Texto do Carlos Vinhal (ex-furrel miliciano da CART 2732, uma companhia de madeirenses aquartelada Mansabá, Região do Oio, 1970/72).
Caro Luís e camaradas:
Confesso que já estava a ficar triste, e ainda me considero periquito no blogue, por aceder diariamente ao Blogueforanada e vê-lo imutável. Que o Luís nos faz falta, isso é inquestionável.
Correspondendo ao repto do nosso camarada João Tunes (1), sou a comunicar que em 22 de Novembro de 1970 estava em Mansabá a digerir, ainda, os efeitos de um violentíssimo ataque ao aquartelamento e povoação, acontecido 10 dias antes desta data.
Em 12 de Novembro de 1970 Mansabá foi flagelada por numeroso grupo IN que utilizou Canhão s/r, morteiro 82 e 60, LGF e armas automáticas. O ataque durou cerca de 45 minutos e deixou-nos exaustos e sem munições.
As NT sofreram 1 morto e 4 feridos. Na população houve 14 mortos e 45 feridos. O fogo IN atingiu o Bar dos Praças e a Enfermaria Militar que ardeu. As imediações dos quartos dos Oficiais, da Secretaria, do Bar dos Sargentos e da Casa dos geradores também foram premiadas com morteiradas quase certeiras. Quem lhes teria fornecido as coordenadas?
O General Spínola visitou-nos no dia seguinte, porque, dias antes, tinha sido reactivado o COP6 no nosso quartel, para coordenar toda a actividade operacional com vista à protecção dos trabalhos de construção da estrada Mansabá-Farim, a partir do Bironque para Norte. A conclusão desta estrada era de primordial importância para o controle daquela zona utilizada pelo IN, como corredor de passagem para o Morés.
Voltando ao 22 de Novembro de 1970, só quando vim de férias à Metrópole em Fevereiro de 1971, soube mais pormenores sobre a Operação Mar Verde, pois tinha sido libertado um militar aqui de Leça da Palmeira que estava prisioneiro e por isso não se falava de outra coisa.
Se a operação foi em parte um fracasso, teve pelo menos o lado positivo da libertação dos nossos camaradas aprisionados. Quem sabe como teria evoluído a guerra, se tudo tivesse decorrido como o estabelecido no plano inicial. As implicações políticas seriam desastrosas para Portugal, pois não se conseguiria enganar a comunidade internacional durante muito tempo. A Guiné Conacri poderia retaliar e nós, que lá estávamos, podíamos ser sacrificados ainda mais.
Saudações para todos
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira
____________
Nota de L.G.
(1) Vd post nº 732, de 4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)
(...) "Talvez fosse interessante conhecermos como cada um de nós, os que lá estávamos em 22 de Novembro de 1970, vivemos a tensão desse dia e seguintes. O que achas, Luís, da sugestão como desafio aos camaradas tertulianos?" (...)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 5 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P725: Sobre a Op Mar Verde e o Comandante Alpoím Galvão (Lema Santos)
Caro Luis Graça,
Não será por acaso que se tem efectuado bastante pesquisa e recolha de documentação e relatos da operação Mar Verde. Mais se seguirão porque o tema encontra-se longe de estar esgotado e, eu próprio, conjuntamente com outro camarada estamos a elaborar um trabalho sobre LFG's que naturalmente aborda o assunto. Abaixo, apenas um considerando pessoal.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
ONDE NÃO ESTAVA E O QUE AINDA NÃO ERA
Ao vosso repto opto por responder, desta vez, pela negativa dizendo “onde não estava e o que ainda não era”.
Já não estava na Guiné mas ainda não me sentia totalmente reequilibrado do ponto de vista de cidadania. Tinha consciência de que não tinha ainda vida pessoal e profissional estabilizadas.
Em 27 de Novembro de 1970 estaria, em princípio, no Estado Maior da Armada mas não consigo precisar onde estava nem o que fiz exactamente. Registos precisos nem pensar e, muito provavelmente teria sido um dia rotineiro. Nunca escrevi diário e até os de bordo da “Orion”, obrigatórios, desapareceram sem deixar rasto.
Vêm-me à memória aquelas lenga-lengas das aulas de história do 2º ciclo liceal do compêndio do professor Mattoso que assumiam, no meu futuro cultural, um aspecto definitivo de massa informe de pepino com um toque de nabo. Exactamente dois dos sabores que erradiquei dos meus hábitos alimentares como conquistas irreversíveis da adolescência.
E depois, tudo aquilo começava sempre da mesma maneira: causas políticas, sociais e económicas das guerras púnicas, da guerra dos 100 anos ou outra escaramuça qualquer.
Então, convenhamos que não me perfilei historiador, assumidamente.
Quem afirma ou pensa sê-lo antecipa sempre o encerramento de qualquer coisa, talvez um escrito sobre determinado acontecimento ou facto, com um ar definitivo, sem mais nada haver para escrever ou narrar.
Ora, para mim, a História é exactamente a antítese da atitude. Coerentemente defendo que a operação Mar Verde não esteja narrada e encerrada em capítulos estanques, contados e já com índice.
Ainda menos a História da Marinha que levou a cabo a operação Mar Verde e ainda muito menos a História da guerra na Guiné que foi, de princípio ao fim, um conjunto de pequenas operações Mar Verde, dia a dia, mês a mês, ano a ano, num grotesco e monstruoso crescendo de 13 anos, levadas a cabo pelos três ramos das Forças Armadas.
Mais uma vez, das LFG’s, lá estiveram a Orion, a Hidra, a Dragão e a Cassiopeia e, das LDG’s, a Bombarda e a Montante, além dos DFE’s.
Não venero heróis estereotipados e também não sou um especial admirador da personalidade do comandante Alpoim Calvão.
Conheci-o pessoal embora muito pontualmente, como comandante do DFE8 e, provavelmente conhecendo-me, não se lembrará de mim. Servi na Guiné sob o comando do oficial general (CDMG) que mais impulsionou lá os fuzileiros e, mais tarde, já depois de regressar, continuei como seu ajudante de ordens durante dois anos.
Estou em vantagem mas paro, olho, escuto e fundamentalmente calo, no respeito que alguma ignorância minha me impõe, mas também na dúvida que algum conhecimento adquirido me permite.
Entendo que, no momento certo, teve os apoios necessários para uma operação militar difícil, de elevado risco e de resultados previsivelmente duvidosos.
Julgo que, na génese de um qualquer herói, reside apenas uma pessoa comum que, em circunstâncias extremas, executa as missões necessárias para garantir a sua própria sobrevivência ou do grupo que integra.
Nesse sentido, apenas um ténue risco demarca a fronteira entre coragem e instinto de sobrevivência e, para bem de todos nós, felizmente que assim é.
Na perspectiva oposta, muitos e diria mesmo demasiados, não chegaram a dispor de oportunidade para demonstrar que também seriam capazes. Tombaram antes.
Resta-lhes na História o respeito, o silêncio e a homenagem dos que continuaram.
Muitas vezes com o assumido empenhamento, dignidade e sofrimento das Mães que perderam a sua razão ultima de vida: os Filhos.
Que título ou medalha para Elas?
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968
Não será por acaso que se tem efectuado bastante pesquisa e recolha de documentação e relatos da operação Mar Verde. Mais se seguirão porque o tema encontra-se longe de estar esgotado e, eu próprio, conjuntamente com outro camarada estamos a elaborar um trabalho sobre LFG's que naturalmente aborda o assunto. Abaixo, apenas um considerando pessoal.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
ONDE NÃO ESTAVA E O QUE AINDA NÃO ERA
Ao vosso repto opto por responder, desta vez, pela negativa dizendo “onde não estava e o que ainda não era”.
Já não estava na Guiné mas ainda não me sentia totalmente reequilibrado do ponto de vista de cidadania. Tinha consciência de que não tinha ainda vida pessoal e profissional estabilizadas.
Em 27 de Novembro de 1970 estaria, em princípio, no Estado Maior da Armada mas não consigo precisar onde estava nem o que fiz exactamente. Registos precisos nem pensar e, muito provavelmente teria sido um dia rotineiro. Nunca escrevi diário e até os de bordo da “Orion”, obrigatórios, desapareceram sem deixar rasto.
Vêm-me à memória aquelas lenga-lengas das aulas de história do 2º ciclo liceal do compêndio do professor Mattoso que assumiam, no meu futuro cultural, um aspecto definitivo de massa informe de pepino com um toque de nabo. Exactamente dois dos sabores que erradiquei dos meus hábitos alimentares como conquistas irreversíveis da adolescência.
E depois, tudo aquilo começava sempre da mesma maneira: causas políticas, sociais e económicas das guerras púnicas, da guerra dos 100 anos ou outra escaramuça qualquer.
Então, convenhamos que não me perfilei historiador, assumidamente.
Quem afirma ou pensa sê-lo antecipa sempre o encerramento de qualquer coisa, talvez um escrito sobre determinado acontecimento ou facto, com um ar definitivo, sem mais nada haver para escrever ou narrar.
Ora, para mim, a História é exactamente a antítese da atitude. Coerentemente defendo que a operação Mar Verde não esteja narrada e encerrada em capítulos estanques, contados e já com índice.
Ainda menos a História da Marinha que levou a cabo a operação Mar Verde e ainda muito menos a História da guerra na Guiné que foi, de princípio ao fim, um conjunto de pequenas operações Mar Verde, dia a dia, mês a mês, ano a ano, num grotesco e monstruoso crescendo de 13 anos, levadas a cabo pelos três ramos das Forças Armadas.
Mais uma vez, das LFG’s, lá estiveram a Orion, a Hidra, a Dragão e a Cassiopeia e, das LDG’s, a Bombarda e a Montante, além dos DFE’s.
Não venero heróis estereotipados e também não sou um especial admirador da personalidade do comandante Alpoim Calvão.
Conheci-o pessoal embora muito pontualmente, como comandante do DFE8 e, provavelmente conhecendo-me, não se lembrará de mim. Servi na Guiné sob o comando do oficial general (CDMG) que mais impulsionou lá os fuzileiros e, mais tarde, já depois de regressar, continuei como seu ajudante de ordens durante dois anos.
Estou em vantagem mas paro, olho, escuto e fundamentalmente calo, no respeito que alguma ignorância minha me impõe, mas também na dúvida que algum conhecimento adquirido me permite.
Entendo que, no momento certo, teve os apoios necessários para uma operação militar difícil, de elevado risco e de resultados previsivelmente duvidosos.
Julgo que, na génese de um qualquer herói, reside apenas uma pessoa comum que, em circunstâncias extremas, executa as missões necessárias para garantir a sua própria sobrevivência ou do grupo que integra.
Nesse sentido, apenas um ténue risco demarca a fronteira entre coragem e instinto de sobrevivência e, para bem de todos nós, felizmente que assim é.
Na perspectiva oposta, muitos e diria mesmo demasiados, não chegaram a dispor de oportunidade para demonstrar que também seriam capazes. Tombaram antes.
Resta-lhes na História o respeito, o silêncio e a homenagem dos que continuaram.
Muitas vezes com o assumido empenhamento, dignidade e sofrimento das Mães que perderam a sua razão ultima de vida: os Filhos.
Que título ou medalha para Elas?
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968
quinta-feira, 4 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P724: Na guerra também se limpam armas (Carlos Vinhal)
Texto de Carlos Vinhal (ex-furrel miliciano da CART 2732, Região do Oio, Mansabá, 1970/72)
Na guerra (não) se limpam armas
Dia 21 de Abril de 1971
Foi o dia em que integrados na Acção Urtiga XXVII saímos para patrulhamento e emboscadas, em Tungina, Buro e Colimansacunda. No dia anterior o meu amigo Cabo Ornelas (1), Apontador do morteiro 60, meteu-me uma cunha para eu pedir ao nosso Alferes Bento para que o dispensasse desta Operação, porque tinha necessidade urgente de ir a Bissau. Assim fiz e o Alf Bento anuiu. Ficou combinado que o habitual municiador, Soldado Silva, passaria a apontador e eu assumiria a função de municiador.
A força de intervenção na operação foi constituída pelos 3.º e 4.º Pelotões da CART 2732, reforçados com uma Secção do Pelotão de Milícias 253. O Comandante era o Alf Mil Bento.
Fomos progredindo conforme estava determinado e, numa emboscada por nós montada ao IN, na região da Bolanha de Iribato, interceptámos um numeroso grupo fortemente armado. Por puro azar, um dos valorosos milícias que nos acompanhavam, de seu nome Sul Bissau, pôs-se de pé, tendo sido detectado pelo IN e logo atingido gravemente por um RPG, precipitando uma intensa troca de fogo.
As NT reagiram, respondendo com fogo de armas ligeiras, dilagramas, metralhadora, bazooka e morteiro 60. Eu, inexperiente na arte de municiar, facilmente me adaptei às novas funções sem descurar contudo o comando do resto da Secção. Imodéstia à parte, até fui distinguido pelo meu comportamento debaixo de fogo no Relatório da Acção.
Causámos vários feridos confirmados e provavelmente 1 morto ao IN que fugiu em debandada, arrastando de qualquer maneira as suas vítimas. Do nosso lado houve a lamentar o ferimento grave do já referido soldado milícia.
Serenados os ânimos, pedimos evacuação urgente do Sul Bissau. Organizámos um perímetro de segurança para permitir a aterragem do heli e assim estivemos instalados até se concretizar a evacuação que demorou relativamente pouco tempo, porque o General Spínola andava por ali perto e disponibilizou um helicóptero da sua segurança para resolver a situação.
Mais tarde, quando o Alferes Bento deu ordem para a retirada, aconteceu uma situação caricata. Um dos soldados do 4.º Pelotão pediu mais um pouco de tempo porque, talvez preocupado com o asseio da sua G3, ali mesmo a tinha desmontado, procedendo à sua limpeza e manutenção. Uns riam-se incrédulos e outros diziam que se houvesse novo contacto não havia problema, porque ele defender-se-ia atirando uma a uma as peças da G3 e respectivas munições, tentando assim atingir o IN.
Claro que esperámos mais um pouco pelo diligente militar que naquele dia foi o alvo da chacota da rapaziada.
Carlos Vinhal
________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 25 de Março de 2005 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
Na guerra (não) se limpam armas
Dia 21 de Abril de 1971
Foi o dia em que integrados na Acção Urtiga XXVII saímos para patrulhamento e emboscadas, em Tungina, Buro e Colimansacunda. No dia anterior o meu amigo Cabo Ornelas (1), Apontador do morteiro 60, meteu-me uma cunha para eu pedir ao nosso Alferes Bento para que o dispensasse desta Operação, porque tinha necessidade urgente de ir a Bissau. Assim fiz e o Alf Bento anuiu. Ficou combinado que o habitual municiador, Soldado Silva, passaria a apontador e eu assumiria a função de municiador.
A força de intervenção na operação foi constituída pelos 3.º e 4.º Pelotões da CART 2732, reforçados com uma Secção do Pelotão de Milícias 253. O Comandante era o Alf Mil Bento.
Fomos progredindo conforme estava determinado e, numa emboscada por nós montada ao IN, na região da Bolanha de Iribato, interceptámos um numeroso grupo fortemente armado. Por puro azar, um dos valorosos milícias que nos acompanhavam, de seu nome Sul Bissau, pôs-se de pé, tendo sido detectado pelo IN e logo atingido gravemente por um RPG, precipitando uma intensa troca de fogo.
As NT reagiram, respondendo com fogo de armas ligeiras, dilagramas, metralhadora, bazooka e morteiro 60. Eu, inexperiente na arte de municiar, facilmente me adaptei às novas funções sem descurar contudo o comando do resto da Secção. Imodéstia à parte, até fui distinguido pelo meu comportamento debaixo de fogo no Relatório da Acção.
Causámos vários feridos confirmados e provavelmente 1 morto ao IN que fugiu em debandada, arrastando de qualquer maneira as suas vítimas. Do nosso lado houve a lamentar o ferimento grave do já referido soldado milícia.
Serenados os ânimos, pedimos evacuação urgente do Sul Bissau. Organizámos um perímetro de segurança para permitir a aterragem do heli e assim estivemos instalados até se concretizar a evacuação que demorou relativamente pouco tempo, porque o General Spínola andava por ali perto e disponibilizou um helicóptero da sua segurança para resolver a situação.
Mais tarde, quando o Alferes Bento deu ordem para a retirada, aconteceu uma situação caricata. Um dos soldados do 4.º Pelotão pediu mais um pouco de tempo porque, talvez preocupado com o asseio da sua G3, ali mesmo a tinha desmontado, procedendo à sua limpeza e manutenção. Uns riam-se incrédulos e outros diziam que se houvesse novo contacto não havia problema, porque ele defender-se-ia atirando uma a uma as peças da G3 e respectivas munições, tentando assim atingir o IN.
Claro que esperámos mais um pouco pelo diligente militar que naquele dia foi o alvo da chacota da rapaziada.
Carlos Vinhal
________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 25 de Março de 2005 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P723: Pedro, o filho do Saagum (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte de Mansambo, quase 40 anos depois: aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setembro de 1968, o Saagum, do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). É o primeiro dos tugas a contar da esquerda.
