quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)


A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926 / Armando Tavares da Silva ; pref. Nuno Vieira Matias. - [Porto] : Caminhos Romanos, 2016. - 972 p., [64] p. il, [12] mapas desdobr. : il. ; 25 cm. - ISBN 978-989-8379-44-3 [Preço 'on lne': 56,00€]



A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926, de  Armando Tavares da Silva  >


 Prefácio:  “A Presença Portuguesa na Guiné”

Alm.te Nuno Vieira Matias


A análise histórica é, em qualificadas escolas, muito usada como ferramenta essencial à compreensão de fenómenos humanos e à sua condução em termos políticos e estratégicos, ainda que em épocas já muito diferentes. De facto, o conhecimento do passado de um determinado meio humano, de características com contornos bem vincados, ajuda a entender comportamentos actuais e a prospectivar medidas, ou políticas, orientadoras para novos padrões comportamentais. Este pensamento flui naturalmente com a leitura do excelente trabalho de investigação histórica que temos em presença, o qual se reveste, assim, de grande interesse actual e também futuro.

Ao longo dos trinta e dois capítulos que constituem a componente principal do livro é-nos dado a conhecer, com grande detalhe e rigor, a vivência, frequentemente conflituosa, entre várias etnias da Guiné Portuguesa e os esforços da administração portuguesa para o estabelecimento de uma governação baseada em princípios das sociedades ocidentais. São historiados 48 anos desse processo, de 1878 a 1926, período que o Autor escolheu, como justifica nas “Palavras Prévias”, principalmente “por ser aquele em que houve maior pressão para a ocupação efectiva do território, em que decorreram as conversações com a França para a sua delimitação e em que se concentraram, na quase totalidade, as chamadas operações de pacificação “.

Trata-se de um espaço temporal em que ocorreram múltiplos incidentes, que demonstram não apenas a natureza diversa e rebelde de muitas gentes guineenses, como as dificuldades no estabelecimento de uma organização política e social enquadradora da multiplicidade étnica e religiosa da população, vivendo no espaço artificialmente definido que passou a constituir a Guiné Portuguesa. A riqueza da extensa investigação dá-nos conta dos muitos conflitos verificados, quer entre as etnias locais, quer entre estas e os portugueses, mas também refere inúmeros episódios de bom relacionamento que tivemos com os nativos. Daí facilmente se extrapola que a dificuldade de convívio tem sido uma constante, que chega até aos nossos dias.

O autor, Armando Tavares da Silva, o mais recente membro
da nossa Tabanac Grande 
Esta é uma ideia que perpassa por toda a obra, excelentemente enquadrada pela Introdução onde o Autor faz um resumo da história do território, desde a chegada dos primeiros portugueses à região. Nuno Tristão terá sido o primeiro a chegar e a constituir a primeira vítima mortal das frechas envenenadas de mandingas, em 1446, talvez na foz do Rio Gâmbia. No ano seguinte, seria a vez do escudeiro norueguês de D. Afonso V, Valarte, que comandava nova expedição, de ser morto ou capturado, já não em terra de mandingas, mas na de outras etnias não claramente definidas.

Os nossos navegadores, os primeiros homens brancos a chegarem àquelas terras, foram descobrindo também que ali havia uma enorme diversidade étnica. Esta, sabemos hoje, foi consequência de muitas migrações de povos diversos do nordeste africano os quais, ao longo de séculos, procurando melhores condições de vida, se foram deslocando para as férteis costas guineenses, empurrando à sua frente os que já lá se encontravam. Os bijagós foram mesmo pressionados a deixarem a terra continental e a ocuparem o conjunto de ilhas adjacentes que tomaram o seu nome.

Não demoraria muito, contudo, para os portugueses entenderem que deveriam ter com aqueles povos um relacionamento cautelar, como o prova a excelente expedição de Diogo Gomes, em 1456, que o Autor caracteriza – em consonância com a apreciação de Teixeira da Mota (1946) – indicando: “ A acção por ele desenvolvida fornece-nos ‘um quadro típico da atitude civilizadora dos portugueses na Guiné’: a preocupação das ‘relações pacíficas com o gentio, tratando-o com humanidade e generosidade’; a superação do conflito religioso com a conversão do régulo; ‘um esforço de educação civilizadora, pelo envio de sacerdotes, técnicos construtores e animais domésticos’. O navegador é, assim, ‘um dos mais inteligentes’ capitães henriquinos.”

Essa atitude de procurado bom relacionamento, de tolerância e de aceitação da diferença que sempre tem caracterizado os portugueses em qualquer parte do mundo, notei-a também nas duas longas comissões de serviço que fiz em Angola e na Guiné. Neste último território ultramarino português, entre 1968 e 1970, testemunhei exactamente a constante que a presente obra evidencia das turbulências de relacionamento, aumentadas então pela guerrilha com forte apoio do exterior, sobretudo da esfera soviética, mas também verifiquei a amizade que muitas etnias mantinham connosco, levando-as até a combaterem bravamente pelo nosso lado. E a prova maior da nossa tolerância é constituída pelo facto de os islamizados guineenses terem sido dos nossos maiores aliados e de muitos terem combatido e alguns morrido nas nossas fileiras. Na região onde predominavam no leste da Guiné, a de Gabú, havia uma paz que contrastava com a luta de guerrilha, por vezes violenta, que ocorria nas regiões dos rios Cacheu, a norte, do Cubijã e do Cacine, a sul, no Oio, etc.

