1. Mensagem do nosso camarada e, novo amigo e Tabanqueiro, José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68), com data de 11 de Outubro de 2014:
Caro Amigo e Camarada Luís Graça:
Descoberto pela minha filha que é Jurista no MDN [Ministério da Defesa Nacional,] e que prontamente o me sugeriu, acabo de dar uma primeira vista de olhos pelo teu Blogue "A TABANCA [GRANDE]"...
Mas que feliz iniciativa meu amigo e camarada... Além disso está tecnicamente muito bem feito ...
PARABÉNS por isso tudo... e obrigado por me dares esta oportunidade de reviver (pelo menos as coisas boas - como por exemplo a camaradagem e a solidariedade muito difícil de encontrar no nosso mundo civil - essa fase da minha vida há muitas luas atrás.
Apresento-me desde já... mas só este Fim de Semana irei fazer o meu registo como pedes...
O meu nome é José Inácio Leão Varela. Sou natural de Lisboa muito embora o meu sangue e o meu coração sejam Alentejanos. Moro em Algés (Miraflores). Sou Economista (Gestão), reformado.
Para ti e restantes camaradas serei apenas o ex-Alf Mil Varela.
Estive na Guiné, entre 1966-1968, integrado na C.CAC 1566 ("PILÕES"), onde comandava o 1º Pelotão. Mas por força das circunstâncias andei destacado pelo Pelundo e Fulacunda tendo, talvez por isso mesmo, ficado como comandante do Destacamento de S. João, onde fiquei mais de um ano, enquanto a minha Companhia se fixou em Jabadá.
E para já, caro amigo e camarada, é tudo... depois e lá pelo Blogue... por certo haverá muitas mais coisas para compartilharmos.
Abraço amigo
Leão Varela
2. No dia 21 de Outubro foi enviada esta mensagem ao camarada Leão Varela:
Caro camarada José Inácio Varela:
Muito obrigado pelo contacto. Na qualidade de "relações públicas" do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné estou a dar resposta.
Como uma das práticas nesta tertúlia é o tratamento por tu, independentemente dos nossos antigos postos, idade, formação académica, profissão, etc, não vais estranhar a maneira como me dirijo.
Teremos muito gosto em te receber nesta Caserna Virtual, também conhecida por Tabanca Grande, onde o objectivo é o registo de memórias escritas e fotográficas dos combatentes que participaram na guerra colonial na Guiné.
Fizeste, e muito bem, a tua apresentação sumária, mas para fazer a tua apresentação formal à tertúlia precisávamos que nos mandasses uma foto do tempo de tropa, fardado, claro, e outra actual. Estas fotos servirão para encimar os teus futuros postes.
A joia a pagar será uma pequena história pessoal ou colectiva dos teus tempos de Guiné, que aches mais marcante. Podes fazê-la acompanhar de fotos que tenhas disponíveis. Por favor manda as respectivas legendas que datem e identifiquem o local e os intervenientes.
Fica ao teu critério acrescentar mais alguma coisa à tua apresentação, sendo que o mínimo será: nome, posto, especialidade, Companhia/Batalhão, data de ida e regresso da Guiné, locais por onde penamos e outros elementos militares e/ou civis que contribuam para nos conhecermos melhor.
Esta tertúlia é uma comunidade muito homogénea, onde, costumamos dizer, contamos aquilo que a família já não quer ouvir. Só nós nos entendemos porque vivemos, sentimos e recordamos aquela guerra que nos marcou idelevelmente, muito embora, por vezes, disso não tenhamos consciência.
Fico, eu e os restantes editores, ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.
Esperamos as tus notícias.
Até lá, em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães e eu próprio, envio um fraterno abraço.
Carlos Vinhal
3. No passado dia 7 de Dezembro recebemos esta mensagem do nosso novo Grã-Tabanqueiro Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566:
Meu Caro Amigo e Camarada Carlos Vinhal
Espero e desejo que tudo esteja óptimo contigo. Desculpa o tempo que levei para cumprir com o meu "pagamento da quota", necessário, e muito bem, para ser membro de pleno direito do Blogue "TABANCA GRANDE".
Mas como mais vale tarde do que nunca aqui te deixo (não sabia ao certo para onde enviar este mail dado ser a primeira vez) para, se o achares bem e adequado ao cumprimento do devido, o partilhares no Blogue onde eu terei muito gosto e prazer em compartilhar as nossas aventuras e histórias (daquelas que as nossas famílias estão fartas de ouvir como tu dizes... e até outras que, talvez, nem elas as ouviram) por terras da Guiné.
