segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23895: Notas de leitura (1534): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Gérard Chaliand, talvez o mais conceituado historiador francófono do movimento revolucionário, teve oportunidade de acompanhar Cabral no interior da Guiné em 1966 e obter os elementos concludentes da estratégia de guerrilha por ele montada, nomeadamente a partir de 1960, depois do insucesso de conversações com o governo português. Ponto curioso é o que ele observa acerca da fase do desenvolvimento da guerrilha em que se encontravam que abria campo para com melhor armamento se fazerem operações de caráter esmagador sobre este ou aquele objetivo, à semelhança do que ocorrera ou estava a ocorrer no Vietname ou na Argélia. Ele não chegou a ver o desenvolvimento dessa fase, foi assassinado em janeiro de 1973, só meses depois ocorreria a Operação Amílcar Cabral com os objetivos bem definidos de Guilege e Guidage. Chaliand também não esconde que não houve teórico revolucionário em África, e porventura no mundo do seu tempo, como Amílcar Cabral.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (3)

Mário Beja Santos

Tanto quanto me é dado saber, não existe um documento em que Amílcar Cabral esclareça sobre quais as fontes documentais em que se baseou para arquitetar o seu pensamento e a liderança da luta armada na Guiné. Vários estudiosos procuraram os testemunhos de companheiros de Amílcar Cabral em Lisboa, um deles, Marcelino dos Santos, fez referência às leituras de todos aqueles jovens ardentes nacionalistas, obras de cariz político, de Gorki a Jorge Amado. Mas o que, em concreto, Cabral lera dos grandes clássicos da guerrilha, dos seus contemporâneos do Vietname ou da Argélia, por exemplo, não se conhecem anotações. Basil Davidson mostrou uma grande surpresa quando, em 1960, conheceu em Londres Amílcar Cabral e o ajudou a pôr em inglês aquele documento referente aos factos da Guiné colonial que ele apresentou numa conferência de imprensa, era ainda Abel Djassi. Surpresa pela riqueza das observações do profundo conhecimento do terreno. É um período de sensibilização à escala internacional, os resultados foram bem modestos, mas o documento revelava alguém que até procurava negociar com a potência colonial a independência. Obviamente que Cabral estava informado da evolução da guerra da Argélia, do que se passava da Tunísia a Madagáscar, as insurreições nas colónias britânicas em África, havia o Congo, e fervilhavam as lutas de caráter anticolonial na Rodésia, na Namíbia e na África do Sul. Sonhava-se com federações, houve a tentativa de cessação do Biafra e lutas pela independência no Corno de África.

O que Gérard Chaliand vem dizer na sua obra monumental Estratégias da Guerrilha, Payot, 1994, para a qual concorreram inúmeros especialistas que discursaram sobre as guerrilhas em todo o mundo, é o que ele experimentou diretamente quando acompanhou Cabral no interior da Guiné em 1966 e deu origem a um livro publicado em 1967, intitulado Luta Armada em África. Pôde apreciar como se processava a organização global dessa luta, conversar com vários líderes, reter o pensamento de Cabral nas suas tiradas tribunícias em várias localidades, não escondendo a impressão de que havia algo de diferente na proposta cabralina, um projeto cultural que desse identidade ao país com base naquela luta anticolonial; um elevado sentido de independência e de repúdio de qualquer forma de exploração fosse por brancos, fosse por negros; provocou-lhe assombro aquele discurso de alguém que punha a mulher ao nível do homem, exaltando o trabalho, fazendo a apologia de um desenvolvimento onde não faltariam escolas nem hospitais, havia que aproveitar sem tréguas a experiência da luta armada para encontrar novas fórmulas económicas; a plena convicção de que a luta armada não podia progredir sem o apoio das populações; o PAIGC não era ele, era constituído por todos que estavam conscientes dos objetivos da luta; manifestava o seu profundo apreço pela organização das raparigas, na escola, no trabalho e nas milícias, as comissões de tabanca eram o embrião de uma democracia revolucionária que exigiam um constante trabalho político de debate para dar coesão ao esforço coletivo; era bem claro em todo este discurso do líder do PAIGC que não se deviam criar diferenças entre os combatentes e as populações, a questão central passava pelo repúdio de todos aqueles que se opunham à liberdade do novo país e por isso a formação política precedia sempre a formação militar; não iludia o modo como se deviam superar os problemas étnicos e como, a partir do final de 1964, a relação de forças passava a ter pontos favoráveis para a guerrilha… Gérard Chaliand assistiu a debates em que estavam de um lado Cabral, Chico Mendes e Osvaldo Vieira e as populações do outro, registou perguntas e respostas, interrogou vários dirigentes para se aperceber quanto aos primórdios da sublevação e como gradualmente o PAIGC foi ofuscando grupos competidores, como ia chegando o armamento e materiais indispensáveis a Conacri, como, a partir de 1964, fora criada a estrutura militar, as FARP, as milícias, hospitais, escolas, armazéns. Obviamente que Chaliand apresenta números que correspondiam aos dados da propaganda, alguns deles claramente fantasiados, serviam para embasbacar aqueles que nunca pedem o contraditório, por estarem do lado da revolução, o que se dizia sobre as operações do Como era um puro delírio, uma mentira descarada.

Também em 1966, num artigo publicado na revista Le Nouvel Observateur, pouco depois de vir da Guiné, Gérard Chaliand faz uma síntese da sua viagem, dos bombardeamentos na região do Morés, ele visitou, vindo pela fronteira senegalesa, primeiro a base de Djagali, depois Maké, as suas escolas e o posto médico, ouviu depoimentos, ganhou nitidez o pensamento de Cabral. Contrariamente à teoria do foco, o PAIGC começara um longo trabalho de preparação política, Cabral dera-lhe nota de que não era suficiente assimilar os quadros gerais da teoria revolucionária, impunha-se determinar os traços específicos da realidade guineense, precisava de tempo, de auscultação. Aí Chaliand observa que estes preparativos nada tinham a ver com a teoria do foco, houvera um trabalho de reconhecimento e de agitação, Cabral aproveitara o reconhecimento direto, impusera-se a formação de quadros, o trabalho de agitação no interior e a organização de uma estratégia de guerrilha que contasse com o apoio das populações.

