sábado, 21 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

1. Segunda parte de um trabalho relacionado com a actividade do PAIGC na zona de Guidaje em Abril/Maio de 1973, enviado pelo nosso camarada José Manuel Pechorro, ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, em mensagem do dia 29 de Setembro de 2009:


O ASSÉDIO DO IN A GUIDAGE
De Abril a 09 de Maio de 1973

Parte II

Dia 8 de MAIO de 1973, Terça-feira

Na véspera, deitei-me cedo e adormeci profundamente.
Pelas 01.15 horas fomos arrancados da cama por estrondos fortíssimos. Saltei do colchão e magoei-me no joelho, chegando sonâmbulo ao Posto de Rádio. A seguir vieram as granadas de morteiro. Passei a flagelação junto ao Operador de Transmissões, em serviço. O IN, em número não estimado, visou com 3 foguetões de 122mm e morteiro 82, rampas de lançamento na região de Samoge. Passaram por cima do recinto, caindo a cerca de 500 a 1000 metros, dentro do Senegal e na bolanha, onde viria a ser encontrada a empenagem de um. Base de fogo de morteiro na região do marco 126. Durou 10 minutos. Foi boa a reacção das NT, com o obus, morteiro 81 e armas ligeiras (desnecessárias). Só tivemos um ferido ligeiro.

Bigene foi flagelado ao mesmo tempo com foguetões e canhões sem recuo.
Trocámos opiniões e voltámo-nos a deitar, depois de cifrado o RELIM, comunicando o acontecido a Bissau. Lá fora a noite está escura e cai cacimba, bem fresquinho. Custou-me a adormecer novamente.

Nota: A guarnição de Guidaje possue 3 obuses 105 mm (do Pel Art 24) e 1 mort 81 mm.

SURPRESA!
Passadas 2 horas (04,40), fui novamente acordado pelo estalar das granadas de 82 mm. Pela primeira vez, durante mais de 16 meses, com a CCaç 19, somos atacados 2 vezes no mesmo dia. Durou 20 minutos. Resposta com morteiro 81 e obuses, como deve ser. Na população 1 ferido ligeiro. Não ripostamos com armas ligeiras, como no anterior, o que me agradou.
Mais uma mensagem a codificar e uma noite quase sem dormir, é o que eles nos arranjam, os turras!

O dia amanheceu bonito, mas húmido, com vestígios de neblina. Quase todos saímos para ver os possíveis estragos e os sítios dos rebentamentos. Alguns em tronco nu, em cuecas e chinelos nos pés, saboreando a manhã. Já se notava o bater do milho nos pilões de madeira, executado pelas bajudas.

Por volta das 06 horas começou-se a ouvir os motores de viaturas ao longo dos marcos da fronteira: Senegal marco 126; Facã, interior TN.

- Esta é boa! Então os cabrões (dizia alguém), de dia vêm de camioneta a 500 ou 1000 metros do arame farpado? Que falta de respeito!

Disparámos 4 granadas de morteiro 81, na sua direcção. A guarnição em grupos discutia o assunto.

SERÁ AINDA SURPRESA?
Decorridos 15 minutos (6,15h), soam as Kalasknikoy e as metralhadoras ligeiras Dactarevy, instaladas no lado de lá da bolanha (Rep do Senegal). Quase na água e camuflados, nos arbustos e arvoredo, em frente da pista de aviação e da caserna do 2.º Pelotão. Logo se seguem os rebentamentos das granadas dos RPG`s, acompanhadas de morteiro 82.

Estávamos agrupados no patamar de cimento que ladeia o edifício do Comando, defronte da Secretaria: eu, o Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas, o Sold Inf Trms Correia, o 1.º Cabo Trms Janeiro e o Sarg Oliveira (que substituiu os que morreram). Um grupo que constituía um belo alvo! Aos primeiros disparos fugimos, num relâmpago, para o Posto de Rádio. Fuga milagrosa, a Secretaria foi atingida, sendo a porta arrancada por um RPG… Escapámos!

Foto cedida pelo 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, alentejano


Demorou um bocadinho a nossa retaliação e, esta foi valente.
Os militares reagiram, metidos nas valas, ripostamos com armas ligeiras (G3 e HK), morteiro 60 e 81 e obuses. Alguns dos nossos quase completamente nus, corpos suados e sujos do pó e da terra, com cartucheiras no corpo. Dormiam quando se deu o festival de fogo. Rogam-se pragas, dizem-se palavrões e dão-se berros. Só presenciando!
No outro lado do Posto Transmissões ouvi africanos dizerem:

- Estão a abusar, vamos agarrá-los e mostrar que não somos para brincar.

Um que se deslocava pediu-me os carregadores, dei-lhos, recebendo em troca os vazios.
Logo que as granadas e as rajadas abrandam a nossa gente atravessa o arame, passa a pista, mete-se na bolanha, com água! Durante a sua travessia são alvejados com rajadas de espingardas automáticas. Mas não param os nossos, perseguem o adversário surpreendido que certamente não esperava esta nossa reacção, e retira para o interior do país vizinho, através do arvoredo e do matagal. É provável que o IN já não tivesse munições.

Era o 3.º ataque e apesar do futuro não se mostrar nada prometedor (durante o tiroteio imaginei que queriam tomar o quartel), senti-me orgulhoso do nosso feito. Foi uma coisa louca, audaciosa e inconsciente, é verdade, mas um dos slogans dos nossos comandos, é: “A AUDÁCIA PROTEGE OS VALENTES”.

Se nos assediam pela retaguarda, forçando através do reordenamento, seria um problema, pois ficámos com um efectivo reduzido no nosso perímetro defensivo.
Viveram-se momentos de certa euforia.
O IN estimou-se em 80 elementos, durante cerca de 20 a 30 minutos alvejou o aquartelamento e a povoação. Sofreu baixas, durante a perseguição os nossos avistaram guerrilheiros amparados, rastos de sangue, etc. Capturados 3 carregadores Kalasknikoy, 1 cartucheira tripla, 1 cinturão e 1 cantil.