© Hugo Costa (2006)
Caro Luis Graça,
O meu nome é Pedro Saagum. O nome, penso que não lhe deve ser estranho, sou filho do seu camarada José Clímaco Saagum (1).
Ontem depois de ver as imagens das filmagens que o meu pai fez agora quando lá esteve, fiquei com muita curiosidade para ver o material que estava disponível aqui na Internet.
Fiquei muito agradado em ver o seu blog, pela quantidade de informação e imagens que vocês têm sobre a Guiné e do tempo em que lá estiveram a lutar pelo nosso país.
Não vou dizer que estive a recordar, porque não estive lá, mas pelo menos deu para visualizar imagens que desde muito novo ouvia falar ao meu pai.
Obrigado
O Filho do Camarada Saagum
Pedro Saagum
Jolufra, Lda
__________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 2 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
© Hugo Costa (2006)
Caro Luis Graça,
O meu nome é Pedro Saagum. O nome, penso que não lhe deve ser estranho, sou filho do seu camarada José Clímaco Saagum (1).
Ontem depois de ver as imagens das filmagens que o meu pai fez agora quando lá esteve, fiquei com muita curiosidade para ver o material que estava disponível aqui na Internet.
Fiquei muito agradado em ver o seu blog, pela quantidade de informação e imagens que vocês têm sobre a Guiné e do tempo em que lá estiveram a lutar pelo nosso país.
Não vou dizer que estive a recordar, porque não estive lá, mas pelo menos deu para visualizar imagens que desde muito novo ouvia falar ao meu pai.
Obrigado
O Filho do Camarada Saagum
Pedro Saagum
Jolufra, Lda
__________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 2 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
Guiné 63/74 - P722: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970? (João Tunes)
Texto de João Tunes:
Caro camarada Luís,
Que o sol do sul de Itália não te deu para a preguiça, nota-se à légua. Era de esperar - tu deves ter nascido frenético, multifacetado e prolixo. Assim te conserves. E se permites o egoísmo que julgo partilhado pelos restantes tertulianos, ainda bem por nosso benefício e do blogue que animas e nos anima, metendo-nos a memória em estado vivo. É que, se vieste de Nápoles e da Sicília sem vontade de abrir a janela para uma nesga de aragem de fresco e deitares-te como direito a persistente descanso, então estamos bem aviados e melhor encomendados - temos blogue para dar e durar, pois temos comandante sem sono nem repouso.
Terminei há pouco a leitura do livro de um jornalista da SIC sobre a famosa operação Mar Verde (22 de Novembro de 1970). Haverá camaradas que nela participaram. Outros, caso meu, viveram-no na tensão da espera do resultado (eu estava em Catió nessa altura). Terá sido também o teu caso e de outros muitos camaradas.
Recomendo a leitura do livro (Operação Mar Verde - um documento para a história, de António Luís Marinho, Editora Temas & Debates). Pela minha parte, não tendo gostado nada do culto prestado a Alpoim Calvão, acho que é obra que ajuda a explicar-nos como estávamos ali e como, nos altos comandos, éramos comandados.
Seja qual for a opinião que se tenha sobre o Mar Verde, o certo é que se tratou da cartada maior e mais arriscada na guerra em que estivemos metidos. A minha opinião pessoalíssima está no meu blogue, Água Lisa (6).
Talvez fosse interessante conhecermos como cada um de nós, os que lá estávamos em 22 de Novembro de 1970, vivemos a tensão desse dia e seguintes. O que achas. Luís, da sugestão como desafio aos camaradas tertulianos?
Entretanto, transcrevo o meu depoimento:
Não poucas vezes, o desespero e a derrota anunciada levam à aventura empurrada pela audácia do tudo ou nada. Em Novembro de 1970, eu estava enfiado num quartel de uma aldeia do sul da Guiné, Catió, metido numa guerra sem vitória possível e ainda menos sentido que o de soprar contra a história.
Ainda pior que essa falta de sentido, uma vontade estúpida de Portugal querer marcar com um mata e morre o posfácio da gesta colonial que lhe ficara no gosto, nos gastos e nos ganhos desde que as caravelas quinhentistas se fizeram ao mar. Não estava ali a fazer nada, excepto aguentar e poder voltar para junto de mulher e filha, procurar emprego e fazer vida. Metido em posição meramente defensiva, numa ilha-quartel em território controlado pelo PAIGC, levando no toutiço, dia sim e dia não, para que Nino Vieira gastasse as suas fartas munições de morteiros. Mas estava. Ali, em Catió. Perto da fronteira com a Guiné-Conacry.
22 de Novembro de 1970 e dias seguintes, foram especialmente tensos. A tempestade que carregava a rotina quarteleira era mais pesada que costume. O comando andava de sobrolho mais fechado. Tinha de haver bernarda grossa. Depois amainou. Para se voltar à rotina das morteiradas do Nino. Dia sim e dia não. E o dia 22 de Novembro de 1970 ficou-se como um dia em que até pouco se passou. Ali, em Catió. Porque não longe dali, muito se passara.
Só mais tarde vim a saber um pouco do que se tinha passado nesse 22 de Novembro de 1970, tornado um dia particularmente tenso na rotina militar de Catió. Nesse dia, o governo português tinha executado uma operação de guerra contra outro país soberano e inimigo, invadido a sua capital com o fito de mudar-lhe o Presidente (assassinando-o) e o governo, colocando no seu lugar um governo, amigo dos colonialistas, liquidando a retaguarda do PAIGC (em que se incluía o assassinato de Amílcar Cabral e dos restantes altos dirigentes) e libertando os militares portugueses que tinham sido capturados pela guerrilha.
Foi a operação Mar Verde, arquitectada e executada por Alpoim Calvão, aprovada por Spínola e por Marcelo Caetano, neutralizadas que haviam sido as vozes discordantes do Ministro do Ultramar, Silva e Cunha, e do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Na noção adquirida da impossibilidade de ganhar a guerra na Guiné, era a aventura do tudo ou nada. E, como se a guerra tivesse solução numa noitada num casino, restava a aventura. Era a hora dos aventureiros. E assim, a hora de Spínola. Sobretudo de Calvão. Também de Marcelo, incapaz de governar um projecto ingovernável. Borrado com a Guiné, à rasca com Moçambique, não querendo perder Angola.
Só assim se entendendo que o mais louco e ambicioso dos aventureiros centuriões entre os militares portugueses, irmanado com a PIDE, tenha conseguido levar o governo português e as Forças Armadas à suprema aventura de querer ganhar a guerra na Guiné pela conquista de um país vizinho e independente. Como se a solução para o colonialismo português fosse transformar toda a África num continente neo-colonial, dando um pontapé na história.
Mataram que fartaram, destruíram bastante, trouxeram os prisioneiros militares portugueses de volta. Mas foram ao campo de aviação para estoirar a frota aérea guineense e os aviões não estavam lá, quiseram calar a emissora e não deram com ela, procuraram Amílcar Cabral para o assassinarem e este estava há dez dias no estrangeiro, o Presidente Sekou Touré que devia ser assassinado também não foi encontrado, um tenente e o seu pelotão (22 homens) desertou e entregou-se às autoridades guineenses e denunciou a operação, registaram-se várias baixas entre mortos e feridos.
A operação terminou numa fuga a toda a pressa, em debandada organizada, com medo da retaliação da aviação. No seguimento, um enorme basqueiro internacional que ainda isolou mais o governo português. Sekou Touré reforçou o mando e o apoio ao PAIGC. E o PAIGC intensificou o apoio internacional e o poderio das operações militares. Em balanço: um fiasco. O fiasco de uma aventura. A aventura do desespero. Na hora dos aventureiros. Na pior das horas, quando o governo governa através da loucura dos aventureiros sem escrúpulos.
Com a distância do tempo, a aventura da operação Mar Verde vai sendo melhor conhecida. E não deixa de ter relevo conhecer-se esse pedaço de história recente em que Portugal se meteu num enorme assado, de onde saiu humilhado, quando o seu governo decidiu invadir militarmente outro país soberano e independente.
Um livro recentemente editado do jornalista António Luís Marinho (1), pese embora a atracção panegírica de encantamento para com a figura de Alpoim Calvão, o maior aventureiro centurião do império, é bem elucidativo desta fase da nossa história recente, em que a loucura também fazia (mau) governo.
Um abraço para ti e outros tantos para todos os estimados camaradas tertulianos.
João Tunes
___________________
Nota do autor (JT):
(1) Operação Mar Verde - um documento para a história, António Luís Marinho, Editora Temas & Debates.
Comentário de L.G.
Reforço o repto lançado pelo nosso querido amigo e camarada João Tunes: digam-lá onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970, o que é que fizeram nesse dia e seguintes, o que é (não) sabiam da Operação Mar Verde, qual o vosso sentimento a relação a militares e camaradas como o Alpoim Galvão...
Quanto aos elogios à minha pessoa... no coments! Limito-me a agradecer a generosidade do João. A minha obrigação (assumida por mim) é manter vivo e actuante o nosso blogue... O que se tem vindo a conseguir, umas vezes pior, outras melhor...
Caro camarada Luís,
Que o sol do sul de Itália não te deu para a preguiça, nota-se à légua. Era de esperar - tu deves ter nascido frenético, multifacetado e prolixo. Assim te conserves. E se permites o egoísmo que julgo partilhado pelos restantes tertulianos, ainda bem por nosso benefício e do blogue que animas e nos anima, metendo-nos a memória em estado vivo. É que, se vieste de Nápoles e da Sicília sem vontade de abrir a janela para uma nesga de aragem de fresco e deitares-te como direito a persistente descanso, então estamos bem aviados e melhor encomendados - temos blogue para dar e durar, pois temos comandante sem sono nem repouso.
Terminei há pouco a leitura do livro de um jornalista da SIC sobre a famosa operação Mar Verde (22 de Novembro de 1970). Haverá camaradas que nela participaram. Outros, caso meu, viveram-no na tensão da espera do resultado (eu estava em Catió nessa altura). Terá sido também o teu caso e de outros muitos camaradas.
Recomendo a leitura do livro (Operação Mar Verde - um documento para a história, de António Luís Marinho, Editora Temas & Debates). Pela minha parte, não tendo gostado nada do culto prestado a Alpoim Calvão, acho que é obra que ajuda a explicar-nos como estávamos ali e como, nos altos comandos, éramos comandados.
Seja qual for a opinião que se tenha sobre o Mar Verde, o certo é que se tratou da cartada maior e mais arriscada na guerra em que estivemos metidos. A minha opinião pessoalíssima está no meu blogue, Água Lisa (6).
Talvez fosse interessante conhecermos como cada um de nós, os que lá estávamos em 22 de Novembro de 1970, vivemos a tensão desse dia e seguintes. O que achas. Luís, da sugestão como desafio aos camaradas tertulianos?
Entretanto, transcrevo o meu depoimento:
Não poucas vezes, o desespero e a derrota anunciada levam à aventura empurrada pela audácia do tudo ou nada. Em Novembro de 1970, eu estava enfiado num quartel de uma aldeia do sul da Guiné, Catió, metido numa guerra sem vitória possível e ainda menos sentido que o de soprar contra a história.
Ainda pior que essa falta de sentido, uma vontade estúpida de Portugal querer marcar com um mata e morre o posfácio da gesta colonial que lhe ficara no gosto, nos gastos e nos ganhos desde que as caravelas quinhentistas se fizeram ao mar. Não estava ali a fazer nada, excepto aguentar e poder voltar para junto de mulher e filha, procurar emprego e fazer vida. Metido em posição meramente defensiva, numa ilha-quartel em território controlado pelo PAIGC, levando no toutiço, dia sim e dia não, para que Nino Vieira gastasse as suas fartas munições de morteiros. Mas estava. Ali, em Catió. Perto da fronteira com a Guiné-Conacry.
22 de Novembro de 1970 e dias seguintes, foram especialmente tensos. A tempestade que carregava a rotina quarteleira era mais pesada que costume. O comando andava de sobrolho mais fechado. Tinha de haver bernarda grossa. Depois amainou. Para se voltar à rotina das morteiradas do Nino. Dia sim e dia não. E o dia 22 de Novembro de 1970 ficou-se como um dia em que até pouco se passou. Ali, em Catió. Porque não longe dali, muito se passara.
Só mais tarde vim a saber um pouco do que se tinha passado nesse 22 de Novembro de 1970, tornado um dia particularmente tenso na rotina militar de Catió. Nesse dia, o governo português tinha executado uma operação de guerra contra outro país soberano e inimigo, invadido a sua capital com o fito de mudar-lhe o Presidente (assassinando-o) e o governo, colocando no seu lugar um governo, amigo dos colonialistas, liquidando a retaguarda do PAIGC (em que se incluía o assassinato de Amílcar Cabral e dos restantes altos dirigentes) e libertando os militares portugueses que tinham sido capturados pela guerrilha.
Foi a operação Mar Verde, arquitectada e executada por Alpoim Calvão, aprovada por Spínola e por Marcelo Caetano, neutralizadas que haviam sido as vozes discordantes do Ministro do Ultramar, Silva e Cunha, e do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Na noção adquirida da impossibilidade de ganhar a guerra na Guiné, era a aventura do tudo ou nada. E, como se a guerra tivesse solução numa noitada num casino, restava a aventura. Era a hora dos aventureiros. E assim, a hora de Spínola. Sobretudo de Calvão. Também de Marcelo, incapaz de governar um projecto ingovernável. Borrado com a Guiné, à rasca com Moçambique, não querendo perder Angola.
Só assim se entendendo que o mais louco e ambicioso dos aventureiros centuriões entre os militares portugueses, irmanado com a PIDE, tenha conseguido levar o governo português e as Forças Armadas à suprema aventura de querer ganhar a guerra na Guiné pela conquista de um país vizinho e independente. Como se a solução para o colonialismo português fosse transformar toda a África num continente neo-colonial, dando um pontapé na história.
Mataram que fartaram, destruíram bastante, trouxeram os prisioneiros militares portugueses de volta. Mas foram ao campo de aviação para estoirar a frota aérea guineense e os aviões não estavam lá, quiseram calar a emissora e não deram com ela, procuraram Amílcar Cabral para o assassinarem e este estava há dez dias no estrangeiro, o Presidente Sekou Touré que devia ser assassinado também não foi encontrado, um tenente e o seu pelotão (22 homens) desertou e entregou-se às autoridades guineenses e denunciou a operação, registaram-se várias baixas entre mortos e feridos.
A operação terminou numa fuga a toda a pressa, em debandada organizada, com medo da retaliação da aviação. No seguimento, um enorme basqueiro internacional que ainda isolou mais o governo português. Sekou Touré reforçou o mando e o apoio ao PAIGC. E o PAIGC intensificou o apoio internacional e o poderio das operações militares. Em balanço: um fiasco. O fiasco de uma aventura. A aventura do desespero. Na hora dos aventureiros. Na pior das horas, quando o governo governa através da loucura dos aventureiros sem escrúpulos.
Com a distância do tempo, a aventura da operação Mar Verde vai sendo melhor conhecida. E não deixa de ter relevo conhecer-se esse pedaço de história recente em que Portugal se meteu num enorme assado, de onde saiu humilhado, quando o seu governo decidiu invadir militarmente outro país soberano e independente.
Um livro recentemente editado do jornalista António Luís Marinho (1), pese embora a atracção panegírica de encantamento para com a figura de Alpoim Calvão, o maior aventureiro centurião do império, é bem elucidativo desta fase da nossa história recente, em que a loucura também fazia (mau) governo.
Um abraço para ti e outros tantos para todos os estimados camaradas tertulianos.
João Tunes
___________________
Nota do autor (JT):
(1) Operação Mar Verde - um documento para a história, António Luís Marinho, Editora Temas & Debates.
Comentário de L.G.
Reforço o repto lançado pelo nosso querido amigo e camarada João Tunes: digam-lá onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970, o que é que fizeram nesse dia e seguintes, o que é (não) sabiam da Operação Mar Verde, qual o vosso sentimento a relação a militares e camaradas como o Alpoim Galvão...
Quanto aos elogios à minha pessoa... no coments! Limito-me a agradecer a generosidade do João. A minha obrigação (assumida por mim) é manter vivo e actuante o nosso blogue... O que se tem vindo a conseguir, umas vezes pior, outras melhor...
Guiné 63/74 - P721: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)
Guiné > Região Leste > Xime > 1969 > Uma Lancha de Desembarque Grande,a LDG 101, ao largo do Ximne, no Rio Geba.
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006).
Texto do António Lema Santos (ex-1º tenente da Marinha em 1972, serviu como Imediato na NRP Orion, na Guiné, entre 1966 e 1968; hoje é empresário e reside em Massam):
Caros Humberto Reis e Luis Graça:
Desejo-vos um excelente regresso às actividades incluindo as blognotícias.
Por vezes com exagerada persistência a rondar a palavra obstinado, vulgo chato, tenho a preocupação de não alterar, pela narrativa simplificada, factos e acontecimentos que se encadeiam uns nos outros, documental e historicamente.
