quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22751: A nossa guerra em números (6): o bico-de-obra das viaturas de transporte...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Montagem de segurança > Um obus 14, rebocado por uma Berliet (que se tornou no auge da guerra a principal viatura pesada das Forças Armadas Portuguesas: em 10 anos, de 1964 a 1974,  a Berliet Tramagal produziu mais de 3500 viaturas Berliet).

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Gabu > Canquelifá > CCAV 2748 (1970/72) > O Unimog 411 ("burrinho do mato"), depois da explosão de mina A/C em 16 de Abril de 1972.

Foto (e legenda): © Francisco Palma (2017) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contabane > Quirafo > Feverereiro de 2005 > Restos, descobertos mais de 30 anos depois, da fatídica GMC (sigla de General Motors Corporation) que serviu de caixão a muita gente, entre civos e militares,  no trágico dia 17 de Abril de 1972, na picada de Quirafo (entre o Saltinho, Contabane e Dulombi).

Foto (e legendagem(: © João Santiago / Paulo Santigao  (2006).Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Xitole > 1970 > Uma coluna logística, vinda de Bambadinca, passa pela Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom, a caminho do Xitole (CART 2716, 1970/72).. Era habitual viaturas civis, alugadas pelas autoridades de Bambadinca, sede do setor L1 (neste caso, o BART 2917), integrarem essas colunas, por falta de veículos de transporte pesados.


Foto (e legenda): © Humberto Reis  (2006).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Pel Rec Daimler 3089 (Teixeria Pinto, 1971/73) > Janeiro de 1972 >  A “oficina” do Pelotão Daimler, É visível o 1º cabo mecânico David Miranda que fazia o "milagre" de manter as viaturas sempre operacionais. Chegámos a ter duas ou três Daimlers, vindas da sucata de Bissau, para "canibalizar". Ao trabalho do Miranda muito ficou a dever o sucesso do Pelotão.

 Foto (e legenda): © Francisco Gamelas   (2016).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Caro/a leitor/a: sabia que...

(i) nos anos 60 do século passado, e para satisfazer as necessidades logísticas da guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial, nos teatros de operações de Angola, Guiné e Moçambique, o Exército Português teve de fazer aquisições de armamento e viaturas, no valor de 6 mil e 294 milhões de contos, o que, convertida a valores de hoje,  equivaleria a mais de 2 mil e 300 milhões de euros (, o equivalente ao orçamento da defesa nacional previsto para 2022);

(ii) no que diz respeito às viaturas militares, durante os anos em que se fez a sua renovação,  as despesas anuais, a preços de hoje, foram da ordem dos 200 milhões de euros: aquisição de viaturas novas como o jipes Willys, a vaitura média Unimog e a viatura pesada Berliet;

(iii) é em 1962 que aparecem os Unimog, de fabrico alemão: o Unimog 3/4 t Diesel (, o famoso "Burrinho do Mato", o Unimog 411; e o Unimog 4 de 1,5 t, o Unimog 404, mais versáteis,  e com ómelhor capacidade de adaptação ao terreno, em substituição das viaturas norte-americanas (jipões 3/4 t, GMC, Bedford, Chevrolet,  etc.) (a razão, para lá da versatibilidade e o consuno, tinha a ver com  o facto de os norte-americanos terem passado  a cumprir a resolução da ONU de boicote de equipamento militar a Portugal, fora do âmbito da NATO);

(iv) em 1965, o Exército português já dispunha no ultramar de 2 mil Unimog... mas as dificuldades burcoráticas atrasavam a entrega de viaturas novas e de sobresselentes: por exemplo, em Angola, em 1967, o número de viaturas (ligeiras, médias e pesadas) inoperacionais era das ordem dos 60% (!);

(v) o Unimog (acrónimo do alemão UNiversal -MOtor - Gerät) era produzido pela Mercedes Benz, tendo-se tornado na viatura média mais usada na guerra do ultramar; O 411 gastava 12 litros de gasóleo aos 100, e atingia a velocidade máxima de 53 km; o 404 ia aos 20 litros de gasolina aos 100, e atingis os 95 km /hora; 

(vi) em 1964, passou a produzir-se em Portugal a Berliet, sob licença francesa, a uma média de... 140 unidades anuais (, tendo passado mais tarde às 600); de 1964 a 1974, a Berliet Tramagal (a metalúrgica Duarte Ferreira) produziu 3549 viaturas para as Forças Armadas, ou seja 350 em média  por ano; a Berliet tornar-se-ia a principal viatura pesada nos 3 teatros de operações...

2. Cada subunidade  (companhia) deveria ter, em princípio, a seguinte frota ou parque de viaturas: 

(i) 3 a 4 viaturas ligeiras (jipes); (ii)  6 viaturas médias (3/4 t) (Unimog); e 3 viaturas pesadas (Berliet, Mercedes, GMC)...

A CCS do batalhão tinha uma frota maior: (i)  5 a 8 viaturas ligeiras (jipes); (ii) 4 a 6 viaturas médias (Unimog,  404 e 411), mais  3 viaturas automacas; e (iii)  3 a 5 viaturas pesadas (GMC; Mercedes, Berliet...) 

Acrescente-se, da minha experiência e do conhecimento da minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), não me lembro de haver mais de um jipe, nem nunca lá vi nenhuma Berliet... E muito menos automacas (Unimog)

3. Mas a situação do material auto (aquisição de viaturas novas para substituição das inoperacionais e perdidas, fornecimento de sobresselentes, manutenção e gestão...) foi sempre um bico- de-obra durante toda a guerra, nos três teatros de operações... 

Na Guiné, recorria-se a viaturas civis para transporte de material, nas colunas logísticas. Dadas as características do terreno, clima, tipo de guerra, etc., o desgaste e a perda de material auto tinham que ser elevadas.

Por exemplo, em 1967, na Guiné existiam 2238 viaturas,  das quais 48% (!!!) estavam inoperacionais... Em 1971, a situação não era melhor. Veja-se o nº de viaturas, por tipologia (e entre parênteses a percentagem de inoperacionais):
  • 774 jipes (49%  inoperacionais);
  • 704 Unimog  404 (39,5% );
  • 438 Unimog 411 (26%);
  • 255 GMC (48,5%);
  • 119 Mercedes 322 (63%);
  • 98 Berliet (38,5%).
Já não falando das viaturas blindadas, as autometralhadoras, mais de 2/3 das quais estavam inoperacionais (!!!)... "En passant", havia em 1971, no TO da Guiné as seguintes viaturas blindadas:
  • 16 Panhard (25% inoperacionais);
  • 10 Fox (60%);
  • 108 Daimler (75%).

Tomando como referência os anos de 1966 e 1967, verifica-se que há, nos teatros de operações ultramarinos, em 1967: (i) 3000 viaturas ligeiras 1/4 t  (jipes), menos cerca de 30% do que em 1966: (ii) 6500 viaturas médias 3/4 t, mais 75% (relativamente ao ano anterior); e (iii) 1800 viaturas pesadas, menos de 9 % (por comparação com 1966). A ter havido alguma melhoria foi graças à entrada da Berliet e do Unimog.

