Guerra do Ultramar.

 
"O autor do projecto foi o Arquitecto José Maria Ferreira da Cunha. De referir ainda a colaboração do Escultor Martins Correia, autor da escultura que embeleza o jardim e cuja imagem foi escolhida para logótipo da instituição [, foto à esquerda]. Todas as despesas foram suportadas pelas verbas provenientes dos lucros do Totobola (então principal jogo social da SCML).
 
"Em 2 de Julho de 1966, o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) foi solenemente inaugurado com a presença do Presidente da República, Almirante Américo Tomás, definindo dois objectivos principais: a reabilitação de pessoas com incapacidade motora e a formação de pessoal especializado.

"A preparação de pessoal, compreendeu cursos segundo programas de nível internacional e teve substancial cooperação de entidades internacionais, particularmente do World Rehabilitation Fund. Os cursos funcionaram de Janeiro de 1957 a Outubro de 1965 em colaboração com as Casas de S. Vicente de Paulo, em Lisboa, tendo sido formadas 47 alunas nas áreas de enfermagem, fisioterapia e ortoprotesia, entre outras. 

À data da sua criação este Centro foi desde logo aclamado como uma das melhores instituições na área da medicina de reabilitação no mundo. Nas últimas três décadas tem-se assistido a uma adaptação da estrutura organizacional, de forma a ir acompanhando as necessidades dos profissionais e dos destinatários. Disto são exemplos paradigmáticos os cuidados de reabilitação prestados a doentes com Acidentes Vasculares Cerebrais, com Sequelas de Politraumatismos e com Traumatismos Craneo-encefálico graves." (...) (Fonte: CMRA)

Do portal da A25A, Guerra Colonial, reproduzimos com a devida vénia a seguinte entrada sobre Feridos:


Feridos

(...) "Os feridos eram habitualmente evacuados de helicóptero ou de viatura para a unidade do serviço de saúde mais perto, um posto de socorros ou uma enfermaria de sector, onde recebiam os primeiros tratamentos. Neste primeiro nível pretendia-se, antes de mais, manter o ferido vivo e em condições de ser tratado num hospital, se fosse caso disso.

"O sistema de evacuação sanitário passava depois pelos hospitais militares existentes em cada um dos teatros[, HM 241, em Bissau, no caso do TO da Guiné,] e podia terminar no Hospital Militar Principal, em Lisboa. Os feridos com necessidade de tratamentos de recuperação eram, posteriormente, transferidos para o Centro [de Medicina] de Recuperação do Alcoitão ou para o Hospital de Hamburgo, ao abrigo do acordo estabelecido entre Portugal e a Alemanha no âmbito das facilidades concedidas pelo uso da Base Aérea de Beja".(...)

Guiné 63/74 - P8913: VII Encontro da Tabanca Grande - 2012 (3): O nosso Convívio será no dia 21 de Abril de 2012 no Palace Hotel de Monte Real (A Organização)

1. Decorreu até ontem, 15 de Outubro, um inquérito para escolha da data do próximo Encontro da Tabanca Grande e recolha de opiniões.

Feito o balanço às resposta recebidas, podemos adiantar que a data mais votada, com 35%,  foi a de 21 de Abril de 2012, e que para 45% dos camaradas que responderam, qualquer das datas propostas é aceitável.

Como foi referido no poste anterior, apareceram ofertas de camaradas que se propõem a organizar futuros Convívios (Carlos Pinheiro, Valentim Oliveira e Manuel Traquina) e algumas críticas, das quais apenas duas negativas (João Lourenço e Luís Rainha).

Como também já foi dito, vamos manter Monte Real como local do próximo Encontro, onde se avaliarão as propostas levadas pelos camaradas que se ofereçam para organizar os futuros Convívios e se escolherá a mais consensual.

Posto isto, vai-se proceder à reserva da Sala de Convívio do Palace Hotel de Monte Real para o dia 21 de Abril de 2012, e oportunamente iniciar-se-ão os procedimentos com vista à organização do nosso VII Encontro.


