O Luís Humberto, procedendo a arrumações (?), num local (Brasil?) que não indicou.
Foto: Luís Humberto Monteiro (2008).
Notícias da diáspora guineense... Não podemos ignorá-la... Os melhores quadros da Guiné-Bissau (médicos, engenheiros, juristas, investigadores, gestores, empresários...), mas também muitos dos seus melhores jovens vivem e trabalham no estrangeiro... Que esperança resta a quem fica ? É importante conhecermos as histórias de vida, os sentimentos, as emoções, as expecativas de quem, um dia, por uma razão ou outra partiu, à procura de melhor sorte..
O termo diáspora não tem nada de crítico, depreciativo, paternalista ou, muito menos, neocolonialista. Ainda recentemente se realizou, em Lisboa, de 7 a 9 de Dezembro último, o I Fórum de Diálogo e de Intercâmbio da Diáspora Guineense em Portugal... em que, de resto, participou como orador o nosso tertuliano Leopoldo Amado...
Por outro lado, as remessas de dinheiro, enviadas pelos guineenses da diáspora para as suas famílias são de uma importância vital para a economia da Guiné-Bissau. Segundo uma estimativa do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), um organismo ligado à ONU, a Guiné-Bissau seria o país de África mais dependente das remessas dos seus emigrantes:
(...) Em África há países cuja 'dependência' das remessas é mais do que notória, sendo a Guiné-Bissau um deles. Com uma diáspora recente, e com o país praticamente paralisado economicamente, as transferências da diáspora guineense responderam, em 2006, por 48% do PIB desse país, o que o coloca no primeiro lugar de África. Em S. Tomé e Príncipe, essa contribuição ficou calculada em 39%, seguindo-se a Eritreia com 38%...
Relativamente a Cabo Verde, cuja contribuição das remessas para a formação do PIB tem vindo a decrescer com a expansão de outros sectores económicos, nomeadamente o turismo, as divisas dos emigrantes agora representam 34%, ainda assim um dos mais altos do mundo (...) (A Semana 'on line').
Abramos, pois, uma nova série para falar sobre (e deixar falar) a diáspora guineense... (LG)
1. Do Brasil, mensagem de Luís Humberto Freire Monteiro, 15 de Janeiro de 2008, enviada ao co-editor vb:
Gostaria de conhecer um pouco da tua história como comando e dos demais companheiros, tais como o Djamanca (...).
2. Comentário do vb:
Pensei que fosse um antigo Camarada da guerra da Guiné, residente no Brasil, querendo saber de Camaradas que eventualmente tenha conhecido naquelas terras. Respondi em 20 de Janeiro de 2008:
Luís Humberto,
Publiquei em tempos um blogue, o http://tantasvidas.blog.pt/, um 'ajuste de contas' com o meu passado militar. Nele pode encontrar referências e imagens do Djamanca e de outros Camaradas daqueles tempos.
Cumprimentos,
vb
3. Nova mensagem do Luís Humberto Monteiro, com data de 21 de Janeiro
Agradeço por ter respondido meu e-mail. Eu sempre tive admiração dos comandos africanos desde os idos anos 72. Na verdade eu já era um moço, e com certeza se não fosse a independência eu seria dos comandos.
Pena que a nossa história fala pouco ou quase nada a respeito. Na verdade digo mais, a política de Spínola POR UMA GUINE MELHOR, houvesse tido sucesso, seria uma Guiné Melhor, e não a Guiné de hoje.
Eu sou Guineense radicado no Brasil por conta própria, há 23 anos e sempre tive curiosidade de ler as informações que o Sr. Luís Graça nos proporciona na Internet, daí eu vi que tu eras um dos comandos no front em Bissau.
Resolvi-te mandar este pequeno e-mail solicitando algumas informações a teu respeito e a dos demais comandos.
O que poderes me mandar a respeito da guerra colonial eu agradeço desde já,
Um grande abraço
4. Identificado o Autor da mensagem, prossegui, incentivando-o a dizer algo sobre ele:
Caro Luís Humberto,
Une-nos um passado comum. Assim quis a História dos nossos Povos Irmãos. Nem sempre nos demos muito bem, o que só dignifica a natureza de que és feito. Pertences a um Povo indomável, orgulhoso da Mãe África.
Luís, fala algo de ti, apresenta-te. Onde nasceste, quando, quem eram os teus Pais, qual a tua etnia de origem, onde estudaste, como foste parar ao Brasil. Lembras-te de alguma coisa da Guerra no teu País? Tens uma foto tua, para dar a tua entrada no blogue? E permites que a faça?