Por exemplo, em 1968 a situação nos 3 teatros de operações era grave, justificando a urgência da aquisição de 7 mil viaturas: 4 mil para ultrapassar a fasquia dos 75% do quadro orgânico de cada unidade; e o resto para substituir as viaturas inoperacionais e perdidas que, na altura, em 1968/69, seriam da ordem dos 20% - 25% (o que nos parece subestimado).

A "doutrina em vigor era substituir, todos os anos, em média,  600/700 jipes, 1200/1500 Unimog, e 360/450 viaturas pesadas (Berliet, Merecdes)... O que nunca se conseguiu por falta de verbas...

De qualquer modo, temos que reconhecer aqui "o engenho e a arte" (esforço, dedicação, competência, desenrascanço, imaginação) dos nossos mecânicos auto (, o pessoal da "ferrugem", de resto mal representado no nosso blogue). Sem esquecer os nossos heróicos condutores auto que faziam das tripas (caixa de velocidades, travão, volante, guincho, etc.) coração!

Para o dispositivo militar existente em 1966, pode-se dizer que faltavam mais de um terço (35%)  das viaturas necessárias para as forças que estavam no terrno, situação que se veio a agravar com o reforço de efetivos em 1968, na Guiné e Moçambique.


Fonte: Adapt de Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pp. 204-212, e 294-299.
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Guiné 61/74 - P22750: Efemérides (356): Thanksgiving - Dia de Acção de Graças - Fomos recebidos sem reservas pelos EUA. Em troca apenas nos pediram que compreendêssemos e respeitássemos as suas instituições (José Câmara, ex-Fur Mil)


1. A propósito do Dia de Acção de Graças que hoje se festeja nos Estados Unidos da América, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos esta mensagem:

Familiares e amigos,
Alguns anos atrás, no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, tive a oportunidade de endereçar uma mensagem pelo Thanksgiving, o Dia de Acção de Graças na grande Nação Ameriana. É porventura o maior feriado familiar americano. Este ano está previsto que cerca de 48 milhões de americanos viajarão para se encontrarem com os familiares.

Tal como então, a mensagem que então enderecei continua bem viva e a única coisa que mudou foi o tempo desde então, Os sentimentos são os mesmos.


Meus queridos familiares e amigos,
Amanhã, Quinta-Feira, irei celebrar o Dia de Acção de Graças nos Estados Unidos da América.
Eu e muitos de nós escolhemos este grande País americano para nossa segunda Pátria. Aqui fizemos as nossas vidas, formámos e vimos crescer as nossas famílias, realizámos muitos dos nossos sonhos. De uma maneira geral fomos recebidos sem reservas pelos EUA. Em troca apenas nos pediram que compreendêssemos e respeitássemos as suas instituições. Na verdade, pediram muito pouco para aquilo que recebemos em troca.

Sou agradecido e penso que a maioria dos que aqui vivem me acompanham nesse sentimento. Também celebro com estes. Lá longe, onde a Europa acaba e a América começa vivem muitos familiares, companheiros e amigos da escola, da minha juventude, do trabalho, do desporto.

Do serviço militar reconheço os camaradas que ao longo dos anos viveram as mesmas horas de aflição, os mesmos sacrifícios e também os grandes momentos de alegria e camaradagem, que também os houve, que só a guerra do Ultramar poderia proporcionar.
Se me permitem, deixem-me também celebrar o dia de Ação de Graças, o Thanksgiving Day, no meio de vós, nos dois lados do Atlântico.

Com um abraço,
JC

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22744: Efemérides (355): Eduardo Jorge Ferreira (Lourinhã, 1952-Torres Vedras, 2019): dois anos de saudade (Rui Chamusco)

Guiné 61/74 - P22749: In Memoriam (419): Tibério Paradela (1940-2021), capitão da marinha mercante, um "lobo do mar" ilhavense, que nos deixa um notável testemunho da epopeia da pesca do bacalhau, no seu romance "Neste mar é sempre inverno"




Tibério Paradela (1940-2021), um "lobo do mar", natural de  Ílhavo, capitão da marinha mercante, reformado,  irmão mais novo do nosso amigo, o arquiteto António José Paradela, 



1. Acabámos, ontem, ao fim da tarde,  de receber a dolorosa notícia da morte de mais um amigo, o Tibério Paradela. Sofria de doença de evolução prolongada. O funeral é na sexta feira, à tarde. Tinha 81 anos.

Em março passado, talvez premonitoriamente,  já se tinha despedido do seu velho conpanheiro, o mar, conforme carta publicada em "O Ilhavense" (Vd. abaixo a reprodução dessa belíssima "carta de despedida"... ou de reconciliação ?!).

Eis alguns apontamentos sobre a sua vida:

(i) capitão da Marinha Mercante reformado;

(ii)  nascera em Ílhavo, em 1940;

(iii) concluiu o curso de Pilotagem da Escola Náutica em 1960;

(iv) embarcou como praticante de piloto em 1961, no arrastão "Santa Mafalda";

(v) e, no ano seguinte, aso 21 anos, como imediato no navio bacalhoeiro à linha "Novos Mares" , entre 1962 a 1964: esta embarcação foi o  último bacalhoeiro em madeira, construído na Gafanha da Nazaré, fez parte da Frota Branca até 1986, data em que foi abatido à frota por ordem do Secretário de Estado das Pescas. (Em 1991 foi oferecido para se transformar em museu, o que nunca se concretizou; por incúria, deleixo ou crime, acabou por se afundar no porto de Aveiro.)

(vi) trabalhou depois a cabotagem na costa de Moçambique, foi comandante de cargueiro, piloto da barra no Porto da Beira (Moçambique), superintendente duma Companhia de Estiva no Porto da Beira (Moçambique), e comandante de navios mercantes nas linhas do Norte da Europa, Mediterrâneo e Norte de África, Ilhas, Moçambique, Angola, África do Sul, Golfo da Guiné;

 (vii) 
 terminou a carreira profissional no Lobito (Angola) na indústria petrolífera.

(viii) vivia na Costa Nova, concelho de Ílhavo, tal como o nosso camarada Jorge Picado (de quem, de resto, os irmãos Paradela são amigos).

(ix) aproveitando o tempo da reforma, fez parte de diversas tertúlias, dedicou-se a causas socias  e estreou-se também na escrita;

(x) deixa publicado, um romance (ou obra de ficção) que tem como horizonte temporal a campanha da pesca do bacalhau na Terra Nova e na Groenlândia, entre abril de 1965 e abril de 1966: "Neste mar é sempre inverno", edição de  autor, Aveiro, 2014, 262 pp.; imagem da capa, à esquerda, da autoria do arquiteto  e nosso amigo, José António Paradela, irmão do autor, e natural de Ílhavo; o livro teve uma 2ª edição em 2016.)