2. Para conhecimento, aqui estão os quadros com as respostas recebidas.




3. Ainda para conhecimento da tertúlia, fica esta mensagem do nosso "mayor" Luís Graça, chegada à minha caixa de correio no dia 6 de Outubro pp:

Carlos,
Por mim, Monte Real, de pedra e cal. Mudar, porquê? Não vejo melhores argumentos. É equidistante, entre o norte e o sul, tem acessos de cinco estrelas. O hotel e restaurante são de quatro estrelas. A relação preço/qualidade imbatível. E a comissão organizadora (onde se inclui o Joaquim) tem, para mim, direito a "todas as estrelas do céu"...

Podemos fazer melhor? Mas, com certeza... O convívio prima sobre tudo, mas também podemos repetir a experiência do ano passado: uma pequena exposição fotográfica, uma sessão de autógrafos, um sessão de "slides" da última viagem à Guiné, um momento musical apropriado, dentro das limitações logísticas que o hotel nos impõe...

É preciso ocupar e mobilizar os nossos camaradas e amigos... A malta tem ideias... O Encontro é (mas não só) convívio à volta da mesa... Mas pode haver mais iniciativas para o fim de semana...

Opto pelo 21 de Abril... A 23, simbolicamente, faz o nosso blogue, 8 aninhos de vida, e nessa altura pode já ter atingido os 3,5 milhões de visitas... Parabéns a todos vocês que estão no "back office" desta iniciativa, mantendo a chama viva... O meu aplauso, a minha solidariedade, a minha camarigagem...
Luis Graça
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8864: VII Encontro da Tabanca Grande - 2012 (2): Inquérito para escolha da data e recolha de opiniões (2) (A Organização)

Foto: Pelourinho de Monte Real, retirado do site da Junta de Freguesia de Monte Real, com a devida vénia

Guiné 63/74 - P8912: Recortes de imprensa (51): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - II Parte - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 393 , Set / Out 2011

1. Em mensagem datada de 13 de Outubro de 2011, recebemos do senhor Nuno Esteves da Silva, Chefe de Redacção da Revista Mais Alto, propriedade da FAP, fundada em 1959, a segunda parte do artigo "Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português", publicado no último número desta prestigiada Revista.

Exmo. Sr.
Carlos Vinhal
Na sequência do email anterior, enviamos a II parte do artigo sobre o Strela saído na Edição de SET/OUT da Mais Alto.

Com os melhores cumprimentos,
Nuno Esteves da Silva
Chefe de Redacção



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Notas de CV:

Os nossos agradecimentos à Revista Mais Alto, na pessoa do seu Director Tenente-General Piloto Aviador Luís Palma de Figueiredo pela cedência e autorização para a publicação das páginas referentes ao artigo "Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português", incerto nos números 392 (Jul/Ago) e 393 (Set/Out), desta Revista da Força Aérea Portuguesa.

Vd. poste da I parte de 22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8806: Recortes de imprensa (48): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - I Parte - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 392 , Jul / Ago 2011

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8852 Recortes de imprensa (50): Medalha de mérito militar chega 43 anos depois... A história do 2º Srgt Mil Libério Candeias Lopes, de Penamacor (CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65)

Guiné 63/74 - P8911: Antologia (70): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (3): Ilha do Como, 18 e 20 de Janeiro de 1964





Fonte: © Armor Pires Mota (1965-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Continuação da publicação de Tarrafo; crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 56-60.  (*)

Começámos, a partir de 14 do corrente, a publicar as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente, na Ilha do Como (15 de Janeiro a 15 de Março de 1994),  utilizando para o efeito a primeira edição (pp. 47 a 85).  

O exemplar, fotocopiado, que temos vindo a digitalizar, tem a particularidade (e a raridade) de mostrar as muitas páginas com os "cortes" ou "marcas" (traços, sublinhados, exlamações...) da censura.  O livro de crónicas, publicado em Outubro de 1965, impresso na Gráfica Aveirense, foi de imediato retirado do mercado e hoje só é possível encontrá-lo nalgum alfarrobista. O autor fez depois uma 2ª edição, "autorizada", em 1970, com o mesmo título, Tarrafo (Braga, Pax Editora).