Recordo que, no destacamento de fuzileiros especiais que comandei, havia guias de religião muçulmana e que todos acatávamos com respeito as suas práticas religiosas e os seus hábitos, por exemplo, alimentares. Também relembro uma missão que me foi atribuída de estabelecer segurança na zona do farol situado no limite norte da Guiné, na região de Varela, a fim de permitir a uma equipa das Oficinas Navais de Bissau efectuar a sua reparação, repondo o funcionamento há muito interrompido. Preparei cuidadosamente a missão na incerteza do que poderia encontrar, uma vez que a norte do Cacheu e junto à fronteira do Senegal a guerrilha era muito forte. Contudo, a surpresa foi grande quando, após o nosso desembarque, apareceram grupos de felupes recebendo-nos com música. Enquanto as reparações se processavam, continuámos o relacionamento, partilhando as rações de combate do nosso almoço e até fazendo habilidades com as fundas que usavam para atirar pedras ao gado que guardavam. Estas eram, afinal, práticas bem conhecidas sobretudo dos meus fuzileiros alentejanos…

O livro termina com o capítulo onde são abordadas as usuais dificuldades governativas no período de que trata (1925-26), mas também o esforço persistente de organização administrativa, incluindo o aparecimento da terceira Carta Orgânica da Guiné e, ainda, a extinção da marinha colonial.

O interesse do valiosíssimo texto é acrescentado pela inclusão no seu interior de dois cadernos com muito curiosas fotografias de uma vasta colecção sobre “povos, vistas e paisagens e temas militares”, onde nos aparecem lindas ilhas dos Bijagós, algumas povoações e também imagens com relevo histórico militar. No final da obra, somos brindados com um “Apêndice Iconográfico” que inclui cerca de três dezenas de fotografias de navios da Armada que serviram na Guiné, a que se segue um encantador acervo de elementos de cartografia desse Território, respeitantes aos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. Reproduzem atraentes elementos onde a toponímia antiga nos é revelada, assim como outros dados raros, nomeadamente itinerários de algumas operações militares.

O conjunto dos cinco anexos do livro enriquece ainda mais a obra, contribuindo com detalhada e precisa informação, quer para fundamentar exigentes trabalhos de pesquisa, quer para satisfazer a curiosidade mais profunda de leitores especializados. De facto, o Autor preocupou-se em disponibilizar dados úteis e interessantes sobre aspectos tão diversos quanto as “Etnias” do território da Guiné, os “Tratados, Convenções e Autos”, a lista de “Governadores e Encarregados do Governo”, assim como a de “Ministros e Chefes do Governo” e, ainda, uma muito interessante e plena de significado, “Missiva do régulo Mamadu Páte para o governador Judice Biker”.

Em conclusão, estamos perante um livro que constitui, na verdade, uma notável obra de investigação histórica, produzida com grande rigor científico e que exemplifica bem o gigantesco esforço que um povo pouco numeroso, saído do extremo oeste da Europa, desenvolveu, pioneiramente, pelo mundo fora. Eram poucos os Portugueses, mas eram grandes no saber, no querer e no sentido fraterno dos seus contactos. Por isso, foram os primeiros a estabelecer-se em África e os últimos a sair.


Alm.te Nuno Vieira Matias [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Câmara Municipal de Porto de Mós, sua terra natal]

[Fixação de texto, realces a amarelo e negritos, da responsabilidade do editor do blogue; a reprodução deste prefácio foi-nos devidamente autorizada pelo autor do livro]

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16982: Notas de leitura (922): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16989: Parabéns a você (1201): Fernando Macedo, ex-1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º Pel Art (Guiné, 1971/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16984: Parabéns a você (1200): João Alberto Coelho, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16988: Em busca de.. (273): Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943), avô de Albertina Gomes (médica, Noruega)... Diligências do nosso blogue e colaboradores, Augusto Silva Santos e José Martins


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > A trágica miséria em que grande parte da população vivia no interior da ilha... Recorde-se que em 1940 e depois em 1942 e anos seguintes a seca prolongada foi responsável por uma das maiores catástrofes demográficas da história de Cabo Verde: este é, de resto, o pano de fundo do romance Hora di Bai, publicado em 1962, pelo escritor português Manuel Ferreira (1917-1994), também ele mobilizado como expedicionário em 1941, para São Vicente.


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Festa de São João. A companheira do Armindo da Luz (ou Cruz ?) Ferreira, mãe de Armindo Maria Gomes (, nascido por volta de 1942, ) e avó de Albertina Gomes (, hoje médica patologista, a viver e a trabalhar na Noruega), era natural de Santo Antão. Dizemos "era", porque presumimos que já tenha morrido. 

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de ontem, de Augusto Silva Santos
 [, ex-fur mil, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73]


Assunto - Procuro dados ou família do ex-1°cabo n° 300 /1° Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (1941-1944)

Olá, boa noite!

Relativamente ao assunto em questão (*), lamentavelmente até agora não tenho nada de relevante a acrescentar.

Tentei, através da escassa documentação que ainda possuo sobre a passagem do meu falecido pai [, Feliciano Delfim Santos (1922-1989)], por terras de Cabo Verde, nas datas assinaladas, descortinar algo que pudesse ajudar na pesquisa, mas não encontrei nada.

Tenho algumas fotos, onde eventualmente poderá estar presente a pessoa procurada (Armindo Ferreira) mas, infelizmente, para além do local e da data, nas mesmas não aparece qualquer outra identificação ou referência.

Também já tentei encontrar ex-camaradas do meu pai desse tempo (tinha referência de alguns, dos convívios que faziam anualmente), mas a informação entretanto recolhida é de que já faleceram, o que é perfeitamente natural (nesta altura já contariam entre os 95 e os 97 anos).

O meu pai era dos mais novos, pois apresentou-se na altura como voluntário para o serviço militar, com 18 anos.

Vou continuar a tentar, mas receio não conseguir nada de positivo.

Melhores Cumprimentos,
Augusto D. Silva Santos


2. Mensagem, do mesmo dia, do José Martins, 
nosso colaborador permanente [, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70]

Boa noite

Tive conhecimento, através da neta [, Albertinba Gomes,] que nos contactou, que Armindo da Luz (ou Cruz ?) Ferreira teria nascido na zona de Lisboa e que teria prestado serviço na polícia.

Contactada a PSP, pediram a informação da data de nascimento e a sua naturalidade, sem as quais não poderiam iniciar a pesquisa.

Esses mesmos elementos serão pedidos pelo Arquivo Geral do Exército.