(xi) deixa também, ao que sabemos, vários contos inéditos.


2. Temos 3 postes com notas de leitura do seu livro (**), sobre o qual escrevemos:

(...) Se o livro tivesse sido escrito (e publicado) ainda no tempo do Estado Novo, teria pela certa um título mais prosaico e pitoresco: "Cenas da vida da pesca do bacalhau". Mas não, não de trata de um livro de memórias, muito menos de registo etnográfico das campanhas do bacalhau e da vida a bordo nos últimos barcos da pesca à linha da nossa "frota branca". Não é sequer um simples diário de bordo duma viagem, de seis meses, aos bancos de pesca da Terra Nova e da Groenlândia. O que não quer dizer que o livro não tenha uma grande riqueza de informação etnográfica, recomendando-se a sua leitura também por essa razão adicional.

"Neste mar é sempre inverno" é um título de homenagem aos homens do mar. Na pág. 105, percebe-se melhor a escolha do título. O autor atribui ao filósofo grego Platão a afirmação segundo a qual haveria 3 espécies de homens: "os vivos, os mortos e os homens que andam no mar"...

Mas por que é que os homens do mar teimam em sê-lo pela vida fora, de modo contínuo ? Para Tibério Paradela, há uma razão, "talvez a única", para explicar por que é que o homem do mar o é para toda a vida: seria o "esquecimento". E esclarece o autor:

"Não o varrimento da memória, mas o alijamento das agruras e anmraguras para o sótão das lembranças indesejadas numa sucessão infalível, porque no mar é sempre inverno" (p. 105).

Poderia tresler-se: "neste mar é sempre inferno"... Neste mar, e na frota branca do bacalhau!

É esta epopeia, já esquecida pelos portugueses nascido no pós-25 de abril, que prende o leitor ao longo das mais de 260 páginas do romance. Li e reli o livro e tirei inúmeras notas de leitura, algumas das quais vou aqui partilhar, com todo o gosto, com os leitores do nosso blogue. (...).

3. Deixo aqui a minha homenagem, de apreço e saudade, ao Tibério Paradela, com quem convivi, embora esporadicamente,  nas minhas passagens pela Costa Nova, de visita ao irmão e à Matilde. A esposa, filhos, netos e ao seu mano Zé António Paradela, e demais amigos da Costa Nova, deixo aqui a expressão da nossa solidariedade na dor.

Reproduzo também dois textos da sua autoria, um soneto e uma crónica. 

Toldaram-se-te os olhos, marinheiro,
Quando pra trás olhaste e já não viste
A terra, que deixaste em adeus triste,
Chorado no convés do teu veleiro.

Se és tu do mar o grande caminheiro
Em busca de destinos que cumpriste;
Se o fado teu, ao qual nunca fugistes,
Já fez de ti, no mundo, o Ser primeiro,

Então, enxuga as faces, meu guerreiro,
E volta para a frente o teu olhar.
Não vá esse inimigo traiçoeiro

A quem, por toda a parte, chamam mar,
Revoltar-se e engolir-te por inteiro
Numa onda vilã que vai passar!

In: Paradela,  Tibério - Neste mar é sempre inverno. Edição de autor, Aveiro, 2014, p. 12.  


Carta a um Companheiro

por Tibério Paradela

 O Ilhavense,  10 de Março de 2021


Decidi despedir-me. Despedir-me de ti!

Faço-o por escrito para que fique a constar dos teus vastíssimos arquivos, não caindo, assim, no esquecimento das palavras que o vento leva.

Foste meu companheiro mais de três décadas e isso, só por si, devia ter feito nascer entre nós uma relação forte, impregnada de amizade e admiração mútuos. Porém, quis o teu mau humor tão frequente que, da minha parte, a confiança em ti se esgotasse na passagem do tempo.

Não posso esquecer as tuas ameaças, os repentes dos teus humores, as tuas ciladas. Assim, obriguei-me a aprender a lidar contigo, sempre de prevenção, para não cair nas garras dos teus poderes.

Até que, um dia, decidi encarar-te de frente com a coragem que os fracos também sabem assumir quando as ameaças começam a roê-los por dentro. Curiosamente, a partir daí, a nossa relação melhorou bastante. E foi numa certa indiferença por ti que encontrei a solução final.

Mas, para que as coisas não fiquem assim, companheiro, quero revelar-te que sinto que nem tudo foi mau entre nós! Proporcionaste-me lindos passeios, conheci muitos e lindos países, cidades maravilhosas, gentes as mais diversas. 

Deste-me também a possibilidade de me situar na vida, construir uma carreira, cimentar uma personalidade. Afinal, tu mais que ninguém, viste-me crescer e ensinaste-me a crescer. Sim! Porque trinta e tantos anos não são trinta e tantos dias; porque a dureza das relações nem sempre é perniciosa; e porque no fundo, no fundo, as tuas fúrias são filhas do vento, deixemos para esse maldito vento a expiação dos meus descontentamentos!

Afinal tu, MAR, sempre foste meu amigo! E, se calhar, quando eu te rogava coriscos, estavas tu, nos teus rugidos, a pedir ao vento que te deixasse em paz. Assim, não posso deixar de fazer as pazes contigo e enviar-te aquele abraço salgado com estes pequenos braços humanos que te querem apertar com tanta força quanta aquela que tu tens.

O teu companheiro e amigo,

Tibério


P.S. – MAR! Vou enviar cópia desta carta ao Criador. Ao nosso Criador! E pedir-lhe que prolongue tanto quanto Lhe aprouver o meu crepúsculo para que eu, por muitos, muitos anos, continue a ouvir falar de ti!
Uma crónica de Tibério Paradela

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Notas de leitura:

(**) Vd. postes de:

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22748: (De)Caras (183): Revivendo e partilhando (João Crisóstomo, Nova Iorque, de Visita a Portugal)

1. Mensagem do nosso camarada João Crisóstomo, a residir em Nova Iorque, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), enviada ao nosso Blogue em 16 de Novembro de 2021:

Caros camaradas,
Sempre que vou a Portugal uma das minhas prioridades é tentar contactar pessoalmente aqueles que me são queridos e a quem apenas consigo contactar por telefone ou E-mail durante todo o ano. Se a alguns consigo fazê-lo individualmente a maioria sejam estes membros de família, camaradas da Guiné ou simplesmente amizades feitas ao longo dos anos, apenas consigo fazê-lo em ocasiões pre-combinadas que me permitem ver e encontrar várias pessoas ao mesmo tempo.
Evidentemente que “férias em Portugal” quer dizer sempre viajar um pouco. E foi nestas viagens que tive ocasião de fazer algumas visitas já mencionadas em ocasiões anteriores quando tive a grande satisfação de visitar o Valdemar Queiroz e o Francisco Pinho da Costa. Este último nunca o tinha visto mais depois de termos sido vítimas duma mina, ocasião em que fracturou as pernas e foi evacuado para Bissau e depois para Portugal. Tive muita pena de não me ter sido possível visitar vários outros que sabia estarem com problemas de saúde ou outras razões que que não lhes permitiam deslocações. A alguns até já contactei depois de ter voltado a Nova Iorque. A outros farei o possível para os contactar brevemente, tanto mais que a época de Natal e Ano novo se aproximam.
Entretanto aqui estão algumas fotos, queridas todas pois são elos entre mim e outros que me são queridos.