Nas NT: 1 ferido grave. Na população 3 graves (sendo 2 senegaleses) e 3 ligeiros. Um nativo ferido, depois de assistido na Enfermaria, como o sangue trespassasse as ligaduras, fez-me lembrar um perdigueiro.

Danificadas parcialmente: A Enfermaria, Secretaria e 2 casas civis.

Às 09,55 horas, outra flagelação, com morteiro 82. Durante 20 minutos. Da região de Fajonquito e do lado contrário, Facã. Resultou 1 ferido grave e 2 ligeiros. Na população 2 ligeiros.

Foto cedida pelo 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, alentejano

Os rebentamentos, na sua maioria são dentro do nosso recinto e ao redor do aquartelamento, são fortíssimos, parecendo trovões potentes em noite de violenta trovoada.
Alguns passam a mostrar-se pálidos e preocupados, mas sem perderem a cabeça. Metidos nos buracos abrigos, valas e casernas abrigo em betão armado. Ninguém sai. É o silêncio pesado.
Não reparamos nos cantares das aves, no Sol que já cai bastante quente e não se vêem as ovelhas a pastar.
Parece uma povoação e quartel fantasma…
Um Unimog trabalhando no meio da parada, abandonado pelo condutor, que entretanto se esqueceu. Uma viatura vertendo gasóleo do depósito e outra com os pneus furados ou traçados. Vive-se um filme, real e autêntico!

Fui até à caserna do 1.º Pelotão, onde conversei com o Garcia, 1.º Cabo Mecânico. Estava com ele, quando surge a 5.ª flagelação (por volta das 12 ou 13 horas), desta vez do lado das casernas do 3.º e 4.º Pelotões, com armas ligeiras, RPG,s e morteiro 82, também do lado de lá da bolanha, território Senegal.

A minha arma desapareceu, apercebi-me ter sido um soldado que a utilizou, quando correndo se foi refugiar na vala.
Abriguei-me com o 1.º Cabo Garcia, no ninho da metralhadora pesada, de que é responsável. Ao tentar manejá-la, entalou-se. O palavreado dele, muito sério, mas com piada, provocou-me o riso, que contive a muito custo, intercalado, no matraquear do tiroteio e estrondos das explosões.

A nossa resposta foi diminuta, mas de vez em quando lá trabalhavam as metralhadoras ligeiras HK e G3. Atitude realista para quem possuísse estas armas e para a gravidade da situação. O poupar munições era importante.
Regressei ao Posto de Rádio.

O grupo IN, não estimado. Houve quem afirmasse que avistou atacantes que tentaram aproximar-se do arame farpado. (?) Durou 30 minutos. As NT com mais 1 ferido ligeiro.
Bigene, apesar de sofrer flagelações, precisamente na mesma hora, auxiliou com 3 granadas de obus 140 mm, que caíram mesmo em cima deles. O raio de acção da sua artilharia ultrapassa o nosso perímetro.
Solicitou-se o auxílio da FAP, cedeu vir depois de muita insistência. Os Fiat`s pediram para todos se meterem nas valas ou abrigos, pois iam bombardear de bastante alto e muito próximo do arame farpado, com ameixas de 500 ou 750.
Um graduado que não consigo recordar, disse para avisarmos os que estavam nas valas do reordenamento, viradas para o Samoje, para se baixarem. Eu e outro camarada das Transmissões corremos a comunicar este pedido!

Foto cedida pelo 1.º Cabo Rádiotelegrafista Janeiro

Alguns elementos da população captaram e interpretaram mal, dado não perceberem bem o português; certamente julgaram tratar-se de aviões dos turras que iam actuar (?). Foi o pânico. Algumas crianças, mulheres, homens e velhos, abandonam os abrigos na povoação, para se acolherem nas casernas dos soldados. Deixando-nos baralhados.
Bombardeada a zona do fogo IN, com êxito, segundo tudo indica, provocando baixas que o entreteve durante a tarde e a noite.

O Sol está muito quente, faz imenso calor. O resto do dia foi passado em sossego. Todos precisávamos de descanso. A calma levou-nos à meditação.
Não há dúvida, querem acabar com a nossa presença neste local, é o que penso intimamente. Mas vão ter que lerpar, às dezenas ou centenas!

As relações tornaram-se pesadas, frias ou silenciosas, não se conversa, mas vai aparecendo sempre alguém que diz uma piada, forçada, neste clima sufocante.
Não se fez comida, nem estamos dispostos a ir para o refeitório, debaixo da chapa de zinco. Passamos a ração de combate, que não apetece ou não temos vontade de comer.

Como nos queixamos que temos poucas munições, é organizada uma coluna auto à pressa, com 4 viaturas, que parte de Binta para Guidaje, escoltada por 2 Pelotões de Farim, do BCaç 4512 e CCaç 14 nativa. Iniciou a marcha já tarde, pelas 18 horas.

De Guidaje, picando o itinerário, sai bi-grupo de combate ao seu encontro no CUFEU, onde montam segurança. No quartel e povoação ficamos só com 2 Pelotões e o da Artilharia 24.
Esta tabanca queimada e abandonada, no começo do terrorismo na Guiné, é local estratégico e de grande importância. O terreno é ideal e apropriado para emboscadas às colunas apeadas ou auto.
Por volta das 20,30h regressaram ao quartel, consequência das viaturas não aparecerem e existirem dificuldades nas comunicações via rádio, por as pilhas estarem fracas certamente.