Como permaneci na Guiné e naveguei nos rios Cacine e Cumbijã um par de dias fora do habitual, atrevo-me a tentar esclarecer alguns pormenores que não me parecem suficientemente precisos:
(i) Enquanto Imediato da LFG Orion, conheci pessoal, profissionalmente e até familiarmente o 1º Tenente José António Cervaes Rodrigues, à época Comandante da Companhia de Fuzileiros nº 9, com quem mantive simpático e agradável relacionamento, quer profissional quer pessoalmente;
(ii) O relacionamento entre militares embarcados em unidades navais, em instalações em terra no INAB (Instalações Navais de Bissau), CDMG e Esquadrilha de Lanchas, alargava-se ao saudável convívio na vida civil e não só, também com militares de outros ramos das FA's [Forças Armadasa] e familiares de alguns que em Bissau permaneciam; assim foi e até usufrui, algumas vezes, da possibilidade de utilizar um Land Rover cedido pela CF9;
(iii) Naquela altura, as LFG's (Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário) tal como as LDG's (Alfange e Montante), tinham comando autónomo, estavam atribuídos operacionalmente ao CDMG e incluiam na guarnição dois oficiais:
- comandante, em princípio um primeiro tenente dos QP's [Quadros Permanentes] da classe de Marinha, era nomeado pelo CEMA com publicação em OA; apenas conhecido um único caso de comando, durante algum tempo, por oficial da Reserva Naval - a Cassiopeia;
- imediato, em princípio um oficial da Reserva Naval, igualmente da classe de Marinha, nomeado em OA e que, por inerência do cargo, substituia sempre o comandante em caso de ausência ou impedimento daquele; alguns deles também foram oficiais dos QP's;
(iv) As LFP's (Bellatrix, Canopus e Deneb) apenas dispunham de um oficial, o comandante, nomeado da mesma forma pelo CEMA, da classe de Marinha e da Reserva Naval; alguns das LFP's também foram comandadas por oficiais dos QP's.
(v) Nenhuma unidade naval (navio) foi comandada por um oficial que não fosse da classe de Marinha e, apenas em caso de operações conjuntas, podiam várias unidades navais participantes ficar a depender, apenas operacionalmente e durante o tempo da operação, do comando de um oficial único nomeado pelo CDMG, também da classe de Marinha e, por norma, sempre mais antigo que qualquer dos oficiais participantes na operação;
(vi) Os comandos da Esquadrilha de Lanchas, de uma Companhia de Fuzileiros e de um Destacamentos de Fuzileiros dependia operacionalmente do CDMG, da mesma forma que as LFG's ou as LDP's e estavam sob o seu comando os elementos das respectivas unidades; especificamente, no caso da Esquadrilha de Lanchas, as LDM's e as LDP's e até outras embarcações;
(vii) As LFG's apenas participavam nos comboios para Bedanda com a responsabilidade da escolta e não incluídas nele, dado que, normalmente, até tinham a seu cargo a fiscalização de uma área Sul alargada que incluía o rio Grande Buba, Tombali, Cacine e os Bijagós mas essencialmente centrada no Cumbijã e Cacine;
(viii) As LFP's integravam-se igualmente na escolta desses comboios. Nunca chegavam exactamente à zona de Cufar, quedando-se pela foz do rio Macobum, ligeiramente a montante ou a jusante de Cadique; o comboio prosseguia com os batelões e as LDM´s com FZ's embarcados como forças de protecção;
(ix) Considerando o conjunto de todas as LFG's era uma zona em que, quase sistematicamente, havia sempre ataques;
(x) Por curiosidade apenas, a informação de que, no período de 10 a 20 de Fevereiro de 1968 o Cacine e o Cumbijã foram fiscalizados pela LFG Orion, rendida de seguida pela LFG Hidra, de 21 a 29 de Fevereiro do mesmo mês.
Mais um acrescento aos relatos.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006).
Texto do António Lema Santos (ex-1º tenente da Marinha em 1972, serviu como Imediato na NRP Orion, na Guiné, entre 1966 e 1968; hoje é empresário e reside em Massam):
Caros Humberto Reis e Luis Graça:
Desejo-vos um excelente regresso às actividades incluindo as blognotícias.
Por vezes com exagerada persistência a rondar a palavra obstinado, vulgo chato, tenho a preocupação de não alterar, pela narrativa simplificada, factos e acontecimentos que se encadeiam uns nos outros, documental e historicamente.
Como permaneci na Guiné e naveguei nos rios Cacine e Cumbijã um par de dias fora do habitual, atrevo-me a tentar esclarecer alguns pormenores que não me parecem suficientemente precisos:
(i) Enquanto Imediato da LFG Orion, conheci pessoal, profissionalmente e até familiarmente o 1º Tenente José António Cervaes Rodrigues, à época Comandante da Companhia de Fuzileiros nº 9, com quem mantive simpático e agradável relacionamento, quer profissional quer pessoalmente;
(ii) O relacionamento entre militares embarcados em unidades navais, em instalações em terra no INAB (Instalações Navais de Bissau), CDMG e Esquadrilha de Lanchas, alargava-se ao saudável convívio na vida civil e não só, também com militares de outros ramos das FA's [Forças Armadasa] e familiares de alguns que em Bissau permaneciam; assim foi e até usufrui, algumas vezes, da possibilidade de utilizar um Land Rover cedido pela CF9;
(iii) Naquela altura, as LFG's (Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário) tal como as LDG's (Alfange e Montante), tinham comando autónomo, estavam atribuídos operacionalmente ao CDMG e incluiam na guarnição dois oficiais:
- comandante, em princípio um primeiro tenente dos QP's [Quadros Permanentes] da classe de Marinha, era nomeado pelo CEMA com publicação em OA; apenas conhecido um único caso de comando, durante algum tempo, por oficial da Reserva Naval - a Cassiopeia;
- imediato, em princípio um oficial da Reserva Naval, igualmente da classe de Marinha, nomeado em OA e que, por inerência do cargo, substituia sempre o comandante em caso de ausência ou impedimento daquele; alguns deles também foram oficiais dos QP's;
(iv) As LFP's (Bellatrix, Canopus e Deneb) apenas dispunham de um oficial, o comandante, nomeado da mesma forma pelo CEMA, da classe de Marinha e da Reserva Naval; alguns das LFP's também foram comandadas por oficiais dos QP's.
(v) Nenhuma unidade naval (navio) foi comandada por um oficial que não fosse da classe de Marinha e, apenas em caso de operações conjuntas, podiam várias unidades navais participantes ficar a depender, apenas operacionalmente e durante o tempo da operação, do comando de um oficial único nomeado pelo CDMG, também da classe de Marinha e, por norma, sempre mais antigo que qualquer dos oficiais participantes na operação;
(vi) Os comandos da Esquadrilha de Lanchas, de uma Companhia de Fuzileiros e de um Destacamentos de Fuzileiros dependia operacionalmente do CDMG, da mesma forma que as LFG's ou as LDP's e estavam sob o seu comando os elementos das respectivas unidades; especificamente, no caso da Esquadrilha de Lanchas, as LDM's e as LDP's e até outras embarcações;
(vii) As LFG's apenas participavam nos comboios para Bedanda com a responsabilidade da escolta e não incluídas nele, dado que, normalmente, até tinham a seu cargo a fiscalização de uma área Sul alargada que incluía o rio Grande Buba, Tombali, Cacine e os Bijagós mas essencialmente centrada no Cumbijã e Cacine;
(viii) As LFP's integravam-se igualmente na escolta desses comboios. Nunca chegavam exactamente à zona de Cufar, quedando-se pela foz do rio Macobum, ligeiramente a montante ou a jusante de Cadique; o comboio prosseguia com os batelões e as LDM´s com FZ's embarcados como forças de protecção;
(ix) Considerando o conjunto de todas as LFG's era uma zona em que, quase sistematicamente, havia sempre ataques;
(x) Por curiosidade apenas, a informação de que, no período de 10 a 20 de Fevereiro de 1968 o Cacine e o Cumbijã foram fiscalizados pela LFG Orion, rendida de seguida pela LFG Hidra, de 21 a 29 de Fevereiro do mesmo mês.
Mais um acrescento aos relatos.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
quarta-feira, 3 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P720: Tabanca Grande: Dos Estados Unidos com saudades dos velhos camaradas (Júlio Benavente, CCS/BCAV 1905, 1967/68)
Texto do Júlio Benavente:
Amigo Luis:
Somos quase da mesma idade, estive na Guiné em 67/68 e que saudades desse tempo, embora pareça um paradoxo, pois como se pode ter saudades duma coisa como foi o tempo de guerra ?!...
Mas lá aprendemos o que é a camaradagem que nos juntou ateé hoje, mesmo sem contacto pessoal... E como ficamos putos novamente quando falamos com alguém que também lá esteve, na Guiné!...
O meu nome é Julio Benavente, fui furriel miliciano na CCS do BCAV 1905, de Fevereiro 1967 até Novembro de 1968 (1).
Hoje vivo no Estado de Rhode Island, na cidade de North Providence, nos Estados Unidos da América.
Um abraço, camarada, e obrigado por esta oportunidade de reviver.
Júlio Benavente
_______________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 28 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968)
Texto de A. Marques Lopes, coronel (DFA) na situação na reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968), sobre o ataque a Sare Ganá, 12 de Agosto de 1968, e a resposta das NT:
(...) "Às 01H00 atingiram Sare Ganá as forças de socorro de Bafatá e enviados pelo Comando de Batalhão. Estas forças eram constituídas a primeira por um pelotão do EREC 2350 e o PEL CAÇ NAT 64 a segunda por outro PEL REC do EREC 2350 e 2 secções da CCS/BCAV 1905.
"Uma vez que a situação estava praticamente normalizada, um pelotão do EREC 2350 e as 2 secções da CCS regressaram a Bafatá levando os feridos mais graves, tanto milícias como população, enquanto as outras forças se instalavam em Saré Ganá, montando segurança a tabanca"(...).
Amigo Luis:
Somos quase da mesma idade, estive na Guiné em 67/68 e que saudades desse tempo, embora pareça um paradoxo, pois como se pode ter saudades duma coisa como foi o tempo de guerra ?!...
Mas lá aprendemos o que é a camaradagem que nos juntou ateé hoje, mesmo sem contacto pessoal... E como ficamos putos novamente quando falamos com alguém que também lá esteve, na Guiné!...
O meu nome é Julio Benavente, fui furriel miliciano na CCS do BCAV 1905, de Fevereiro 1967 até Novembro de 1968 (1).
Hoje vivo no Estado de Rhode Island, na cidade de North Providence, nos Estados Unidos da América.
Um abraço, camarada, e obrigado por esta oportunidade de reviver.
Júlio Benavente
_______________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 28 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968)
Texto de A. Marques Lopes, coronel (DFA) na situação na reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968), sobre o ataque a Sare Ganá, 12 de Agosto de 1968, e a resposta das NT:
(...) "Às 01H00 atingiram Sare Ganá as forças de socorro de Bafatá e enviados pelo Comando de Batalhão. Estas forças eram constituídas a primeira por um pelotão do EREC 2350 e o PEL CAÇ NAT 64 a segunda por outro PEL REC do EREC 2350 e 2 secções da CCS/BCAV 1905.
"Uma vez que a situação estava praticamente normalizada, um pelotão do EREC 2350 e as 2 secções da CCS regressaram a Bafatá levando os feridos mais graves, tanto milícias como população, enquanto as outras forças se instalavam em Saré Ganá, montando segurança a tabanca"(...).
Guiné 63/74 - P719: Do Porto a Bissau (14): O regresso a casa (Albano Costa)
Imagens e legendas do Albano Costa:
1. Eis a chegada do primeiro contingente vindo da Guiné, só faltam o Almeida e o Saagum que ficaram em Lisboa, os restante vieram para o Porto: são eles o Hugo, a Inês, o Manuel Costa - no meio estou, que os fui esperar ao aeroporto -, o Armindo, o Casimiro e o Aguiar:
2. Uma semana depois veio o resto da companhia: o Allen e o Marques Lopes, felizes e com vontade de lá voltar. Aqui rodeados por mim e pelo Hugo:
Créditos fotográficos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006)
1. Eis a chegada do primeiro contingente vindo da Guiné, só faltam o Almeida e o Saagum que ficaram em Lisboa, os restante vieram para o Porto: são eles o Hugo, a Inês, o Manuel Costa - no meio estou, que os fui esperar ao aeroporto -, o Armindo, o Casimiro e o Aguiar:
2. Uma semana depois veio o resto da companhia: o Allen e o Marques Lopes, felizes e com vontade de lá voltar. Aqui rodeados por mim e pelo Hugo:
Créditos fotográficos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006)
Guuiné 63/74 - P718: Do Porto a Bissau (13): Notícias do Paulo Salgado
Texto do Paulo Salgado:
Caros Bloguistas:
Tenho algumas estórias para contar. Mas hoje quero apenas reflectir um pouco sobre a nossa ligeira participação na chegada dos viajantes - direi mesmo: grandes viajantes - a Bissau. Dos pormenores da sua estada, poucos factos retive, pois os valentes andaram por aí bebendo o que puderam por essa Guiné, a Guiné profunda que todos apreciamos, e mal tivemos tempo de conviver.
1. Não é justa qualquer insinuação (desculpa-me, Albano) sobre uma eventual precipitação do Allen - ele julgou que os preços seriam mais baixos. Acreditai que os preços em matéria de hotéis são altos. Tenho vindo aqui muitas vezes e para um hotel mínimo os preços são altos. A procura é elevada e, por isso, os preços sobem.
2. A moradia que conseguimos arrendar pertence à empresa SOMEC e só a amizade das pessoas permitiu que fosse disponibilizada, até porque apenas um funcionário ocupa uma das casas.
PS - Passámos, o fim-de-semana mais longo, na ilha de Canhabaque (ilha Roxa)[, no sul, na região de Tombali. Percorremos vários km pelo interior. Aqui travaram-se combates violentos, à beira mar, entre portugueses e guineenses (das ilhas). Foi uma mortandade. Em 1939! Lá está o obelisco ainda pouco danificado: "Pacificação de Canhabaque"! E o herói que comandou as NT.
Lá voltaremos.
Mantenhas para todos
Caros Bloguistas:
Tenho algumas estórias para contar. Mas hoje quero apenas reflectir um pouco sobre a nossa ligeira participação na chegada dos viajantes - direi mesmo: grandes viajantes - a Bissau. Dos pormenores da sua estada, poucos factos retive, pois os valentes andaram por aí bebendo o que puderam por essa Guiné, a Guiné profunda que todos apreciamos, e mal tivemos tempo de conviver.
1. Não é justa qualquer insinuação (desculpa-me, Albano) sobre uma eventual precipitação do Allen - ele julgou que os preços seriam mais baixos. Acreditai que os preços em matéria de hotéis são altos. Tenho vindo aqui muitas vezes e para um hotel mínimo os preços são altos. A procura é elevada e, por isso, os preços sobem.
2. A moradia que conseguimos arrendar pertence à empresa SOMEC e só a amizade das pessoas permitiu que fosse disponibilizada, até porque apenas um funcionário ocupa uma das casas.
PS - Passámos, o fim-de-semana mais longo, na ilha de Canhabaque (ilha Roxa)[, no sul, na região de Tombali. Percorremos vários km pelo interior. Aqui travaram-se combates violentos, à beira mar, entre portugueses e guineenses (das ilhas). Foi uma mortandade. Em 1939! Lá está o obelisco ainda pouco danificado: "Pacificação de Canhabaque"! E o herói que comandou as NT.
Lá voltaremos.
Mantenhas para todos
Guiné 63/74 - P717: Comboios no Rio Cumbijã (Humberto Reis)
Texto do Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71):
Amigo Lema Santos, boa noite:
Desde esta tarde [de 28 de Abril de 2006], em que estivemos em amena cavaqueira cerca de 1 hora, relembrando a nossa passagem por aquelas míticas terras da Guiné-Bissau, nos passados anos 60, fiquei com curiosidade de ir rever uma estória dos célebres comboios fluviais a subir o Rio Cumbijã até Bedanda.
Achei (1).
Em 25 de Fevereiro de 1968, ainda lá estavas, desenrolou-se uma operação denominada Ciclone II, levada a efeito pelas companhias de pára-quedistas 121 e 122, exactamente para tentar anular as acções ofensivas que os combóios fluviais sofriam mensalmente, quando passavam em frente à mata de Cafine e Cafal Balanta (entre a curva à direita depois da foz do rio Cubade e a seguinte à esquerda).
Passo a citar o CMG José António Cervaens Rodrigues (em 68 exercia as funções de Chefe da Divisão de Logística Operacional do Comando da Defesa Marítima em acumulação com as de Comandante da Companhia de Fuzileiros nº 9 e também terminou a comissão em Maio de 68, um mês depois de ti) que efectuou 4 desses comboios, tendo sido atacado em 2 deles:Ç
"O comboio era normalmente constituído por 2 ou 3 lanchas de desembarque e outras tantas barcaças mercantes e comandado por um oficial da Armada, por rotação entre o Comandante da Esquadrilha de Lanchas e Comandantes e Imediatos das Companhias de Fuzileiros. Formava-se o comboio na confluência dos rios Cumbijã e Como, principiando a subida do rio Cumbijã no início da enchente da maré. Antes de prosseguir para Bedanda paravam brevemente em Cufar, ao fim de cerca de uma hora de percurso...".