Vamos ver o que se consegue.
José Martins


3. Comentário do editor

Obrigado, Augusto... Infelizmente, é uma geração praticamente  já extinta... O único contacto que ainda mantenho com malta do tempo do meu pai, Luis Henriques (1920-2012) é com um ex-furriel, António Correia Caxaria, de quase 100 anos [, nasceu em finais de 1917, era portanto dois anos e meio mais velho que o meu],  mas que esteve sempre no Mindelo, com ele...

Vou publicar a tua mensagem, apesar de tudo... Pode ser que o nosso "Sherlock Homes", o Zé Martins, consiga descobrir algo mais, nos arquivos... Ele tem um sexto sentido apuradíssimo, e a persistência, própria de um bom investigador... Já tem feito milagres...

Ao que parece, e segundo informação da neta, a dra. Albertina Gomes, o nosso camarada Armindo teria passado pela PSP - Polícia de Segurança Pública... Há alguma esperança de encontrar o seu nome nos arquivos desta corporação policial, se soubermos o ano exato em que nasceu...

Se o teu pai foi voluntário, com 18 anos, tendo nascido em 1922, o Armindo deveria ser dois anos mais velho, deve ter nascido em 1920, tal como o meu pai... O meu nasceu em 19/8/1920, ainda tinha 20 anos, ia fazer 21, quando chegou ao Mindelo em julho de 1941, tendo regressado em setembro de 1943. Nunca saiu de São Vicente, mas teve camaradas em Santo Antão. Recordo-me de me ter falado que pediram voluntários para Santo Antão (, a ilha de que era originária a avó paterna da Albertina Gomes).

 O Armindo regressou a Portugal em finais de 1943 e provavelmente deve ter entrado para PSP, e  casado. Não sabemos se manteve posteriormente contacto com a família em Santo Antão.
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Guiné 61/74 - P16987: Tabanca Grande (424): Armando Tavares da Silva, nosso grã-tabanqueiro nº 734, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, 2016), livro galardoado com o prémio "Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo"


Capa do livro do prof Armando Tavares da Silva,“A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, Porto, Caminhos Romanos, 2016, ISBN 978-989-8379-44-3).

O nosso mais recente membro da Tabanca Grande, o historiador Armando Tavares da Silva, foi galardoado com o prémio  Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo, pela publicação deste livro. O prémio foi dado pela Academia Portuguesa da História, e a cerimónia de entrega decorreu em 7 de dezembro de 2016, pelas 15,30 horas na sede desta Academia, Palácio dos Lilases, Alameda das Linhas de Torres, 198-200, 1769-024 Lisboa. A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República.


1. Mensagem,  de 23 do ocorrente, do nosso leitor e escritor Armando Tavares da Silva,  convidado a integrar a Tabanca Grande em 6/12/2016 (*):

Prezado Professor Luís Graça, demais Editores do blogue e caros Grã-Tabanqueiros

É para mim uma grande honra e prazer pertencer a esta grande comunidade, aceitando o convite que me foi dirigido. Honra que é acrescida pelo facto de considerar este blogue do máximo interesse e importância por documentar, pela voz dos próprios interventores, grande parte do que foi a luta na Guiné durante os anos 1961-1974. Quem quiser, assim, fazer a história dos acontecimentos deste importante período, não poderá prescindir do manancial de informação que ele contém. É este um motivo do agradecimento que deve ser feito aos promotores deste blogue e a todos os que nele colaboram.

Eu não estive na Guiné, mas não é difícil de imaginar que, tendo durante cerca de uma dezena de anos feito uma extensa investigação sobre o que foi a presença portuguesa neste antigo território ultramarino português (agora a República da Guiné-Bissau) entre os anos 1878-1926, siga com grande interesse e apreço tudo o que respeita a este território, sua história presente e passada.

Devo começar por esclarecer que o meu interesse pela história do território resultou do facto de um avô meu, como aspirante de marinha, ter participado, em 1904, na chamada guerra do Churo, uma das operações militares ditas de “pacificação” da Guiné. O Churo era uma região de povos da etnia papel ao sul de Cacheu, os quais amiudadas vezes atacavam esta praça causando mortos entre os seus habitantes.

Aquele interesse foi acrescido por se ter dado a coincidência de o chefe-do-estado-maior na altura (major Lapa Valente) ser casado em segundas núpcias com a minha avó materna. Lapa Valente serviu na Guiné durante 7 anos – uma das mais longas presenças de militares – e durante este período foi por 3 vezes governador interino e uma vez encarregado do governo, tendo participado nas expedições ao Jufunco em 1901, ao Nhacre e ao Oio em 1902, ao Arame em 1903 e ao Churo em 1904.

Foi por verificar quão escassa era a historiografia portuguesa relativa à Guiné que decidi empreender a morosa tarefa de mostrar quais foram os problemas – militares a administrativos – que as autoridades portuguesas tiveram de defrontar para o estabelecimento de uma efectiva administração num território onde Portugal dispunha de várias praças, presídios e feitorias, a qual se tornou premente na sequência das resoluções da Conferência de Berlim de 1885.

O trabalho empreendido levou à publicação em 2016 do livro “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, ISBN 978-989-8379-44-3) (**). Foi abrangido o período de quase 50 anos que se seguiu à separação administrativa da Guiné relativamente a Cabo Verde em 1879, período em que se verificou a quase totalidade das operações militares no território após a delimitação de fronteiras com a França em 1886.

Com a realização deste trabalho fiquei a compreender a razão por que o partido independentista criado nos finais dos anos 1950 dizia respeito não apenas à Guiné, mas simultaneamente também a Cabo Verde. E fiquei ainda a compreender a particular composição do grupo dos seus promotores e principais dirigentes.

Nesta perspectiva, aquele livro lança-nos luz sobre os antecedentes da luta travada para expulsão dos portugueses daquele território entre 1961 e 1974, e permite-nos compreender melhor o seu real significado, bem como os desenvolvimentos que têm ocorrido na Guiné-Bissau até aos nossos dias.

A este propósito tem interesse transcrever o Prefácio que o Almirante Nuno Vieira Matias, que comandou na Guiné de 1968 a 1970 um destacamento de fuzileiros especiais, elaborou para o livro.