Sobre ele e o Tarrafo, escreveu Beja Santos, na série Notas de leitura: (...) "Resta perguntar porquê este silêncio em torno do primeiro repórter combatente, alguém que escreveu a guerra quase em directo, em tom singelo, frugal nas imagens, entregando-nos os seus estados de alma sobre a forma de diário. Porventura houve preconceitos ideológicos, hoje totalmente inexplicáveis, talvez porque o escritor assumisse que fizera esta comissão numa convicção dos destinos da Pátria. Ele foi o primeiro escritor entre nós, devemos-lhe esta guerra quase em directo, no tempo em que se combatia de capacete e se transportavam munições e víveres em burros. Como veremos, a Guiné tem acompanhado a sua obra literária, até ao presente. Armor Pires Mota ofereceu-me a cópia de “Tarrafo” com as marcas do lápis da PIDE. É um exemplar que, cheio de orgulho, entrego ao blogue".

Acompanhe-se aqui a descrição que o Mário Dias, na altura furriel comando, integrado no grupo de comandos do Alf Mil Saraiva, instalados perto da CCAV 488/BCAV 490, a que pertencia o Alf Mil Armor Pires Mota, nas imediações da antiga tabanca de Cauane, faz destes primeiros dias  de ação:

(...) "Precauções redobradas, chegada a Cauane festivamente saudada pelos guerrilheiros com nutrido fogo de PPSH e de outras armas a partir da mata em frente, distanciada cerca de 200 metros da nossa posição. Felizmente os tiros saíam muito altos e só o som irritante das chicotadas incomodava.

"Instalados em abrigos expeditos cavados no chão arenoso, as tropas montavam guarda aquele local estratégico por ficar próximo da mata, um pouco elevado, o que permitia
domínio sobre o terreno circundante. Sob orientação do cmdt. do 8º Dest.Fuz. que aí se encontrava já há 3 dias, foram-nos indicadas as nossas posições. Cavamos abrigos, o que não foi difícil, o terreno era mole, ficando uma equipa em cada abrigo. Sempre em mente o princípio sagrado de nunca se separarem os elementos de uma equipa". (...)




Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Janeiro de 1964 > Na tabanca de Cauane, após a acção descrita. Estou eu, (de óculos) encostado a uma palhota, visivelmente cansado. A meu lado, a comer uma bolacha da ração de combate - não havia mais nada - o 1º cabo fotocine Raimundo que estava destacado pelo QG a fim de fazer a cobertura da operação, e que se juntou ao nosso grupo nunca mais deixando de nos acompanhar.

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005-2011) / Blogue Luís Graça & camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
 

 (...) "A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como.Nada a fazer. Tivemos que ordenadamente retirar e regressar às nossas posições na tabanca de Cauane. Nesta acção, os fuzileiros sofreram 2 mortos e 3 feridos graves. Dos guerrilheiros não se sabe pois ninguém conseguiu lá chegar e verificar o que entre eles se passou.

"Mesmo em ruínas, as palhotas de Cauane foram úteis para guardar muito do nosso material e sempre proporcionavam alguma sombra. Junto a uma das casas, foi colocado um tosco mastro, bem alto, onde flutuava orgulhosamente a bandeira nacional. Creio que tal “provocação” irritava os guerrilheiros que para lá disparavam longas rajadas de metralhadora, sensivelmente de hora a hora. Nós, ao fim de algum tempo habituámo-nos ao festival e até já sabíamos que horas eram, sem necessidade de consultar o relógio. Bastava contar as rajadas. As munições que assim gastaram, e foram milhares delas, (nós nem respondíamos) nunca atingiram o pessoal instalado na tabanca de Cauane. Milagre ou falta de pontaria. Ou ambas as coisas.