O movimento auto com cerca de 65 homens não dá sinal de si! Nem responde às chamadas dos rádios, que fazem Binta e Guidage? Encalharam e não querem quebrar o silêncio da noite para não serem detectados? Desligaram os rádios? A humidade do local e a neblina impedem?

Para se ir à cantina, levamos a arma e as cartucheiras, atravessando a parada a correr.
Deitamo-nos a pensar nos que estão isolados na estrada, na escuridão e isolamento. Que se passará? Domina-nos a ansiedade e a preocupação.

Torna-se nítida a ronda do IN com as viaturas (estrada Senegal – Facã) e dentro do TN. Transportam material bélico, no regresso evacuam feridos e mortos, certamente. Agora abusam! É de noite e de dia. Os ruídos dos motores ouvem-se perfeitamente, devem estar muito perto. Provoca abalo psicológico, no silêncio da noite. Não estarão a utilizar a estrada até ao CUFEU e...?

Na emissora do PAIGCV a Maria turra, afirma:

- GUIDAJE e BIGENE terão que cair em 15 dias!


9 de Maio de 1973, Quarta-feira

Não foram evacuados os feridos graves, requereu-se a sua transferência para Bissau, a FAP não se atreveu a vir buscá-los, temem os mísseis terra-ar, o que torna vulnerável os nossos aviões.
Este problema cria um clima emocional dos diabos. Amanhã poderemos ser nós, sem um braço ou uma perna, esvaindo-nos em sangue, sabendo que é o fim. Além da nossa solidariedade para com os que padecem, nada podemos fazer. Quem os tem por perto não descansa devidamente.

Logo de manhã cerca 06 horas, já com o Sol a bater forte, apercebemo-nos que a coluna de reabastecimentos está sendo atacada. Encontra-se para cá do Genicó, a uns 3 quilómetros... (?) Trazidas pelo vento ouvem-se as explosões dos RPG`s e as granadas dos nossos dilagramas e morteiro 60.

Milagrosamente conseguimos contactá-los, no começo do barulho. Pediram que solicitássemos a Binta socorro imediato. Ligámos também para a base de Bissalanca, cujo Comandante acabou por ceder aos nossos rogos.

Que aconteceu? Accionaram uma mina anti-carro, ficando impedidos de prosseguir. Aguardaram reforços dos pelotões da CCaç 19, esperançados no nascer do dia.
Detectados e já noite, sofreram flagelação e investida, em terreno não favorável. O IN entrincheirado atrás de abatizes e covas(?) actuou.
Segundo voz corrente comandados por cubanos. A mim parece-me que são guerrilheiros de elite, vindos da Rússia e Conacry, onde foram preparados e treinados.

Hoje de manhã executaram o assalto, com grande poder de fogo. A coluna aguentou várias investidas.
O bi-grupo enfraquecido pelas baixas fugiram ou retiraram para Binta, a corta mato, amparando os feridos. Abandonaram as viaturas carregadas (2 Berliet e 2 Unimog) com o material que não consumiram.

Foram socorridos pelos seus camaradas do Destacamento de Binta.

Falou-se que tiveram 10 feridos graves, cerca de 15 ligeiros e 4 mortos:

- CCaç 14, Fur Mil At 13969971, Arnaldo Marques Bento, de Vila do Conde
- CCaç 14, Sold At Lassana Calisa, 82121669, de Bentém – Nova Lamego
- 1.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, 1.º Cab Mil Inf 089943371, Bernardo Moreira de Castro Neves, de Valongo.
- 3.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, Sold At 06853872, António Júlio Carvalho Redondo, de Barrela–Vreia de Jales–Vila Pouca de Aguiar.

Deve ter custado aos rapazes, para não deixarem o reabastecimento, aguentaram sitiados, sem comunicações. Penso nos gemidos e lamentações dos feridos, a escuridão, os gritos de guerra dos adversários, o som das armas automáticas, o medo. Aguentaram, não fugiram!

A FA acorreu e não actuou logo com receio de matar alguém das NT, em sítio não localizado. Acabou por bombardear e incendiar as viaturas a fim de impedir a sua captura. Tinham avistado pessoas em cima delas… Tentaram contacto com a coluna, não obtendo resposta e confirmando via rádio com Binta e Guidage, chegou à conclusão que eram turras…

Que baixas sofreu nestes ataques à coluna o IN? (Segundo informação 13 mortos confirmados…)

A guerrilha terá conseguido retirar algum material? Passados dias fomos flagelados com granadas de morteiro 81 mm.

Obs: Ler GUIDAJE - A PRIMEIRA GRANDE EMBOSCADA em 8/9 Maio 73 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74).

O fracasso da coluna vai entusiasmar o PAIGC, que mobiliza mais forças de outras bases para esta zona, com o fim de isolar por completo Guidage e impedir quaisquer tentativas de auxílio em géneros alimentícios ou munições.
Foi necessário organizar e realizar uma operação conjunta das NF em grande escala, para contrariar o IN.

O DESALENTO - Tantas Vidas, do Oficial Comando Virgínio Briote, com a devida vénia

A 2 GComb da CCaç 3 africana, sediada em Bigene, comandados pelos Alf Mil Inf José Manuel Levy Soeiro, da Lourinhã e José Manuel Nogueira Pacheco, que operam na zona do Samoge, montando segurança, é dada ordem para seguirem a corta mato até Guidage a fim de reforçar a sua guarnição, onde chegam por volta das 18,30horas, o que nos animou um pouco.

Durante o dia, 4 flagelações.
Dispararam de várias bases: Samoge – Facã – Fajonquito - Quelhato, principalmente.

- 18,10h, volta a música do morteiro 82, do lado da estrada; foram 10 minutos. Na população 1 ferido ligeiro;

- 22,40h, mais 10 minutos. Não respondemos a fim de pouparmos as granadas. População 2 feridos graves e 2 ligeiros;

- 23,30h, outra com o mesmo tempo, sem consequências.