2. Resposta der ontem do nosso editor:

Meu caro Armando: Acabo de ver a sua mensagem, vou no Alfa a caminho de Braga, onde tenho um júri de doutoramento na área das ciências da comunicação.

Regresso ao fim da tarde. Já comecei a editar os seus textos: a apresentação à Tabanca Grande (, vou procurar mais umas notas bibliográficas... a seu respeito) e o prefácio ao seu livro (que vou ilustrar com imagem da capa). Os nossos postes, como sabe, não podem ser muito extensos, daí esta minha opção.

Naturalmente que respeitarei a sua (e a do prefaciador) opção no que diz respeito à ortografia. Os nossos autores e comentadores têm essa liberdade, faz parte do nosso "livro de estilo".

O meu amigo irá ser apresentado mais logo, na viagem de regresso (espero estar despachado por volta das 17/18h). Será o grã-tabanqueiro nº 734, e a sua presença muitos nos honra, enquanto blogue dos "amigos e camaradas da Guiné". [Últimas duas entradas, mais recentes, Braima Galissá e Armando Gonçalves] (***). Já sabe como são as regras: aqui, os camaradas de armas tratam-se por tu; os amigos dispensam as formalidades, os títulos... Mas todos respeitam todos...

Fique com o meu número de telemóvel (...). Já corrigimos a gralha que apontou, no marcar do nosso blogue [Armando Tavares da Silva]...

Boa saúde, boa continuação do seu valioso trabalho de pesquisa. Luís Graça

3. Nota biográfico do nosso grã-tabanqueiro nº 734:




4. Citação do prefácio do livro (, assinado pelo Almirante Nuno [Gonçalo] Vieira Matias, que comandou na Guiné,  de 1968 a 1970, um destacamento de fuzileiros especiais (, o DFE nº 13) [. é atualmente Presidente da Academia de Marinha, vice-presidente da Direcção da Sociedade de Geografia de Lisboa, membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, membro de mérito da Academia Portuguesa da História, entre outros cargos]: 


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Guiné 61/74 - P16986: Inquérito 'online' (102): resultados definitivos: num total de 89 respostas, mais de 76% nunca votou antes do 25 de Abril


Marcelo Caetano (Lisboa, 17 de agosto de 1906 — Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1980) > Últmo governante do Estado Novo,  foi presidente do conselho de ministros, substituindo Salazar, entre 27 de setembro de 1968 e 25 de abrill de 1974.

No seu "consulado", houve duas eleições legistaltivas para a Assembleia Nacional, em 26 de outubro de 1969 e 28 de outubro de 1973. Nessa época estavam recenseados cerca de 1,8 milhões de eleitores. Estas foram as únicas eleições em que  a nossa geração de antigos combatentes da guerra do ultramar puderam, teoricamente votar, além das duas anteriores, na época de Salzar: as eleições legislativas de 1965, e eventualmente,  as eleições para a Presidência da República de 1958  a que concorreu o "general sem medo", Humberto Delgado (1906-1965). Nenhuma  destas eleições eram "livres", no sentido que damos hoje ao termo... Os nossos filhos e netos que nasceram com a democracia têm dificuldade em perceber o que era isto de "eleições que não eram livres"... Em 1958 e depois em 1969, foi a única vez em que o regime abriu um bocadinho de anad a "tarraxa"... Ficou tão escaldado com a mobilização popular, conseguida por Humberto Delgadom, que nunca mais quis repetir a brincadeira... Em 1965 e em 1973, o regime foi às urnas a falar sozinho, como se tratasse de uma partida de futebol em que o campo, a bola, os jogadores e o árbitro vestiam todos a mesma camisola...

 (Foto: cortesia da Wikipedia).

I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"ALGUMA VEZ VOTASTE
EM ELEIÇÕES LEGISLATIVAS,
ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974?"


Resultados definitivos (n=89)


1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei  > 61 (68,5%)

2. Estava recenseado, mas nunca votei  > 7 (7,9%)



3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez  > 16 (18,0%)



4, Não sei / não me lembro  > 5 (5,6%)

Total de respostas  > 89 (100,0%)


A votação terminou ontem às 11h34.


II. Comentários (*):

(i) João Sacôto:

[aqui, em 1965, em Ganjola, Catió]

O primeiro ano em que votei,  foi em 1958, e votei  no General Humberto Delgado. Daí até hoje, exerci sempre esse direito (que também considero dever de cidadania). Essas eleições estão muito na minha memória por terem correspondido ao meu primeiro acto eleitoral. Foram em 8 de junho de 1958, dia em que eu comemorei os meus 20 anos e pude votar, por ter sido emancipado em 1956, aos 18 anos.


(ii) Torcato Mendonça


Eu, obviamente, não tinha direito a votar. Razões de ordem pessoal fazem-me ser lacónico.

Recordo esse "acontecimento eleitoral" [, o de 1969,] pois recebia a Vida Mundial e, quando havia colagem recebia a Time ou NewsWeeek (se não erro), a "alertar" qualquer envio. Bons tempos e, mesmo lá sabia alguma novidade.

Quando das Eleições estava destacado em Candamã e Áfia [, subsetor de Mansambo, foto à direita]. Substituíram-me a meia dúzia de homens do meu Grupo que iam votar. Eles sempre me perguntaram quem era o sr James Pinto Bull... eu dizia que era bom eles saírem dali por dois ou três dias. Era lugar quente. Estiveste lá depois do ataque de fins de julho de 69 e viste a brutalidade... creio que tenho isto em escrito publicado no blog.

Recordo agora e estou a sorrir. Quando fomos para lá, creio que em finais de setembro de 69 fizemos 5 ou 6 fornilhos a rodearem cerca de metade de Candamã. Disparo eléctrico e os 5 ou 6, numerados, vinham para o meu abrigo e três iam também para o Furriel Rei. Foi carga demais e um raio de forte trovoada accionou aquela marmelada em simultâneo... nunca tinha ouvido tamanho estrondo...