Assim, aqui te deixo em anexos a minha 1.ª História e, não só as fotos que pediste, mas mais algumas. Umas saíram da minha velha máquina outras da máquina do Alf. Capelão do Agrupamento de Bolama, cujo nome se me varreu... era um Padre Dominicano que nos ia quase sempre esperar nas lanchas dos Fuzileiros que nos ia recolher sendo a ida sempre a corta mato.
Esperando que me faças esse favor, aqui fica um forte abraço do camarada
Leão Varela
ex-Alf Mil Inf
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O Aspirante a Oficial Miliciano Leão Varela
A MINHA PRIMEIRA HISTÓRIA
(PAGAMENTO DA QUOTA)
Uma história? Há tantas que ainda pairam na minha memória que é difícil escolher uma que seja mais adequada para o pagamento da minha quota.
Bom… e se eu começar por uma do fim da minha comissão (1966-1968) por terras da Guiné?
Fui ao baú e lá encontrei uma cópia de um relatório de um ataque que sofremos. Claro… vai esta mesmo pois tratava-se se uma história acontecida a cerca de um mês de voltarmos ao conforto e carinho das nossas famílias.
Já agora… o porquê desta escolha? Porque tratando-se do último e pior ataque que sofremos, achei que, antes de ter o prazer e a honra de passar a compartilhar convosco através deste magnífico e oportuno blogue, Caros e Amigos e Camaradas, seria como que prestar a minha singela mas sentida homenagem aos meus ex-camaradas, independentemente do seu posto, credo ou cor, que ao meu lado e/ou sob o meu comando sempre souberam: honrar a farda que vestiam, demonstrar em situações adversas a sua bravura e o seu espírito de sacrifício muitas vezes arriscando a sua própria vida (e aqui recordo com tristeza os dois que comigo foram e que por lá faleceram em combate) e, enfim, que desinteressadamente cultivaram a solidariedade e o companheirismo que nos uniu e que jamais esquecerei.
O meu Pelotão. Eu o dos óculos escuros entre os meus camaradas e amigos Furriéis Valente, à minha direita, e Matos, à minha esquerda. Foto tirada já em S. João, após mais uma patrulha de combate.
Aqui vai ela:
SÍNTESE DO RELATÓRIO DO ÚLTIMO E PIOR ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE S. JOÃO
(12 Dez 1967)
SITUANDO A HISTÓRIA
Como certamente sabem, o Aquartelamento de S. João, para onde foi enviada a minha Companhia 1566, ficava frente a Bolama, onde nessa época estava instalado o Comando do Sector do Agrupamento 1975, e inseria-se na área operacional do Batalhão ]de Artilharia] 1914, com Comando localizado em Tite.
Era sob as directivas destes Comandos que a minha Companhia, embora sendo independente, actuava na área entre S. João - Nova Sintra e, por vezes, na de Tite.
A certa altura a minha Companhia foi transferida para Jabadá passando o Aquartelamento de S. João a ser um seu Destacamento, tendo o nosso Capitão Pala entendido confiar-me o seu Comando já que tinha tido idêntica missão durante alguns meses no de Pelundo para onde fui deslocado mal chegamos a Bissau.
Foi assim que, com o meu pelotão reforçado com o
Pel Caç Nat 56 comandado pelo Alf Mil Baptista (por onde andará este meu camarada de Braga e bom e inesquecível amigo?), fiquei em S. João até ao fim da comissão (mais ou menos 15 meses) cuja defesa e missão operacional, sob meu comando, ficou a cargo de um efectivo de cerca de 70 homens.
E foi aqui, em S. João, e neste contexto, que a história em título que passo a relatar sinteticamente se passa.
A HISTÓRIA
Tínhamos todos acabado de jantar que começava a ser servido após o arrear da Bandeira às 18 horas. O Furriel (já não sei qual – eram quatro) que nessa noite estava de serviço já tinha distribuído os homens da sua secção reforçada pelos sete postos de sentinelas e preparava-se para, com os restantes, sair para passar ronda à volta do Aquartelamento (ainda bem que não deu tempo para o fazer como já vão ver…).
Pouco passavam das 19 horas. Tinha acabado de sair da messe dita de oficiais mas que eu transformei na messe de todos os graduados (oficiais, sargentos e furriéis) quando uma das sentinelas fez um ou dois tiros. Dirigi-me rápido, juntamente com o Furriel de serviço, ao respectivo posto onde nada observamos de anormal…
– Ouvi barulho e pareceu-me ver qualquer a mexer além – disse-nos o sentinela…
–Talvez uma onça– retorquiu alguém
– Pois, mas fiquem atentos – respondi e voltei à minha voltinha que costumava fazer pelos diferentes postos depois do jantar e antes de me deleitar com mais meia noitada de King regada com uns copos de whisky que davam boa disposição e ajudavam a adormecer (agora tomo Lorenin, brrrr).