Esta foto foi tirada no Algarve. O Henrique Matos encarregou-se de combinar com os outros três a melhor maneira de nos vermos e vieram os quatro ter comigo ao Hotel Vila Galé em Tavira onde eu e a Vilma, acompanhados pelo Rui e Virginia a quem tínhamos convencido a vir connosco, fizemos a nossa base nesses poucos dias no Algarve. A Vilma, convencida a ficar na foto para esta ficar mais bonita, foi depois ter com o Rui e Virginia. E nós cinco, - eu , Henrique Matos, Teixeira, Chico e Viegas - ( que faz hoje anos e a quem por telefone já dei um abraço, interrompendo o seu almoço com amigos) ficámos a matar saudades, revivendo momentos, partilhando notícias e lembrando camaradas; como sempre sucede nestas ocasiões.
Reviver a Guiné, pelo menos para mim, mas creio que é mais ou menos geral este sentir, não importa quantas vezes o fazemos, é quase sempre como se fosse a primeira vez depois das vividas experiências passadas. Doloroso porém quando aqueles camaradas que connosco viveram esses momentos não estão mais entre nós. Ao fim de duas horas e um abraço forte despedido-nos… "até à próxima vez, talvez no próximo ano, se Deus quiser”.

O claustro do convento de Varatojo foi o lugar de encontro com os meus familiares e amigos este ano. E porque entre os meus familiares tenho alguns que foram também meus camaradas na Guiné e outros que partilharam comigo as vivências de Seminário, na missa que precedeu o nosso encontro eu pedi ao Padre Melícias, celebrante para lembrar duma maneira abrangente todos os camaradas da Guiné ou de Seminário já falecidos. Como a foto revela foi pequeno o número de presentes este ano. Razões de idade, agora agravadas pela ainda presente covid assim o exigiram.

O viver próximo de Luís Graça, Rui Chamusco e a São, esposa do saudoso Eduardo Ferreira, facilitaram-me encontros e momentos daqueles que me fazem sentir o quão maravilhosa pode ser a vida de cada um de nós. Basta sabermos não perder as boas oportunidades. O sorriso na cara de cada um, incluindo em outros queridos/as presentes nesses momentos, dá bem idéia da amizade e alegria que todos sentíamos naquele momento.

Outros momentos me ficaram na memória e coração, mas que devida à minha pouca perícia em coisas digitais não me ficaram devidamente registados apesar das boas intenções nesse sentido. Mesmo sem as devidas fotos, recordo já com saudade os momentos com Manuel Leitão (o Mafra); as visitas ao Forte de Castro Marim, no Algarve, quase na fronteira com a Espanha, onde o Infante Dom Henrique que aí chegou a viver foi o primeiro Grão Mestre da Ordem de Cristo, herdeira dos privilégios e propriedades da extinta Ordem dos Templários.
Entre outros momentos dignos de registo lembro uma visita à Coudelaria de Alter do Chão com os seus famosos cavalos e a sua “escola de faisões", única no género em Portugal. No Crato fui encontrar o túmulo, original dizem, de Don Nuno Álvares Pereira… e em Castelo de Vide, graças a uma dica do Luís Graça, fui encontrar uma sinagoga e o que resta de uma povoação que recebeu milhares de refugiados aquando da instalação da Inquisição na Espanha.
E outros lugares que me fazem ver que cada vez que me desloco dum lado para outro o quanto há para conhecer e visitar.

Que ficam para a próxima vez, se Deus quiser.
João Crisóstomo, Nova Iorque

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22699: (De)Caras (182): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - II (e última) Parte

Guiné 61/74 - P22747: Memória dos lugares (432): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte III


Guiné-Bissau > Bissau > Dezembro de 2009 > Hotel SPA Coimbra, sito na Av Amílcar Cabral >   Da esquerda para a direita, o João Graça, músico e médico,  português, o Mamadu Baio (músico da tabanca mandinga de Tabatô,), Victor Puerta (cooperante espanhol / Barcelona, ONG Intercanvi), Catarina Meireles (médica portuguesa), Jandira (só se vê o rosto,  guineense, à data era namorada do Alexandre Lopes um dos donos do Hotel SPA Coimbra)...

A menina da frente e o primeiro rapaz (de pé.  não recordo o nome, convivi pouco, ) eram namorados, e estavam em cooperação mas no âmbito informático/administrativo em Bissau. Também já não  recordo se eram portugueses.

A última pessoa sentada é a Enf Luísa, de Coimbra, no mesmo projeto que eu - ONG Saúde em Português. Éramos como D. Quixote e Sancho Pança (não sei quem era o quê... ehehe) e auto-batizamo-nos de Catarina Sanhá e Luísa Baldé .... ehehehehe.

O último senhor em pé é o Dr. Miguel Lopes - dono/proprietário do Hotel (com o irmão Alexandre e a mãe, D. Francelina).
 
Local: lobbi bar do restaurante do Hotel Spa Coimbra (recentemente inaugurado). Este jantar foi-nos oferecido, a mim e à Luisa, em gratidão à alegria que levávamos à Casa (e despedida antes de Natal... também)!
 
Foi-nos permitido convidar amigos e, de entre aqueles que estavam em Bissau e podiam vir... resultou esta fabulosa moldura humana.

Legenda: Catarina Meireles (2021)
 
Foto: © João Graça  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A cerimónia do Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... Uma das portuguesas foi a Catarina Meireles, médica, que aparece nas fotos a seguir,  nas fso (a 3ª, a contar de cima), com uma criança mandinga ao colo; e na 2ª, partilhando a refeição)... Na 1ª foto, de cima  a temos uma vista geral da assembleia, durante a cerimónia do Tabaski, na aldeia mandinga de Tabatô, a ea nordeste de Bafatá, a escassos 10 km. 



Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > Festa do Tabaski >  O Mamadu Baio ,. à esquerda, partilhando a refeição do dia com a Catarina  Meireles e um putro estrangeiro


Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > Festa do Tabaski >  A Catarina Meireles com um menina mandinga
 

Fotos (e legendas): © Catarina Meireles   (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 16 de dezembro de 2009 > 9h30 > O chefe da aldeia, Mutar Djabaté, pai do músico Kimi Djabaté, e ele próprio um grande balofonista (tocador de balafon)... É um dos atores principais do filme do João Viana, "A batalha de Tabatô" (2013), juntamente com Fatu Djabaté e Mamadu Baio. Sinopse do fil
me: "Depois de anos a viver em Portugal, o pai de Fatu regressa a África para assistir ao casamento da filha com Idrissa Djebaté. Ela é professora universitária e seu futuro marido é um músico conhecido. A festa de casamento é em Tabatô, um lugar extraordinário onde todos os seus habitantes são, há 500 anos, músicos djidius, cantores-poetas que narram contos e lendas representativos da vida africana. No caminho até lá, à medida que as recordações se avivam, o velho senhor começa a revelar traumas esquecidos da sua juventude, enquanto soldado mandinga na guerra colonial, décadas antes.