- Executaram mais uma, da qual não recordo pormenores.

Não será mesmo um cerco? E a estrada, será possível passar no futuro? Os factos sucedem-se, não sabemos donde aparecerão ou se acabam.

A população passa praticamente os dias e as noites dentro ou próximo dos seus abrigos, debaixo de terra. A maioria só faz o comer indispensável, o que leva os soldados africanos a passar mal, pois quase todos são desarranchados.
Não nos visitam as crianças que nos rodeavam remexidas e sorridentes, mostrando os seus dentes brancos.

Um aquartelamento e reordenamento, interligados, envolvidos com arame farpado duplo (iluminados à noite por holofotes eléctricos), valas e abrigos, com lutadores maduros e experientes, é um osso duro de roer.
O passado da nossa CCaç 19 teve peso possível e condicionou a elaboração do plano geral do cerco a Guidage.

Em conversação via-rádio, o CMDT do Cop 3, Ten Cor António Correia de Campos, ao ouvir que os militares negros estavam abatidos moralmente retorquiu:

- Sei como são os negros. Os africanos só desmoralizam quando vêem os brancos ceder primeiro. Amanhã realiza-se nova coluna e estarei aí convosco!

Deitei-me cansado e desejando que as nossas tropas ultrapassassem o Cufeu com êxito.

Eu, junto homenagem ao Alf Preto. Foto cedida pelo 1.º Cabo Rádiotelegrafista Janeiro


Emboscada à coluna auto Guidaje - Binta
Morte do Alf Mil Inf Op Esp, da CCaç 19 (CCaç 2781), António Sérgio Preto, natural de Quintanilha – Bragança; Emboscada à coluna auto Guidaje-Binta, em 29/6/1972.


O primeiro tiro isolado disparado de cima de árvore, atingido no pescoço, saiu debaixo do braço. Encontra-se sepultado em Vale de Frades - Vimioso, no continente.

Foi vingança? Comandou Operação Sopapo nos corredores do Samoge, teve contactos com o IN provocou-lhe 8 mortos e vários feridos. Apanhado à mão, o chefe de grupo turra LASSANA JATA, ferido com certa gravidade.

Obs:

- No dia 10 de Maio de 73, a CCaç 19 só teve 5 mortos negros no CUFEU, que deixou no terreno. Os únicos que teve na estrada durante o cerco.

- O que descrevo foi o que vivi, vi, li e ouvi. Poderá ter erros de pormenor, dos quais desde já peço desculpa.

- Longe de mim tentar julgar os actos de alguém.

- Não procuro a auto promoção, mas a CCaç 19 merece ser recordada. Principalmente os soldados negros que sofreram e sofrem injustamente na pele as consequências da nossa saída da Guiné.

- O meu agradecimento ao Manuel Marinho.

Cumprimentos a todos,
Agradecido, o camarada,
José Manuel Simoa Pechorro
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de Guiné de 19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

Guiné 63/74 - P5309: Blogpoesia (58): Para os amigos e camaradas da Guiné que esta noite tiveram insónias (Luís Graça)

Lisboa > Largo da Madalena >  Pormenor da calçada à antiga portuguesa, à entrada da Igreja da Madalena..."Ontem não foi sexta-feira 13, mas bem podia ter sido" (jornal de caserna)

Foto e texto: Luís Graça (2009). Direitos reservados


[Instruções: Para ler com o melhor sorriso da Gioconda. Para todos os amigos e camaradas da Guiné que, sendo-o, são meus amigos e camaradas. Esta adenda impunha-se, por causa das minas e armadilhas da (in)comunicação humana ]

Juram, os amigos,
que a amizade não se esgota
nas questões de lana caprina.
Nem se dilui na espuma dos dias.
Testa-se e reforça-se na provação.
Dizem outros que eles, os amigos,
devem ser para as ocasiões.
Todas as ocasiões?
As pequenas e as grandes ?
As boas e as más ?
Sobretudo as más ?
A estação seca e a estação das chuvas ?
A paz e a guerra ?
Ou tudo isso é letra morta ?
Que os amigos conhecem-se
na adversidade,
diz o provérbio.
E os camaradas, na guerra,
diz o Marques.
E os colegas nas tainadas,
dizia  o António, meu instrutor
de minas, fornilhos e outras armadilhas da vida.
Quem em caça, política, guerra e amores se meter,
não sairá quando quiser.
Sairá ou não ?
Os amigos, os verdadeiros e os falsos,
conhecem-se nas ocasiões.
Que a adversidade é o teste da amizade.
A prosperidade traz amigos,
a adversidade os afasta,
diz o chinoca da minha rua,
que não tem amigos,
a não ser o dicionário de português-cantonês,
do outro António, o Abreu,
que o poderia ter escrito.
Que no céu se fazem amigos;
e,  no inferno, inimigos,
canta o poeta, cego,
tocador de cora,
deambulando de tabanca em tabanca,
no que resta do regulado de Joladu.
Que a amizade é um edifício
que leva uma vida a construir,
e que num minuto pode ruir,
garante o Esquilo Sorridente.
No aperto do perigo, conhece-se o amigo.
Essa  é a verdade, Abílio,
e a verdade é um osso duro de roer,
até para o cão que rói o osso,
na opinião do Pires, que na Guiné teve um cão.
Que os amigos fazem-se,
praticando a amizade:
tal como os caminhos que
se não se usarem,
ganham espinhos, ervas, silvas,
moitas, carrascos,
pedras soltas, calhaus, pedregulhos,
tornam-se abatizes, obstáculos, cabeços, colinas, montanhas.
Ou na versão de um velho homem grande,
africano, de Contuboel,
algures na velha Guiné agora Bissau:
A amizade é uma picada
que desaparece na areia, na bolanha ou no mato,
se não a usares todos dias,
Não aceito que digas:
- Amigo não empata amigo,
citando o Paulo, a caminho de Santiago.
Por que o amigo é isso, Vasco,
tens toda a razão,
que o amigo é para se usar,
se guardar
e se resguardar.
(Obrigado, Cordeiro, pela precisão!).
Para se resguardar das pontadas de ar,
dos tiros tensos do canhão sem recuo
e das emboscadas.
Não é para se usar, expor e deitar fora,
na berma do caminho.
A amizade não é um objecto descartável,
manda o filósofo Juvenal dizer no seu último mail.
(Ou foi o Sócrates, o grego,  antes da cicuta ?).