Chaliand tomou nota que o PAIGC estava numa segunda fase de guerrilha, ainda em desenvolvimento, já tinham sido afastados os guerrilheiros violentos que aterrorizavam populações, caminhava-se para uma simbiose entre o partido e a guerrilha, a partir de Conacri impusera-se uma circulação permanente entre a direção, os quadros, os guerrilheiros e os camponeses, instituíra-se o direito à crítica, a explicação e o diálogo. Cabral teimava que apesar da guerra e da disciplina que ela implicava, o direito à crítica era a fonte mais segura da democracia, e que ela estava a funcionar, apesar das múltiplas dificuldades. Naquele ano de 1966, o PAIGC considerava que as atividades militares portuguesas já estavam altamente condicionadas, havia estradas intransitáveis, já não se fazia a circulação no rio Corubal, no Sul só havia operações das forças especiais, tal o peso e a intimidação da guerrilha. Ainda não se punha, isto dito por Cabral, a articulação da luta nas florestas e formas de luta urbana, mas não tardaria chegar-se a essa fase. Disse a Chaliand que para passar a uma ofensiva mais destrutiva seria necessário atingir uma dimensão de formações capazes de atacar o adversário de forma esmagadora, quartel a quartel, povoação por povoação, mas ele não esquecia o sucesso das guerrilhas chinesa, vietnamita e cubana. É esta a exposição de Cabral no quadro de 1966. Só em 1973 é que houve meios para concretizar tal estratégia de guerrilha, como sabemos.

Materiais utilizados por Amílcar Cabral em Conacri entregues ao Museu Militar da Luta de Libertação Nacional, Bissau, 2018
Amílcar Cabral com jovens treinados na China
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Notas do editor

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Último poste da série de16 DE DEZEMBRO DE 2022 >
Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23894: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte IX

 


O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem mais de 290 referências no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS “MATAS” DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»

OS CONTEXTOS DOS “FACTOS E FEITOS” EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM “CRUZ DE GUERRA”, DA ESPECIALIDADE “ENFERMAGEM”

PARTE IX

► Continuação do P23711 (VIII) (15.10.2022)

1.   - INTRODUÇÃO


Com este antepenúltimo fragmento relacionado com o tema em título, continuamos a partilhar no Fórum da Tabanca Grande os resultados obtidos nessa investigação. Com ela, procura-se valorizar, em particular, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da “saúde militar” (e igualmente no apoio a civis e população local) – médicos e enfermeiros/as – na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde se procura descrever cada um dos contextos da “missão”, analisando “factos e feitos” (os encontrados na literatura) dos seus actores directos “especialistas de enfermagem”, que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).

 

2.   - OS “CASOS” DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os “casos do estudo” totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com uma «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por “actos em combate”, conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.

Nesta antepenúltima parte - a nona - analisaremos mais dois “casos”, ambos registados durante o ano de 1967, onde se recuperam mais algumas memórias dos seus respectivos contextos.

No quadro 1 (abaixo), referem-se os casos nominais que faltam contextualizar (n-6).


Aproveitando a elaboração do presente fragmento, voltamos a reproduzir o quadro geral dos “condecorados”, onde o seu universo foi estratificado por posto e ano da condecoração, com a divisão das frequências por triénios.


Quadro 2 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de indivíduos do Exército, com formação específica na área dos «Serviços de Saúde Militar», condecorados com medalha de «Cruz de Guerra» por “actos em combate”, e considerados como fazendo parte da população deste estudo, é de 24 (vinte e quatro), todos eles pertencentes a diferentes Unidades de Quadrícula em missão no TO.


Verifica-se, ainda, que desse universo, 1 era Alferes médico (4.2%), 4 eram Furriéis enfermeiros (16.6%), 15 eram 1.ºs Cabos Enfermeiros (62.5%), 1 era 1.º Cabo maqueiro, 1 era Soldado auxiliar de enfermagem (4.2%) e 2 eram Soldados maqueiros (8.3%).
É relevante o facto de entre os anos de 1968 e 1971 não ter havido “condecorações” na mesma especialidade do grupo do estudo, assim como no último ano do conflito (1974), uma vez que no 1.º triénio (1963-1965) foram registados 7 casos (29.2%) e no 2.º triénio (1966-1968) os distinguidos foram 15 (62.5%).
É também de relevar o facto de que durante o 1.º sexénio (1963-1968), foram contabilizadas 22 condecorações (92% dos casos), equivalente à soma dos dois primeiros triénios, enquanto no 2.º sexénio (1969-1974) só se verificaram, apenas, duas (8%).
Pergunta-se: O que se terá passado nos anos de 1968 a 1971 para não se terem registado condecorações na área da “Saúde Militar”?

3. - OS CONTEXTOS DOS “FEITOS” EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM “CRUZ DE GUERRA”, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE “ENFERMAGEM” - (n=24)

3.17 - MANUEL AUGUSTO RODRIGUES MIRANDA, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCAÇ 1501, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE 



A décima sétima ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a segunda das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1967 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título ao longo da sua comissão. Merecem, todavia, destaques, os comportamentos tidos nas acções «Operação Mutação», «Operação Assédio» e «Operação Açoite 10».

► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ Portaria de 26 de Setembro de 1967:



“Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o 1.º Cabo, n.º 5484365, Manuel Augusto Rodrigues Miranda, da Companhia de Caçadores 1501 [CCAÇ 1501] – Batalhão de Caçadores 1877, Regimento de Infantaria 15.”

● Transcrição do louvor que originou a condecoração:

“Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, louvar o 1. Cabo n.º 5484365, Manuel Augusto Rodrigues Miranda, da Companhia de Caçadores 1501 – RI 15, pela maneira como se tem comportado em todas as acções em que tem tomado parte, acorrendo prontamente aos locais em que há feridos a assistir, não se poupando ao perigo desde que o exercício da função da sua especialidade assim o exija.

A este escrupuloso cumprimento do dever alia desembaraço, resistência física e grande serenidade debaixo de fogo, qualidades estas que muito têm contribuído para o cumprimento da sua missão.

Durante a «Operação Mutação», demonstrou qualidades de presença de espírito frente ao inimigo, deslocando-se à rectaguarda da coluna para prestar os primeiros socorros a um ferido grave, evitando com a sua intervenção oportuna que o mesmo continuasse a perder sangue, com grave risco de vida. De salientar o facto de ser a primeira operação em que tomou parte.

Na «Operação Assédio», logo que teve conhecimento da existência de feridos, imediatamente se deslocou debaixo de fogo inimigo para o meio da clareira onde as nossas tropas estavam a ser emboscadas. O seu desembaraço, serenidade, dinamismo, total dedicação e excepcional presença de espírito permitiram-lhe assistir sozinho a todos os feridos. No regresso, a sua notável resistência física contribuiu para que prestasse uma assistência permanente, durante várias horas do deslocamento, aos feridos que eram transportados em macas, conseguindo que os mesmos chegassem ao quartel em razoáveis condições de serem evacuados.

Mais uma vez, na «Operação Açoite 10», a sua acção mereceu ser citada no relatório da operação, pela eficiência demonstrada na assistência a um ferido.