Filmado na Guiné- Bissau, é a primeira longa-metragem de ficção de João Viana, que foi distinguido com uma menção honrosa na edição de 2012 do Festival Internacional de Cinema de Berlim." CineCartaz / Público.

Foto (e legenda): © João Graça   (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Tabatô passou-nos completamemte ao lado, ao tempo da guerra colonial, Era uma aldeia, discreta, de músicos, com raízes ancestrais no antigo império do Mali e depois no reino do Gabu, Fica a 10 km, a nordeste de Bafatá, do lado direito da estrada que segue para Contuboel (e a cerca de 15 km, a sul desta povoação, onde  alguns de nós estiveram no respetivo Centro de Instrução Militar, em 1969)(*).

Depois da independência da Guiné-Bissau, form etnomusicólogos, como o canadiano Sylvain Paneton quem pôs Tabatô no mapa, com um estudo "seminal", de 1987, sobre o "balafón" (**).

Mas só em março de 2010 é que se realiza o Festival de Cultura Tradicional do Balafon, que traz à aldeia a conunicação social (rádio, televisão, jornalistas, nacionais e estrangeiros). Mas uns meses antes a aldeia era visitada por potugueses, como o João Graça e a Catarina Meireles, ambos médicos. Notável é o facto de, sendo mulher, a Catarina  ter conseguid conseguido  mesmo assim participar na festa do Tabaski (***), o que a antropóloga social brasileira   ainda não conseguira. É desta investigadora o importante estudo sobre a música afro-mandinga, com raiz em Tabató (****):

Eis alguns excertos sobre Tabatô e a sua população e a sua história, extraídos da tese de doutoramento da Carolina Carret Höfs, com a devida vénia:

(...) Está localizada a 12 km de Bafatá, na zona leste do país, e (...) é conhecida pela sua população ser maioritariamente de griots ["djidius"] , apesar de ser dividida em duas metades.

(...) A segunda metade é habitada pelos descendentes do régulo fula. Há ainda em Tabato uma família que é tida como de cativos, sendo o patriarca destes o homem mais velho da tabanka, mas que não tem a autoridade do patriarca de apelido griot.

(...) Embora considerada uma tabanca mandinga, Tabatô está sob o regulado de um homem fula, que mantém uma certa autoridade sobre os mandingas que ali vivem, como podemos ver na maneira como exerce a sua autoridade nas reuniões na mesquita, em que se fala fula, e nas reuniões sobre assuntos da tabanca, como foi a dos preparativos para o Festival de Cultura Tradicional do Balafon, realizado em Março de 2010 [e que deu grande visibilidade nacional e até internacional a Tabatô].

Naquela altura, era imprescindível o aval do régulo fula como também de um guia de visitas, que foi preparado para receber a comitiva vinda de Bissau. A casa do régulo antigo estava entre os outros pontos de interesse, como o polón (a grande árvore em que está enterrado o patriarca), o mato sagrado, a casa-museu. (pág. 63)

(...) Tabatô é uma pequena aldeia formada por uma moransa de descendentes do régulo fula
responsável pela vinda da família de Bundunka Djabaté para aquela zona do país. Estas casas foram construídas na primeira metade da aldeia, ao passo que os descendentes do griot mandinga ocupam a segunda metade das terras.

Estava-se nos fins do século XIX, quando Bundunka Djabaté chegou a Tabatô com as
suas esposas e os seus dois filhos, partindo de Kankan na Guiné-Conakry, a chamado de um
régulo fula cuja família, pouco a pouco, se foi espalhando por outras tabancas que pudessem nomear em língua fula, ao contrário do que se passou em Tabatô, uma das poucas localidades com nome mandinga que restaram depois da Guerra de Cansalá, quando o Império do Futa- Djalon se instalou onde antes estava o Reino do Gabu, última fronteira do Império do Mande (...).

Tabatô é uma referência também para griots de outras famílias na Guiné-Bissau, que
foram até lá para estudar com Ba Djabaté, e outros “grandes”, a arte do balafon e da djaliá. (pág. 214).

(...) Mutar Djabaté é hoje o homem grande de Tabatô, descendente do fundador da tabanca e, como chefe de família, ele é papesinho (pai pequeno) das gerações mais jovens, razão pela qual lhe devem respeito e sempre lhe apresentam, a ele e ao Conselho da família, as suas vontades, projectos e ideias. (...) (pág. 75)

(...) Até ao fim dos anos 1970 [, ou seja, desde a administração portuguesa até ao fim do regime de Luís Cabral ], os griots [ leia-se "djidius", em crioulo ] que ali estavam [ em Tabatô] viviam quase exclusivamente da sua arte [, atuando em festas, casamentos, choros...] o que ao longo do tempo se tornou insustentável pela própria conjuntura do país, obrigando muitas famílias a voltarem-se para a agricultura de exportação [ ,caso do caju, em particular], (e não apenas de subsistência, como acontecia até então), e entrando também nos grandes circuitos do êxodo rural [, estabelecendo-se em Bissau, por exemplo] e da migração internacional [, países vizinhos, Lisboa, Paris, Londres...] (...) (pág, 214).

(...) Na Guiné-Bissau e em Lisboa, os griots se apresentam não apenas em festas de
casamentos e baptizados ou no tabaski (a festa que celebra o fim do jejum do Ramadão),
como também participam em eventos voltados para o activismo social e engajamento em
questões sociais, como a dos direitos das mulheres, por exemplo. Entretanto, acompanhando
os diferentes contextos em que essas festas e suas actuações se dão, podemos perceber uma
diferença na maneira de se apresentar e realizarem sua performance, muito embora em todos eles preza-se por manter o propósito do djumbai, ou seja, do levar diversão às pessoas
presentes, mantendo aceso um dos propósitos da djaliá. (...) (pág. 157).

 
2. Grande exemplo do ecumenismo e da hospitalidade que em 2009 já se praticava em Tabatô,  é este relato da (Ana) Catarina Meireles (que hoje vive em Braga e é especialista em medicina geral e familiar). Merece voltar a ser reproduzido aqui no nosso blogue (***).


O Tabaski em Tabatô

por Catarina Meireles


No passado fim de semana (26-27 de nivembro de 2009) fui ao Tabaski - cerimónia de imolação do carneiro (por analogia: Páscoa dos Muçulmanos).

Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô - muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas. São fabulosos!

Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupamos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitamos tudo o que nos diziam para fazer... E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!