O comandante do comboio nesse dia 25 de Fevereiro de 1968 era o 1º tenente Eugénio Cavalheiro.
Recordar é viver
Aquele abraço
Humberto Reis
_________
Nota de L.G. / H.R.:
(1) Fonte: O Portal da História > Batalhas de Portugal
Nuno Mira Vaz (2003) - Guiné, 1968 e 1973:
Soldados uma vez, sempre soldados!
Lisboa: Tribuna. 2003. (Batalhas de Portugal).
95 pags. € 22,00.
Resumo:
"A luta travada na Guiné entre Forças Armadas Portuguesas e os guerrilheiros do PAIGC, apesar de não registar muitas acções militares com expressão significativa, é geralmente recordada com a mais dura de quantas se travaram no antigo ultramar português.
"Neste contexto, o heliassalto em Cafal-Cafine e a demorada e complexa acção naval, terrestre e aérea montada para libertar Guidaje, fornecem, na diversidade da sua concepção, duas imagens expressivas da intensidade dos combates e dos sacrifícios exigidos aos soldados portugueses.
"Na Operação Ciclone II, em Fevereiro de 1968, um comboio fluvial de rotina serviu de isco ao lançamento de duas companhias de pára-quedistas sobre uma unidade do PAIGC instalada em abrigos preparados, tendo as tropas portuguesas iniciado um combate de aniquilamento do bigrupo inimigo.
"Em Maio e Junho de 1973, a Operação Ametista Real e todos os outros combates travados para romper o cerco montado a Guidaje ocorreram numa época em que se registavam severas limitações aos meios aéreos, sendo o desfecho da guerra cada vez mais incerto. Ao fim de um mês e meio de combates, as baixas das duas partes foram bastante severas e, sabe-se hoje, equiparadas".
Amigo Lema Santos, boa noite:
Desde esta tarde [de 28 de Abril de 2006], em que estivemos em amena cavaqueira cerca de 1 hora, relembrando a nossa passagem por aquelas míticas terras da Guiné-Bissau, nos passados anos 60, fiquei com curiosidade de ir rever uma estória dos célebres comboios fluviais a subir o Rio Cumbijã até Bedanda.
Achei (1).
Em 25 de Fevereiro de 1968, ainda lá estavas, desenrolou-se uma operação denominada Ciclone II, levada a efeito pelas companhias de pára-quedistas 121 e 122, exactamente para tentar anular as acções ofensivas que os combóios fluviais sofriam mensalmente, quando passavam em frente à mata de Cafine e Cafal Balanta (entre a curva à direita depois da foz do rio Cubade e a seguinte à esquerda).
Passo a citar o CMG José António Cervaens Rodrigues (em 68 exercia as funções de Chefe da Divisão de Logística Operacional do Comando da Defesa Marítima em acumulação com as de Comandante da Companhia de Fuzileiros nº 9 e também terminou a comissão em Maio de 68, um mês depois de ti) que efectuou 4 desses comboios, tendo sido atacado em 2 deles:Ç
"O comboio era normalmente constituído por 2 ou 3 lanchas de desembarque e outras tantas barcaças mercantes e comandado por um oficial da Armada, por rotação entre o Comandante da Esquadrilha de Lanchas e Comandantes e Imediatos das Companhias de Fuzileiros. Formava-se o comboio na confluência dos rios Cumbijã e Como, principiando a subida do rio Cumbijã no início da enchente da maré. Antes de prosseguir para Bedanda paravam brevemente em Cufar, ao fim de cerca de uma hora de percurso...".
O comandante do comboio nesse dia 25 de Fevereiro de 1968 era o 1º tenente Eugénio Cavalheiro.
Recordar é viver
Aquele abraço
Humberto Reis
_________
Nota de L.G. / H.R.:
(1) Fonte: O Portal da História > Batalhas de Portugal
Nuno Mira Vaz (2003) - Guiné, 1968 e 1973:
Soldados uma vez, sempre soldados!
Lisboa: Tribuna. 2003. (Batalhas de Portugal).
95 pags. € 22,00.
Resumo:
"A luta travada na Guiné entre Forças Armadas Portuguesas e os guerrilheiros do PAIGC, apesar de não registar muitas acções militares com expressão significativa, é geralmente recordada com a mais dura de quantas se travaram no antigo ultramar português.
"Neste contexto, o heliassalto em Cafal-Cafine e a demorada e complexa acção naval, terrestre e aérea montada para libertar Guidaje, fornecem, na diversidade da sua concepção, duas imagens expressivas da intensidade dos combates e dos sacrifícios exigidos aos soldados portugueses.
"Na Operação Ciclone II, em Fevereiro de 1968, um comboio fluvial de rotina serviu de isco ao lançamento de duas companhias de pára-quedistas sobre uma unidade do PAIGC instalada em abrigos preparados, tendo as tropas portuguesas iniciado um combate de aniquilamento do bigrupo inimigo.
"Em Maio e Junho de 1973, a Operação Ametista Real e todos os outros combates travados para romper o cerco montado a Guidaje ocorreram numa época em que se registavam severas limitações aos meios aéreos, sendo o desfecho da guerra cada vez mais incerto. Ao fim de um mês e meio de combates, as baixas das duas partes foram bastante severas e, sabe-se hoje, equiparadas".
terça-feira, 2 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P716: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)
Texto do Hugo Moura Ferreira:
Caro Lema Santos:
Começo por reforçar os votos de Boas Vindas, mencionados no assunto desta mensagem, com desejos que muitas estórias da tua passagem pela nossa sempre amada Guiné.
Verifiquei por aquilo que apresentas no que o Luís inseriu já no Blogue Fora Nada (1), que nos trarás ao conhecimento certamente muitas das tuas experiências.
Pela minha parte serão lidas com toda a atenção e empenho.
Verifiquei com alguma satisfação que tu és do meu tempo (2) e tentei recordar-me do pessoal de Marinha que, com o sacrifício que quem ia metido numa lata a servir de alvo, para os lados do Cumbidjã, nos ia abastecer a Cufar (CCAÇ 1621), acostando, no cais de Cantone, e também a Bedanda (CCAÇ 6), quando, com o coração ao pé da boca, tinham que progredir rio acima tendo na outra margem o celebérrimo Cantanhez, que naquela altura era impenetrável.
Depois de tantos anos apenas me lembro de dois amigos da Marinha [cujos nomes não vou aqui mencionar, sendo um deles uma figura pública].
Penso, e tu o confirmarás ou não, que realmente nunca as LDM [Lanchas de Desembarque Médias] (3), que nos levavam abastecimentos a Bedanda, foram atacadas naquela zona. Aliás, como se acontecia com a LDP que diariamente levava a água de Catió para a nossa base no Cachil. Enquanto por lá andei não me recordo de ter ouvido alguma vez notícias de ataques a abastecimentos naquela zona.
Em Cacine, eu sei que eram habituais as saudações dos turras , mas depois de passarem essa zona havia algum respeito e pode dizer-se condescendência do IN, para com a nossa paparoca.
Ao afirmares que tens material gravado aquando das escoltas que efectuávamos nos abastecimentos ao aquartelamento de Bedanda, parece-me que a minha tese anterior está errada, mas tendo eu estado em Cufar e em Bedanda, entre Novembro de 1966 e Junho de 1968, não me lembro de ocorrências de maior, com as colunas de abastecimento, via naval, pelo que penso que as referidas gravações tenham sido obtidas no caminho para lá. E será possivel ouvi-las? Talvez até o Luís Graça esteja interessado em as inserir no Blogue.
Fala-nos dessas experiência pois acho que todos estamos ansiosos por as conhecer através de um marinheiro, e não, como tem acontecido, apenas de elementos da tropa fandanga.
Eu, pela minha parte, por estar incondicionalmente de acordo, estou a tentar que alguns elementos da FA, que conheço, colaborem, indo assim ao encontro do que afirmas quando dizes: como é possível escrever a estória da Guiné sem estar a ela associada a própria história da Marinha de Guerra, conjuntamente com a história dos outros dois ramos das Forças Armadas?
Tenho pena é que, mas acalento grande esperança, não haja nesta Tertúlia, a colaborar para o mesmo fim, elementos que na altura eram considerados inimigos mas que hoje se verifica serem grandes amigos e que apenas estavam a seguir as suas convicções, como afinal alguns dos tugas também o estariam.
Verificamos mesmo agora pelos escritos que são inseridos no Blogue que mesmo nos Portugueses havia as duas convicções, tal como no pessoal da Guiné. Mas isso é outra questão que um dia, sem mágoas, virá certamente a ser tratada por alguém com capacidade inequívoca para tal e que possa vir a estudar, de forma profunda, a História dessa época a que nós estamos agora a dar a nossa contribuição.
Um abraço e mais uma vez, benvindo ao grupo dos apanhadinhos pelo clima.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
(2) Vd post de 22 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCV: CCAÇ 16121 (Cufar); CCAÇ 6 (Bedanda) (1966/68)
(3) Vd post de 7 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXVII: Antologia (23): Homenagem aos nossos marinheiros e às suas Lanchas de Desembarque
Caro Lema Santos:
Começo por reforçar os votos de Boas Vindas, mencionados no assunto desta mensagem, com desejos que muitas estórias da tua passagem pela nossa sempre amada Guiné.
Verifiquei por aquilo que apresentas no que o Luís inseriu já no Blogue Fora Nada (1), que nos trarás ao conhecimento certamente muitas das tuas experiências.
Pela minha parte serão lidas com toda a atenção e empenho.
Verifiquei com alguma satisfação que tu és do meu tempo (2) e tentei recordar-me do pessoal de Marinha que, com o sacrifício que quem ia metido numa lata a servir de alvo, para os lados do Cumbidjã, nos ia abastecer a Cufar (CCAÇ 1621), acostando, no cais de Cantone, e também a Bedanda (CCAÇ 6), quando, com o coração ao pé da boca, tinham que progredir rio acima tendo na outra margem o celebérrimo Cantanhez, que naquela altura era impenetrável.
Depois de tantos anos apenas me lembro de dois amigos da Marinha [cujos nomes não vou aqui mencionar, sendo um deles uma figura pública].
Penso, e tu o confirmarás ou não, que realmente nunca as LDM [Lanchas de Desembarque Médias] (3), que nos levavam abastecimentos a Bedanda, foram atacadas naquela zona. Aliás, como se acontecia com a LDP que diariamente levava a água de Catió para a nossa base no Cachil. Enquanto por lá andei não me recordo de ter ouvido alguma vez notícias de ataques a abastecimentos naquela zona.
Em Cacine, eu sei que eram habituais as saudações dos turras , mas depois de passarem essa zona havia algum respeito e pode dizer-se condescendência do IN, para com a nossa paparoca.
Ao afirmares que tens material gravado aquando das escoltas que efectuávamos nos abastecimentos ao aquartelamento de Bedanda, parece-me que a minha tese anterior está errada, mas tendo eu estado em Cufar e em Bedanda, entre Novembro de 1966 e Junho de 1968, não me lembro de ocorrências de maior, com as colunas de abastecimento, via naval, pelo que penso que as referidas gravações tenham sido obtidas no caminho para lá. E será possivel ouvi-las? Talvez até o Luís Graça esteja interessado em as inserir no Blogue.
Fala-nos dessas experiência pois acho que todos estamos ansiosos por as conhecer através de um marinheiro, e não, como tem acontecido, apenas de elementos da tropa fandanga.
Eu, pela minha parte, por estar incondicionalmente de acordo, estou a tentar que alguns elementos da FA, que conheço, colaborem, indo assim ao encontro do que afirmas quando dizes: como é possível escrever a estória da Guiné sem estar a ela associada a própria história da Marinha de Guerra, conjuntamente com a história dos outros dois ramos das Forças Armadas?
Tenho pena é que, mas acalento grande esperança, não haja nesta Tertúlia, a colaborar para o mesmo fim, elementos que na altura eram considerados inimigos mas que hoje se verifica serem grandes amigos e que apenas estavam a seguir as suas convicções, como afinal alguns dos tugas também o estariam.
Verificamos mesmo agora pelos escritos que são inseridos no Blogue que mesmo nos Portugueses havia as duas convicções, tal como no pessoal da Guiné. Mas isso é outra questão que um dia, sem mágoas, virá certamente a ser tratada por alguém com capacidade inequívoca para tal e que possa vir a estudar, de forma profunda, a História dessa época a que nós estamos agora a dar a nossa contribuição.
Um abraço e mais uma vez, benvindo ao grupo dos apanhadinhos pelo clima.
Hugo Moura Ferreira
Ex-Alf Mil Inf (1966/1968)
CCAÇ 1621 e CCAÇ 6
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
(2) Vd post de 22 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCV: CCAÇ 16121 (Cufar); CCAÇ 6 (Bedanda) (1966/68)
(3) Vd post de 7 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXVII: Antologia (23): Homenagem aos nossos marinheiros e às suas Lanchas de Desembarque
Guiné 63/74 - P715: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
Post nº 725 (DCCXXV)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > O caminho (frondoso e, outrora, perigoso) para a fonte.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte de Mansambo: aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setrembro de 1968, o Saagum, do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (1)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A visita de grupo à fonte... Está estampada no rosto a alegria de ambas as partes, portugueses e população local... Os portugueses são, da esqerda para a direita, o Saagum, o Aguiar, o Casimiro, o Almeida, o Armindo e o Manuel Costa (AC).
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Junto à fonte. A foto é elucidativa da tensão que vai principalmente no Almeida e Saggun, a sensação daquele momento só os próprios a podem descrever, e era giro que eles o fizessem, aqui fica o desafia para o António Almeida. Da esquerda para a direita: o José Clímaco Saagum, o António Almeida, o Manuel Costra, o Aguiar e o Casimiro (AC).
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa...
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > O Aguiar e o Casimiro na fonte de Mansambo.
Créditos fotográficos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006)
Caro colega António Almeida:
Aqui vão fotos da tristemente famosa fonte em Mansambo aonde, segundo o vosso relato, ia lá abastecer-se tanto as NT como o IN. Eu estive lá, em Mansambo, em 2000 mas ninguém nos sabia informar a localização da fonte. Agora, como vocês lá foram, sempre deu para dar com ela.
Já agora, e passado uns dias do vosso regresso, gostaria de saber a tua opinião em relação à Guiné até para eu não ser enganado no meu pensamento. É que o meu filho me disse:
- Pai, a Guiné está um pouco diferente, em termos de estradas está muito mau, assim como o preço dos hotéis (que só o são de nome).
Há coisas que devem ter mudado para pior, desde 2000. Em matéria de hotéis, foi pena, acho que aí o Allen precipitou-se: ele tinha marcado para o Hotel a 25 euros por dia e, quando lá chegou, já eram 50 euros. Ora isso é mau e caro. Assim não vai lá ninguém, o que é pena.
Felizmente o Paulo Salgado (já falei com ele pelo telefone mas tenho pena de ainda não o conhecer pessoalmente) arranjou logo uma casa que sempre serviu para atenuar o preço. Pelo que o Hugo me contou não tem nada a ver com o que foi na nossa viagem em 2000. Aí, sim, foi muito melhor e com preços normais no Saltinho, dava para escolher o que queríamos comer. Soube agora que o cozinheiro [do Clube de Caça e Turismo] veio trabalhar para o Colete Encarnado.
Paciência, isto daqui a pouco volta outra vez a saudade da Guiné.
Já agora diz-nos se foi a tua primeira viagem à Guiné, depois do 25 de Abril, e quais foram as tuas impressões e, se possível, do teu amigo e camarada Saagum.
Um abraço.
Albano
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. posts de:
14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)
12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo
(....) "Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.
"Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês.
"Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca" (...).
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > O caminho (frondoso e, outrora, perigoso) para a fonte.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte de Mansambo: aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setrembro de 1968, o Saagum, do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (1)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A visita de grupo à fonte... Está estampada no rosto a alegria de ambas as partes, portugueses e população local... Os portugueses são, da esqerda para a direita, o Saagum, o Aguiar, o Casimiro, o Almeida, o Armindo e o Manuel Costa (AC).
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Junto à fonte. A foto é elucidativa da tensão que vai principalmente no Almeida e Saggun, a sensação daquele momento só os próprios a podem descrever, e era giro que eles o fizessem, aqui fica o desafia para o António Almeida. Da esquerda para a direita: o José Clímaco Saagum, o António Almeida, o Manuel Costra, o Aguiar e o Casimiro (AC).
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa...
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > O Aguiar e o Casimiro na fonte de Mansambo.
Créditos fotográficos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006)
Caro colega António Almeida:
Aqui vão fotos da tristemente famosa fonte em Mansambo aonde, segundo o vosso relato, ia lá abastecer-se tanto as NT como o IN. Eu estive lá, em Mansambo, em 2000 mas ninguém nos sabia informar a localização da fonte. Agora, como vocês lá foram, sempre deu para dar com ela.
Já agora, e passado uns dias do vosso regresso, gostaria de saber a tua opinião em relação à Guiné até para eu não ser enganado no meu pensamento. É que o meu filho me disse:
- Pai, a Guiné está um pouco diferente, em termos de estradas está muito mau, assim como o preço dos hotéis (que só o são de nome).