Mercê da sua coragem, valentia e solidariedade para com os camaradas, o 1.º Cabo Miranda tornou-se credor de muita estima e admiração de todo o pessoal da sua Companhia, constituindo a sua presença um elemento moralizante.” (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV, p 455).

CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA



Não tendo sido possível obter quaisquer informações sobre detalhes factuais relacionados com as três operações anteriormente identificadas, tomámos a iniciativa de considerar, para enquadramento particular deste contexto, outros aspectos da actividade operacional em que intervieram forças da CCAÇ 1501.

Está neste caso a sua participação na «Operação Inquietar», realizada entre 9 e 11 de Maio de 1967 (de 3.ª a 5.ª feira), na região de Sare Dicó, que tinha por objectivo executar acções de força sobre o acampamento IN de Canjambari, Sector L2, em coordenação com as forças do Agr 1976 (infogravura abaixo).

No livro da CECA consta que as forças intervenientes nesta «Operação», que contaram com apoio aéreo, foram organizadas em quatro destacamentos: Dest. A = CCaç 1685; 1 GC CArt 1690 (do, então, Alf. A. Marques Lopes) e 1 do PCMil 3; Dest B = CCaç 1689 e 1 Sec/CMil 3; Dest C = CCaç 1501, 1 GC CCaç 1499, 2 Sec/CMil 2 e 1 Sec/CMil 4; Dest D = 1 PRec 1578.



● Resultados => As NT destruíram um acampamento com 10 casas de mato, depois de terem 
passado revista e capturado 1 "longa", roupas e utensílios domésticos. Depois foi detectado outro, que foi assaltado; capturadas 2 "longas", destruídos numerosos artigos, utensílios domésticos, e derrubadas 30 casas de mato (acampamento de Cambajú). As NT destruíram ainda 10 casas de mato, sendo 5 cobertas com zinco, e capturaram, além de material, documentos e munições diversas, o seguinte armamento: - Lgfog "P-27 Pancerovka" 1-MI"M-52" 1 - Esautom"V-52" 1 - Esp "Mauser " 1 - "Longa" 3 - Gmdef "F-1" 6 - Gmdef"RG-34" 3 - Granadas de "lgfog" 3 - Carregadores de esautom "V-52" 7 " da ml "Degtyarev" 2" da mi "M-52" 2 - Gmdef 1 Munições: - Da esautom "M-52" 217 - Da mi "Degtyarev" 92 - Da pmetr "PPSH" 30 - De pistola 23 - Da eautom "Kalashnikov" 18 - Da esp "Mauser" 3 (CECA, 7.º Vol., Tomo II, p 44).

● Porém, durante esta investigação encontrámos informações mais desenvolvidas, ainda que não coincidentes, nomeadamente quanto ao período indicado na fonte oficial, como foi o caso do Poste 94, publicado no Blogue da CART 3494 em 18 de Fevereiro de 2011, cujo conteúdo se transcreve:

◙ «Operação Inquietar I» - de 9 a 15Jun1967 (de 6.ª a 5.ª feira seguinte).

Ø Situação Particular => Há notícias de que o IN tem um acampamento em CANJAMBARI além de outros espalhados pela mata do OIO. O IN tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.

Ø Missão => Executar uma acção em força sobre o acampamento IN de CANJAMBARI em coordenação com as forças do Agrupamento 1976.

Ø Forças Executantes => As mesmas indicadas no livro da CECA

Ø Desenrolar da Acção =>

09Jun1967 (6.ª feira) = Os destacamentos A e B deslocaram-se em meios-auto de FÁ para BANJARA. Devido à falta das viaturas militares para os transportar houve necessidade de recorrer a requisição de viaturas civis, utilizadas apenas no troço FÁ - SARE BANDA. A concentração das forças em BANJARA foi morosa, pois teve que se fazer por escalões. Iniciada pelas 07h00 terminou pelas 16h00.

● 10Jun1967 (sábado) = Pelas 02h00 os destacamentos A e B iniciaram junto o movimento
para CASA NOVA que atingiram pelas 06h00. Pelas 06h50 as NT abriram fogo sobre 2 elementos desarmados tendo abatido um e ferido outro num braço, quando tentavam a fuga. Interrogado este revelou a existência de uma tabanca nas proximidades, localizado depois em BANJARA 2A4. Pelas 13h50 atacaram este objectivo que o IN abandonou precipitadamente. - As NT destruíram 10 casas de mato, depois de terem passado revista e capturado uma longa, roupas e utensílios domésticos. Pelas 12h30 as NT atingiram GENDO, utilizando o prisioneiro como guia [imagem ao lado], onde pararam para comer. Em exploração das declarações prestadas pelo guia os Cmdt’s Dest. A e B que estavam juntos decidiram seguir a corta-mato para SAMBA CULO, durante a noite, se até iniciarem a progressão não fossem detectadas. Pelas 13h00 ouviram um tiro isolado do lado NW, que lhes pareceu de reconhecimento. Pelas 14h40 um Gr IN estimado em 15 a 20 elementos flagelou durante cerca de 20 minutos com armas automáticas: PM, LGF, e Mort. 60, a posição onde as NT se encontravam, mas sem consequências.

- O Comandante do Dest. B decidiu então, como medida de excepção, desviar-se para BANJARA 5A5 e daqui progrediu durante a noite em direcção a SAMBA CULO. Pelas 17h30 as NT já se encontravam em andamento quando ouviram o rebentamento de duas granadas de mort. 60 no local onde estacionaram. Cerca das 18h00 as NT avistaram 2 elementos dos que seguiam em direcção às NT. Ao detectá-los internaram-se no mato. Momentos depois ouviu-se o lançamento de 1 granada de Mort., tendo as NT avançado imediatamente sobre a posição onde se supunha estar instalada a arma. Assaltado o acampamento foram capturadas 2 longas, destruídos numerosos artigos e utensílios domésticos, roupas, alimentos, catanas, bicicletas e destruídas 50 casas de mato, acampamento de CAMBAJÜ situado em BANJARA, 3CL. O Cmdt. Dest. B decidiu então atravessar a bolanha do Rio Cambajú, para passar a noite em BANJARA 3EL e progredir depois sobre SAMBA CULO.