À cautela agarramos em armas etc. Felizmente só o rádio ficou preto, as granadas da bazuca estavam demasiado encharcadas e não rebentaram. Ficaram dois ou três militares atordoados e, o mais grave, era o "cozinheiro". Depois de duas colheradas de azeite e um forte apertão estomacal vomitou bastante chispe de porco holandês e recuperou... Enfim, vidas...

Só votei em 1975 e estava bastante nervoso. Votei no mesmo Partido onde hoje voto. Infelizmente este Mundo ainda está uma trampa e custa a "endireitar"... um dia melhora.
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Guiné 61/74 - P16985: Os nossos seres, saberes e lazeres (196): Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 15 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Quando rememoro esta viagem, não esqueço a ingestão de líquidos e o bálsamo do ar condicionado. Foi um fim de Julho em que estrondeou um calor que deitava abaixo qualquer vontade de andar por ruas, entrar em igrejas, mirar fachadas de edifícios espetaculares, acresce que a Benedita há muito que falava na viagem e a tudo resistiu, divertiu-se à grande numa piscina numa bela casa de turismo de habitação em Terrenho, perto de Trancoso.
Andou-se por castelos, chegou-se a Foz Côa, a riqueza fabulosa das gravuras rupestres está à nossa espera.

Um abraço do
Mário


Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (1)

Beja Santos

O passeio foi idealizado a uma certa distância, nada faria supor que se chegava a Trancoso e depois a belos lugares como Terrenho, Penedono e Marialva com temperaturas abrasadoras, o que confrangia, a Benedita estava com cinco anos e meio. É com redobrado prazer que entro em Trancoso, uma cidade que conheci graças à minha amizade com Luís Rodrigues, que habita em Rio de Mel, será aí que de algum modo nos iremos amesendar. Compraz-me o seu belíssimo centro histórico, as suas muralhas, o altaneiro castelo, as ruas e ruelas do passado, a presença judaica. Aqui estão as Portas do Prado, daqui se saía para Viseu ou Lamego, neste caso por aqui entrámos em grupo, o alvo era o centro histórico e depois uma sombra e uns líquidos para matar a sede.




Estamos em Terrenho, ficamos no Solar dos Almeidas, de um equipamento apodrecido um casal lançou-se à empreitada e conseguiu um milagre de renovar sem beliscar o passado de uma casa afidalgada, fez dela um conveniente turismo de habitação. A Benedita só queria piscina, de manhã, à tarde, sempre que possível. Por uso e costume, não exibo fotografias de familiares e outros viajantes. Mas esta imagem faz-me tremer de emoção, o sorriso da Benedita lembra-me o da sua mãe, nesta precisa idade, mostro-a com espevitado orgulho. E passeámos por Terrenho, aproveitámos as sombras.


Terrenho reúne paradoxalmente a imagem da renovação e do abandono, vemos residências quase apalaçadas na decrepitude e por toda a parte há sinais de que se partiu para sempre, mas há quem para aqui venha e refaça, o lugar, no essencial guarda caráter.




Não se pode resistir à esmagadora imponência de Penedono. Basta olhar para estas imagens e vemos que temos castelo antigo anterior a Portugal, aqui houve mesmo pancadaria da grossa no âmbito da reconquista. Em 1812, recebeu um visitante ilustre, Alexandre Herculano, que não escondeu a sua admiração. Escreve-se num folheto alusivo que é pequeno castelo de montanha gótico, de planta poligonal, encontra-se implantada a 930 metros de altitude, tem torreões nos ângulos, por vidros da matacães e flanqueando o acesso único inscrito num arco quebrado. O pelourinho é um monumento quinhentista, tipo gaiola, idêntico ao que encontramos em Sernancelhe. Assenta num soco de cinco degrau oitavados, tem fuste prismático encimado por capitel tronco-piramidal, que grande beleza!


Mudamos de rumo, estamos em Marialva, não muito longe da sede do concelho de Mêda, aqui se chega depois de passar por planícies de alguma aridez e arvoredo fugaz. Sempre o granito a preponderar. Tem cidadela no interior do castelo, agora despovoada, a vila está cheia de vida, percorremos com grande satisfação um empreendimento turístico, Casas do Coro, um exemplo admirável de inserção e recriação numa zona montanhosa cheia de história. Faz-se o percurso urbano e há passado nas pedras, mesmo nas que jazem ao abandono. Aqui chegaram romanos, godos e aqui se ajudou a fundar Portugal. A região é alvo de projetos turísticos interessantíssimos, passaremos mais adiante por Longroiva, outro caso admirável de boa inserção entre socalcos serranos onde vicejam oliveiras.



E chegámos a Foz Côa na mira de conhecer o museu de Côa e de visitar as gravuras. Consta que o seu microclima é mediterrânico, com aquela caloraça vizinha dos 40 graus o que apetecia era um lugar fresco, havia pouco entusiasmo por castelos, monumentos, solares, vilas romanas e até mesmo olhar com a feição os amendoais que ali preponderam. Mas houve coragem para ir ver o Côa e pasmar com as encostas que são verdadeiros cenários do chamado dúrio-trasmontano, assim se pode caraterizar a região. O viandante pôs-se à sombra e tirou do quarto uma fotografia à espetacular cenografia do Côa e antes do jantar tentou-se uma visita à apregoada riqueza da igreja matriz. Estava encerrada, mas a fachada é deslumbrante, como vêem. Amanhã é dia de gravuras e a Benedita não pára de falar no passeio de comboio, entre o Pinhão e a Régua. Depois contamos o que se passou.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16965: Os nossos seres, saberes e lazeres (195): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16984: Parabéns a você (1200): João Alberto Coelho, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16980: Parabéns a você (1199): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16983: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (39): 3 - O amigo Mohammed de Marrocos

Tânger


1. Em mensagem do dia 23 de Janeiro de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos a terceira história da sua mini-série "O meu amigo Mohammed", este de Marrocos.

Caros amigos
Junto a história do amigo Mohammed.