"No dia 20 de Janeiro de 1964, o 8º Dest. Fuz. Esp. saiu para uma incursão na mata entre Cauane e S. Nicolau. Como era de esperar, um numeroso grupo estimado em cerca de 100 guerrilheiros nos quais foram referenciados alguns brancos e caboverdeanos, recebeu-os com nutrido fogo que durou aproximadamente 2 horas. Devido à gravidade da situação, saímos em reforço. A distância não era grande e rapidamente chegamos ao combate que estava mesmo feroz. Os guerrilheiros não paravam o fogo. Escondidos na densa mata, eram alvos difíceis de atingir. Progredindo por lanços, de árvore em árvore ou qualquer pequena elevação de terreno que nos protegesse, fomos tentando a aproximação à mata onde se encontrava o in. Impossível. O terreno até lá era descoberto e as metralhadoras varriam tudo. Perto de mim, um fuzileiro, temerariamente em terreno descoberto, fazia fogo. Quando reparei e lhe gritava para sair dali e se abrigar, só o vi a virar-se de barriga para o ar e ali ficou atingido com um tiro na cabeça. Fiz um disparo com o lança-roquetes (a minha arma, além da indispensável G3) para quebrar o ímpeto do IN e permitir que fosse socorrido. Resultou, e alguns elementos dos fuzileiros foram buscá - lo. Estava morto.

"O PAIGC estava a opor grande resistência. Foi necessária a ajuda da aviação e artilharia para que aos poucos se fosse tornando possível a nossa progressão para o interior do Como. Recordo algumas noites em que nos era recomendado não acender fogueiras, nem sequer cigarros, pois os P2V5 vinham (à socapa pois eram da NATO) bombardear a mata. As explosões eram tão fortes que o chão onde estávamos deitados estremecia.

"Durante o dia actuavam os F86 e T6 bombardeando e metralhando todos os movimentos que detectassem". (...)

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Nota do editor:

sábado, 15 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8910: In Memoriam (94): António Dias das Neves (1947-2001), Sold At Cav, CCAV 2486 (Bula, 1969/70), "o meu herói" (Marisa Neves)

Folha da caderneta militar de António Dias das Neves

 
Sold At Cav António Dias das Neves


O Sold At Cav António Dias das Neves montado num obus 10,5...A CCAV 2486  (1969/70) passou por Teixeira Pinto, Bula, Pete e Bula.  Foi comandada pelo Cap Cav João Soares de Sá e Almeida e pelo Alf Mil Inf  José Manuel Duarte Fernandes.



O jovem futebolista António Dias das Neves, na sua terra natal, Ramada, Odivelas

 
Outra foto do jovem futebolista António Dias das Neves.


O António Dias das Neves na Alemanha... Em 1968, Portugal tinha celebrado um acordo com a a Alemanha, ao abrigo das facilidades pela utilização de Base de Beja, para tratamento e recuperação de deficientes, no Hospital de Hamburgo,  com a participação da Cruz Vermelha


O António Dias das Neves  em casa... O "meu herói", diz a filha Marisa Neves

Fotos (e legendas): © Marisa Neves (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]  


1. Texto de Marisa Neves [, foto à esquerda, 2009], baseado em comentários ao poste P8887 (*)  e troca de emails com os editores:

(i) Sr. Luís Graça,  só lhe posso dizer que o meu pai era e será sempre o meu herói, ainda por cima por ter passado por isso tudo e ter ficado sem 2 pernas aos 21 anos. Mas graças a Deus que se adaptou o melhor possível, conseguiu-o,  e quem não soubesse também não sabia que ele não tinha as pernas. 


Gostei muito de ter encontrado este blogue e pessoas que estão dispostas a ajudar-me. Pois o meu pai sempre me contou muitas coisas sobre o ultramar, mas já passaram 10 anos da sua morte e na altura ainda só tinha 21 anos, não assimilei tudo. 

Agora em conjunto com uns amigos, vamos fazer uma exposição da nossa terra, Ramada, e nessa exposição haverá um cantinho especial para o filho da terra, o meu pai [Neves).  