 11Jun1967 (domingo) = Pelas 05h00, debaixo de chuva torrencial, as NT progrediram ao longo do Rio Cambajú, seguindo o Dest. B à frente. Pelas 08h00 o Dest. B capturou um elemento IN, que explorado levou as NT a destruir outro acampamento. Cerca das12h00 o PCV entrou em contacto com o Dest. B, que lhe solicitou que sobrevoasse o Dest. C que necessitava da sua presença e voltasse depois. Em vão o PCV tentou contactar de novo com o Dest. A e B. No resto da manhã e durante a tarde de 11Jun67, pelo que não foi possível reabastecê-los como estava previsto, apesar de todos os esforços de ligação do PCV, dos T-6 e HELI. Finalmente pelas 17h50 conseguiu o PCV contactar com o Dest B, que pedia a evacuação de 1 ferido, evacuado momentos depois por um HELI. No seu regresso a Bissau, depois de feito o reabastecimento do Dest. C verificou-se que os Dest’s. A e B se encontravam pela região do ponto 38 (BANJARA 2D4) e dado o estado precário do pessoal, pediu autorização para retirar o que lhes foi negado.

12Jun1967 (2.ª feira) - Pelas 08H00, como o PCV não aparecesse e os Dest. A e B não tivessem sido reabastecidos, os Cmdt’s dos Dest’s decidiram progredir para SW, tendo atingido BANJARA pelas 09h00 altura em que surgiu o PCV e lhes comunicou que de BAFATA saíra uma coluna com os reabastecimentos e com as instruções a cumprir durante o dia 12 e na noite de 12/13Jun. O Dest. A recebeu ordem de montar emboscadas sobre o itinerário BANJARA - MANTIDA e o Dest. B recebeu ordem de montar emboscada na região de BANTAJÃ, mas que não resultaram.

13Jun1967 (3.ª feira) - Iniciado o regresso, os Dest. A e B chegaram a FÁ pelas 12h50.

Nota: Sobre esta operação consultar outros textos de A. Marques Lopes em  postes  P48 e P49, de 7 de Junho de 2005.

3.17.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1501

            = BULA - BISSAU - MANSOA - TEIXEIRA PINTO - INGORÉ - PELUNDO - FAJONQUITO  

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 15 [RI 15], de Tomar, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1501 [CCAÇ 1501], a terceira Unidade de Quadrícula do Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877; do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas], embarcou no Cais da Rocha, em Lisboa, em 20 de Janeiro de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do Cap Inf Rui Antunes Tomaz, tendo chegado a Bissau a 26 do mesmo mês.

3.17.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1501

Após a sua chegada a Bissau, a CCAÇ 1501 seguiu em 04Fev66 para Bula a fim de efectuar a adaptação operacional na região de Bula-Pelundo-Jolmete, sob a orientação do BCAV 790 [28Abr65-08.02.67, do TCor Cav. Henrique Alves Calado (1920.06.12-2001.11.12)] até 21Fev66, após o que recolheu a Bissau, ficando na função de subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe. Em 26Mar66, seguiu para Mansoa, sendo atribuída em reforço do BCAÇ 1857 [06.08.65-03.05.67, do TCor Inf. José Manuel Ferreira de Lemos], com vista à segurança e protecção aos trabalhos da estrada Mansoa-Mansabá, tendo-se instalado num aquartelamento temporário no Km 10, a partir de 31Mar66 e até 15Jul66, após o que recol08.02.66-heu, de novo, a Bissau. Em 21Jul66, seguiu para Teixeira Pinto, a fim de reforçar o dispositivo do seu batalhão [BCAÇ 1877 – 08.02.66-06.10.67, do TCor Inf. Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas], com vista à actuação ofensiva na área do Churo, cedendo ainda um GrComb para reforço temporário das guarnições de Ingoré, de 21Jul66 a 29Set66 e de Pelundo, a partir de 29Set66. Em 26Jan67, seguiu para Fajonquito a fim de render a CCAÇ 1497 (26.01.66-04.11.67, do Cap. Inf. Carlos Alberto Coelho de Sousa], tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector em 31Jan67, com Grs Comb destacados em Tendinto e Cambajú e ficando igualmente integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão. Em 19Set67, foi rendida no subsector de Fajonquito pela CCAÇ 1685 [14.04.67-16.05.69, do Cap. Inf. Alcino de Jesus Raiano] e recolheu em 24Set67 a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 06 de Outubro de 1967 (CECA; pp 80-81)

3.18 - JOSÉ LUÍS VALENTE TEIXEIRA DA ROCHA, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCAÇ 1416, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 


A décima oitava ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe - a terceira das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1967 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título durante a «Operação Milhafre» [?], desconhecendo-se a data e a região onde a mesma teve lugar.




◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 16, de 06 de Abril de 1967, do QG/CTIG:

“Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, promulgado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 18 de Julho de 1967: O 1.º Cabo n.º 06626264, José Luís Valente Teixeira da Rocha, da Companhia de Caçadores 1416 [CCAÇ 1416] – Batalhão de Caçadores 1856, Regimento de Infantaria n.º 1.”

● Transcrição do louvor que originou a condecoração:

“Louvo o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 06626264, José Luís Valente Teixeira da Rocha, da CCAÇ 1416, porque no decorrer da «Operação Milhafre» [?], mostrou notável sangue frio e abnegação, socorrendo os seus camaradas necessitados de auxílio debaixo de intenso fogo In, numa violenta emboscada que colheu quase por inteiro toda a coluna e provocou numerosas baixas entre as nossas forças.” (CECA; 5.º Vol., Tomo V, p 108).

CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Na busca de outros elementos factuais ocorridos durante a «Operação Milhafre», tendentes a uma melhor contextualização dos mesmos, já que se tratou “(…) de auxílio debaixo de intenso fogo In, numa violenta emboscada que colheu quase por inteiro toda a coluna e provocou numerosas baixas entre as nossas forças”, situação que acabaria por fundamentar a condecoração acima, as fontes bibliográficas consultadas não nos permitem acrescentar algo mais.

No entanto, partindo do facto da mesma ter “provocado numerosas baixas entre as nossas forças”, a questão de partida era tentar saber se as houve, quantas e como ocorreram as baixas da CCAÇ 1416.

Assim, durante o ano de 1966, esta Unidade contabilizou quatro mortes, a saber:

▼ 1. - Filipe Salvador Amaral, Soldado, natural do Fundão.

● Em 24 e 25.Fev.1966, durante a «Operação Cabuca»: Em exploração de uma notícia que referia que um numeroso grupo In ia atacar Cabuca. Forças da CCaç 1416 seguiram para aquela localidade. O In, instalado junto ao rio Cumbera (afluente do Corubal) e protegido pelas rochas, fez fogo sobre as NT. Estas reagiram desalojando o In, que retirou para a República da Guiné, sofrendo 15 mortos, 5 dos quais ficaram abandonados no local. As NT sofreram 1 morto (Filipe Salvador Amaral, 1 ferido grave e vários ligeiros. (CECA, p 392).