Grande abraço
JFSilva


Memórias boas da minha guerra

39 - O amigo Mohammed

3 - De Marrocos

Foi uma viagem incrível a que fizemos no verão de 1975, também conhecido pelo Verão Quente do período revolucionário da nossa democracia. Éramos dois casais, amigos de infância, que se lançaram para a aventura, a caminho de Marrocos. A curiosidade levou-nos a almoçar em Rio Maior onde uma semana antes tinha havido fortes escaramuças provocadas por agricultores contra a reforma agrária, personificada pelas forças políticas de esquerda, especialmente pelo PCP e FSP. Tivemos oportunidade de ver os restos da “barricada” que havia paralisado o País durante alguns dias.

Estive preso mais de cinco horas na fronteira Vila Verde de Ficalho/Rosal de la Frontera, por me terem confundido como um PIDE em fuga, Após uma noite mal dormida (e mal comida) em Sevilha, seguimos para Algeciras. Esfomeados, pensámos aproveitar bem a viagem no restaurante do barco para Ceuta, onde não faltava alimentação. Porém, o enjoo e os vómitos aterraram-nos. Foi horrível quando vomitei lá de cima, da esplanada, sobre as pessoas do piso inferior.

Ceuta ainda era Espanha e, para passarmos para Marrocos, precisávamos de “Visto”. Isso levou-nos para uma fila interminável. Passámos esse Domingo quase todo em Ceuta, mas de uma forma pouco agradável.

Tânger 

Já em Tânger, optámos pelo regresso, uma vez que a frágil mulher do meu amigo, além do medo permanente, não suportava a comida local nem aqueles fortes aromas. Acumulámos, rapidamente, várias peripécias inesperadas com arriscados contratempos à mistura.

Embora me sentisse bastante ligado a África (estive na guerra da Guiné e, como civil, em Angola), apercebi-me de que perdera o entusiasmo de lá voltar.

Mas, 25 anos depois, tive um convite de Rabat para uma possibilidade de negócio. Foi o vizinho Neca Souto, camarada da guerra da Guiné, que me proporcionou essa ligação. Conheci então o meu amigo Takirene, ex-deputado parlamentar e herdeiro de uma grande empresa corticeira que entrara em queda logo após a crise causada pelo desmantelamento da URSS.

Acabámos por fazer uma sociedade com base na cortiça de Marrocos, fornecida por ele, e o seu tratamento em Sta Maria da Feira. Passei a fazer viagens assíduas a Rabat e à fábrica de Bouznika, a uns 30 Km a sul de Rabat.

Naquela viagem levava a preocupação de aclarar a estranha discrepância dos tickets das balanças, entre a origem e a chegada.
Posto o problema ao Mohammed, encarregado dos carregamentos dos camiões, ele acabou confessando que “é natural que alguns indivíduos se tenham escondido entre a cortiça para passar as fronteiras”.


Naquela época, era prática diária o aparecimento de relatos chocantes sobre a passagem ilegal de migrantes pelo estreito de Gibraltar, vindos do norte de África. Foram descobertos corpos destroçados nas estradas e outros asfixiados entre os ferros de suporte dos camiões. Na costa marítima espanhola, as pequenas embarcações de fugitivos eram recebidas a tiro pela guarda civil.

Muitos dos migrantes eram apanhados e devolvidos à origem e outros desapareciam por Espanha e Portugal, vagueando de terra em terra, ora escondidos, ora aparecendo como vendedores de artigos supostamente desviados, de contrafacção.

Como eu estava hospedado em Temara, no Hôtel la Felouque, junto à Plage Sable D’or, esperava jantar ali com o meu sócio. Porém, dada a movimentação de pessoal na preparação do palco anexo à esplanada, virado ao mar, por motivo da aproximação dos serões festivos do Ramadão, optámos por ir até um clube naval perto de Skhirat Plage.

Ali, em ambiente bastante mais acolhedor, saboreámos uma espécie de “Paelha à Marroquino”, onde era evidente a fartura de bom marisco. E, embora a “proibição” do álcool fosse uma regra sagrada, eu estava salvaguardado pela excepção do seu cumprimento, ao abrigo duma cláusula governativa que o legalizava, por interesse turístico. Não posso esquecer os bons vinhos que lá bebi, especialmente um tal Cabernet Sauvignon, da região de… Casablanca.

Foi mais um agradável serão, em que muito falámos sobre aquela cultura árabe, um tanto virada para o ocidente europeu. Ouvir o Takirene falar sobre isso era fascinante. Ele próprio, apesar de rico e de formação académica na Europa, vivia entre esses dois mundos. Era licenciado em Direito numa Universidade Católica Espanhola. Contava que seu pai gostava da cultura europeia. Todavia, não podia afastar-se muito dos costumes e da lei islâmica. Por exemplo, referiu que a sua mãe “oferecera ao pai, como prova de amor” uma jovem, para segunda mulher, capaz de lhe dar o prazer que já não conseguia.

Tinha uma irmã mas, segundo a lei, foi ele, filho varão, o principal herdeiro. Casou e procurava o seu descendente varão, que não apareceu. Teve cinco filhas que colocou na Europa a estudar nos melhores colégios. Vivia com o desgosto de ter como principal herdeiro, o seu sobrinho, órfão, tido como vadio, quase sem formação escolar e sem interesse em ocupação responsável. Suspeitava que se metera na droga. Enfim, apesar da fortuna familiar, vivia preocupado com o futuro das filhas.

Aquele agradável serão do jantar prolongado foi interrompido pelo Contabilista Hassan, que se aproximou, a solicitar a atenção do Dr. Takirene. Veio informar que o camião TIR ainda não saíra para Portugal, devido a um grave incidente. Quando o Mohammed, encarregado das cargas, tentou impedir a feitura do buraco no meio da carga, foi ameaçado de morte. O camião está pronto para sair da fábrica e à espera do motorista. O Hassan queria saber o que fazer, antes de o ir buscar ao hotel e lhe entregar as guias.

Seria fácil a denúncia destes foragidos. No entanto, era visível a complexidade de situação tão perigosa. A bonomia habitual do meu sócio não queria alhear-se do problema social daquele gente que lutava pela sobrevivência. Por outro lado, preocupava-se com as consequências que o Mohammed pudesse vir a sofrer.
- Que me dizes, José, sobre esta situação?
Não contava ter de lhe dar opinião. Todavia, adiantei:
- Por mim, não sei de nada, nem virei a saber.