No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos em círculo.

Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida - pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)

As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.

Eu disse...
- Sim, 3 é número sagrado!

Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!

Foi-me pedido que falasse... e falei. Pedi uma cadeia de união - corrente de mãos dadas. Expliquei como fazer e disse:
- Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.

E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:
- Obrigado, Fátima de Portugal!

Catarina Meireles

Bafatá, 1 de Dezembro de 2009


3. Mensagem da Catarina Meireles (que foi minha aluna em 2007, na ENSP / Universidade NOVA de Lisboa), com data de 22 do corrente (, respondendo a uma mensagem minha, e ao meu comentário: "Catarina, que bom saber de si, ter notícias suas, sentir que continua a ser o mesmo maravilhoso ser humano que eu conheci há de mais uma boa dúzia de anos, não ?!"):

(...) Bom dia a todos! Estive lá, na mesma altura com do seu filho João. Fui algumas vezes, a Tabatô, por ser realmente perto de Bafatá. Lá vivi o Tabaski (matança do carneiro) de 2009... E partilhei consigo, Professor. Aldeia verdadeiramente especial, Pessoas incríveis... Ainda hoje as sinto.


E sabe o curioso? Em 2010 fui a Cabo Verde, à ilha da Boavista... E num dia a passear pela rua se vendedores de artesanato encontrei alguém... Um homem dessa aldeia de Tabatô - uma Alegria imensa para ambos!!!

Eu dei-lhe "notícias da terra", pois não ia lá há anos... Contei-lhe do terreiro, festas para turistas, do novo poço da aldeia, da escola, das filhas do primo Figgi...

Os dois, de lágrimas nos olhos e coração cheio, demos um Abraço que só a Fraternidade Universal pode entender!

Manga di  Mantenhas!
Que bom recordar depois de tantos anos... (parece que foi ontem) 

Ana Catarina Meireles (...)


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de 


22 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22741: Memória dos lugares (431): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte II

(**) Vd. Sylvain Paneton . Le balafon mandinka mori. Compte-rendu et perspectives de recherches et d’études en Guinée-Bissau. Dissertação de Mestrado de Artes em Musicologia
apresentada à Faculdade de Música da Universidade de Montreal, 1987  (Mimeo).

(****( Vd. poste de 8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)

(****) Carolina Carret Höfs - Griots cosmopolitas : mobilidade e performance de artistas mandingas entre Lisboa e Guiné-Bissau. Tese de doutoramento em antropolgia social. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2014, 271 pp.  Disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/12136/1/ulsd068997_td_Carolina_Hofs.pdf
 
 

Guiné 61/74 - P22746: Historiografia da presença portuguesa em África (291): O estudo "Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-mor de Cacheu, e o Comércio Negreiro Espanhol, 1640-1650", por Maria Luísa Esteves; Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, 1988 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
É incontestável que o período filipino foi altamente danoso para a presença portuguesa na Senegâmbia, a retração foi enorme, o abandono e a incúria chegaram a levar a crer que a presença portuguesa estava definitivamente condenada. Cacheu era um ponto fulcral para o comércio negreiro e até para a economia de Cabo Verde. D. João IV, ouvido o Conselho Ultramarino, procurou tomar medidas eficazes, e por mais controversa que possa ser encarada a atividade de Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-Mor de Cacheu, por ele nomeado, apresentou resultados, o fundamental foi melhorar a presença portuguesa, Gamboa criou Farim e Ziguinchor, perseguiu com todos os meios ao seu alcance os navios estrangeiros, viveu em permanente tensão com os comerciantes de Cacheu que faziam o jogo duplo, juravam fidelidade a D. João IV mas ansiavam pelo regresso dos Áustrias. Maria Luísa Esteves oferece-nos o retrato de uma década e mostra à evidência que se deve a Gamboa ter travado o descalabro em que se encontrava a então denominada Senegâmbia Portuguesa. Resta acrescentar que neste século XVII a mobilidade da nossa presença se circunscrevera entre os rios Casamansa e Nuno.

Um abraço do
Mário



Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-Mor de Cacheu (1640-1650)

Mário Beja Santos

O estudo "Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-mor de Cacheu, e o Comércio Negreiro Espanhol, 1640-1650", por Maria Luísa Esteves, Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, 1988, trabalho que se associou às comemorações do IV Centenário da Fundação de Cacheu, permite-nos visualizar os danos sofridos durante o período filipino na então denominada Senegâmbia Portuguesa. 

Com a Restauração, descobre-se que aquela zona de África estava praticamente desguarnecida tanto do ponto administrativo como militar, e, no entanto, era uma das principais saídas do comércio negreiro. O primeiro rei Bragança encontrou dificuldades inesperadas, como observa a historiadora Maria Emília Madeira Santos:

“Os comerciantes locais, beneficiando de uma rede de comércio internacional montada por poderosos mercadores de Sevilha e Cádis, iriam resistir a um corte de relações tão lucrativas. Os corsários franceses, holandeses e ingleses, legitimados pela guerra contra Espanha, atacavam ferozmente qualquer tentativa portuguesa de domínio na área. Gonçalo de Gamboa de Aiala, o Capitão-mor da Capitania de Cacheu, encarregado de construir uma fortaleza naqueles rios, precisaria de lutar em várias frentes: a oposição das populações locais, os interesses dos comerciantes negreiros, a rede comercial intercontinental com sede em Espanha, os corsários de todas as nacionalidades”.

A autora começa por nos dar uma visão geral das consequências que a perda da independência acarretou para as colónias portuguesas, dá-nos depois a situação da Guiné, aquando da Restauração e finalmente a ação desenvolvida por Gonçalo de Gamboa da Capitania de Cacheu. Não há nenhum excesso em dizer que o domínio castelhano acentuara as dificuldades de manutenção das possessões portuguesas, houvera que seguir a sua política internacional, completamente desastrosa para o nosso império, vinham ataques de todas as proveniências e D. João IV ascende ao trono com obstáculos aparentemente insuperáveis e numa vastidão incomportável: Guerra da Independência, uma força marítima mais do que insuficiente, tempos de decadência da arte de construção naval, falta de armamento, situação financeira crítica, a crónica exiguidade de meios humanos. A Guiné, a concorrência comercial de franceses, ingleses e holandeses era feroz, todos sedentos da compra de escravos. 

“Quando rompeu a madrugada do 1.º de Dezembro de 1640, a presença portuguesa na Guiné limitava-se à faixa compreendida entre o Casamansa e o Bolola. O comércio da escravatura, fonte de riqueza da colónia, estava praticamente na mão dos negreiros espanhóis que embarcavam para as Antilhas todos os escravos que podiam arranjar, fugindo ao pagamento dos direitos aduaneiros e provocando com isso o descalabro da vida económica. Para além da quebra de rendimentos, resultante do contrabando que os mercadores de escravos praticavam, acrescia ainda o facto de as receitas da colónia estarem arrendadas a contratadores particulares que depositavam em Lisboa o pagamento dos seus contratos. As autoridades da Guiné ficavam, deste modo, sem recursos para satisfazer as necessidades mais prementes, com os ordenados dos funcionários e quaisquer obras de fortificação que impedissem o comércio ilícito”.