(ii) O meu pai foi ferido a 18 Outubro de 1969,  está na caderneta militar e também ele me dizia isso. Sei, sim, que o meu pai foi condecorado com a cruz de guerra [de 4ª] e um louvor. O louvor está comigo, a cruz de guerra infelizmente o meu pai ''chateado'' com o que lhe aconteceu amandou-a da ponte 25 de abril a baixo.

O meu pai quando foi ferido foi enviado para o hospital militar na Alemanha, onde esteve em recuperação. Posso lhe dizer que a pessoa que sabe muito sobre o meu pai é o ex-alferes Fernandes, pois ele ficou muito amigo do meu pai e costumava dizer:
- Este homem salvou-me a vida, se não fosse ele tinha sido eu a pisar a mina.

Palavras ditas em pleno funeral do meu pai pelo ex-alferes Fernandes. Gostava imenso de poder ter o contacto do agora Tenente Corenel  (aposentado). Se me puderem pôr em contacto com ele, agradeço.  Pois ele ia ajudar muito naquilo que vou fazer ao meu pai,  o memorial [, aqui em Ramada].

Quando tiver tudo ok,  concerteza que vós informarei do dia e local da exposição. O meu super herói será sempre o meu pai, esteja ele onde estiver pois faz parte de mim, se não fosse ele eu hoje não era aquilo que sou, e com muito orgulho digo que sou filha do Neves.
Cumprimentos,

(iii) O meu pai nasceu a 15 Junho de 1947 na Ramada, hoje concelho de Odivelas. Morreu no dia 21 de Agosto de 2001, devido aos vários aneurismas que já tinha espalhados pelo corpo, tendo feito a operação ao aneurisma da artéria que vai do coração à aorta, mas passado uma semana da intervenção não resistiu e teve uma paragem cardíaca.

Serviço militar:  Isto é o que está escrito na Caderneta Militar


António Dias das Neves - Nº de matrícula 19081/585/68 em 1968 
Arma em serviço - Cavalaria
Alistado em 5/07/1967 
Incorporado em 30/07/68
Pronto da escola de recrutas em 17/11/1968 
Especialidade - atirador de cavalaria.

Depois tenho isto assim na caderneta que não sei o que é.

Colocação durante o serviço

UNIDADE - C.T.S.C        30/07/1968

UNIDADE - R.C.7            28/09/1968
UNIDADE - QG/R.M.L     1/07/1972  


Nº DE ORDEM - 3948
 

Ocorrências extraordinárias

Embarcou em 28/2/69 no navio ''UIGE'', com destino ao CTIG fazendo parte da CCav 2486. Desembarcou em Bissau em 1/03/69. 


Evacuado para o HMP em 6/11/71 por despacho de 30/12/70, de sua Excia o Secretário do Estado do Exército.  

Foi ferido em combate a 18/10/69 quando pisou a mina que lhe tirou o pé esquerdo  e depois estilhaçou-lhe a outra perna, tiveram que lhe cortar  as 2 pernas até ficar tudo em condições.

Guiné 100% desde 1/3/69 até 30/12/70.
 

Também tem assim [contagem do tempo de serviço]:

1968 - 155 dias
1969 - 365 dias
1970 - 364 dias

Há muitas coisas que estão escritas na caderneta mas infelizmente não consigo perceber.


Em relação aos hospitais,  infelizmente não sei datas concretas, acho que ele foi 1º para Bissau [HM 241] e depois veio para Portugal
 [HMP - Hospital Militar Principal, Lisboa, Estrela] . A seguir foi transferido para Alemanha  [Hospital Militar de Hamburgo]. Sei que esteve algum tempo na Alemanha em tratamentos e recuperação para adaptação das próteses.