Há coisas que devem ter mudado para pior, desde 2000. Em matéria de hotéis, foi pena, acho que aí o Allen precipitou-se: ele tinha marcado para o Hotel a 25 euros por dia e, quando lá chegou, já eram 50 euros. Ora isso é mau e caro. Assim não vai lá ninguém, o que é pena.
Felizmente o Paulo Salgado (já falei com ele pelo telefone mas tenho pena de ainda não o conhecer pessoalmente) arranjou logo uma casa que sempre serviu para atenuar o preço. Pelo que o Hugo me contou não tem nada a ver com o que foi na nossa viagem em 2000. Aí, sim, foi muito melhor e com preços normais no Saltinho, dava para escolher o que queríamos comer. Soube agora que o cozinheiro [do Clube de Caça e Turismo] veio trabalhar para o Colete Encarnado.
Paciência, isto daqui a pouco volta outra vez a saudade da Guiné.
Já agora diz-nos se foi a tua primeira viagem à Guiné, depois do 25 de Abril, e quais foram as tuas impressões e, se possível, do teu amigo e camarada Saagum.
Um abraço.
Albano
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. posts de:
14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)
12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo
(....) "Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.
"Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês.
"Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca" (...).
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339
Guiné 63/74 - P714: Do Porto a Bissau (11): Bissau, Barro e Farim (Hugo e Albano Costa)
Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > O estado de ruína em que ficou o antigo palácio do governador, depois do golpe de Estado que derrubou Nino Vieira: aspecto exterior...
Guiné-Bissau > Bissau > 2006 > O estado de ruína em que ficou o antigo palácio do governador, depois do golpe de Estado (1998) que derrubou Nino Vieira: aspecto interior...
Guiné-Bissau > Barro > Abril de 2006 > Monumento em homenagem ao 1º Cabo Enfermeiro João Baptista da Slva, da CART 2412, morto em combate, em Bigene, em 21 de Setembro de 1968. Mandado erigir, em Barro, pela CART 2412 (1968/70). Pensava-se que este singelo monumento fúnebre tivesse sido destruído a seguir à independência.
Guiné-Bissau > Farim > Abril de 206 > Com o pai do nosso amigo Anízio (sentado, o segundo da esquerda, ao lado do Xico Allen e do Marques Lopes).
Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006: o macaco e o chupa-chupa.
Créditos fotográficos: © Hugo Costa (2006)
1. Caros amigos e camaradas de tertúlia:
Acabo de chegar do sul da Itália. O meu périplo de 10 dias, entre 22 de Abril a 1 de Maio, pelas regiões de Lázio, Campânia, Basalicata, Calábria e Sicília, traduzido em 3300 km de carro e em 3300 fotografias, decorreu com a emoção e o cansaço, inerentes a projectos deste tipo. Dez dias é sempre pouco para descobrir, de carro, uma das mais fascinantes partes da Itália e do Mediterrâneo. Fascinantes e caóticas (como é região metropolitana de Nápoles)...
Confesso que, entretanto, tive saudades vossas e do nosso blogue. Das notícias que me chegaram, vou dando conta hoje e nos próximos dias. Começo por transcrever uma mensagem do Albano Costa, datada de anteontem à noite.
2. Mensagem de Albano Costa:
Caro LG
Espero que a estadia por terras transalpinas e junto dos vossos filhos tenha sido um momento de grande prazer. Eu, por cá, lá me fui entretendo no convívio à distância com os nossos guineenses. Eles lá andaram na sua maratona, a dar a volta à Guiné o mais rápido possível, mas queixaram-se das estradas, da inflação da estadia e do aluguer dos transportes. Isso é normal mas é mau porque aí cada vez menos se vai à Guiné...
Mas tudo correu muito bem. O Paulo [Salgado] e a esposa foram muito simpáticos e arranjaram uma casa que foi alugada e acabou por ficar mais barato. Quanto ao resto, quando o grupo é um bocada grande, torna-se sempre um pouco mais chato mas depois tudo se resolve. De acordo com a minha expereiência, o ideal é cimnco a seis pessoas, torna-se mais fácil.
Com respeito à viagem todos adoraram: têm imagens de muita pobreza mas também de grande beleza, peripécias muito engraçadas. Há imagens sobre a Guiné muito belas. A estátua, em Barro, lá está e já a enviei ao Afonso [M. F. Sousa] . O Pepito, o Paulo e Conceição Salgado foram impecáveis, sempre presentes para darem todo o apoio ao grupo.
Vou enviar algumas das fotos que recebi:
(i) as do palácio, dentro e fora, é melhor não publicar no blogue, podendo todavia circular por e-mail; dá pena ver o interior do palácio assim, ai isso dá (1);
(ii) monumento erigido em Barro (2) ;
(iii) outra foto foi tirada em Farim, com o pai do Anizio (3);
(iv) finalmente, a do macaco, que também teve direito a chupa-chupa, e mostrou que também gosta; felizmente, os chupas eram muitos...
Um abraço,
Albano
__________
Nota de L.G.
(1) Percebo (e respeito) os sentimentos do Albano Costa; mas julgo ser também nosso dever não ignorar ou escamotear a realidade: neste caso, mais este episódio (triste) da história recente da Guiné-Bissau... Não se entenda a publicação destas imagens como um sinal de saudosismo ou de defesa da pax lusitana...
(2) Vd post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVII: Em perigos e guerras esforçados...
(3) Anízio Indami, 22 anos, natural de Farim, estudante em S. Paulo... Vd post de 8 de Novembro de 2005 Guiné 63/74 - CCLXXX: Crianças de Farim ou como o mundo é pequeno (3).
Guiné-Bissau > Bissau > 2006 > O estado de ruína em que ficou o antigo palácio do governador, depois do golpe de Estado (1998) que derrubou Nino Vieira: aspecto interior...
Guiné-Bissau > Barro > Abril de 2006 > Monumento em homenagem ao 1º Cabo Enfermeiro João Baptista da Slva, da CART 2412, morto em combate, em Bigene, em 21 de Setembro de 1968. Mandado erigir, em Barro, pela CART 2412 (1968/70). Pensava-se que este singelo monumento fúnebre tivesse sido destruído a seguir à independência.
Guiné-Bissau > Farim > Abril de 206 > Com o pai do nosso amigo Anízio (sentado, o segundo da esquerda, ao lado do Xico Allen e do Marques Lopes).
Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006: o macaco e o chupa-chupa.
Créditos fotográficos: © Hugo Costa (2006)
1. Caros amigos e camaradas de tertúlia:
Acabo de chegar do sul da Itália. O meu périplo de 10 dias, entre 22 de Abril a 1 de Maio, pelas regiões de Lázio, Campânia, Basalicata, Calábria e Sicília, traduzido em 3300 km de carro e em 3300 fotografias, decorreu com a emoção e o cansaço, inerentes a projectos deste tipo. Dez dias é sempre pouco para descobrir, de carro, uma das mais fascinantes partes da Itália e do Mediterrâneo. Fascinantes e caóticas (como é região metropolitana de Nápoles)...
Confesso que, entretanto, tive saudades vossas e do nosso blogue. Das notícias que me chegaram, vou dando conta hoje e nos próximos dias. Começo por transcrever uma mensagem do Albano Costa, datada de anteontem à noite.
2. Mensagem de Albano Costa:
Caro LG
Espero que a estadia por terras transalpinas e junto dos vossos filhos tenha sido um momento de grande prazer. Eu, por cá, lá me fui entretendo no convívio à distância com os nossos guineenses. Eles lá andaram na sua maratona, a dar a volta à Guiné o mais rápido possível, mas queixaram-se das estradas, da inflação da estadia e do aluguer dos transportes. Isso é normal mas é mau porque aí cada vez menos se vai à Guiné...
Mas tudo correu muito bem. O Paulo [Salgado] e a esposa foram muito simpáticos e arranjaram uma casa que foi alugada e acabou por ficar mais barato. Quanto ao resto, quando o grupo é um bocada grande, torna-se sempre um pouco mais chato mas depois tudo se resolve. De acordo com a minha expereiência, o ideal é cimnco a seis pessoas, torna-se mais fácil.
Com respeito à viagem todos adoraram: têm imagens de muita pobreza mas também de grande beleza, peripécias muito engraçadas. Há imagens sobre a Guiné muito belas. A estátua, em Barro, lá está e já a enviei ao Afonso [M. F. Sousa] . O Pepito, o Paulo e Conceição Salgado foram impecáveis, sempre presentes para darem todo o apoio ao grupo.
Vou enviar algumas das fotos que recebi:
(i) as do palácio, dentro e fora, é melhor não publicar no blogue, podendo todavia circular por e-mail; dá pena ver o interior do palácio assim, ai isso dá (1);
(ii) monumento erigido em Barro (2) ;
(iii) outra foto foi tirada em Farim, com o pai do Anizio (3);
(iv) finalmente, a do macaco, que também teve direito a chupa-chupa, e mostrou que também gosta; felizmente, os chupas eram muitos...
Um abraço,
Albano
__________
Nota de L.G.
(1) Percebo (e respeito) os sentimentos do Albano Costa; mas julgo ser também nosso dever não ignorar ou escamotear a realidade: neste caso, mais este episódio (triste) da história recente da Guiné-Bissau... Não se entenda a publicação destas imagens como um sinal de saudosismo ou de defesa da pax lusitana...
(2) Vd post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVII: Em perigos e guerras esforçados...
(3) Anízio Indami, 22 anos, natural de Farim, estudante em S. Paulo... Vd post de 8 de Novembro de 2005 Guiné 63/74 - CCLXXX: Crianças de Farim ou como o mundo é pequeno (3).
sexta-feira, 21 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P713: Tabanca Grande: Manuel Lema Santos, 1.º tenente da Reserva Naval, ex-Imediato da NRP Orion (1966/68)
O Lema Santos de ontem (1º tenente da marinha em 1972, que serviu como Imediato na NRP Orion, na Guiné, entre 1966 e 1968) e o de hoje (2004), empresário, residente em Massamá.
Julgo que é o Lema Santos é o primeiro oficial da classe de marinha que nos contacta e pede licença para entrar na nossa caserna... de tropa-macaca. É óbvio que o vamos receber de braços abertos: estamos todos de acordo que a história da guerra da Guiné só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas Portugueses mais os nossos queridos turras. Até à data, e nas vésperas de completarmos um ano de existência, as tropas especiais, bem como a malta da marinha e da força aérea, está ainda subrepresentada na nossa tertúlia. Seria interessante tentar saber porquê...
Ao falar com este camarada pelo telefone, constatei que ele conhece todos os rios da Guiné, é um excelente contador de histórias, tem uma memória fotográfica e possui uma vasta rede de contactos pessoais e sociais... Welcome to board, captain!
© Lema Santos (2006)
1. Texto do Manuel Lema Santos, que me foi enviado em 5 de Abril de 2006 e que só agora, por razões de agenda (leia-se: engarrafamento de tráfego...), chega ao conhecimento dos nossos tertulianos (com o pedido de desculpas ao próprio, com quem já tinha tido uma longa e agradável conversa ao telefone).
Prezado Luis Graça,
Tenho seguido com atenção cuidada a descoberta do Blogueforanada e tenho de te cumprimentar porque, com esforço e determinação, conduzes naquele andamento tão espinhosa tarefa.
Estão satisfeitos, por certo, todos os bloguistas pela disponibilidade que lhes facultaste de se exprimirem livremente, sobre tão sensíveis quanto subjectivos temas, criticando, opinando, partilhando, mas também revivendo épocas tão conturbadas como controversas.
Também eles estão de parabéns porque o fazem por vontade própria, sem reservas, servindo uma causa comum: pesquisa e regresso ao passado, com esclarecimento e sem fantasmas.
Resumidamente, escreve-se história. Muitas vezes, tão do foro intímo de cada um que a exposição pública se torna penosa e de difícil conciliação pessoal.
Para mim não é diferente e daí o ter procurado o teu - quão difícil é assumir este teu - contacto pessoal telefónico para me apresentar previamente, no rigoroso respeito da ideia de quem, sabendo que pode partilhar igualmente informação interessante, sente alguma inibição em levar essa colaboração à prática.
Diga-se, em abono da verdade, que passei a estar em dívida contigo, pelo teu tempo pessoal disponibilizado à nossa conversa e simultaneamente à minha apresentação.
Guiné é tema único e também lá estive, envolvido naquela dramática vivência!
Não consigo compreender, no meu modesto entendimento e sem noções concertadas de estratégia militar, como é possível escrever a estória da Guiné sem estar a ela associada a própria história da Marinha de Guerra, conjuntamente com a história dos outros dois ramos das Forças Armadas.
Fui oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, o que equivalia, em termos práticos, aos seus pares congéneres milicianos do exército. Não mais do que universitários, licenciados ou em vias disso, que, tendo de cumprir num horizonte próximo e ao serviço da cidadania o serviço militar obrigatório, optavam pela inscrição nesse ramo das Forças Armadas, vindo posteriormente a ser seleccionados ou não, de acordo com as exigências e os resultados dos testes prestados no ramo.
Fui apenas um entre os quase 3000 oficiais da Reserva Naval que, entre 1958 e 1982, desfilaram naquela Instituição; daqueles, cerca de um milhar terão desempenhado missões de serviço nas antigas colónias portuguesas, entre 1961 e 1975.
No meu caso, depois de um curso de seis meses na Escola Naval, a viagem de instrução de cadete e o juramento de bandeira com promoção a Aspirante (Outubro de 1965 a Maio de 1966) marcaram, em sucessão, instrução e formação, camaradagem, também crescimento.
Depois, já promovido a Subtenente, o destacamento para uma unidade naval na Guiné, o NRP Orion - P362 (LFG - Lancha de Fiscalização Grande) onde fui oficial Imediato de Maio de 1966 a Abril de 1968; uma unidade naval de 42 metros, com 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças entre outras 6 idênticas (Argos, Dragão, Hidra, Lira, Cassiopeia e Sagitário).
Seguiram-se inúmeras operações, apoios à navegação (LDG's, LDM's, LDP's, TT's, embarcações e batelões) e oceanografia, escoltas, fiscalização, transportes, ataques e respostas, evacuação de feridos, prisioneiros e até transporte de agentes da PIDE.
Na memória que o tempo em mim não apaga, esfumam-se relatos, acontecimentos, documentos, registos, afinal também História. Em tudo idêntica no tempo à que tenho vindo a ler no Blogueforanada mas, muito mais do que idêntica, complementando-se mutuamente.
Do Cacheu a Norte ao Cacine no Sul, com o Mansoa, Geba, Corubal, Grande de Buba, Tombali e Cumbijã pelo meio.
Numa enorme bolanha em que as marcas radar, a sonda e algumas vezes a sorte, nos serviam de anjos anti-encalhe.
Bijagós, mais um nome, mas num mundo à parte! Cabo Verde nas obrigatórias e periódicas docagens nos estaleiros.
Sem grande possibilidade de lhes soletrar os nomes que a memória aí não chega, o meu cumprimento a todos os militares do exército com quem convivi, especialmente no Cacheu, Barro, Ganturé (Bigene), Farim, Caió, Bissau, Nhacra, Mansoa, Bolama, Cacine, Cabedú e muitos outros locais, sem esquecer uma aventura radical na forma de uma ida a Cameconde, a 8 km de Cacine.
Foi ainda possível, vejam só, em 13 de Setembro de 1966 (alguém presente?) embarcar, em Cabedú, a companhia ali estacionada e, na LDM 307, transportá-la até à Ilha de Melo, efectuar um desembarque - nome de operação: SOL -, aguardar a praia-mar, voltar a reembarcar a companhia, levá-la de volta ao aquartelamento e regressar ao patrulha.
Éramos nómadas, mas nunca teria sido possível por o pé em terra em alguns locais sem lá estar o exército ou levarmos fuzileiros. Noutros, não teria sido possível lá passar, quem sabe?... sem o apoio dos T6 ou dos Fiat da FA. Na memória o som (a soundblaster possível na época) dos diferentes tipos de "instrumentação" utilizada nos "jogos de guerra", aquando das escoltas que efectuávamos nos abastecimentos ao aquartelamento de Bedanda (tenho material de som gravado).
Cafine, Cadique, Cufar, canhão sem recuo incluídos ou as peças anti-carro 57 mm com que éramos brindados na barra do Cacine, podiam ser bons exemplos mas os RPG's no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar.
Depois de 2500 horas de navegação e dois anos decorridos, o regresso ao Continente, já como 2º tenente. Família constituída e a necessidade de completar a minha formação académica e profissional levaram-me a prorrogar, por mais algum tempo, a minha permanência na Velha Escola. Em 1972, promovido a 1º tenente, pedi a passagem à disponibilidade.
Num passado comum a preservar, a minha homenagem pessoal a todo o enorme grupo de marinheiros da Marinha de Guerra que, ao longo de 13 anos, mantiveram bem alto a fasquia de valores pessoais e militares naquele território, lembrando especialmente aqueles para os quais, a implacável lei da vida, tornou o percurso mais curto.
Estarão sempre connosco.