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Uns anos mais tarde, já fora de qualquer negócio com Marrocos, quando saía do Restaurante As Cubatas, logo a sul de Albergaria, dava uma olhadela aos artigos expostos no chão. O vendedor fitou-me e disse:
- Patrão, escolhe o que quiseres, tenho muito bom material.

Disse-lhe que não precisava de nada e lamentei que a cana de pesca não fosse o que precisava. Ele respondeu que eu poderia comprar outras coisas em Lourosa, porque ele também andava por lá e se abastecia nos armazéns de Sanguedo. Notei que já me conhecia.
- Como sabe que sou de lá?
Ele logo respondeu:
- Tu trabalhaste na cortiça e eu conheço bem Bouznika e o Dr. Takirene, de Rabat. Vous êtes bonne personne.

Ao afastar-me, ele insistia:
- Quero oferecer-te alguma coisa.

Surpreendido com a oferta, olhei para trás e ele acrescentou:
- Nous sommes amis de Mohammed.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16961: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (38): 2 - O amigo Mohammed da Mauritânia

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16982: Notas de leitura (922): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma digressão sobre recensões guineenses, entre as muitas centenas que vêm inseridas nesta obra monumental de recolha de investigações que muitas vezes não aparecem no mercado português. Para o estudioso e mesmo para o leigo interessado sobre acontecimentos dos dois últimos séculos do império colonial, Pélissier é incontornável, e quem põe dúvida a esta afirmação pode esclarecer-se com esta leitura, pois a obra está disponível nas livrarias.
Registo que Pélissier procura repertoriar tudo que tem a ver com a literatura da guerra colonial.

Um abraço do
Mário


De África a Timor: uma maratona de livros por René Pélissier (2)

Beja Santos

“De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2001)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014, é uma obra indispensável para leigos e investigadores sobre trabalhos que se prendem com as diferentes parcelas do antigo império português. Pélissier é um nome gigante nas investigações da colonização portuguesa e não se conhece mais ninguém com este palmarés de milhares de recensões inicialmente publicadas em revistas especializadas e depois em diferentes volumes. Como é óbvio, neste espaço procuramos referenciar estudos e recensões centrados na Guiné. A propósito de um escritor português, Luís Rosa, Pélissier observa:
“A literatura dos antigos combatentes é um género, ou subgénero, que mobiliza e mobilizará os professores de literatura portuguesa durante muitas gerações, bem depois do desaparecimento dos que a escreveram. Estes académicos, em geral, não têm as mesmas preocupações dos autores e ainda menos as dos historiadores. Os últimos desejam saber o que não se encontra nos comunicados de imprensa da época nem na história oficial estabelecida a posteriori pelos Estados-Maiores. Para os historiadores o estilo e o lirismo, a poesia e o vocabulário das emoções não são mais do que acessórios. O aborrecimento chega depressa após a leitura das proezas desta ou daquela Unidade; não nos devemos desencorajar pois acabamos por descobrir pepitas mesmo nos romances históricos, redigidos por certos atores (em geral oficiais milicianos) que tiveram de combater a sério.
"Memória dos Dias sem Fim", por Luís Rosa, Editorial Presença, 2009 é disto um bom exemplo. Luís Rosa está numa guerra absurda e enfrenta na Guiné um inimigo decidido e combativo. O alferes Rosa e a sua Companhia estão na zona nevrálgica fronteiriça do Sudeste, entre o rio Cacine e o limite artificial da Guiné Conacri. É um lugar de passagem obrigatória do PAIGC, que está encarregado de retomar e defender. Um historiador que já sublinhou abundantemente o caráter arbitrário do traçado dos contornos da Guiné não pode ficar insensível esta demarcação que devido o país dos Nalus. De entre as caraterísticas mais importantes do livro, limitar-nos-emos a citar as mais originais: a) a presença de um comerciante português em Gadamael que explora impiedosamente os Nalus; b) a tortura de um louco, prisioneiro; c) a execução em Guileje, por um alferes, de um velho informador/agente duplo, a quem obriga a cavar o próprio túmulo antes de arrancar uma orelha do seu cadáver; d) o bombardeamento com morteiros do posto de Sangonhá a partir do campo de Marela do PAIGC, na Guiné Conacri e o franqueamento, em represália, da fronteira pelos Comandos e milícia local; e) a receção dos refugiados que fogem da fome; f) a primeira destruição pelas unidades regulares de artilharia do PAIGC da guarnição portuguesa de Guileje; g) o fornecimento de informação contra o PAIGC por um chefe Nalu, refugiado na Guiné Conacri, em troca de um tratamento contra as doenças venéreas”.

Foi com surpresa que tomei conhecimento do romance “Deixei o meu coração em África”, por Manuel Arouca, Oficina do Livro, 2006. Segundo Pélissier, trata-se de uma extraordinária reconstituição da realidade vivida pelos soldados portugueses em Guileje. Esta reconstituição é tanto mais notável quanto Manuel Arouca não parece ter conhecido a Guiné no seu crepúsculo caetanista. E é mesmo um romance em que tudo o que o autor narra sobre este país em guerra lhe foi contado por um primo. Vejamos os termos, segundo Pélissier:
“Assim, encontramos Spínola, mas sobretudo o quotidiano de uma guarnição, ameaçada e rotineira, que só se anima com as escoltas dos comboios de provisões, a chegada do correio, os bombardeamentos de napalme, as emboscadas, as personalidades fortes, como a do capitão cabo-verdiano que comandava a Companhia e que era o único patriota otimista neste posto português. Assistimos, em seguida, ao casamento em Gadamael-Porto de um suboficial de Coimbra com a filha de um chefe Fula: um caso de luso-tropicalismo que acabará mal (ao pisar uma mina, o marido perderá as duas pernas). Conhecemos também um soldado marxista que denúncia as operações em proveito do PAIGC e o herói do livro, um furriel, é adotado por uma família Balanta cujos filhos gémeos são, um, um chefe de guerrilheiros e, o outro, um capitão dos comandos africanos portugueses. A obra abarca o período de 1968 a 1971. O maior problema do Exército Português prendia-se com o facto de serrem raros – exceto entre as tropas especiais – aqueles que acreditavam verdadeiramente na utilidade daquilo que faziam. E não estavam provavelmente enganados”. 
Refere também o “Diário da Guiné” de António Graça de Abreu, Guerra e Paz Editores, 2007, dizendo:
“Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões do PAIGC em dominar todo o território, mas cedo se apercebe de que, pelo menos entre os Manjacos, décadas de exploração colonial não podem ser apagadas por tardias reformas materiais”. 
E, mais adiante: 
“No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeados pelos 122. As tropas sabem que vão para a morte na ofensiva contra o Cantanhez e as minas que os esperam. Os sábios de uniforme escrevem poemas que Camões não teria imaginado, mas todos mergulham no álcool para adormecer os seus medos. O Estado-Maior e os serviços de saúde pública terão elaborado, posteriormente, estatísticas sobre a dependência alcoólica dos antigos combatentes portugueses? A água pura era rara na Guiné no início de 1974. Sabemos a que é que tudo isto conduziu Exército e o Estado-Novo”.