● As restantes três baixas ocorreram em 22.Jul.1966, durante um ataque ao Aquartelamento de Medida do Boé, conforme consta no P21547 - (D)o Outro lado do Combate…

▼ 2. – Augusto Reis Ferreira, Soldado, natural de Montargil (Ponte de Sôr).

▼ 3. – Carlos Manuel Santos Martins, Soldado, natural da Cova da Piedade (Almada).

▼ 4. – Rogério Lopes, 1.º Cabo, natural de Chão de Couce (Ancião).

Eis, em síntese, o que foi apurado sobre as questões em aberto.



Foto 2 – Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 > Aquartelamento > Memorial da CCAÇ 1416 “Aos nossos mortos” … “E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”. Fonte: foto do álbum de Manuel Caldeira Coelho – P18867, com a devida vénia.

3.18.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1416

= NOVA LAMEGO - MADINA DO BOÉ - BÉLI - CHÉ-CHÉ



Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 1 [RI 1], da Amadora, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1416 [CCAÇ 1416], a primeira Unidade de Quadrícula do Batalhão de Caçadores 1856 [BCAÇ 1856; do TCor Inf António da Anunciação Marques Lopes] embarcou no Cais da Rocha, em Lisboa, em 31 de Julho de 1965, sábado, sob o comando do Cap Mil Inf Jorge Monteiro, tendo chegado a Bissau a 6 de Agosto, 6.ª Feira.

3.17.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1416

Após a sua chegada a Bissau, onde permaneceu uma semana, a CCaç 1416 seguiu em 13Ago65 para Nova Lamego a fim de substituir a CCaç 817 [26Mai65-08Fev67, do Cap Inf Fernando Xavier Vidigal da Costa Cascais (1.º); do Cap Art António José Fialho Segurado (2.º) e do Cap Inf Artur Pita Alves (3.º), como subunidade de intervenção e reserva do BCav 705 [24Jul64-14Mai66, do TCor Cav Manuel Maria Pereira Coutinho Correia de Freitas], tendo tomado parte em diversas acções realizadas nas regiões de Bajocunda, Canquelifá e Copá e, ainda, na região de Buruntuma, de 29Out65 a 28Jan66, substituída transitoriamente pela CCaç 1499 [08Fev66-06Out67, do Cap Inf Alcino de Sousa Faria], seguiu para Béli a fim de tomar parte na «Operação Lumiar» (02Mai66) e em 04Mai66 para Madina do Boé, tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector em substituição da CCav 702 [24Jul64-14Mai66, do Cap Cav Fernando Luís Franco da Silva Ataíde], com Gr Comb destacados em Béli e Ché-Ché, este até 25Jan67 e ficando, entretanto, integrada no dispositivo e manobra do seu Batalhão [BCaç 1856]. 

Tendo sofrido numerosas e fortes flagelações aos aquartelamentos, foi rendida em 10Abr67 no subsector de Medina do Boé pela CCaç 1589 [12Ago66-09Mai68, do Cap Inf Henrique Vítor Guimarães Peres Brandão] e recolheu em 12Abr67 a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Ø – «OPERAÇÃO LUMIAR» - Adenda


● Realizada em 02Mai66 com forças da CCav 702, CCaç 1416, CCaç 1417, 1 GC/3.ª CCaç, 1 PRec 693 e GCmds “Os Diabólicos, onde executaram uma batida na região do Boé. Foi estabelecido contacto com 1 Gr In que reagiu ao fogo das NT, retirando para sul; aquele sofreu 6 mortos e outras baixas prováveis. As NT capturaram, além de material diverso, 1 espingarda e destruíram a tabanca. Foram recuperados 100 elementos da tabanca de Sinchuro, sob controlo In, os quais foram conduzidos com todos os seus haveres para Cabuca e depois para Nova Lamego. Nesta missão, faleceu o Soldado da CCaç 1417, Licínio Batista, natural de Ceira (Coimbra). (CECA; p 401).

Continua…



Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

EAU; 06NOV2022

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Nota do editor:


Último poste da séroe > 15 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23711: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VIII

Guiné 61/74 - P23893: Parabéns a você (2126): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23882: Parabéns a você (2125): Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74)

domingo, 18 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23892: Direito à indignação (15): A homenagem do Presidente da República Portuguesa a Amílcar Cabral, no passado dia 10, no Mindelo




1. O poste P23865, de 11 do corrente, deu origem a cerca de duas dezenas e meia de comentários (*).

A origem dos comentários, na maior parte de repúdio e indignação,  esteve na notícia da homenagem a Amílcar Cabral, por parte do Presidente da República Portuguesa. Recorde-se aqui a notícia (lacónica) publicada na página oficial da Presidência:

Presidente da República em homenagem a Amílcar Cabral
10 de dezembro de 2022


O Presidente da República participou, na Universidade do Mindelo, em Cabo Verde, na Cerimónia de Doutoramento Honoris Causa, a título póstumo, de Amílcar Cabral.

Acompanhados pelo Reitor da Universidade, instituição que comemora este ano o seu 20.º aniversário, o Presidente da República e o Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, integraram o cortejo académico e foram recebidos por estudantes na entrada da Universidade.

Já no auditório Onésimo Silveira, onde decorreu a cerimónia, o Presidente da República, após ter feito o discurso de elogio académico ao homenageado, agraciou, a título póstumo, Amílcar Cabral, com o Grande-Colar da Ordem da Liberdade, tendo entregado as insígnias ao Presidente da Fundação Amílcar Cabral e antigo Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires.


2. Damos o devido relevo  aos comentários dos nossos camaradas e leitores (**):

(i) António Graça de Abreu:

Porque há valores e dignidade, e porque deveria haver respeito pelos nossos mortos, de ambos os lados da guerra, recordo:

O chefe supremo do PAIGC chamava-se Amílcar Cabral, tão querido e dado como exemplo de grande líder africano por algumas pessoas deste blogue, Mário Beja Santos, etc.,e hoje por Marcelo Rebelo de Sousa. 

O meu comentários ao post 21000, a 23 de Maio de 2020, sobre o cobarde assassinato dos três majores e do alferes do meu CAOP 1, em 1970, que foram desarmados ao encontro dos guerrilheiros, numa missão de paz, mortos a tiro, os corpos retalhados à catanada, leio, nos documentos do PAIGC:

Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral. Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai. Secretário: Vasco Cabral.

Amílcar Cabral – "Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais." (...)
 
Que nos valha Marcelo Rebelo de Sousa.

11 de dezembro de 2022 às 16:26

(ii) António J. P. Costa:

Qual vai ser a reacção de uma associação de ex-combatentes perante um atitude destas?
Seja ela qualquer for,  gostava de saber em que se fundamenta.