A conselho amigo, não feches o postigo,
além de que
amigo diligente é melhor que parente.
Sobretudo se te dói o dente.
E já que  tens  físico amigo, manda-o a casa do teu inimigo.
Dinis, que foi rei, mandou lavrar cantiga de escárnio e mal dizer:
quem seu inimigo poupa, às mãos lhe morre.

Mas atenção,
amigo disfarçado, inimigo dobrado,
escreve o ranger, o Eduardo.
E o que fazer ao amigo que não presta
e à faca que não corta ?
Que se percam, pouco importa,
decreta o Hélder,
pela telegrafia sem fios.
Também se diz que os amigos novos
metem os velhos no canto ou a um canto.
Se não se diz, pensa-se.
Será assim, mana Giselda,
que os amigos também cansam
como a sarna na pele,
como a pele e as suas sete camadas ?
Os amigos têm prazo de validade ?,
pergunto ao Briote.
Uma questão que nada tem de metafísica:
Ovo de uma hora,
pão de um dia,
vinho de um ano,
mulher de vinte,
amigo de trinta
e deitarás boa conta.
Amigo, vinho e azeite... o mais antigo.
O vinho e o amigo, quer-se do mais antigo,
recomendam o Jorge, que é engenheiro,
mais o Picado, que foi agrónomo.
E o que farei dos meus novos amigos, Virgínio ?
Faz como o vinho, Zé Manel,
se forem bons,
mete-os a envelhecer em cascos de carvalho.
E por que é que os amigos dos meus amigos meus amigos são ?
É como os filhos do meu filho, serão dele ou não…
Que ao menos, Jorge, cresçam Narcisos no teu jardim.

Que sei eu, meus amigos e camaradas da Guiné ?
Só sei do desalento
e da morte na alma
e da terrível secura na garganta
e das lágrimas que não podíamos chorar
quando trazíamos, do mato, os camaradas  mortos,
às costas...
Só damos valor às coisas, Reis,
o Humberto, o Ilídio (e quem mais ?),
quando elas nos faltam,
e aos amigos
quando fazemos o luto pela sua perda.

São tantos os estereótipos, meus amigos e camaradas,
sobre os amigos e a amizade.
Não falo, Nino, dos teus inimigos
que esses são os mais previsíveis,
estão sempre do outro lado da ponte,
que à volta eles cá te esperam.
Amigo verdadeiro, esse vale mais do que dinheiro,
meu pobre Amadu Dajaló,
bom crente, bom muçulmano,
bravo combatente,
leal aos teus amigos tugas,
tu a quem já te acusaram de mercenário.
Mas vale a morte que tal sorte,
quando os amigos que tens não os tens.
Como os velhos elefantes, voltas para o teu chão,
para morrer entre os teus
e seres enterrado debaixo do teu poilão.
O próximo teste, Henriques,
é quando ganhares o Euromilhões.
Ou quando ficares esticado no caixão,
ao comprido:
será que lá terás  todos os gatos pingados da companhia ?
Antes boa que má companhia,
nem que seja a do gás e electricidade.
Amigos, amigos, negócios à parte,
dizia o nosso primeiro,
que quem vai à guerra dá e leva.
Quem te avisa, teu amigo é,
li uma vez no bilhetinho anónimo
do tempo da delação e do inquisidor-mor.
Quem seu amigo quiser conservar,
com ele não há-de negociar.
E será que se pode blogar ?
Longe da cidade,
tanto melhor.

Mas... quem tem amigos, não morre na cadeia,
nem no exílio, dourado,
seja feio ou belo,
e mesmo que se chame José, o viking.
Um rico avarento não tem amigo nem parente.
As boas contas fazem os bons amigos.
Ao bom amigo, com o teu pão e o teu vinho.
Ao rico mil amigos se deparam,
ao pobre até seus irmãos o desamparam.
Os camaradas dizem:
Lourenço, connosco ninguém fica para trás...
Aquele que me tira do perigo, é meu amigo.
Bocado comido não faz amigo,
porque não é partilha, Belarmino.
Defeitos do meu amigo ?
Lamento, meu caro Jorge, mas não maldigo
o teu alterego Cabral.
Em tempo de figos, não há amigos.
Chacun que se governe, Carlos,
em caso de peste (de que Deus nos livre!).
Ou de ataque de abelhas.
Ou de pânico.
Ou de fobia.

Muitos conhecidos, poucos amigos:
não é nenhuma heresia,
é palavra do Senhor,
e o Senhor esteja contigo,
meu camarigo Joaquim  Mexia,
e com todos nós, filhos da humanidade,
de Abel e Caím.
Guarda-te do alvoroço do povo, Martins,
 e de travar com o doido.

Mas se calhar não há maior amigo do que o Julho
com o seu trigo que dá pão.
Olha, mulher, se não tens marido,
pouca sorte a tua,
não tens amigo e acabas na rua.
Amigo mesmo é aquele que sabe o pior
a teu respeito
e mesmo assim... continua a gostar de ti,
mesmo que tenhas perdido a tua caderneta de vôo,
meu inFélix piloto de Allouettes...