Disponham do meu modesto conhecimento para qualquer colaboração entendida como útil.
Um abraço,
Lema Santos
Anexo: 2 fotos pessoais (1972 e 2004) - o facto de gostar de fotografia desde muito novo leva a que, de mim, a família tem poucas fotos.
2. Ficha pessoal do novo membro da nossa tertúlia, que me foi enviada nestes termos: "Na sequência da nossa conversa telefónica e para evitar complicações de apresentação, tomo a liberdade de te enviar uma ficha descritiva do meu perfil pessoal bem como os meus contactos. Grato pela disponibilidade e abertura que demonstraste. Um abraço e dispõe,
Manuel Lema Santos"
Nome > Manuel Lema Pires dos Santos (normalmente omito o Pires pelo facto de o não utilizar desde há muito)
Idade > 63 anos
Estado civil > Casado com Maria João Lema Santos, economista, com dois filhos de 21 e 17 anos respectivamente; 2 filhas de 1º casamento (37 e 36 anos respectivamente)
Formação académica:
(i) Liceu Pedro Nunes de 1952 a 1959; (ii) Curso de engenharia mecânica do IST, incompleto na licenciatura (6º ano da antiga reforma); (iii) Escola Naval (Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval - 8 º CEORN) de Outubro de 1965 a Maio de 1966; (iv) Viagem de Instrução no NRP Corte Real em Abril de 1966, juramento de bandeira e promoção a Aspirante.
Formação Militar:
- Nomeado Imediato do NRP ORION - P 362 (guarnição de 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças), com promoção a SubTenente, em serviço na Guiné.
- Embarque para a Guiné em 31 de Maio de 1966.
- Permanência naquele lugar até 24 de Abril de 1968, cumpridas cerca de 2500 horas de navegação e algumas idas a Cabo Verde (Mindelo) para alagem (docagem).
- Promoção a 2º Tenente em 31 de Maio de 1967.
- No regresso e até Agosto de 1968, formador no Grupo nº 1 de Escolas da Armada (Vila Franca).
- De Agosto de 1968 a Maio de 1970, ajudante de Ordens do Comandante Naval do Continente e Base Naval de Lisboa
Formação Profissional:
- De Maio de 1970 a Novembro de 1972 dirigi, a pedido e como adjunto, o Serviço de Publicações do Estado Maior da Armada, primeiro estágio profissional na indústria gráfica, ramo que abracei até hoje.
- Promovido ao posto de 1º Tenente em Novembro de 1972, tendo pedido a passagem à disponibilidade.
- Final de 1972 - Admitido como Director de Produção da Livraria Bertrand (parque industrial da Venda Nova - Amadora); pedida a demissão em Fevereiro de 1977.
- Março de 1977 - Admitido como Chefe de Produção da Avery Portugal - B. Nascimento, Lda.; diversos estágios realizados na Alemanha, Dinamarca, Suécia e Espanha no âmbito da mesma indústria gráfica (serigrafia e etiquetagem). Pedida a demissão em Março de 1983.
- Entre 1984 e 1987 ainda passei em duas outras empresas em lugar equivalente (Selegrafe, Litografia Amorim e Copinaque);
Formação complementar:
- Desde aquela altura e até agora, primeiro como empresário em nome individual e depois em sociedade com a mulher, em M. Lema Santos - Comunicação Gráfica, Lda., pequeno estúdio gráfico, de índole familiar, na área digital/pré-impressão/Internet.
Actividades diversas:
- De 1969 a 1981, presidente da Direcção de uma associação cultural e desportiva (Clube Arte e Sport).
- Desde 1997 sócio e colaborador na AORN (Associação dos Oficiais da Reserva Naval) tendo aceite o lugar de vogal neste último elenco directivo; por divergências em questões de fundo afastei-me no final de 2004.
quinta-feira, 20 de abril de 2006
Guiné 63/74 - P712: Em louvor da AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 2005 > "O jovem fruticultor Ansumane, da tabanca de Faro Sadjuma, junto à estrada entre Guiledje e Bedanda, mostra com orgulho um dos exemplares de ananás da variedade Cayenne Lisa, que ele acabou de colher.
"Trata-se de um fruticultor moderno que pratica a indução floral, o que lhe permite ter, a partir de Fevereiro de cada ano, uma produção de ananás que escoa para Bissau, numa altura em que o mercado está carente deste fruto, uma vez que só começa a ser vendido no início da época das chuvas, em Junho.
"As más estradas e a falta de meios de transporte adaptados são um factor que dificulta o aumento da área de produção, tendo em conta que ele cultiva igualmente abacates, citrinos, bananas, cola e outras culturas".
© AD - Acção para o Desenvolvimento (2005) (com a devida vénia)
Amigos e camaradas da Guiné:
1. Não é meu hábito desviar a vossa atenção daquilo que nos une à volta do nosso Blogue-fora-nada, usando e abusando do privilégio de ser o seu editor... E muito menos impôr-vos a minha visão dos problemas da Guiné, tanto de hoje como do passado... Temos, contudo, em comum a solicitude, a solidariedade, a simpatia, a (com)paixão e a amizade para com a Guiné e o seu povo...O que se passa hoje, na Guiné, seja bom ou mau, não nos deixa indiferentes... Já demos várias provas disso, no nosso blogue ou através da troca de e-mails.
2. Apraz-me, por isso, registar com agrado as notícias que o nosso amigo Pepito nos mandou. Acabo de ler, com atenção, o relatório de actividade de 2005 da ONG que ele fundou e dirige, há 14 anos. A AD - Acção para o Desenvolvimento tem hoje uma imagem de liderança, seriedade, competência, qualidade e eficácia, dentro e fora do país, que honra a sua direcção e os seus colaboradores, e que constitui um motivo de esperança para a população que serve.
3. O trabalho da AD (substituindo-se muitas vezes a um Estado que não existe, ou que se demite ou que pura e simplesmente não funciona) merece o nosso respeito e admiração. Tomei, por isso, a liberdade de divulgar, pela tertúlia, o relatório da actividade do no de 2005 (disponível em linha, em formato.pdf) para que os nossos amigos e camaradas conheçam melhor o trabalho feito por esta ONG guineense, em prol da democracia, da cidadania, da participação comunitária, da protecção da natureza, do desenvolvimento sustentado e integrado da Guiné bem como da preservação da sua identidade histórica e cultural, nos mais diversos sectores e domínios.
Aqui ficam os meus parabéns pelos resultados alcançados e sobretudo pela ambição do Pepito e dos seus amigos e parceiros de fazer sempre muito mais e melhor, dentro dos difíceis condicionalismos da actual situação política, social e económica daquele país lusófono...
Registo também a coragem (física e moral) e a coerência do autor do relatório, ao identificar e denunicar os vários demónios que ameaçam o futuro da Guiné-Bissau, alguns dos quais estão associados a poderosos lobbies ou grupos de interesses. O relatório cita pelo menos quatro ou cinco grandes demónios cujo crescimento se tornou notório em 2005:
(i) o eleitoralismo, o populismo, a demagogia, a intolerância e a violência por parte dos grupos políticos em luta pelo controlo do aparelho de Estado;
(ii) a perda do sentido de Nação, a amnésia histórica, o retorno ao tchon, o tribalismo, ("omnipresente em quase todas as situações, análises, explicações e decisões do dia a dia", p. 2);
(iii) a irrupção do tráfico de droga, o enriquecimento fácil, a corrupção da juventude, o branqueamento do dinheiro, a demissão ou conivência do poder judicial;
(iv) a biopirataria, que volta a estar na ordem do dia com a "venda de golfinhos" (p. 3);
(v) a caixa de Pandora que pode vir a tornar-se a "questão do petróleo", considerada durante anos como tabu político...
4. Os guineenses têm direito, como qualquer outro povo, a serem felizes, livres, saudáveis... A AD, o Pepito e todos os seus demais colaboradores estão no terreno a fazer coisas bonitas, não apenas para mas tmabém com (e através de) os homens e as mulheres da Guiné, que finalmente poderão vir a ser donos do seu destino...
Ao comemorar os seus 14 anos de existência, "a AD assume-se como uma organização que quer viver os desafios do seu tempo: a luta pela instauração da democracia; a procura de caminhos alternativos ao neoliberalismo para um desenvolvimento justo e solidário; e a participação no combate internacional à globalização enquanto expressão de desigualdades, exclusão e pobreza" (p. 4).
5. Não vou aqui analisar emn detalhe as múltiplas actividades realizadas pela AD em 2005... Naquilo que também nos toca, por razões históricas e sentimentais, destaco o Projecto Guiledje... É feito no relatório o ponto da situação:
(i) A iniciativa arrancou em 2005;
(ii) Estão a ser prosseguidos dois objectivos: por um lado, afirmar a responsabilidade moral que a AD tem "no resgate da história do local que constitui o berço da nacionalidade e das primeiras zonas libertadas na luta pela independência"; por outro, valorizar o ecoturismo como elemento dinamizador do desenvolvimento do Cantanhez (cuja mata era um das mais míticas no nosso tempo de combatentes);
(iii) A salvaguarda da memória histórica está a feita por várias vias: por um lado, criação de um rede (informal) de antigos militares portugueses que já disponibilizaram mais de um centena de fotografias antigas de Guiledje, Medjo e Gandembel, a par de testemunhos escritos, relatórios miliares, mapas e outros documentos; por outro, o registo em vídeo das narrativas de antigos milícias e de elementos antiga população local de Guiledje, bem como de antigos guerrilheiros do PAIGC; também se está a fazer o levantamento dos antigos acampamentos de guerrilha espalhados pelas matas do Cantanhez;
(iv) Toda esta informação ficará depois à disposição dos interessados no futuro Centro de Documentação Histórica, Cultural e Ambiental do Cantanhez...
6. Eu, pessoalmente, gostaria de, no futuro, poder canalizar mais apoios (materiais e imateriais) para esta ONG. Talvez o Pepito nos possa ajudar, falando-nos das suas necessidades e prioridades... Mas, para já, aqui vai o meu grande abraço, o nosso grande abraço de amigos e camaradas da Guiné, ao Pepito e à sua equipa, um abraço longo de 4 mil quilómetros, que é a distância física que nos separa... O importante, o mais importante, é o traço de união que nos mantém ligados à Guiné e ao seu povo, pela história, pela cultura, pela língua e até pela dura experiência da guerra...
7. Com a modéstia, a sensibilidade e a honestidade intelectual que lhe são próprias, o Pepito acaba de nos mandar duas palavras de agradecimento. Aqui ficam, para conhecimento de todos. Aproveito também para lhe agradecer a referência (elogiosa) que ele faz, no supracitado relatório, ao discreto e modesto trabalho do nosso blogue:
"Amigo Luís: Muito obrigado por teres difundido o nosso relatório da AD e também pelas palavras que nos tocaram muito.
"Vindas de quem vêm e de quem muito consideramos, têm um especial valor e dão-nos aquela coragem para continuar e para acreditar.
"É no silêncio de nós próprios que as relembramos quando nos assaltam dúvidas e decidimos continuar a lutar.
"Obrigado. Abraços amigos. pepito"
Guiné 63/74 - P711: Ainda o caso do Seni Candé (Pelotão de Milícias nº 143) (Hugo Moura Ferreira)
Texto do Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1621 e CCAÇ 6 (1966/68)
Caros amigos:
Depois de algumas tentativas, baseando-me apenas na data de nascimento do Seni Candé, não esperando pela informação do nome dos pais, voltei ao Arquivo Geral do Exército onde localizei o seu processo individual (1).
Conclui, conjuntamente com a pessoa que me facultou as indicações, que ambos os números indicados nas nossas mensagens estavam correctos.
Também concluímos que ele nunca foi das companhias territoriais (CCAÇ 6), mas sim do Pelotão de Milícia nº 143, comandado pelo Alferes de 2ª linha, Tala Biú Djaló, meu grande amigo, morto em combate em Conakry, durante a Op Mar Verde, como furriel da 1ª Companhia de Comandos Africanos.
Conversando, oficiosamente, naquele serviço do Exército, foi-me dito, no que se refere à Pensão perdida pelo Seni, que havia a possibilidade de ele poder requerer a sua reactivação.
Mas aqui começam as dificuldades maiores. Para tal, teria que estar em Portugal, para poder solicitar pessoalmente a comparência a uma nova Junta Médica e, ao mesmo tempo, caso se ausentasse, teria que ter uma morada no território nacional para poder ser contactado, consoante a evolução do processo.
Neste último ponto, naturalmente que eu não poria qualquer entrave em que a minha morada pessoal fosse utilizada para tal fim, mas antes haveria que se proceder em conformidade e a presença dele seria imprescindível.
Claro que este é o caso vertente do Seni Candé, mas como ele deve haver muitos mais que gostariam que os seus processos fossem reabertos... E que nós bem gostaríamos de ajudar também.
Naturalmente, penso que uma tarefa destas se me afigura de possibilidades muito remotas, no entanto, quem sabe se poderemos vir a ajudar algum deles, ou mesmo o Seni Candé.
Essa possibilidade ficará, se me permitem o alvitre, sem querer chutar a bola no inicio do jogo à consideração e disponibilidade do Jorge Neto que, numa primeira análise, teria que conversar com o interessado a propósito da questão.
Uma abraço a todos.
Moura Ferreira
_____
Nota de L.G.,
(1) Vd. posts anteriores:
5 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCVII: A pensão do Seni Candé
10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DX: O abandono do Seni Candé (Zé Neto)
8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVI: As (des)venturas de Seni Candé (Jorge Neto)
Caros amigos:
Depois de algumas tentativas, baseando-me apenas na data de nascimento do Seni Candé, não esperando pela informação do nome dos pais, voltei ao Arquivo Geral do Exército onde localizei o seu processo individual (1).
Conclui, conjuntamente com a pessoa que me facultou as indicações, que ambos os números indicados nas nossas mensagens estavam correctos.
Também concluímos que ele nunca foi das companhias territoriais (CCAÇ 6), mas sim do Pelotão de Milícia nº 143, comandado pelo Alferes de 2ª linha, Tala Biú Djaló, meu grande amigo, morto em combate em Conakry, durante a Op Mar Verde, como furriel da 1ª Companhia de Comandos Africanos.
Conversando, oficiosamente, naquele serviço do Exército, foi-me dito, no que se refere à Pensão perdida pelo Seni, que havia a possibilidade de ele poder requerer a sua reactivação.
Mas aqui começam as dificuldades maiores. Para tal, teria que estar em Portugal, para poder solicitar pessoalmente a comparência a uma nova Junta Médica e, ao mesmo tempo, caso se ausentasse, teria que ter uma morada no território nacional para poder ser contactado, consoante a evolução do processo.
Neste último ponto, naturalmente que eu não poria qualquer entrave em que a minha morada pessoal fosse utilizada para tal fim, mas antes haveria que se proceder em conformidade e a presença dele seria imprescindível.
Claro que este é o caso vertente do Seni Candé, mas como ele deve haver muitos mais que gostariam que os seus processos fossem reabertos... E que nós bem gostaríamos de ajudar também.
Naturalmente, penso que uma tarefa destas se me afigura de possibilidades muito remotas, no entanto, quem sabe se poderemos vir a ajudar algum deles, ou mesmo o Seni Candé.
Essa possibilidade ficará, se me permitem o alvitre, sem querer chutar a bola no inicio do jogo à consideração e disponibilidade do Jorge Neto que, numa primeira análise, teria que conversar com o interessado a propósito da questão.
Uma abraço a todos.
Moura Ferreira
_____
Nota de L.G.,
(1) Vd. posts anteriores:
5 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCVII: A pensão do Seni Candé
10 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXVI: O Seni Candé da minha CCAÇ 6 (Moura Ferreira)
9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DX: O abandono do Seni Candé (Zé Neto)
8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVI: As (des)venturas de Seni Candé (Jorge Neto)
Guiné 63/74 - P710: O cheiro fétido dos navios que transportavam carne para canhão (Luís Graça)
Navio de carga Alenquer > Foi construído em Inglaterra em 1948. O seu comprimento era de cerca de 137 metros. A sua arqueação bruta não chegava às 5,3 mil toneladas. Armador: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa. Velocidade de cruzeiro: 13 nós. Nº de tripulantes: 37. Foi nesta embarcação que o José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) foi parar à Guiné...
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000)
N/M Ana Mafalda > Foi neste luxuoso paquete da nossa marinha mercante colonial que companhias como a CART 1690 (Geba, 1967/69), do A. Marques Lopes, ou a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Carlos Marques dos Santos, partiram de Lisboa com destino à Guiné ...
O Ana Mafalda era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1951 e abatido em 1975. O seu comprimento era de 103 metros. A sua arqueação bruta pouco ultrapassava as 3,3 mil toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 16 passageiros em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira classe, no total de 52 passageiros. Nº de tripulantes: 47.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000) (com a devida vénia)
1. A propósito do transporte de tropas para a Guiné (durante muito tempo, exclusivamente de barco), lancei para a tertúlia a seguinte questão, que não é inocente mas também não é provocatória:
- Vocês ainda se lembram do cheiro nauseabundo, fétido, do cheiro a merda e a vomitado, que vinha dos porões dos Niassas, dos Uíges e dos outros navios negreiros que transportavam a carne para canhão?... Oficiais e sargentos iam em 1ª classe e em classe turística, já não se devem lembrar muito bem desses malditos, inconfundíveis e indescritíveis cheiros… Mas o pobre soldado, meu Deus!, esse seguramente que ainda hoje se lembra desse cheiro nauseabundo, tão característico dos navios da nossa marinha mercante que foram fretados pela tropa.... Enfim, estamos a falar das duras condições em que chegavamos à Guiné, o tal sítio que ficava longe do Vietname...