Assim se explica a decadência, a fácil fixação dos ingleses na Gâmbia, a incapacidade de agir do governo de Cabo Verde. 

“Cacheu era, na altura da Restauração, a praça mais importante da Guiné, a presença portuguesa naquela região, como em toda aquela costa, era precária, embora fosse o núcleo populacional mais numeroso de toda a colónia”

A autora debruça-se sobre Cacheu e os seus mercadores de escravos, não se pode iludir a anarquia e indisciplina que grassavam em consequência dos abusos cometidos pelos comerciantes espanhóis e outros estrangeiros. O Capitão-mor de Cacheu é Luís de Magalhães que pede ao rei que tome medidas tendentes a evitar a ruína total, entre elas a permissão do resgate de escravos para o Brasil e o incremento das relações comerciais nas ilhas de Cabo verde. O rei pretende agir, ordena a construção da fortaleza e escolhe para futuro Capitão-mor Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-mor e Feitor de Cacheu por três anos, este oficial servira no Brasil e na Índia, aqui acobertara-se de valor militar. Gamboa vai demorar tempo a chegar a Cacheu, elabora a relação de material e pessoal que precisava para construir, artilhar e guarnecer militarmente a futura fortaleza; precisa de algum poderio naval para salvar a Guiné das pretensões estrangeiras, é um processo demorado. 

Enquanto tudo isto se passa, chegam ao rei e ao Conselho Ultramarino notícias inquietantes provenientes do Governador de Cabo Verde: Luís de Magalhães era acusado de cumplicidade e trato com os castelhanos; comerciantes de Cacheu insistem em embarcar escravos com destino ao Brasil, pagando direitos na feitoria de Cacheu, o monarca acede.

Finalmente o novo capitão-mor encaminha-se para Cacheu encarregado da construção da fortaleza, o dinheiro destinado à obra estava confiado à guarda do Capitão Paulo Barradas da Silva, os dois muito cedo entrarão em litígio, ora por falta de materiais, ora por não haver concordância quanto ao local escolhido, e Gamboa não esquece a obrigação de procurar suster a presença constante de navios estrangeiros nas costas da Guiné. Barradas da Silva queixa-se ao rei das afrontas praticadas por Gamboa e diz proteger os devedores de grandes somas à Fazenda Real. Dado fundamental, Gamboa põe-se em campo para resistir às tentativas espanholas de ocupação, fortifica e guarnece de artilharia Ziguinchor, o presídio adquiriu extraordinário valor como centro comercial e de fixação portuguesa. Gamboa tinha a noção de que precisava de controlar a navegação no rio Farim ou de S. Domingos, arrendou em nome da Fazenda Real o comércio do rio Geba, recorde-se que nesta altura os moradores do presídio de Geba tinham-se, na sua generalidade, transferido para Cacheu e para a recém-fundada Farim. O capitão-mor dá como reforçada a presença portuguesa na região e lança-se na perseguição dos concorrentes, apresa barcos espanhóis. No entanto prosseguem as tensões entre Gamboa e Paulo Barradas por causa do dinheiro que este retém e que é fundamental para a construção da fortaleza. Os moradores de Cacheu fazem queixas ao rei, protestam-lhe lealdade, se bem que Gamboa os acusa de traidores e partidores de Castela.

O estudo de Maria Luísa Esteves está altamente documentado, toda a sua investigação assenta em documentos do Arquivo da Torre do Tombo e do Arquivo Histórico Ultramarino. Atenda-se às suas conclusões. Gamboa trazia a incumbência de conservar e desenvolver Cacheu, afastar o ocupante espanhol e perseguir o comércio ilícito. Fundou e fortificou a povoação de Farim, construiu o presídio de Ziguinchor, o melhor porto do Casamansa que irá dominar durante dois séculos o tráfego no rio; Farim será a extensão natural de Cacheu e de grande importância para o comércio local. Foi-lhe confiada a missão de construir a fortaleza, faltaram-lhe materiais, pessoal e encontrou séria oposição de Paulo Barradas da Silva, encarregado da cobrança do dinheiro destinado às fortificações. Não deu tréguas a perseguir os estrangeiros que se entregavam ao resgate de escravos. Sufocou com firmeza qualquer sintoma de insurreição interna. 

Como observa Maria Luísa Esteves, “foi decisiva a sua ação no conflito provocado pelo choque de interesses que o opôs aos ricos e poderosos comerciantes negreiros de Cacheu e à própria população local, grandemente prejudicada com o corte das relações prejudiciais com a Espanha. Gamboa procurou, igualmente, canalizar o resgate de escravos para o Brasil, sabendo como este Estado, depois da tomada de Luanda pelos holandeses, carecia de braços para os engenhos de açúcar. Assim, tentou desviar os negreiros para este comércio com a intenção de disputar à cobiça dos espanhóis o caudal dos escravos da Guiné. Vai ser uma luta tenaz não só contra o comércio negreiro espanhol, mas ainda contra os holandeses, ingleses e franceses interessados neste lucrativo tráfico”.

Uma aldeia perto de Cacheu, gravura proveniente do livro África Ocidental, Notícias e Considerações, por Francisco Travassos Valdez, Lisboa, 1864
Um panorama da Fortaleza de Cacheu
Interior da Fortaleza de Cacheu, vêem-se os restos das estátuas apeadas depois da Independência
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22725: Historiografia da presença portuguesa em África (290): Entre os primeiros contributos para o conhecimento da Guiné: André Alvares de Almada e André de Faro (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22745: Parabéns a você (2007): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22742: Parabéns a você (2006): José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 6523/73 /Nova Lamego, 1973/74)

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22744: Efemérides (355): Eduardo Jorge Ferreira (Lourinhã, 1952-Torres Vedras, 2019): dois anos de saudade (Rui Chamusco)


Eduardo Jorge Pinto Ferreira (Lourinhã, Vimeiro, 1 out 1952- Torres Vedras, 23 nov 2019). Membro da  nossa Tabanca Grande em 31 de agosto de 2011.


HÁ DOIS ANOS

Há dois anos que o amigo, irmão, Eduardo Jorge nos deixou.
Partiu para o lado de lá, sem qualquer despedida, 
sem que ninguém estivesse à espera do que aconteceu. 

Na véspera, sexta feira dia 22, ao almoço, 
tinha me dado a notícia de que iria ser operado 
para remover uma pedra no rim, 
mas que tudo iria correr bem. 

Mal sabia eu que nunca mais estaríamos juntos, neste mundo, 
partilhando momentos de amizade única. 
O Eduardo era para mim um irmão, 
sempre pronto a ajudar-me, a sosorrer-me. 
Era o meu cuidador, 
sobretudo em momentos em que a minha saúde mais precisava.