11 de dezembro de 2022 às 18:10

(iii) Antº Rosinha:


"...Cerimónia na qual participaram os chefes de Estado de Cabo Verde e de Portugal, José Maria Neves e Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente da Fundação Amílcar Cabral (FAC) e ex-Presidente cabo-verdiano Pedro Pires".

Umaro Sissoco Embaló, actual presidente da Pátria de Amílcar Cabral, não foi convidado? 

Rui Semedo (PAICV) e Domingos Simões Pereira (PAIGC) não fazem nenhuma falta para a história ficar mais completa ?

Claro que o nosso Presidente, quando diz que,  por uns meses, Amílcar não foi presidente, não se devia referir a Cabo Verde, porque nas colinas do Boé foi declarada a independência apenas da Guiné Bissau, em 24 de Setembro de 1973, nove meses após o seu assassinato.

11 de dezembro de 2022 às 18:44

(iv) Ramiro Jesus:
 
Ainda bem que as mães dos que morreram ou vieram estropiados da Guiné, já poucas cá estarão e muitas das vítimas directas também já partiram.

Como já lembrou o Graça de Abreu e eu aplaudo - pois também pisei a parada do CAOP1, que tinha o nome desses três majores cobardemente assassinados - considero esta condecoração uma traição.

Tenho até a impressão de que, se cá estivesse, até o progenitor do nosso Comandante-Chefe sentiria vergonha ou, pelo menos, algum incómodo com esta atitude.

Enquanto sofrermos de tantos complexos ninguém respeitável nos respeitará! (..:)

11 de dezembro de 2022 às 18:52

(v) Carlos Gaspar:

Vivemos tempos em que vale tudo, ou seja já nada, vale nada.A não ser ficar na fotografia, mesmo que se fique mal perante a história.

Subscrevo as opiniões de Ramiro Jesus, António Graça de Abreu António Pereira Costa e António Rosinha.Estamos de luto. Já no passado recente o mesmo actor correu para os braços de Fidel, sem querer saber dos que sofreram ou morreram por acçâo dos agentes de Fidel na Guiné e em Angola, Cabinda.

11 de dezembro de 2022 às 20:26

(vi) Benjamin Bacelar:

Quando ouvi a notícia fiquei mesmo muito indignado. Para quando é que este presidente reconhece que existem Antigos Combatentes ?!
 
11 de dezembro de 2022 às 21:29

(vii) José Belo:

Pode-se respeitar o inimigo (!) (... sem necessidade de rebaixamentos complexados perante o mesmo). E, ao mesmo tempo ,desvalorizar o sacrifício supremo de alguns, arrastados por forças políticas que em tudo os ultrapassava.

São estas vergonhosas “valorizações” que separam os oportunismos políticos de alguns,de todos os outros que nas guerras de África participaram e….sofreram!

Desnecessários rebaixamentos efectuados (em nome dos portugueses) por quem os representa instuticionamente. Políticos actuais então beneficiadas por resguardadas, e convenientes,”retaguardas” do governo da ditadura.

Traz à memória uma exclamação de personagem histórica do século passado ao referir um certo tipo de portugueses:

- Que choldra! 

11 de dezembro de 2022 às 22:07

(vii) Valdemar Queiroz:

"....o primeiro dia da visita oficial a Cabo Verde, Cavaco Silva foi agraciado com o primeiro grau da Ordem 'Amilcar Cabral', uma condecoração que selou o entendimento entre os dois povos e que levou Cavaco Silva a participar nesta segunda feira nas cerimónias...."

Não sei se por razões editoriais, em julho de 2010, no nosso Blogue nem uma palavra sobre o assunto da visita de Cavaco Silva a Cabo Verde. Provavelmente em julho de 2010, a música era outra ou não era 'à la mode'.

12 de dezembro de 2022 às 00:31

(viii) Eduardo Estrela:

Pois..... Deve ter sido isso, Valdemar!... Questões do âmbito editorial.

12 de dezembro de 2022 às 07:39

(ix)António J. P. Costa:

Peço desculpa por ter pedido uma reacção deste blog/associação de ex-combatentes perante a atitude do presidente Marcelo. De mais me valeria ter ficado calado...

De qualquer modo gostava de saber se o blog toma uma atitude e qual, sendo certo que lhe deveria ser chamada a atenção para a acção do "Homem Grande" da qual resultaram 9.000 mortos e um número elevado de pessoas a quem falta um bocado do corpo (ou do espírito) e com os quais ele se cruza(?) quando vai à pastelaria tomar a meia de leite antes de anunciar que se vai candidatar ao 2.º mandato. E até pode ser que alterem a constituição e ele faça um 3.º mandato...

12 de dezembro de 2022 às 09:43

(x) Carlos Vinhal:

Camarada Valdemar Queiroz: Na minha opinião, uma coisa é o Prof. Cavaco Silva ter sido, durante uma visita oficial a Cabo Verde, agraciado com da Ordem (cabo-verdiana) Amílcar Cabral, outra, bem mais grave pelo menos para nós Antigos Combatentes, é o Prof Marcelo Rebelo de Sousa ter-se deslocado a Cabo Verde para agraciar postumamente Amílcar Cabral com a Ordem (portuguesa) da Liberdade.

Aos olhos de hoje, estivemos na Guiné combatendo contra aquele povo que lutava pela sua liberdade. O nosso PR, ao agraciar Amílcar Cabral, está, como agora é moda, a pedir desculpa e a reparar moralmente os males que infligimos a coberto do regime anterior.

No meio disto tudo, qual foi então e qual é agora a nossa posição, enquanto Antigos Combatentes? O que fomos ontem e o que somos hoje? É isto que devemos discutir no Blogue e não andarmos aos "tiros" uns aos outros.
 
12 de dezembro de 2022 às 11:40

(xi) Eduardo Estrela:

Longe de mim qualquer ideia de alfinetar quem, com tanto esforço dedicação e entrega, tem contribuido ao longo de todos estes anos para a memória colectiva de Portugal, deixando um legado extraordinário para as gerações futuras.

Quando fiz menção a questões editoriais, foi no sentido de dizer que há assuntos que muito provavelmente não deveriam ser abordados no blogue, em respeito aos princípios que o norteiam de não se discutir religião política e clubite desportiva.

Penitencio-me por eventuais mal entendidos e apresento aos camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal as minhas desculpas, extensivas ao resto dos intervenientes no blogue.
 
12 de dezembro de 2022 às 11:46

(xii) Manuel Luís Lomba:

Com ou sem contradições - e contraditórios - a história não se reescreve! Amílcar Cabral nasceu e morreu português, logo foi um libertador português, merecedor da condecoração da Ordem da Liberdade: Libertou Portugal da Guiné....