Quando uma pessoa perde dinheiro, perde muito;
quando perde um amigo, perde mais;
quando perde a coragem e a fé, perde tudo.
Difícil, meus amigos e camaradas da Guiné,
é ganhar um amigo numa hora;
fácil é ofendê-lo
e perdê-lo num minuto.
José dixit, da sua janela do Fundão que dá para a Gardunha,
a Serra da Estrela e a cova da Beira.

Hoje é o amanhã
que tanto nos preocupava ontem, Mário,
li isto no teu diário,
nas páginas dos feriados  e dos Dias de Todos os Santos...
Mas não menos sábia do que a do meu amigo Cherno
é a sabedoria do mongol:
O vitorioso tem muitos amigos, fracos,
mas o vencido tem bons amigos, valentes.
E até o otomano aprendeu à sua custa:
Quando o machado entrou na floresta,
as árvores disseram:
- O cabo é dos nossos,
mas a lâmina de aço... não a estamos a reconhecer.
Resta-nos a doce memória do passado,
As toponímias da nossa peregrinação trágico-marítima,
do Pijiguiti ao Xime,
de Bolma a Buba.
O que foi duro de sofrer,
lá longe da Pátria,
é agora doce de recordar,
no lar, no doce lar.
Olha o Cufeu, Amílcar,
olha o Cufar, Fitas!
Planta hoje a semente da amizade,
mesmo que não sejas lavrador,
para colheres amanhã a flor da gratidão.
Ser amigo é ser generoso,
é dar antes de te pedirem,
é um gesto gratuito.
Quiçá o mais puramente gratuito dos teus gestos.
Ou será interesseira, a amizade ?
Para mim, não é  como dar aos pobres...
Aí emprestas a Deus,
tu que és Paulo e Lage, tu que és pedra,
e Deus paga-te em vida ou na morte,
com os dividendos do poder,
da glória,
da fama,
da riqueza
ou da eternidade.
Se estás tão cansado, meu amigo,
Junqueira, Condeço, Tavares,
que não possas dar-me um sorriso,
eu deixo-te o meu,
a ti que és Victor,
E In Hoc Signo Vinces.
Volta o teu rosto na direção do sol, Miguel,
que és o mais strelado de todos nós,
para que as sombras fiquem para trás.
Não, nunca digas:
- Chega-te para lá,
que me tapas o meu sol.
Por que o sol quando nasce devia ser para todos.
As lágrimas dos bons caem no chão,
para poderem vir a engrossar os rios da revolta
e da indignação.
Inútil tentares juntar as tuas mãos,
João, José, Joaquim,
se elas não estiverem vazias,
diz o meu guru do Tibete,
agrilhoado.
Os amigos escolho-os eu,
os parentes são os que Deus me deu.
Quando estás certo,
ninguém se lembra;
quando estás errado,
ninguém esquece.

À laia de conclusão,
meu amigo e camarada,
de A a Z:
Antes de começares o trabalho de mudar o mundo,
dá  três voltas dentro de tua casa...
E sobretudo não esqueças a lição
sobre a parábola da Sabedoria e da Asneira:
Para os erros alheios
temos os olhos do lince;
para os nossos próprios,
os olhos da toupeira.

Luís Graça

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5308: O Nosso Livro de Visitas (70): Daniel de Matos, ex-Fur Mil, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão,  Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto aos  "restos de Gadamael", fortemente atacada pela artilharia do PAIGC.

 Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.

 1. Mensagem de 18 do corrente, do Daniel Matos, ex-Fur Mil da Companhia Independente, madeirense, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Assunto - Marados de Gadamael

Caro Luís Graça,

Há pouco enviei um comentário para o blog, mas como não tenho a certeza de que a respectiva expedição se tenha realizado a contento, transcrevo-a por esta via.

Li, entretanto, a sua observação sobre um antigo convite que me fez para colaborar com o blog, escrevendo alguns testemunhos do tempo da guerra, nomeadamente sobre os Marados de Gadamael, e ao qual nunca cheguei a responder. Não foi por preguiça, terá sido por falta de disposição e de tempo, pois além da actividade profissional dedico-me a outras, não me sobrando muitas horas para a família, sequer.

Curiosamente, em tempos idos, um dessas actividades foi precisamente a escrita, procurando passar para o papel uma espécie de "História da Companhia".

Porém, nos convívios anuais que efectuamos no continente (a 3518 era uma Companhia madeirense) fui verificando que um mesmo acontecimento era relatado por cada um de nós de maneiras por vezes bem diferentes e, não querendo fazer prevalecer o que os meus olhos viram e a minha leitura dos factos, resolvi alterar tudo para o campo da ficção, seguindo cada personagem outros caminhos, ao sabor da pena.

Isso veio a dar origem a um livro que estou agora a rever. Alguns contos foram publicados de forma avulsa, e premiados por alguns municípios. Mas como ficção pura, não creio que seja matéria que interesse ao blogue.

Também o meu amigo de longa data A. Marques Lopes, membro do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, já insistiu comigo para escrever e eu nunca correspondi a esse pedido. O mesmo agora o fez o ex-alferes Juvenal Candeias (da 3520, de Cacine).

Penso em breve libertar-me de algumas ocupações e, mal isso aconteça, prometo compartilhar algumas memórias convosco.

Cordiais saudações.
Daniel de Matos

2. Comentário de L.G.:

Tratemo-nos por tu, o que facilita a comunicação (o pôr em comum) entre dois camaradas da Guiné. Obrigado pelo teu mail. I want you... Tu interessa-nos, as tuas histórias interessam-nos. Temos falado pouco ou nada de Gadamael, com excepção do período de Maio/Junho de 1973, em que o PAIGC concentrou a sua artilharia sobre este aquartelamento, depois da retirada de Guileje (22 de Maio de 1973). Temos falta, inclusive, de fotos de Gadamael. Os teus textos serão bem vindo, mesmo os literários, os contos, aquilo a que tu chamas ficção - já aqui publicámos alguns, de outros camaradas,  a par de poemas, etc. O Juvenal também já me falou em ti. Veio isto a propósito do infortúnio dos teus camaradas Ferreira e Telo, mortos em Guidaje e cujos restos mortais foram recentemente trasladados...