A sua presença física faz-nos falta,
 ainda que acreditemos de que ele está presente, 
mesmo sem o vermos e lhe tocarmos.

Tudo o que dissermos,
 todas as explicações,
 todas as lembranças que nos possam ocorrer,
 não substituem a falta que ele nos faz.

Por isso, Eduardo, os teus amigos e conhecidos, 
e sobretudo os teus famíliares, te recordam com saudade. 
e prometemos que jamais te iremos esquecer. 


UM GRANDE ABRAÇO de todos nós.
 
Rui Chamusco
membro da antiga Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã, 
professor reformado, 
natural de Malcata / Sabugal, a viver na Lourinhã / 

Guiné 61/74 - P22743: Notas de leitura (1395): "Nunca digas adeus às armas: os primeiros anos da guerra da Guiné", de António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, Lisboa, Edições Húmus, 2020: um livro escrito com autoridade (João Crisóstomo, Nova Iorque)

 1. Mensagem de João Crisóstomo (que já voltou a casa, em Nova Iorque, depoia de um a visita de um mês e tal ao seu país de origem)

Data - sexta, 12/11, 23:28 (há 10 dias)
Assunto - Um comentário ao livro “ Nunca digas adeus às Armas”.



Caro Luís Graça,

 Como sabes, fui ao lançamento do livro “ Nunca digas adeus às armas “ ( os primeiros anos da guerra da Guiné), um trabalho conjunto de Beja Santos e António dos Santos Alberto Andrade.

O lançamento teve lugar no Palácio da Independência, junto ao que resta da igreja de S. Domingos e do teatro D. Maria II. Na altura eu tive o cuidado de pedir a um dos presentes para tirar umas fotos junto com o Beja Santos, no momento em que este assinava a minha cópia do livro que comprei, mas por razões que não sei explicar não encontro nenhuma dessas fotos no meu I Phone. Não sei se fui eu ou a Vilma que inadvertidamente apagámos os fotos por engano ou se a pessoa que as tirou não soube dar conta do recado e não chegou a tirar nenhuma foto, apesar de eu e o Beja termos pensado que o momento estava a ser devidamente registado no meu I Phone. 

 E também não sei onde pus alguns nomes e notas que na altura escrevi, com intenção de fazer um apanhado dos momentos mais relevantes relacionados com assuntos e camaradas da Guiné durante a minha estadia em Portugal. Não posso deixar de me sentir sem jeito, direi mesmo estúpido, pela maneira desastrosa como por vezes consigo fazer ( ou não fazer ) coisas que, além de interesse. merecem também cuidado e atenção.

Oxalá alguém dos muitos que aí estiveram presentes tenham o cuidado de fazer uma cobertura sobre o acontecimento. A presença foi grande, salão quase cheio e com a presença de muitos ilustres, cujos nomes, na falta das minhas notas nem vou tentar mencionar, na certeza de que outros com mais autoridade do que eu não deixarão de o fazer.
 
Um comentário ao livro “ Nunca digas adeus às Armas”.

Ontem foi o “Dia de antigos combatentes" aqui nos USA. Um dia bom para finalizar a leitura do livro “ Nunca digas adeus às armas “ ( os primeiros anos da guerra da Guiné). 

 Conforme o próprio Beja Santos explica, este trabalho é baseado num livro de poesia que ele encontrou, da autoria de António dos Santos Alberto Andrade que pôs em verso o que foi a sua experiência na Guiné como parte do Batalhão de Cavalaria 490. 

Este relato em verso, devidamente incluido no decurso do trabalho, é a coluna vertebral do livro. É na base deste livro que Beja Santos, baseado na sua própria experiência na Guiné e nos muitos anos de investigação e estudo que Beja Santos desenrola as suas considerações, anexando com muita propriedade os testemunhos de muitos outros autores que sobre a Guiné também escreveram. 

Foi dito e salientado por vários no decorrer da apresentação deste livro, que Beja Santos é neste momento talvez a maior autoridade sobre a maioria de assuntos relacionados com a Guiné Bissau,  especialmente até ao momento da aquisição da sua independência de Portugal. Concordo.

O resultado é, na minha opinião, uma “obra prima” que consegue dar, mesmo aos menos versados no assunto, uma visão abrangente do que foi este período e permite uma maior clareza sobre o amaranhado que foi não só no terreno mas também no campo diplomático, a luta na Guiné. 

Evidentemente que haverá sempre diferentes opiniões sobre qualquer assunto relacionado com a Guiné. A experiência e convições de cada um levam a que uma mesma realidade possa ser vista sob diferentes ângulos e levar a diferentes conclusões. Este trabalho tem o mérito de ser resultado de trabalho que foi feito sob um prisma de relacionamentos com outros e não um trabalho isolado, dum determinado tempo e situação. E daí, na minha opinião, o seu muito valor.

Para os que vierem a ler este livro, permito-me uma palavra de aviso para os que ainda hoje vivem e experimentam dor com tragédias de quem quer que seja. E digo-o porque tendo eu também vivido e experimentado situações semelhantes no meu tempo na Guiné ( 1965-1967), ainda não pude agora,  ao ler este,  deixar de me sentir confuso umas vezes, revoltado outras, triste quase sempre pelas descrições horríficas, infelizmente reais que vários testemunhos e descrições me faziam reviver.

Embora toda a "história da Guiné” seja de alguma maneira “mencionada" neste livro, Beja Santos concentrou este seu trabalho no período que abrange os primeiros anos da luta armada. Debruça-se especialmente sobre os anos de Louro de Sousa e de Arnaldo Schulz mencionando o facto de o trabalho destes ser muitas vezes comparado desfavoravelmente em relação ao do General Spínola sem ser levada em devida consideração as diferentes condições bem diferentes, sob o ponto de vista de relacionamento com Lisboa, as condições no terreno e os meios ao dispor de cada um.

Um outro ponto que merece não ser esquecido: o apresentar Amílcar Cabral como um grande estadista, visionário mas pragmático, "extarordinário dirigente político…um dos raros africanos do século XX que podem ser alcandorados ao nível dos grandes dirigentes do mundo contemporâneo, apesar da pequenez do seu país"( Chaliand em “ nunca digas adeus às armas” Pag 213.) que , não fosse a cegueira dos nossos dirigentes de então e a sua morte por assassínio em 1973, poderia ter levado o problema a uma solução completamente diferente, uma que poderia ter salvaguardado os interesses de Portugal e dos guineenses, muito diferente do que foi a triste e desastrosa que todos conhecemos.

Uma leitura obrigatória para aqueles que a Guiné gostam de lembrar, e dela com autoridade ouvir falar.

João Crisóstomo, 
Nova Iorque 12 de Novembro, 2021.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22742: Parabéns a você (2006): José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BART 6523/73 /Nova Lamego, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22728: Parabéns a você (2005): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf - CCS/QG/CTIG, BART 2917 e CCAÇ 2701 (Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72)