O libertador de Cabo Verde não foi Amílcar Cabral - foi o MFA! Na libertação de Cabo Verde, o PAIGC nunca deu um tiro, nunca fez um prisioneiro: O MFA deu tiros e fez prisioneiros...

12 de dezembro de 2022 às 12:39

(xiii) Abilio Duarte:

(...) Não estou de acordo, com o que o Presidente Marcelo fez...ponto. Não é desta maneira, que se branqueia tanto sofrimento.

12 de dezembro de 2022 às 16:50

(xiv) Valdemar Silva:

Meu caro Carlos Vinhal, no que eu me fui meter. Na verdade, e atiro-me pró chão, esqueci-me de escrever o que escrevi, por forma a não deixar dúvidas quanto ao não querer referir a tua intenção ou do Luís Graça na publicação deste poste. Note-se, quanto à intenção, de trazer à nossa Tabanca o tema 'vejam o que o Marcelo foi fazer'.

Como entendo, que estas questões são levadas para a política partidária, dá sempre azo a pontos de vista, que por isso até são conforme a "música" do momento.

Com certeza todos sabemos quem foi Amilcar Cabral, ele e todos os do PAIGC, que nos atacaram quando estivemos na guerra longe da nossa terra.(e podia desenvolver sobre os culpados de ter havido uma guerra mais de dez anos).

O exemplo que apontei, por não ter tido a mesma clave de dó, quanto a outro presidente ter ido a Cabo Verde, poderia ter feito o mesmo com Mário Soares e Jorge Sampaio, que quando foram em visita não disseram 'não me falem no Amilcar por causa daqueles majores'.

Mas porque os majores, quando todos dias Amilcar ou outros do PAIGC diziam 'mais uns colonialistas foram mortos pelos nossos valentes combatentes'? Já não falando das condecorações de Angola e Moçambique.

Por ser 'à la mode', provavelmente estará ou estarão a ser contactadas as Assembleias Municipais, respectivas, para picaram as placas toponímicas de Amilcar Cabral, em ruas ou praças de várias localidades do país. Quanto ao resto, meu caro Carlos Vinhal, a enaltecer a tua dedicação:

(...) Quanto abrires o teu armário
das surpresas imprevistas,
não desistas, não desistas.
E se encontrares dentro dele
farrapos velhos, desbotados,
desdenhados. Não desistas.
E se vires viscosa aranha
com peçonha no seu ventre,
olha pra ela de frente
que ela passa sem tocar-te.
Não desistas, não desistas.

(poema muitas vezes dito pelo meu amigo e nosso camarada Renato Monteiro)

12 de dezembro de 2022 às 18:11

(xv) António J. P. Costa:

O blog é, suponho eu, uma associação de ex-combatentes. Já foi perguntado aos ex-combatentes afinal o que queriam. A resposta foi simples e complexa ao mesmo tempo: Respeito.

Depois vieram aquelas "benesses" de que todos desfrutamos e que aceitamos sem contestar.
Mas isto a que se assistiu passou das marcas. Não é necessário fazer grandes esforços de memória. Basta recordar os que morreram ou ficaram com um bocado do corpo (ou do espírito) a menos por se terem agrupado connosco sob o mesmo número de unidade militar. Não é sequer necessário procurar as mortes ou os ferimentos mais "relevantes" e que não esqueceremos. Sabemos que os dolorosos factos ocorreram e é isso que é suficiente para se tornar imoral a atribuição de condecoração da Ordem da Liberdade ao Chefe do Inimigo, pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa e com um discurso verdadeiramente inaceitável em que as "frases bombásticas" e laudatórias atingem a ofensa.

Já disse que perdi a guerra, mas temos de concordar que o presidente do meu pais (democraticamente eleito), vir a público louvar o chefe dos inimigos é uma desconsideração é um desrespeito para com todos os que deram o seu esforço durante onze anos na guerra da Guiné.(...)

13 de dezembro de 2022 às 13:01

(xvi) Valdemar Queiroz:

Isto é tudo muito bonito, como diria o outro. E acrescentava:

- 18-06-1990: Nino Vieira em Portugal é recebido pelo 1º. Ministro Cavaco Silva
- 01-07-1996: Nino Vieira visita Portugal é oferecido um banquete com as principais figuras
do Estado
- 1999 a 2005: Nino Vieira viveu em Portugal.

Quantos portugueses teriam morrido por ataques dirigidos por Nino Vieira ou até por ele próprio?

Os tempos eram outros, calhando a clave de dó não se percebia e nem sequer havia música.
Agora só falta chamar nomes aos camaradas que vão à Guiné como cooperantes e que vão sempre abraçar antigos INs, do PAIGC, que várias vezes lhes atacaram o Quartel.

(xvii) Carlos Vinhal

Caríssimo Valdemar Queiroz: Em 18/06/1990, o Presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, foi recebido pelo Primeiro-Ministro de Portugal, Prof Cavaco Silva e pelo Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Soares. Em 01/07/1996, o Presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, esteve em visita oficial a Portugal. Entre 1999 a 2005, Nino Vieira esteve a viver em Vila Nova de Gaia na qualidade de refugiado da Guiné-Bissau.

Em Dezembro de 2022, o nosso Presidente desloca-se expressamente a Cabo Verde para condecorar, postumamente, com a Ordem da Liberdade, o fundador do PAIGC, Amílcar Cabral, a quem esta condecoração não aquenta nem arrefenta. Qual terá sido o motivo desta distinção? Por que não foi explicada? Acho até que se fez um silêncio ensurdecedor em volta desta viagem relâmpago e do seu motivo principal.

14 de dezembro de 2022 às 19:51

3. Acrescente-se mais dois comentários que nos chegaram por email ou Formulário de Contacto do Blogger:

(xviii) António Carlos Morais Silva (através do Formulário de Contacto do Blogger,  em 17/12/2022, 22:47):

O 'homem grande' Amílcar Cabral", disse ainda o chefe de Estado, ao anunciar a entrega à família do Grande Colar da Ordem da Liberdade "em nome de Portugal". "Como esperar um dia mais para prestar uma homenagem por tanto tempo adiada?"

Assim se desonra a memória dos 1127 expedicionários Mortos em Combate nas terras da Guiné. Amparado no grande Miguel Torga repito: “Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”

(xix) Morais Silva, por mensagem de hoje, às 11:25:


Por ser leitor do blog https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com, sei que Mexia Alves é um ex-combatente (Guiné). Também eu não aceito que se condecore o Chefe Inimigo responsável pela morte de 1127 expedicionários, Mortos em Combate na Guiné, entre os quais uma dezena dos meus subordinados.