Alguns camaradas apressaram-se a responder-me, dando o seu testemunho, fazendo um comentário ou contando uma pequena estória... Estou-lhes grato.
2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:
Amigo Luís:
Boa estada em Itália. Isso importa. Depois continuarás esta amálgama de guerra em que estamos... Ainda bem, pois vale a pena... Acho que parar não, muitas histórias há a contar e muitos barcos a explorar. Isso, aqueles que nos levaram e trouxeram à guerra, embora eu fosse já um dos primeiros que gozei o privilégio de voltar em Avião 707 dos TAM [Transportes Aéreos Militares]... Que luxo!
3. Mensagem do Carlos Marques Santos:
(...) Só de propores que se fale dos cheiros dos nossos paquetes, já estou com náuseas. Cinco dias intermináveis!
Nem de sargento de dia se podia fazer o porão, onde desgraçadamente iam amontoados os soldados.
Só vivido. Contado ninguém acredita.
Eu e os meus fomos no Ana Mafalda. Esse era um autêntico negreiro.
4. Texto do José Martins:
Caro Luís: Antes de mais faz uma boa viagem e goza esses dias de calmaria (?) em Itália. Cuidado com os mafiosos!
Estórias da minha ida de barco, o Alenquer, é bastante soft. Levava apenas 12 passageiros. Creio que tenho algo escrito sobre a viagem. Em caso afirmativo irei enviar. Será uma estória fora do contexto normal.
Quanto à História (com H, grande) é fantástica. É digna de antologia, já que escritos como este não abundam. É pena porque estas histórias deviam/devem ser dadas à estampa.
Um abraço do José Martins
(ex-furriel miliciano de transmissões, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)
5. O Marques Lopes tem uma descrição realista mas bem-humorada da sua viagem no Ana Mafalda: vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)
Aqui vão alguns excertos, para recordar:
(...) "Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos camarotes de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.
"O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.
"Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejos começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).
6. Eu próprio já aqui evoquei a minha viagem no Niassa, em finais de Maio de 1969: vd post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(...) "Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).
(...) "Eis-nos nos tristes trópicos. Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos (...).
"Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.
"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).
7. Testemunho do Carlos Vinhal:
Caros camaradas.
Eu também foi um digno passageiro do Ana Mafalda.
Não há dúvida que o Ana Mafalda se fartou de levar gente para a Guiné. Parece que a grande maioria dos tertulianos viajaram nele.
Quando a minha Companhia embarcou no Ana Mafalda no Cais do Porto do Funchal, já ele vinha com lotação esgotada. Juro que é verdade. Trazia de Lisboa uma Companhia açoriana (CCAÇ 2726) e ainda lá conseguiram meter mais uma madeirense.
O navio já trazia uma vedação em madeira que dividia o barco a meio, para impedir que açorianos e madeirenses se juntassem e trocassem mimos entre eles. Ainda houve umas escaramuças através das grades, mas nada digno de registo ou que fosse contra o RDM. Só um pouco de álcool à mistura.
Confesso humildemente que nunca desci aos porões, porque não tive coragem. Espreitei uma vez cá de cima lá para baixo e chegou. Por sorte não me tocou nenhum Sargento de Dia a bordo.
Apesar de tudo a viagem foi tão pequena que o sofrimento não deve ter sido muito e apenas se dormiram 4 noites a bordo. Durante o dia o pessoal andava cá por cima.
Alguém falou de imundicie, e de fome ninguém fala? Eu já fui dos sortudos que vieram de avião, mas tenho amigos que regressaram também de navio e queixam-se de que a alimentação no regresso era inferior e de pior qualidade, comparada com a de ida. Subentende-se que para lá nos queriam gordinhos, para cá cada um que se desenrascasse - passe o termo pouco ortodoxo.
Cordiais saudações.
Carlos Vinhal
____________
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000)
N/M Ana Mafalda > Foi neste luxuoso paquete da nossa marinha mercante colonial que companhias como a CART 1690 (Geba, 1967/69), do A. Marques Lopes, ou a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Carlos Marques dos Santos, partiram de Lisboa com destino à Guiné ...
O Ana Mafalda era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1951 e abatido em 1975. O seu comprimento era de 103 metros. A sua arqueação bruta pouco ultrapassava as 3,3 mil toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 16 passageiros em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira classe, no total de 52 passageiros. Nº de tripulantes: 47.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000) (com a devida vénia)
1. A propósito do transporte de tropas para a Guiné (durante muito tempo, exclusivamente de barco), lancei para a tertúlia a seguinte questão, que não é inocente mas também não é provocatória:
- Vocês ainda se lembram do cheiro nauseabundo, fétido, do cheiro a merda e a vomitado, que vinha dos porões dos Niassas, dos Uíges e dos outros navios negreiros que transportavam a carne para canhão?... Oficiais e sargentos iam em 1ª classe e em classe turística, já não se devem lembrar muito bem desses malditos, inconfundíveis e indescritíveis cheiros… Mas o pobre soldado, meu Deus!, esse seguramente que ainda hoje se lembra desse cheiro nauseabundo, tão característico dos navios da nossa marinha mercante que foram fretados pela tropa.... Enfim, estamos a falar das duras condições em que chegavamos à Guiné, o tal sítio que ficava longe do Vietname...
Alguns camaradas apressaram-se a responder-me, dando o seu testemunho, fazendo um comentário ou contando uma pequena estória... Estou-lhes grato.
2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:
Amigo Luís:
Boa estada em Itália. Isso importa. Depois continuarás esta amálgama de guerra em que estamos... Ainda bem, pois vale a pena... Acho que parar não, muitas histórias há a contar e muitos barcos a explorar. Isso, aqueles que nos levaram e trouxeram à guerra, embora eu fosse já um dos primeiros que gozei o privilégio de voltar em Avião 707 dos TAM [Transportes Aéreos Militares]... Que luxo!
3. Mensagem do Carlos Marques Santos:
(...) Só de propores que se fale dos cheiros dos nossos paquetes, já estou com náuseas. Cinco dias intermináveis!
Nem de sargento de dia se podia fazer o porão, onde desgraçadamente iam amontoados os soldados.
Só vivido. Contado ninguém acredita.
Eu e os meus fomos no Ana Mafalda. Esse era um autêntico negreiro.
4. Texto do José Martins:
Caro Luís: Antes de mais faz uma boa viagem e goza esses dias de calmaria (?) em Itália. Cuidado com os mafiosos!
Estórias da minha ida de barco, o Alenquer, é bastante soft. Levava apenas 12 passageiros. Creio que tenho algo escrito sobre a viagem. Em caso afirmativo irei enviar. Será uma estória fora do contexto normal.
Quanto à História (com H, grande) é fantástica. É digna de antologia, já que escritos como este não abundam. É pena porque estas histórias deviam/devem ser dadas à estampa.
Um abraço do José Martins
(ex-furriel miliciano de transmissões, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)
5. O Marques Lopes tem uma descrição realista mas bem-humorada da sua viagem no Ana Mafalda: vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)
Aqui vão alguns excertos, para recordar:
(...) "Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos camarotes de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.
"O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.
"Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejos começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).
6. Eu próprio já aqui evoquei a minha viagem no Niassa, em finais de Maio de 1969: vd post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(...) "Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).
(...) "Eis-nos nos tristes trópicos. Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos (...).
"Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.
"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).
7. Testemunho do Carlos Vinhal:
Caros camaradas.
Eu também foi um digno passageiro do Ana Mafalda.
Não há dúvida que o Ana Mafalda se fartou de levar gente para a Guiné. Parece que a grande maioria dos tertulianos viajaram nele.
Quando a minha Companhia embarcou no Ana Mafalda no Cais do Porto do Funchal, já ele vinha com lotação esgotada. Juro que é verdade. Trazia de Lisboa uma Companhia açoriana (CCAÇ 2726) e ainda lá conseguiram meter mais uma madeirense.
O navio já trazia uma vedação em madeira que dividia o barco a meio, para impedir que açorianos e madeirenses se juntassem e trocassem mimos entre eles. Ainda houve umas escaramuças através das grades, mas nada digno de registo ou que fosse contra o RDM. Só um pouco de álcool à mistura.
Confesso humildemente que nunca desci aos porões, porque não tive coragem. Espreitei uma vez cá de cima lá para baixo e chegou. Por sorte não me tocou nenhum Sargento de Dia a bordo.
Apesar de tudo a viagem foi tão pequena que o sofrimento não deve ter sido muito e apenas se dormiram 4 noites a bordo. Durante o dia o pessoal andava cá por cima.
Alguém falou de imundicie, e de fome ninguém fala? Eu já fui dos sortudos que vieram de avião, mas tenho amigos que regressaram também de navio e queixam-se de que a alimentação no regresso era inferior e de pior qualidade, comparada com a de ida. Subentende-se que para lá nos queriam gordinhos, para cá cada um que se desenrascasse - passe o termo pouco ortodoxo.
Cordiais saudações.
Carlos Vinhal
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Guiné 63/74 - P709: Estórias do Zé Teixeira (8): Síndrome de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)
Guiné-Bissau > Desenho inserido na publicação Conhecer para amar, amar para proteger: Rio Grande de Buba e Lagoa de Cufada. Bissau: Tiniguena. 1995.Imagem gentilmente cedida por José Teixeira (2006).
Aqui vão mais estórias do Zé Teixeira... Chamemos-lhe narrativas autobiográficas. Escrevê-las faz-lhe bem a ele; lê-las faz-nos bem a nós...
Obrigado, Zé! Foste um herói, és um herói!
(LG)
Síndrome de guerra
Passados uns meses do regresso, em plena Baixa do Porto, assisti a um embate de duas viaturas. O estrondo assustou-me e desatei a correr, parecia um carteirista logo após ter feito a maroteira de sacar a carteira a algum incauto.
Parei no Carmo a cerca de 800 metros, ofegante e desorientado, o meu corpo tremia todo. Sentei-me numa cadeira no Café piolho e pus-me a reflectir sobre o acontecido. Revi a cena e procurei compreender-me. As conclusões foram simples e rápidas: Vieram-me à memória as cenas de sangue que vivi na Guiné, o sangue ainda quente que senti nas minhas mãos, os feridos e mortos que entraram na minha vida como enfermeiro à força. Tive medo de que houvesse feridos e tudo voltasse a acontecer.
Ainda não sou capaz de parar junto de um acidente em estrada. Não dá para entender.
Passados uns anos sentia-me muito irritável. Tudo me angustiava. Reagia sobretudo com a família de forma menos correcta o que não era consentâneo com a minha maneira de pensar, ser e estar na vida.
Procurei um neurologista amigo. Falei largos minutos, mais de uma hora, talvez. A receita deixou-me de boca aberta:
- São efeitos secundários da guerra que viveste, e que estão a vir ao de cima. Os medicamentos não curam isso. Só o tempo te vai ajudar.
E o tempo tem vinmdo, de facto, a ajudar. Aconselhou-me a deixar o tabaco, o que não era problema, pois desde que fui para a tropa que tinha saído dos meus hábitos. Deixar de tomar café, o que foi mais difícil. Aguentei oito dias e para comemorar, voltei . Só que felizmente foi ao fim da tarde e com estava em desintoxicação, passei a noite sem dormir e depois… aguentei mais de dez anos. Hoje tomo um por dia, da parte de manhã.
Aconselhou-me ainda a não abusar do álcool, o que também não era problema, pelo que ainda aqui estou.
Em 1999 tive de fazer um exame ao aparelho auditivo, devido a uns ruídos estranhos que sentia e por cá ficaram. Trata-se de artero-esclerose dos vasos capilares auditivos, que origina um ruído do sangue ao forçar a sua passagem nos vasos. Nada de grave, só que levarei esses ruídos para a cova um dia. Incomoda, mas não dói, nem afecta a saúde.
O estranho é a descoberta que o médico fez. Tenho uma quebra de audição nos sons agudos de cerca de 20%. Pergunta-me o médico:
- Andou na guerra ?
- Sim estive na Guiné entre 1968 a 1970.
- Mas andou mesmo nas zonas de combate ?
- Sim, sofri muitos ataques, acompanhei ataques, sofri emboscadas . . .
- Então está explicado a sua quebra de audição nos agudos. Chama-se síndrome de guerra e está dentro dos limites previstos, não se preocupe porque não vai evoluir, disse o médico.
Chega de estórias estranhas à guerra, mas que são reflexos da guerra que vivi.
Venham mais cinco, para contar mais estórias destas que as há por aí.
José Teixeira
Ex-1.º Cabo Aux Enf
CCAÇ 2381
Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70
Aqui vão mais estórias do Zé Teixeira... Chamemos-lhe narrativas autobiográficas. Escrevê-las faz-lhe bem a ele; lê-las faz-nos bem a nós...
Obrigado, Zé! Foste um herói, és um herói!
(LG)
Síndrome de guerra
Passados uns meses do regresso, em plena Baixa do Porto, assisti a um embate de duas viaturas. O estrondo assustou-me e desatei a correr, parecia um carteirista logo após ter feito a maroteira de sacar a carteira a algum incauto.
Parei no Carmo a cerca de 800 metros, ofegante e desorientado, o meu corpo tremia todo. Sentei-me numa cadeira no Café piolho e pus-me a reflectir sobre o acontecido. Revi a cena e procurei compreender-me. As conclusões foram simples e rápidas: Vieram-me à memória as cenas de sangue que vivi na Guiné, o sangue ainda quente que senti nas minhas mãos, os feridos e mortos que entraram na minha vida como enfermeiro à força. Tive medo de que houvesse feridos e tudo voltasse a acontecer.
Ainda não sou capaz de parar junto de um acidente em estrada. Não dá para entender.
Passados uns anos sentia-me muito irritável. Tudo me angustiava. Reagia sobretudo com a família de forma menos correcta o que não era consentâneo com a minha maneira de pensar, ser e estar na vida.
Procurei um neurologista amigo. Falei largos minutos, mais de uma hora, talvez. A receita deixou-me de boca aberta:
- São efeitos secundários da guerra que viveste, e que estão a vir ao de cima. Os medicamentos não curam isso. Só o tempo te vai ajudar.
E o tempo tem vinmdo, de facto, a ajudar. Aconselhou-me a deixar o tabaco, o que não era problema, pois desde que fui para a tropa que tinha saído dos meus hábitos. Deixar de tomar café, o que foi mais difícil. Aguentei oito dias e para comemorar, voltei . Só que felizmente foi ao fim da tarde e com estava em desintoxicação, passei a noite sem dormir e depois… aguentei mais de dez anos. Hoje tomo um por dia, da parte de manhã.
Aconselhou-me ainda a não abusar do álcool, o que também não era problema, pelo que ainda aqui estou.
Em 1999 tive de fazer um exame ao aparelho auditivo, devido a uns ruídos estranhos que sentia e por cá ficaram. Trata-se de artero-esclerose dos vasos capilares auditivos, que origina um ruído do sangue ao forçar a sua passagem nos vasos. Nada de grave, só que levarei esses ruídos para a cova um dia. Incomoda, mas não dói, nem afecta a saúde.
O estranho é a descoberta que o médico fez. Tenho uma quebra de audição nos sons agudos de cerca de 20%. Pergunta-me o médico:
- Andou na guerra ?
- Sim estive na Guiné entre 1968 a 1970.
- Mas andou mesmo nas zonas de combate ?
- Sim, sofri muitos ataques, acompanhei ataques, sofri emboscadas . . .
- Então está explicado a sua quebra de audição nos agudos. Chama-se síndrome de guerra e está dentro dos limites previstos, não se preocupe porque não vai evoluir, disse o médico.
Chega de estórias estranhas à guerra, mas que são reflexos da guerra que vivi.
Venham mais cinco, para contar mais estórias destas que as há por aí.
José Teixeira
Ex-1.º Cabo Aux Enf
CCAÇ 2381
Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70
Guiné 63/74 - P708: Estórias do Zé Teixeira (7): Um atribulado regresso (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)
José Teixeira, ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70.
Atribulado regresso
Quando soubemos a data definitiva da partida de Bissau foi um alegre alvoroço (1). Cada um pensava como ia conseguir descortinar a família no cais de desembarque, em Lisboa, tal seria a multidão. Os Enfermeiros decidiram fazer um cartaz com uma cruz vermelha e a palavra Empada para se dar a reconhecer às respectivas famílias.
Escreveu-se para as famílias a dar a informação e a pedir para estas corresponderam da mesmo modo. Chegados ao cais, após uma noite não dormida no alto Tejo, com Lisboa à vista, há que desfraldar o cartaz e as famílias foram dando sinais, só a minha é que não aparecia. Fiquei sozinho com o cartaz, já enrolado e continuei a percorrer o barco de ponta a ponta com os olhos postos na enorme plateia de gente que acenava, chamava, gritava pelos nomes dos seus queridos, só eu, nada.