A pessoa que pode-lhe dar todos os dados fidedignos é sem dúvida o ex-Alferes Fernandes, agora Tenente-Coronel aposentado. 
Além de ter estado sempre ao lado do meu pai, ficou bastante amigo dele depois disso. Era um homem que muitas vezes o meu pai ia ao encontro dele, onde ele estivesse destacado e almoçava lá com ele nas messes, lembro-me de ser pequenina e ir com o meu Pai.
 
Se conseguir falar com ele,  vai conseguir todas as respostas, aquelas que eu também precisava.

Então segue uma foto minha, foi difícil encontrar pois as minhas fotos são aquelas todas com a minha filhota, mas depois de muito procurar lá encontrei esta que estou sozinha e não fiquei mal...lol


Fico muito feliz pela homenagem que farão ao meu pai no vosso blogue.


Obrigado mais uma vez.
 
Cumprimentos

Marisa Neves



2. Comentário de L.G.:

Não podemos ficar indiferentes à tenacidade e à dedicação filial da Marisa, que viu o seu pai partir, ainda novo (aos 54 anos), tinha ela 21... Dez anos depois, quer-lhe fazer a devida homenagem, na sua terra natal. E para isso, quer saber mais coisas da sua história passada, como militar no TO da Guiné, onde foi gravemente ferido...

Da nossa troca de comentários e emails, nasceu este poste, que é também a nossa pequena mas merecida homenagem a um dos nossos camaradas que deu o melhor da sua vida, como soldado, tendo sido gravemente ferido, por mina A/P, em 18 de Outubro de 1969, no decurso da Op Ostra Amarga (ao 7º dia, na região de Badapal, a norte de Bula).

O António já não está entre nós, mas o gesto de amor da sua filha Marisa obriga-nos a recordá-lo, doravante, na nossa lista dos membros da Tabanca Grande que da terrível lei da morte se vão libertando...

Ele será mais um dos irãs bons que poisarão no nosso poilão, fazendo-nos  lembrar sempre que aquela guerra, onde fomos protagonistas, teve - para a nossa geração - um enorme preço em sangue, suor e lágrimas. Obrigado à Marisa pelas ternas recordações do seu pai, que foi juntando, peça a peça, desde o seu tempo de jovem futebolista a deficiente das forças armadas, amargurado e revoltado, ao ponto de lançar fora, à águas do rio Tejo,  a sua cruz de guerra...

Vou pedir ao nosso colaborador permanente José Martins, que mora em Odivelas, para estar atento à iniciativa desta jovem de Ramada, que deve ser apontada como um exemplo à geração dos nossos filhos. Queremos estar presentes na exposição de homenagem que vai ser organizada em Ramada.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 11 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8887: O Nosso Livro de Visitas (120): Sold At Cav António Dias das Neves, da CCAV 2486, ferido por mina A/P no dia 18/10/1969, no decurso da Op Ostra Amarga (Marisa Neves / Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P8909: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (9): Oficial não Cavalheiro

1. Em mensagem do dia 11 de Outubro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta outra memória da sua guerra.

Caros camaradas
Confesso que não sinto prazer algum em divulgar esta história. Diria mesmo que era preferível esquecer que isto aconteceu. Porém, vejo-me na obrigação de contribuir para o registo das memórias da nossa guerra colonial.

Um abraço do
Silva


Outras memórias da minha guerra (9)

Oficial não Cavalheiro

Como é do conhecimento geral, durante a Guerra do Ultramar, salvo raras excepções (“ricamente” trabalhadas), todos os jovens eram aproveitados para prestação do serviço militar obrigatório. Por isso, não é de admirar que tenham aparecido indivíduos das mais variadas aptidões e estranhas características. Efectivamente, estava ali, exceptuando os “fugidos”, o retrato real da juventude portuguesa. De soldados básicos a oficiais, eram inúmeros os casos estranhos que chegavam ao nosso conhecimento.

Havia quem lhe chamasse Alferes Chanfrado e outros até diziam que era o “Atraso de Vida”. Porém, não fora a seu mau desempenho de militar graduado e os incómodos que causou aos seus camaradas, poderia até, ter uma denominação sinónima de “Chico Esperto”.