Marcelo é um populista que em cada 24 horas transforma a presidência num circo. Condecorar, em nome da República, quem destruiu/destrói a vida dos Nossos só merece o desprezo de quem combateu em África e não renega o que fez nem ensaia tardios e cobardes actos de contrição.

Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), seguindo-se os irmãos: Maria, Avelino, Manuel (que esteve na Guiné), Eduardo (o columbófilo) e na fila da frente o João (o Don Juan da família) a Noémia e o Joaquim, o mais novo.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


 1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 27 de novembro passado:

Bom dia, Luís: como vai essa perna? Espero que em plena recuperação.

Por sugestão do nosso camarada Beja Santos envio partes do meu livro, no qual faço referência à família e infância, para caso de consideres pertinente o partilhares com os camaradas e amigos do blogue.

Sempre a considerar-te e um grande abraço. Joaquim Costa. 


2. Comentário do editor LG: 

Obrigado, Joaquim. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e  "Furriel Pequenina", que complementam o teu  livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina".  É verdade, todos temos uma origem, uma mãe, e quase sempre um pai e, naquele tempo, um bando de irmãos... E, na maior parte dos casos, uma alcunha... A infância e a adolescência da geração que fez a guerra e a paz, não diferem muito de Norte a Sul, de Vila Nova de Famalicão à Lourinhã.  Estas memórias, que faziam parte do plano original do teu livro, têm todo o cabimento no nosso blogue.  Para mais, estão recheadas com o teu saudável e fino humor. Saúdo, por isso, a tua reaparição. E aproveito para te desejar, a ti e a toda a família, um Bom Natal e um Melhor Novo Ano de 2023. Em meu nome e dos demais editores e colaboradores permanentes do blogue. Eu, por cá, vou indo... Um alfabravo fraterno. LG
 

 Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte I:  A pomada milagrosa

O tigre azul ou tigre maltês (espécie muita rara), foi visto na província chinesa de Fujian. Eu asseguro que existiu uma família desta linda espécie em Vila Nova de Famalicão

Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro,
o mesmo não podem dizer-se dos meus irmãos.

O pai Zé e a mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais e da gripe espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família

O Zé, naquele contexto, trabalhou numa pedreira (de granito), mais escultor que pedreiro, tal a arte como trabalhava a pedra. Não tendo frequentado a escola, lia o jornal (devagar, devagarinho), e fazia contas como ninguém. Quase “bacharel”, na aldeia abriu uma pequena mercearia/taberna, que para além de melhorar as sua condição de vida, lhe deu estatuto social e garantia de eleitor, na União Nacional, claro! (manga de ronco).

A minha memória está cheia de memoráveis e ternurentas histórias vividas com o meu pai, mas a da ida ao médico...!!!

O meu pai andava há vários dias a queixar-se com dores nas costas, situação que não o deixava dormir nem fazer as suas lides diárias no amanho de um pequeno terreno. A minha mãe já não suportava tanto queixume, lembrando que também lhe doía um joelho e que não se queixava tanto. Contudo, sugeriu, para sossego dela e dele, que fosse ao médico, ao Dr. Cândido, proprietário de uma quinta na região, e grande produtor de vinho.

A insistência da minha Mãe acabou por o convencer. Vai daí, convidou-me para ir com ele ao dito médico. O percurso acidentado para a casa do médico foi feito em esforço, com paragens frequentes para dar descanso às costas do meu pai. As queixas eram tantas que até eu sentia as dores do Velho.

Chegados à casa senhorial do médico, depois de uma caminhada sofrida, demos dois puxões ao arame que acionava uma sineta de bronze, acordando os cães, que foram os primeiros a chegar ao portão. Logo de seguida chega a empregada, de avental branco de linho com “folhinhos” de renda, que lhe dava um ar angelical, nossa conhecida, que saúda o meu pai:

  Então, sr. José! Tudo bem lá em casa? O que o traz por cá? Coisa boa ou coisa má?... (coisa boa se vinha comprar vinho, coisa má se vinha por causa de alguma maleita.)

Respondeu o meu pai que gostaria de ser consultado pelo Doutor, sobre uma ligeira, mas incomodativo, dor de costas:

 Muito bem,  sr. José, entre e espere um pouco neste banco de pedra que eu vou chamar o patrão que está lá para baixo para o lameiro.

Passados uns bons minutos chega o Dr. Cândido, de galochas enlameadas, de enxada na mão, chapéu de palhinha na cabeça, camisa branca salpicada de suor, mancando ligeiramente:

  Boa tarde,  sr. José, desculpe a minha demora mas ultimamente tenho andado com umas dores nas costas que nem me deixa dormir nem fazer o que mais gosto que é as minhas caminhadas pelos campos. Mas não vale a pena a gente queixar-se Sr. José, tal como sabiamente dizem os homens na sua taberna, é o “PêDêI”, e quanto a isso nada há a fazer a não ser aligeirar esta maldita dor com a pomada da adega.

Fomos então encaminhados para a dita adega (o consultório) onde o bom homem e excelente médico (o nosso João Semana) partiu um pouco de pão de milho, ainda quente, acabado de sair do forno, e avantajadas fatias de presunto. Enquanto ia tirando o batoque da pipa para vazar vinho para uma caneca de barro, pergunta ele ao meu pai:

  Então o que o trás por cá, sr. José?

O meu pai ficou desarmado pelo desabafo do médico e já não teve coragem para dizer ao que vinha e começou a gaguejar, acabando por dizer que vinha saber se ainda tinha alguma pipa disponível para venda.

“Bucha” de pão e naco de presunto puxa pela pinga… a pinga puxa pelo pão e pelo naco de presunto e este pela pinga e assim sucessivamente até a conversar começar a tropeçar no arrastar das palavras.

Abruptamente, enquanto se sentia, ainda, algum discernimento, avançou-se para o negócio

Selou-se o mesmo com mais um brinde, e, já com as dores de costas atiradas para trás das costas, regressamos a casa, com o meu pai curado, dada a desenvoltura e alegria como caminhava, e ainda com uma garrafa de vinho no alforge oferecida pelo médico.

Chegados a casa, logo a Gracinda perguntou ao Zé:

  Então! e o médico, receitou-te alguma coisa para as costas?

  Deu-me lá uma pomada milagrosa que me limpou logo a dor.

  Ainda bem! E trouxeste mais dessa milagrosa pomada?

 
  Trouxe...

  Dá cá então para eu pôr também aqui no meu joelho a ver se me dá cabo desta dor malvada…

 
   Diacho de mulher!…     desabafa o Zé.

(Continua)

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