Tomo boa nota do que referes no teu comentário ao poste: o Telo já havia sido ferido numa mina em Gadamael e estivera hospitalizado em Lisboa, antes de regressar à Guiné "para morrer em Guidaje".

Entretanho, registo também com apreço a mensagem do teu e nosso amigo Juvenal Candeias, ex-Alf Mil, CCAÇ 3520 (Cacine, 1972/74)

"Luís,
Na sequência do teu pedido, no blogue, sobre encontrar alguém da 3518 que escrevesse alguma coisa, contactei o Daniel Matos, que me parece a pessoa melhor colocada para o fazer e que é 'boa gente'. Sei que ele já te contactou e que brevemente vai começar a escrever. Missão cumprida.
Um abraço. JC!"

Ficamos, pois, por aqui. Cumpres as regras da praxe, pagas a jóia (2 fotos + 1 história) e passas a ter a senha e a contra-senha para ingressares na Tabanca Grande, que já é maior do que a de Gadamael do teu tempo... Ou não ?

Fica bem. Dá notícias. Ficamos na expectativa de sabermos a história dos Marados de Gadamael.

__________

Nota de L.G.:

Último poste da série > 3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5199: O Nosso Livro de Visitas (69): António Marquês, ex-Fur Mil da CCAÇ 4810 (Moçambique, 1972/74)

Guiné 63/74 - P5307: Da Suécia com saudade (16): É neste caldo de cultura que o nosso blogue é grande (José Belo)

1. Mensagem do José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, desde 1976:


Caros Camaradas e Amigos!

(Já com malas feitas,  pela quarta  vez, para partir em férias com a família,e quem tem família sabe como isto é!)

Mais uma menos útil tempestade de navegação. E, por muito que, aparentemente, a alguns custe a compreender,todas estas "tricas" mais não serão que um simples APONTAMENTO DE FIM DE PÁGINA quando estudiosos futuros se debrucarem sobre o riquíssimo conteúdo do Blogue.

As memórias, relatos e interpretações que continuamente chegam à Tabanca Grande são trazidos por indivíduos de todas as origens sociais, com os mais díspares graus de educação escolar, de todos os locais do país, e que durante o seu serviço  militar na Guiné desempenharam todas as possíveis funções dentro da instituição militar.


Os acontecimentos não foram observados por um único par de olhos, mas sim por olhos com diferentes níveis de capacidade de intrepretação e observação, não esquecendo os diferentes níveis de sensibilidades individuais.


É NESTE SOMATÓRIO QUE A TABANCA GRANDE É TÃO RICA!

 Se a isto se adicionar o facto destes relatos se terem prolongado ao longo de, pelo menos, uma década, temos como feliz resultado serem estas vivências transmitidas por OBSERVADORES QUE OCUPARAM OS MESMOS LOCAIS NO ESPAÇO MAS NÃO NO TEMPO!

 Aquartelamentos, destacamentos, tabancas, tipo de operações, tipo de armamento, zonas mais ou menos perigosas, Altos Comandos, tudo nos é fornecido de modo a vir a ser possível em futuro mais ou menos próximo (espero!) uma compilação única e detalhada do que foi aquela década.

Quanto a mim não será ISTO que é a Tabanca Grande ?

Estocolmo 20 Nov 2009

José

___________

Nota de L.G.:

Vd. último poste da série > 10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5250: Da Suécia com saudade (15): Ainda Spínola, a honradez e o carácter de um jovem militar (José Belo)

Guiné 63/74 - P5306: Tabanca de Matosinhos (13): Jantar de Natal de 2009 no dia 12 de Dezembro no Restaurante do Café das Artes, Porto (Álvaro Basto)

1. Transcrição do P273* da Tabanca de Matosinhos convidando todos os ex-combatentes da Guiné e seus familiares para o tradicional Jantar de Natal

Face ao crescimento exponencial do número de inscrições para o nosso jantar anual de Natal, vimo-nos forçados a alterar o local do mesmo.

Assim, o jantar realizar-se-á na mesma no dia 12, já não em Matosinhos no restaurante Milho Rei, mas sim no Porto.

Por sugestão de um dos nossos camaradas, escolhemos o Restaurante do Café das Artes localizado no terraço do edifício do Teatro do Campo Alegre.

Vamos pagar 20,00 €uros e a ementa será constituida por:

Entradas,
Bacalhau com broa, batatas e legumes,
Bolo-rei e rabanadas de sobremesa.
Para terminar, café e digestivos.
Os vinhos serão os da Quinta Senhora da Graça do Zé Manel

Aspecto da sala de jantar

Como ir

Localização

IMPORTANTE
É necessário quanto antes proceder à marcação do jantar já que se prevê uma grande afluência e, atempadamente teremos de indicar no restaurante o número de pessoas para que a comida não falte.

ESPERAMOS PELA VOSSA MARCAÇÃO ATÉ AO DIA 09 DE DEZEMBRO

Marca a tua presença para o email: tabancapequena@gmail.com

Não te esqueças de trazer uma pequena lembrança por pessoa, no valor máximo de 3.00 €uros, para partilharmos entre os convivas.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste da Tabanca de Matosinhos com data de 19 de Novembro de 2009 > P273-O nosso jantar de Natal

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5298: Tabanca de Matosinhos (12): O orgulho de pertencer à Tabanca de Matosinhos (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P5305: Tabanca Grande (188): Jorge Narciso, ex-1º Cabo Esp MMA, BA 12, Bissalanca, 1969/70

O Jorge Narciso, hoje (2009, foto à esquerda) e ontem (1967, cartão da BA 1, com 17 anos). Esteve na Guiné entre Março de 1960 e Dezembro de 1970.