Não tive tempo para a fazer pois, passados não mais de 10 minutos – mais ou menos pelas 19H30 – começou o “fogo de artifício” consubstanciado por fogo intenso cuspido de armamento ligeiro (ML, a célebre “costureirinha”… lembram-se?) e pesado (MP), de morteiros 82 (Mor 82) e de dois canhões sem recuo (Can S/R).
De imediato todo o pessoal correu para os seus respectivos postos que lhe estavam previamente distribuídos (soldado Galvão e 1.º Cabo Coelho nas Bazucas; 1.º Cabo Ferreira e, acidentalmente por mim antes de conseguir sob fogo ocupar o meu posto de comando instalado num dos abrigos ao centro do quartel onde tinha instalado diversos rádios, nos Mort 60; 1.º Cabo Costa e soldado Valongueiro nas Bredas; Alferes Baptista no Mort 81 e restante pessoal com G3 distribuídos pelos diferentes abrigos.
Apesar da nossa pronta e forte reacção, durou este “festival” de fogo intenso cruzando os céus de um lado para outro – que Bolama, na outra margem, apreciava com um misto de curiosidade e de apreensão – cerca de 20 minutos altura em que o das forças atacantes foi diminuindo de intensidade até silenciar de vez ao fim de quase meia hora desde que o iniciaram.
Como rescaldo e do nosso lado registou-se, para além de diversos estragos materiais, que havia quatro feridos, um dos quais – o nosso herói da noite, Soldado Valongueiro, que mesmo bastante ferido na cabeça logo no início nunca largou a sua Breda - com gravidade que após ter os primeiros socorros dados pelo nosso enfermeiro – o incansável e sempre bem disposto 1.º Cabo Cavacas – foi evacuado para Bolama numa lancha dos nossos amigos e camaradas Fuzileiros que desde o início do ataque disseram presente com uma lancha parada no meio do rio pronta a intervir se necessário, sendo de madrugada, depois dos cuidados médicos evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau e daqui para o de Lisboa onde foi devidamente tratado mas já não voltando à Guiné.
Eu, referenciado pela seta, e o meu pelotão a entrarmos para uma LDG dos Fuzileiro, após uma operação a nível de Batalhão algures na área operacional de Fulacunda onde estive também alguns meses como reforço da Companhia aí aquartelada, sob o comando do então Capitão Osório infelizmente, já como Major e numa 2.ª Comissão, abatido numa emboscada aquando efectuava, já no tempo do General Spínola, uma missão de Paz com uma facção do PAIGC.
Eu, o da ponta lado direito, a bordo de uma LDM dos meus camaradas e amigos Fuzileiros estacionados em Bolama, com os quais partilhamos em conjunto algumas operações e que, a partir de certa altura nos iam recolher depois de termos andado uma noite toda para cumprirmos determinada missão.
Soubemos mais tarde, por informação do Comando do Sector, que do lado das forças atacantes houve três baixas mortais – por sorte nossa os apontadores do CAN S/R – em consequência do rebentamento perto deles de uma granada do nosso MORT 81 e alguns feridos.
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E pronto… esta a minha primeira História vivida por terras da Guiné que vos deixo. Porém, não queria terminar sem deixar aqui algo que julgo traduzir o que ficou no subconsciente de todos nós (ou de quase todos) após termos terminado a nossa missão. A saber:
“Ter estado num naufrágio ou numa batalha é algo belo e glorioso; o pior é que teve de se lá estar para se ter lá estado”.
(sic, Fernando Pessoa).
Abraços do vosso camarada
Leão Varela
(Ex-Alf Mil. Inf.)
Destacado no Pelundo (área de Teixeira Pinto), à porta do que chamavam de "messe"
Preparativos da habitual "patrulha abastecimento de água" numa fonte perto de Teixeira Pinto guiando um GMC.
Fotos (e legendas): © Leão Varela (2014). Todos os direitos reservados [ Edição: CV]
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4. Comentário do editor:
Caro camarada e amigo Leão Varela:
Pouco tenho a acrescentar ao que já disse e face à tua brilhante apresentação.
Deixaste-nos uma fasquia bastante elevada pelo que a nossa expectativa é muita. Ficamos ansiosos pelas futuras histórias que não nos vão defraudar.
Resta-me, para não alongar mais este poste, deixar em nome dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães Ribeiro e eu próprio, um grande abraço de boas-vindas e votos de Boas Festas Natalícias com saúde, alegria e muitas prendinhas.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 12 de novembro de 2014 >
Guiné 63/74 - P13875: Tabanca Grande (451): António Manuel Murta Cavaleiro, ex-Alf Mil Inf MA do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)