Um abraço, com os desejos que sejas muito feliz,
Vb
5. Não tardou a resposta do Luís Humberto (*):
Eu sou Guineense radicado no Brasil há 23 anos, vim para cá aos 19 anos, porque percebi após o golpe de estado do NINO, Bissau estava indo para bancarrota, resolvi sair fora em 1984, quatro anos após o golpe de estado.
Nasci em Bissau no bairro de Am[e]dalai, estudei na missão católica, frequentei o liceu de Bissau, e a minha etnia é PEPEL.
No Brasil formei minha família com Brasileira e tenho dois filhos (um casal), especializei-me na área de informática , tenho nível médio, é com essa formação que sustento minha família.
Não tenho partido político desde 1998 e não vou a Bissau de férias.
Eu lamento profundamente que a Independência que todos nós almejámos não era essa independência (dependência) que hoje a Guiné-Bissau vive. Temos um velho ditado que diz TEMPO DI TUGA MÁSSABI (traduzindo, Tempo Colonial Era Melhor). O PAIGC não gostava muito de ouvir isso.
Volto a repetir a título de informação, me interessei pelo blogue do Sr. Luís Graça, porque é o que mais abordou a nossa história da guerra , e por seres um dos daquela época, resolvi te procurar.
Muito obrigado pela interação.
__________
(*) Em anexo o Humberto enviou-me o artigo transcrito abaixo e publicado, em 18 de Janeiro de 2008, no sítio http://www.didinho.org/pensador.htm
Crónica de um Descrente!
Elia, o homem mais velho da aldeia. Foto de Ernst Schade, publicada na página do Fernando Casimiro (Reprodzida aqui, com a devida vénia...).
Por Marinheiro da Solidão (em homenagem a Jorge Cabral)
Janeiro de 2008
Após quase 4 horas de viagem, o avião inicia o seu trajecto descendente. Começa-se a vislumbrar o verde do meu país , cortado por braços de água. Uma imagem quase idílica. Não há dúvida que a mãe natureza foi generosa.
O avião imobiliza-se. Somos recebidos por um bafo de humidade. Estamos em casa. O aeroporto encontra-se apinhado de gente. Está quente. Vejo vários aparelhos de ar condicionado, mas nenhum parece funcionar.
À entrada uma oficial da Polícia de estrangeiros e Fronteiras dá-me as boas vindas. Quase que nem olha para o meu passaporte. Diz-me directamente e sem grandes subterfúgios:
- Amigo...Nô tene peditório!
Diz-me isso com o ar de quem não está à espera de uma resposta negativa. Confiança acima de tudo! Siga!
Passado esta recepção agradável, chega a etapa de arranjar um pedaço de chão em frente ao tapete rolante. As pessoas armam-se como podem para a batalha da colheita de malas.. Aqui e ali ouve-se:
- Amigo, amigo, qui mala i di mi, qui mala i di mi...
Após uma longa batalha e litros de suor...tenho a minha mala. Dizem-me que tive sorte. Ela chegara intacta! Pelos vistos, não tem sido costume.
Segue-se a etapa da abertura e revista das malas. Diz-me um militar todo solícito:
- Djubi dé...pa ka no cansau kabeça, danu dê qualquer kussa...
Que simpático, penso eu! Ao fim de 2 horas no aeroporto, vejo o sol. Vamos enfrentar a cidade de Bissau.
Cá estou eu na Avenida principal a caminho do centro da cidade. De ambos os lados vejo, em construção, autênticos palacetes... dizem-me que é a nova moda (da estrada do aeroporto a Antula, do Bairro de Ajuda ao Sacor, passando por Safim). Pelos vistos, muita gente recebeu heranças inesperadas em pouco mais de um ano. A julgar pelo que vejo, acredito!
Chegado a casa, dizem-me que estão há 5 dias sem água ou luz. Não acho estranho, estou mentalmente preparado! Mas de repente...dizem-me que sou um sortudo...Não é que "luz ku iagu bin"! Alegria total.
Nos dias seguintes sou brindado por imagens de jeeps e mais jeeps (seja o célebre Hummer ou o K7 ou sei lá mais o quê). Está bem que a estrada não está lá grande coisa, mas com aqueles carros quem é que precisa de estradas? O trânsito está infernal na Av 14 de Novembro. Pelos vistos não há mais nenhuma estrada de jeito!
Encontro toda a gente preocupada com os salários...Todos perguntavam se o governo iria pagar antes das festas (tanto muçulmanas como católicas). Pelos vistos, até ao fim do ano não houve nada para ninguém! Também não ouvi nenhum governante dar explicações. Aliás, em duas semanas, não me lembro de ter ouvido alguém com responsabilidades no país dizer alguma coisa sobre qualquer coisa.