Veio de uma das ilhas onde a beleza, a poesia e a pacatez são reinantes. Trouxe o inconfundível sotaque que tanto caracteriza aquele nobre povo. O aspecto de imberbe e frágil e o comportamento nervoso denunciavam evidente imaturidade.

Digamos que era um jovem que, ali, estava deslocado. Não se adaptava ao ambiente militar e, também, parecia nada fazer para isso. Colocado na posição de alferes, sentia imensas dificuldades em impor-se aos seus comandados. Valeram-lhe os Furriéis, especialmente um, militarmente mais preparado, que comandou efectivamente o Pelotão nas Operações.

Amedrontado e (talvez) mal preparado, não ajudava nada, antes pelo contrário. No mato, acusando o medo ia quase sempre em último do seu Pelotão. Por isso, logo num dos primeiros combates, constava ter atingido com um tiro, um militar do seu próprio Pelotão. Constava que para os seus subordinados ele, de arma nas mãos, era um perigo. Tentou sempre “desenfiar-se” (doenças, idas prolongadas a Bissau, etc.). O Capitão, que parecia tolerá-lo, acabou por lhe mostrar algum descontentamento.

O Capitão lidava com o tal Furriel (que era bem aceite pelos militares) para os aspectos operacionais. O Alferes, quando presente, acusando insegurança, chegou a não levar arma para as Operações, e assim se foi passando o período de Intervenção.

Em Cabedu, apesar da realidade existente, já era, pelos militares, quase considerado descanso, antes da partida para o norte (Canquelifá). Aí, e já depois do Capitão ter sido ferido e evacuado da Operação Bola de Fogo (construção de Gandembel), passou-se por alguns apertos devido ao entusiasmo guerreiro do seu substituto temporário, um Alferes do quadro, seguidor da sigla – morte ou glória. Por esse motivo, a situação “inoperacional” do tal Alferes, manteve-se.

Porém, quando a Companhia seguiu para norte, este Alferes ficou com o seu Pelotão, durante dois meses como Comandante de um destacamento. Sem o Capitão, que o controlava, sem guerra e sem os outros colegas para o referenciar, entrou numa de verdadeiro Comandante.

Agora, de botas engraxadas tipo cavaleiro, de varinha na mão e a bater nas botas, corria o Destacamento de um lado para o outro, a meter-se em tudo, da cozinha à enfermaria e, até, com os familiares dos milícias. E para mostrar a sua autoridade, começou a chatear e a abrir processos disciplinares aos militares mais destacados, incluindo o próprio Furriel, conhecido por ter estado sempre ao lado de todos. Este teve um processo, dirigido ao Ministro da tutela, acusando-o de ter ... “alterado o talhe de barba” (usava “ pêra”)”. Uns sete ou oito militares também tiveram processos ridículos que seguiram para a base da Companhia, para o novo Capitão lhes dar seguimento.

Valeu-lhes uma posição colectiva dos graduados, junto do Capitão, lá na sede da Companhia, esclarecendo-o sobre o Alferes e o Furriel visado, visto que, para o novo Capitão, eram, ainda, desconhecidos.

São várias as histórias ali passadas que, ainda hoje, quando recordadas, se reflectem em comentários agressivos e condenatórios do comportamento do dito Alferes.

Para amedrontar os subordinados e, em especial, o Furriel, que sabia ser anti-salazarista, gritava amiúde, ameaçando:
- Vão parar a "Penamacor!” (aludindo ao estabelecimento prisional lá existente).

Avesso ao desporto, não queria que se jogasse futebol. Um dia, verificou que 3 dos 4 militares que estavam a jogar à malha, eram dos tais bons militares de quem ele não gostava (porque não o respeitavam, à sua maneira). Aproveitou estar na hora do almoço, dirigiu-se para a sineta, pendurada no embondeiro e tocou violentamente para que se desse início ao almoço. O jogo, que terminava aos 30 pontos, estava em 28-27 e, claro, fizeram mais uma jogada para acabar. Fez três participações por desobediência e retirou uma - a do... que lhe era mais humilde.