Lá vislumbrei a minha cunhada e o meu irmão. Saltei de alegria, comecei a dar pancadas na borda do barco com o pau da bandeira e nesse instante entrei num estado de amnésia. Desliguei-me desta cena e continuei a procura, por estranho que pareça, da minha família, que tinha acabado de localizar. Fui dos últimos a descer do barco, deixei os trastes, junto de um colega que estava já com os seus familiares e fui à procura de quem já tinha localizado, mas não me recordava.
Minha mãe e meus irmãos fixaram-se no sítio onde estavam e olhavam para mim lá em cima, estranhavam que não descesse e mais estranharam quando desembarquei, passei por duas vezes a cerca de dois metros deles, não os ouvia chamar por mim e continuava à sua procura.
Matosinhos > O Zé Teixeira, hoje, ex-gerente bancário, reformado, contador de estórias da Guiné, apaixonado pela Guiné e pelo seu povo... Voltou lá em 2005...
Encontrei a minha namorada, hoje minha esposa, e lá continuamos à procura, até que sinto uma mão a agarrar-me. Era o meu irmão que tinha saltado a barreira de controlo. Claro que este momento de reencontro foi de extrema felicidade, mas notei por parte da minha mãe, alguma frieza que se alastrou a toda a família e que durou por cerca de 8 dias.
Argumentavam que eu os tinha localizado do barco. Eu negava. Insistiam que passei junto a eles já no Cais por duas vezes e chamavam por mim, que eu olhava e continuava em frente. Eu negava. Pois é, preocupava-me mais em procurar a namorada que a minha querida mãe.
O mal estar em surdina era profundo. Evitavam falar comigo. Pensei em sair de casa, apesar de estar sem cheta e desempregado. Um dia, minha irmã, que não tinha ido esperar-me, chegou da escola nocturna e sentou-se a beira da minha cama. Era a única que procurava entender-me. O assunto foi o que nos desunia. Começou por comigo refazer a história que eu negava. Dizia ela:
- Tu andavas no barco de um lado para o outro, fazias muitos gestos para as pessoas que estavam no Cais e, em determinado momento, localizaste a nossa família. Dizem que entraste em euforia, aos saltos e bateste com um pau na borda do barco.
Pegou na régua que trazia com ela e repetiu o gesto na borda da cama:
- Truz ! Truz ! Truz!
Três pancadas que senti na minha cabeça e fez-se luz, na minha memória. Revi num ápice todas as cenas que se passaram e era tudo verdadeiro o que minha mãe afirmava.
Saltei da cama e fui ter com ela que já dormia a sono solto.
Deixo aos prezados leitores a construção do imaginário que se seguiu.
© José Teixeira (2006)
Vd. também o Blogue > Os Maiorais de Empada
___________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 14d e Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Atribulado regresso
Quando soubemos a data definitiva da partida de Bissau foi um alegre alvoroço (1). Cada um pensava como ia conseguir descortinar a família no cais de desembarque, em Lisboa, tal seria a multidão. Os Enfermeiros decidiram fazer um cartaz com uma cruz vermelha e a palavra Empada para se dar a reconhecer às respectivas famílias.
Escreveu-se para as famílias a dar a informação e a pedir para estas corresponderam da mesmo modo. Chegados ao cais, após uma noite não dormida no alto Tejo, com Lisboa à vista, há que desfraldar o cartaz e as famílias foram dando sinais, só a minha é que não aparecia. Fiquei sozinho com o cartaz, já enrolado e continuei a percorrer o barco de ponta a ponta com os olhos postos na enorme plateia de gente que acenava, chamava, gritava pelos nomes dos seus queridos, só eu, nada.
Lá vislumbrei a minha cunhada e o meu irmão. Saltei de alegria, comecei a dar pancadas na borda do barco com o pau da bandeira e nesse instante entrei num estado de amnésia. Desliguei-me desta cena e continuei a procura, por estranho que pareça, da minha família, que tinha acabado de localizar. Fui dos últimos a descer do barco, deixei os trastes, junto de um colega que estava já com os seus familiares e fui à procura de quem já tinha localizado, mas não me recordava.
Minha mãe e meus irmãos fixaram-se no sítio onde estavam e olhavam para mim lá em cima, estranhavam que não descesse e mais estranharam quando desembarquei, passei por duas vezes a cerca de dois metros deles, não os ouvia chamar por mim e continuava à sua procura.
Matosinhos > O Zé Teixeira, hoje, ex-gerente bancário, reformado, contador de estórias da Guiné, apaixonado pela Guiné e pelo seu povo... Voltou lá em 2005...
Encontrei a minha namorada, hoje minha esposa, e lá continuamos à procura, até que sinto uma mão a agarrar-me. Era o meu irmão que tinha saltado a barreira de controlo. Claro que este momento de reencontro foi de extrema felicidade, mas notei por parte da minha mãe, alguma frieza que se alastrou a toda a família e que durou por cerca de 8 dias.
Argumentavam que eu os tinha localizado do barco. Eu negava. Insistiam que passei junto a eles já no Cais por duas vezes e chamavam por mim, que eu olhava e continuava em frente. Eu negava. Pois é, preocupava-me mais em procurar a namorada que a minha querida mãe.
O mal estar em surdina era profundo. Evitavam falar comigo. Pensei em sair de casa, apesar de estar sem cheta e desempregado. Um dia, minha irmã, que não tinha ido esperar-me, chegou da escola nocturna e sentou-se a beira da minha cama. Era a única que procurava entender-me. O assunto foi o que nos desunia. Começou por comigo refazer a história que eu negava. Dizia ela:
- Tu andavas no barco de um lado para o outro, fazias muitos gestos para as pessoas que estavam no Cais e, em determinado momento, localizaste a nossa família. Dizem que entraste em euforia, aos saltos e bateste com um pau na borda do barco.
Pegou na régua que trazia com ela e repetiu o gesto na borda da cama:
- Truz ! Truz ! Truz!
Três pancadas que senti na minha cabeça e fez-se luz, na minha memória. Revi num ápice todas as cenas que se passaram e era tudo verdadeiro o que minha mãe afirmava.
Saltei da cama e fui ter com ela que já dormia a sono solto.
Deixo aos prezados leitores a construção do imaginário que se seguiu.
© José Teixeira (2006)
Vd. também o Blogue > Os Maiorais de Empada
___________
Nota de L.G.
(1) Vd post de 14d e Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Guiné 63/74 - P707: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Jovem fula ou mandinga vestido o seu grandbubu, e protegemdo-se da canícula por intermédio do seu inseparável chapéu automático (dois luxos que chegavam à tabancas do interior, graças ao comércio dos djilas do tchon francês e ao patacon ganho na tropa) (LG).
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
N/M Alfredo da Silva: foto obtida (com a devida vénia) do excelente sítio Navios Mercantes Portugueses, de visita obrigatória para quem quiser relembrar ou conhecer o nosso passado de potência marítima...
O Alfredo da Silva era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1949 e abatido em 1973. Ostenta de resto o nome do fundador daquele grupo económico cujos interesses, na Guiné, eram representados pela sua subsidiária, a famosa Casa Gouveia. O seu comprimento não chegava aos 103 metros. A sua arqueação bruta era de 3374 toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 20 passageiros em primeira classe e 68 em classe turística, num total de 88 passageiros. N.º de tripulantes: 45. Foi este navio da marinha mercante que levou até à Guiné o nosso amigo e camarada Jorge Cabral, em 1969.
Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71):
Má chegada, pior partida – mas sempre sob a ameaça de uma porrada
Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império…
Cheguei à noite, sentindo logo a África, no calor, na cor, na humidade. A bordo subiram militares, e o putativo marido da senhora, cuja profissão nunca descobri. Um sargento gago carimbou-me a guia de marcha e assinalou:
- Pel. Caç. Nat. 63. - Bem lhe perguntei o significado da sigla e para onde ia, mas não sabia ou não quis dizer.
Desembarcado, apanhei uma boleia num camião militar carregado de batatas, que me deixou no Biafra, depósito de alferes em trânsito por Bissau.
Talvez para impressionarem o periquito, todos se mostraram totalmente apanhados. Quanto ao meu destino foram animadores…
- É pá, vais para um pelotão de nharros. É só embrulhar. Estás lixado.
Apresentado no Quartel-General, ordenaram-me a partida para o Xime. Tinha que tomar um Barco no dia seguinte, às tantas horas. Regressado ao Biafra, aconselharam-me a não ir:
- Recusa-te. Os Barcos são sempre atacados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fá Mandinga > 1970 > Um dia o Jorge Cabral sonhou que podia ser fula entre os fulas, mandinga entre os mandingas, guinéu entre os guinéus, homem entre os homens e até louco entre os loucos... Afinal, todos nós temos direito a um pouco de loucura e de humanidade, o que implica pôr-nos na pele do outro (LG).
© Jorge Cabral (2005)
Confiante na experiência dos velhinhos, falhei o embarque tendo voltado ao Q.G. Aí um Capitão barrigudo, passou-me a um Major nervoso, que me remeteu para um Tenente-Coronel que, quase apopléctico, me descompôs:
- Começa mal! Está a pedir uma porrada. As ordens são para cumprir. Desapareça da minha vista!
Desapareci, e o certo é que fui de avião para Bafatá.
Muitos dias, muitos meses, mais de dois anos passaram e eu continuei no mato. (As cunhas funcionavam na perfeição. Chegados a Bissau, em rendição individual, podiam ser encaixados, sem grande escândalo, em qualquer Repartição.) Tinha porém de ser rendido, e a solução foi encontrada a nível de Batalhão, substituindo-me por um alferes da Companhia de Mansambo.
Entretanto o meu Pelotão foi para a ponte do rio Undunduma e a Missirá voltou o Pel Caç Nat 52, tendo eu permanecido mais três semanas, e entrado ainda numa operação, na qual morreram dois soldados africanos que, indo a fumar o mesmo cigarro, accionaram uma mina anti-pessoal reforçada.
Finalmente, e após uns dias em Bambadinca, embarquei no Xime com destino a Bissau. Recusara à chegada, mas afinal regressava de barco… e ao Biafra. Agora eu era o velhinho e o apanhado.
No dia da partida, eu que cismara aparecer em Lisboa vestido com o grandbubu azul, bordado a ouro, que comprara a um djila senegalês em Missirá, resolvera mandar encurtar a vestimenta a um costureiro de rua. Enquanto esperava, passou por mim um furriel conhecido, que me alertou, o voo havia sido antecipado. À pressa, pego no fato, meto-me num táxi e vou para Bissalanca (toda a minha bagagem, fotografias, o meu diário, os versos que escrevi, ficaram no Biafra).
Chegado ao aeroporto enverguei o meu traje, causando o espanto e o riso dos passageiros, militares. Eis que sou cercado por um Coronel e dois Majores, os quais em coro me determinam:
– Não pode ir assim, é uma vergonha, lembre-se que é um oficial, blá, blá, blá…
Tento contestar:
- Se um fula pode embarcar com um fato europeu, porque não posso eu ir vestido à fula?
Nada feito, se persistir não vou e levarei uma porrada. Obrigado a obedecer, lá entro no avião, no qual segue também o Coronel, o que impediu de me fardar a bordo.
Teimoso porém, mal chego a Lisboa, envergo o grandbubu, e é com ele vestido que abraço a família. Franze o sobrolho o meu pai que me diz que o Carnaval ainda não chegou, que tenha juízo e não o faça passar vergonhas… Quanto à minha mãe, chora, talvez de alegria, mas muito mais de tristeza. Coitado do filho…enlouqueceu.
Num destes dias vou de novo vestir o meu grandbubu. Pode ser que tenha conquistado o direito a um pouco de loucura. Talvez…
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
N/M Alfredo da Silva: foto obtida (com a devida vénia) do excelente sítio Navios Mercantes Portugueses, de visita obrigatória para quem quiser relembrar ou conhecer o nosso passado de potência marítima...
O Alfredo da Silva era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1949 e abatido em 1973. Ostenta de resto o nome do fundador daquele grupo económico cujos interesses, na Guiné, eram representados pela sua subsidiária, a famosa Casa Gouveia. O seu comprimento não chegava aos 103 metros. A sua arqueação bruta era de 3374 toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 20 passageiros em primeira classe e 68 em classe turística, num total de 88 passageiros. N.º de tripulantes: 45. Foi este navio da marinha mercante que levou até à Guiné o nosso amigo e camarada Jorge Cabral, em 1969.
Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71):
Má chegada, pior partida – mas sempre sob a ameaça de uma porrada
Com destino à Guerra, viajei no Alfredo da Silva, quase um cacilheiro, durante doze dias. Em primeira classe, sete oficiais e uma dona puta em pré-reforma habitavam um ambiente de opereta, jantando de gravata, com a estafada dama na mesa do comando. Depois havia a valsa… Cheirava a mofo, a decadência, ao fim do Império…
Cheguei à noite, sentindo logo a África, no calor, na cor, na humidade. A bordo subiram militares, e o putativo marido da senhora, cuja profissão nunca descobri. Um sargento gago carimbou-me a guia de marcha e assinalou:
- Pel. Caç. Nat. 63. - Bem lhe perguntei o significado da sigla e para onde ia, mas não sabia ou não quis dizer.
Desembarcado, apanhei uma boleia num camião militar carregado de batatas, que me deixou no Biafra, depósito de alferes em trânsito por Bissau.
Talvez para impressionarem o periquito, todos se mostraram totalmente apanhados. Quanto ao meu destino foram animadores…
- É pá, vais para um pelotão de nharros. É só embrulhar. Estás lixado.
Apresentado no Quartel-General, ordenaram-me a partida para o Xime. Tinha que tomar um Barco no dia seguinte, às tantas horas. Regressado ao Biafra, aconselharam-me a não ir:
- Recusa-te. Os Barcos são sempre atacados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Fá Mandinga > 1970 > Um dia o Jorge Cabral sonhou que podia ser fula entre os fulas, mandinga entre os mandingas, guinéu entre os guinéus, homem entre os homens e até louco entre os loucos... Afinal, todos nós temos direito a um pouco de loucura e de humanidade, o que implica pôr-nos na pele do outro (LG).
© Jorge Cabral (2005)
Confiante na experiência dos velhinhos, falhei o embarque tendo voltado ao Q.G. Aí um Capitão barrigudo, passou-me a um Major nervoso, que me remeteu para um Tenente-Coronel que, quase apopléctico, me descompôs:
- Começa mal! Está a pedir uma porrada. As ordens são para cumprir. Desapareça da minha vista!
Desapareci, e o certo é que fui de avião para Bafatá.
Muitos dias, muitos meses, mais de dois anos passaram e eu continuei no mato. (As cunhas funcionavam na perfeição. Chegados a Bissau, em rendição individual, podiam ser encaixados, sem grande escândalo, em qualquer Repartição.) Tinha porém de ser rendido, e a solução foi encontrada a nível de Batalhão, substituindo-me por um alferes da Companhia de Mansambo.
Entretanto o meu Pelotão foi para a ponte do rio Undunduma e a Missirá voltou o Pel Caç Nat 52, tendo eu permanecido mais três semanas, e entrado ainda numa operação, na qual morreram dois soldados africanos que, indo a fumar o mesmo cigarro, accionaram uma mina anti-pessoal reforçada.
Finalmente, e após uns dias em Bambadinca, embarquei no Xime com destino a Bissau. Recusara à chegada, mas afinal regressava de barco… e ao Biafra. Agora eu era o velhinho e o apanhado.
No dia da partida, eu que cismara aparecer em Lisboa vestido com o grandbubu azul, bordado a ouro, que comprara a um djila senegalês em Missirá, resolvera mandar encurtar a vestimenta a um costureiro de rua. Enquanto esperava, passou por mim um furriel conhecido, que me alertou, o voo havia sido antecipado. À pressa, pego no fato, meto-me num táxi e vou para Bissalanca (toda a minha bagagem, fotografias, o meu diário, os versos que escrevi, ficaram no Biafra).
Chegado ao aeroporto enverguei o meu traje, causando o espanto e o riso dos passageiros, militares. Eis que sou cercado por um Coronel e dois Majores, os quais em coro me determinam:
– Não pode ir assim, é uma vergonha, lembre-se que é um oficial, blá, blá, blá…
Tento contestar:
- Se um fula pode embarcar com um fato europeu, porque não posso eu ir vestido à fula?
Nada feito, se persistir não vou e levarei uma porrada. Obrigado a obedecer, lá entro no avião, no qual segue também o Coronel, o que impediu de me fardar a bordo.
Teimoso porém, mal chego a Lisboa, envergo o grandbubu, e é com ele vestido que abraço a família. Franze o sobrolho o meu pai que me diz que o Carnaval ainda não chegou, que tenha juízo e não o faça passar vergonhas… Quanto à minha mãe, chora, talvez de alegria, mas muito mais de tristeza. Coitado do filho…enlouqueceu.
Num destes dias vou de novo vestir o meu grandbubu. Pode ser que tenha conquistado o direito a um pouco de loucura. Talvez…
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