Pessoas próximas contam-me de casos passados no Hospital Simão Mendes. Parecem tirados de um filme de terror de 7ª categoria. Por exemplo, na maternidade há preços para tudo. Uma cesariana custa à grávida 45.000 francos XFO, tendo ainda de pagar:
- O jantar do médico (com letra bem pequena) - 10.000 XFO
- As noites passadas no hospital (sendo que o dormir no chão custa 2500 XFO/noite)
- As enfermeiras cobram para cada curativo ou cada injecção, tendo ainda as pobres parturientes de se levantar, indo ter com as excelentíssimas senhoras enfermeiras (elas dizem que sim) aos seus cadeirões respectivos para fazerem, muito contrariadas, o tal penso!
Sinto-me nauseado. Prefiro não ouvir mais. Mas pelos vistos nem tudo corre mal. As discotecas encontram-se cheias. Qual cenário hollywoodesco...é ver chegar carros topo de gama com jovens da nossa praça que, de um momento para o outro, são os novos ricos do país, concorrendo pela posse das miúdas, mesas na discoteca e em casos extremos fazendo uso das suas belas pistolas em plena pista para marcar o seu território nos negócios! Um cenário a lembrar os gangs dos Estados Unidos..muitos filmes andam a ver de certeza. Dizem-me que são presos na hora pelos Ninjas. Mas no dia seguinte encontro-me com eles pelas ruas esburacadas de Bissau. Afinal quem é que manda?
Pela primeira vez na vida, estou desejoso para que as férias em Bissau cheguem ao fim. Mas antes de deixar o país sou confrontado, no aeroporto Osvaldo Vieira, com mais uma sessão de peditórios, desde o pessoal que anda a fazer revista das malas ao oficial de polícia que tem como obrigação controlar o passaporte no acto de saída (a este, digo que já não me resta um único euro...olha-me com um ar furioso! -ali bu passaporte!). Agradeço.
Finalmente, o Airbus da TAP faz-se à pista e descola! Pela primeira vez sinto-me aliviado ao deixar o meu país.
Durante a viagem vem-me à cabeça o poema, Desafio, de Tony Tcheka.
Desafio
Até parece
que a Sul o tempo parou
até parece que o Sol
que nos queima
é obtuso e sisudo
até parece
que fomos privados
do apetite
da vontade
da lucidez
até parece
que irrompemos
d'algum ventre enteado
palavra que parece
Até parece que perdemos o Norte
e que o Sul é recôndito
confinado à malvadez
e cozinhados da fada má
Sul é amargo da boca
e o Santo na mão
Será sina castigo ou destino
marcado nos porões negreiros?
E o desespero a fome
a doença os bolsos minguados
todos esses fieis companheiros serão mosteiros
ou simples penitência
para salvar a alma do corpo sofredor?
Mas palavra que apetece
soltar um grito
e desafiar de vez
esta força imensa
que se alimenta da minha doir
da nossa dor!
__________
Nota de vb:
A propósito de um artigo do Leopoldo Amado (salvo erro) "Coisas de Brancundade", escrevia eu, vb, há tempos atrás a um Camarada do blogue:
"O que dirão os que lutaram pela independência dos seus chãos? Foram tão dignos na luta, como indignos devem ter sido alguns que assumiram o poder depois de Setembro de 1974.
Mas, este assunto é deles, de um país independente. Como é que verão, como é que eles nos verão a discutir assuntos da vida deles?
Do nosso blogue, sei-o porque já o ouvi, fala-se que é um blogue do lado deles, do PAIGC, entenda-se. Que estamos a glorificar a luta deles, com pouco respeito pelos nossos que lá deixaram a carne, os ossos, tudo. E que o Simpósio da Guiné, é o exemplo da negação da nossa luta e da justiça da luta deles.
E, se agora, abrimos o blogue a um diário da Guiné actual, o que dirão de nós? E, no entanto, faz-nos falta que alguém nos fale da Guiné."
A resposta do Camarada:
"Não temos medo das palavras... O nosso blogue deve ser um espaço aberto, crítico mas aberto e franco. E porque não fraterno ? Agora, não é decididamente do PAIGC. O que se passa hoje na Guiné-Bissau (e que é trágico, deprimente) não tira qualquer legitimidade (histórica) à luta do PAIGC.
A nossa guerra estaria, sempre fatalmente, condenada à derrota. Eu sei que é duro dizê-lo, em letra de forma, ainda hoje, perante camaradas (portuguses e guineenses) que deram o melhor da sua juventude na luta contra a guerrilha do PAIGC (e muitos a vida ou a saúde). Respeito profundamente esse sentimento de perda, de luto e de impotência. "