E, percebendo que alguém o pudesse acusar, chegou a proibir o estafeta (que era “Gila”) de levar para a sede da Companhia outro correio, para ser enviado, que não fosse o seu.

O ambiente no destacamento era já insuportável. Esperava-se ansiosamente a substituição do Pelotão e o regresso à sede da Companhia. Os dois meses de Destacamento, que se poderiam considerar um tempo de férias, foram-se transformando numa espécie de “degredo”, comandado por um louco.


Um dia, ouviram-se gritos do Alferes:
- Acudam, acudam, que me querem matar!

E ninguém se aproximava. Voltava ele, a gritar:
-Simões, Furriel Simões, acuda-me que me querem matar!

O Furriel correu para a parada, ao encontro do Alferes que, agarrado ao pulso por um soldado, o acusava:
- Acuda-me que este gajo me quer matar.

- Este gajo não! - respondia o soldado, ao mesmo tempo que o abanava energicamente, através do braço preso.
- Diga Salvador Martins Domingues, pai de duas filhas e mais homem que o senhor. Repita comigo. - Salvador Martins... Repiiiiita, seu cobarde!

O soldado, com as lágrimas a correrem-lhe pelas faces, virou-se para o Simões:
- Meu Furriel, fui ferido em combate, participei em todas as operações que pude, nunca recuei um metro sequer, e agora, a poucos meses de ver as minhas filhinhas, posso ficar desgraçado para toda a vida, por culpa deste garotito, que não vale nada.

E elevando a voz:
- Este cobarde não tem qualquer categoria para ser soldado, repito, ser soldado, do nosso Pelotão!

O Simões acalmou-o e indicou-lhe o caminho para a caserna.
Quando se virou, para trás, já o Alferes se tinha afastado. Porém, o Simões apressou-se, foi apanhá-lo e avisou-o:
- Nem pense em fazer mais qualquer participação. - Acabou!!! - Repito: - A... ca... bou!!! - Salvei-o desta vez, mas não o salvarei na próxima!

Pouco tempo depois, já na Companhia e em tempos de paz, antes de uma saída, para patrulhamento de rotina, o Furriel Sousa informou o colega Simões de que o Alferes mandara dizer que a partir de agora, não deveria ir no Pelotão e ficar no Quartel.

- O quê? – diz o Simões revoltado. Depois de nunca ter faltado a uma única Operação, salvo o tempo de um mês de férias e de ter estado sempre na frente, durante os combates, vem este anormal, querer mostrar-se em tempo de paz? A quem? Ao novo Capitão?

- Penso que te quer premiar. – Diz o Sousa.

- Não, não abandonarei nunca os meus verdadeiros camaradas de guerra! Sabes que saímos juntos, que sofremos juntos e que terei muito orgulho em regressar com eles.

O Simões, acabou de tomar o pequeno almoço. Depois dirigiu-se para a parada, onde o Pelotão já estava alinhado para sair.

Quando se aproximava, vê o Cabo “Rio Tinto” dar dois passos em frente e:
-Meu Alferes, dá licença?

-Sim.

- Ouvimos dizer que o nosso Furriel Simões já não nos vai acompanhar até ao fim. Quero dizer-lhe, em nome de todos os meus camaradas do Pelotão, que preferimos o Furriel Simões ao nosso Alferes. Ele é que nos acompanhou e orientou sempre na guerra e o Alferes não nos faz falta alguma, nem nunca fez.

- Não?! Anda aí confusão e não é verdade?! – Respondeu o Alferes, cabisbaixo e meio comprometido.


Silva da Cart 1689

(Nota: Este Alferes fez toda a viagem de regresso, sem vir ao convés do navio. É que estava convencido que havia militares com coragem para o lançarem ao mar. E eu também.)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8844: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Os Bravos do 13.º Pelotão sob o Comando do Furriel Montana

Vd. último poste da série de 23 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8466: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (8): O grande choque