Temos aqui centenas de recensões numa edição cuidada, incluindo lista de autores, a ordenação geográfica da respetiva bibliografia e o facilitador índice toponímico.

Trata-se de um levantamento de um historiador infatigável, de alguém que anda há várias décadas a coligir, peça a peça, a desmesurada bibliografia de antigos combatentes e de investigações dos mais diferentes matizes.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16972: Notas de leitura (921): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16981: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (10): 28 de outubro de 1973, dia de festa ecuménica, a festa do fim do Ramadão (Eid-ul-Fitr) no... Mato Cão


Foto nº 1 


Foto nº 1 A


Foto nº 1 B


Foto nº 2 A


Foto nº 2

Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) >   Dia de festa: festa o fim do Ramadão (Eid-ul-Fitr) : convívio com os familiares dos militares guineenes do pelotão. Nesse ano deve ter sido a 28 de outubro. Estamos ainda na época das chuvas, o capim ainda está verde... Nessa época, a guerra israelo-árabe do Yom Kippur punha a paz mundial em perigo (de 2 a 26 de outubro de 1973)... No Mato Cão, um pequeno grupo de portugueses e guineenses  faziam uma pequena festa ecuménica...

Lê-se no sítio português Al-Islam

"Eid-ul-Fitr é uma festa religiosa que assinala o fim do mês Sagrado do Ramadão. Este dia festivo é comemorado para dar graças a Deus pelas bênçãos do Ramadão. Os Muçulmanos assistem oração de Eid numa congregação, que se realiza de manhã. Eles vestem roupas novas, cozinham comida deliciosa e convidam amigos e vizinhos para comemorar com eles. O jejum durante o Ramadão inspira simpatia para os famintos e os necessitados, e incentiva os Muçulmanos a doarem generosamente aos pobres." 

Fotos (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação da publicação do vasto e rico álbum fotográfico do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

Lisboeta, com família do lado materno na Lourinhã (Miragaia e Marteleira), hoje bancário aposentado, cicloturista, o Luís Mourato Oliveira esteve na Guiné, em rendição individual de 1972 1974... Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Ele irá terminar a sua comissão em Missirá e extinguir o pelotão, em agosto de 1974. Também visitava Bambadinca e Fá Mandinga e dava a devida importância aos convívios (entre militares e entre estes e a população).

Em meados de 1973 (por volta de julho), veio de Cufar, no sul, região de Tombali, para o CIM de Bolama, para fazer formação específica antes de ir comandar, em agosto, o Pel Caç Nat 52, no setor L1, zona leste (Bambadinca), região de Bafatá, subunidade que era composto maioritariamente por fulas.

Publicam-se mais algumas fotos do tempo em que o alf mil Luís Mourato Oliveira passou no destacamento de Mato Cão, neste caso a festa do fim do Ramadão. Os seus soldados, fulas, eram muçulmnos.

Recorde-se, mais uma vez, que a missão principal do destacamento do Mato Cão era proteger as embarcações que circulavam no Rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. As condições de alojamento e segurança eram precárias.

Sobre o Mato Cão, que era um lugar mítico, temos já mais de 70 referências... Pertencia ao subsetor do Xime. Por lá passaram diversos camaradas nossos, membros da Tabanca Grande...
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Guiné 61/74 - P16980: Parabéns a você (1199): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)



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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16976: Parabéns a você (1198): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1966/67) e Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Os Diabólicos (Guiné, 1965/67)

domingo, 22 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16979: Fotos à procura de... uma legenda (81): foto-de-cão-posição... ou o fotógrafo como cão em vinha vindimada... (Luís Graça)










Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 24 de setembro de 2011


Fotos: © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


fotodecomposição

fo.to.de.com.po.si.ção
fɔtɔdəkõpuziˈsɐ̃w̃
nome feminino

decomposição de determinadas substâncias por ação da luz solar

De foto-+decomposição

Fonte:  fotodecomposição in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017. [consult. 2017-01-22 21:42:20]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/fotodecomposição



Domingo à tarde…
Sempre detestaste os domingos à tarde:
ou chovia ou fazia vento
e um cão uivava
na vinha vindimada pelo Senhor,

sobretudo nada acontecia de notável
no domingo à tarde,
e até o tempo parava
no relógio da igreja da tua aldeia.

Mesmo que a vida tivesse um sentido,
e tu escutasses a boa nova do padre Escudeiro,
no largo do convento,
às vezes soalheiro,
a vida ia no sentido inexorável
dos ponteiros do relógio,
dextrorsum,
aprenderás mais tarde, na escola,
ou, por outras palavras,
do berço à cova,
donde ninguém escapa,
os novos sucedendo-se aos velhos na fila da morte.
E quem acaba, sua cova tapa. (...)


(Excerto)

In: Luís Graça - Autobiografia: com Bruegel, domingo à tarde, 2005, c. 50 pp. (inédito)
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