1. Texto e fotos do Jorge Narciso, ex-1º Cabo Esopecialista MMA (BA12, Bissalanca, 1968/69), enviadas em 13 do corrente:

Aí vai o percurso do Jorge Narciso, na FAP, arrumado cronologicamente... entre os 17 (nasceu em Maio de 1949) e os 21 anos (Dezembro de 1970)

(i) Out 66/Set 67 - 3ª/66 - BA 2 / Ota - Recruta e Curso MMA.

(ii) Meados de 67 - Centro de Inspecções (em resposta a concurso interno, ao qual concorremos 3 alunos): Inspecção (durante cerca de 3 semanas), para o Curso de Sargentos Milicianos Pilotos, do qual , e apesar de considerado Apto, fui preterido por elementos ainda civis (que tinham ficado adiados em Inspecção anterior), reinspeccionados na mesma altura

(iii) Out 67/Mar 69 - BA 1 / Sintra - Linha da frente dos T-37

(iv) Inicio de 68 - 1ª Nomeação (já não me recordo para onde), sendo no entanto imediatamente desnomeados, 7 dos 8 MMA, colocados na BA1, por considerados imprescindíveis ao serviço !!! (tem uma história que talvez um dia venha a contar), tendo o 8º classificado (como sabemos, as nomeações eram por ordem decrescente de classificação na especialidade) sido premiado com uma colocação ou em Cabo Verde ou S. Tomé (de certeza uma destas, sinceramente já não me lembro qual)

(v) Abr de 69 - 2 ª Nomeação, já perfeitamente inesperada para mim e outro companheiro, com mais de 30 dos 48 meses de contrato cumpridos, os restantes eram de 6 anos, sendo então os 3 piores classificados ido para... a Beira e os 4 melhores para... a Guiné (epilogo da história que atrás refiro).

Na passagem pela Inspecção médica, pré-embarque, os Serviços detectaram na minha ficha o registo anterior de aptidão para a Pilotagem, sendo-me proposta a troca imediata de Bissau por S. Jacinto, ao que perguntei qual a contrapartida no tempo de serviço me foi respondido que teria de assinar um novo contrato, agora de 6 anos, ao qual apenas seria descontado o tempo de recruta (3 meses) que já tinha cumprido na Ota. Ou seja, somado esse novo tempo ao entretanto já cumprido, seriam (sem nó) mais de 100 meses no total…Proposta recusada.

(vi) Abr de 69/Dez de 70) - BA 12 / Bissalanca - Linha da frente dos Alouette III (onde ao fim de pouco tempo, e devido à tardia nomeação, apesar dos meus 20 anos, comemorados aliás no Saltinho durante uma missão de abastecimento, era o cabo especialista mais antigo - tempo de FAP - da mesma linha).

Fiz ali algumas centenas de horas de voo, só não sei quantas, porque a minha caderneta de voo (que não sei porquê me obrigaram a entregar no regresso, diziam que para entrega posterior) está em parte incerta, se é que ainda existe (penso que não é caso único)

(vii) Dez de 70 - BA 1 / Sintra - Disponibilidade ... (ainda com 21 anos e 50 meses e picos de FAP, dos quais só me contam os 19 que estive na Guiné para efeitos de Segurança Social porque não trabalhei, antes de 1971)

Ilustrando agora o percurso acima, junto (sem exagerar a quantidade) mais algumas fotos:

Sintra > BA 1 > 1967 > o Pessoal (estou assinalado pela seta) da linha de frente dos, entretanto abatidos, T-37 cujo Comandante de Esquadra (à época Ten Cor Amaral) também na foto, reencontrei na Guiné. Num destes aviões (aliás o que está exposto em pedestal à entrada da BA1 - Matrícula 2424) tive o meu baptismo de voo (Foto à esquerda).

O. Pinto - Foto do chefe Oliveira Pinto (que muitas dezenas de membros da linha doshelis reconhecerão de imediato, pelos muitos anos que ali passou), neste caso no intervalo duma operação em Buba (está datada de Dez 69), comigo (de camuflado) com o Gabriel (fato de voo e a abastecer) e um dos miúdos nativos que como era habitual por ali cirandavam (Foto à direita).

Heli - Na linha, com um heli tão limpo que até parece que saiu duma estação de serviço, apesar do enquadramento talvez melhor esta para me identificar que a tipo passe.. (Foto à esquerda)

Petisco - Algures ainda em 1969. Pessoal da linha (sou o 5º a contar da direita - de camuflado) dos Helis, petiscando: ou um porco do mato ou uma gazela (pato da bolanha só por uma vez, pois mesmo com dois dias em vinha de alho, era igual a peixe assado), que de vez em quando marchavam. (Foto a em baixo, a seguir).

Únicas nostalgias que me ficaram de todo este tempo, para além do convívio com alguns companheiros mais próximos, que apesar de tudo se vai concretizando, quer através do telefone e dos outros novos meios de comunicação, quer presencialmente através de encontros mais ou menos regulares, ficaram-me dois desejos, ainda não satisfeitos:

1º - Voltar a voar de Heli: por impedimento profissional, não o fiz em 2006 em Beja, em que foi dada a oportunidade (boleia/voltinha) aos presentes durante a homenagem à minha ex- Esquadra "Os Canibais". Este estou a ver que vai ter de ser satisfeito em heli de turismo.

2º - Voltar um dia à Guiné, revisitando em passeio sereno, descontraído e sem traumas, locais e gentes (e situações associadas) guardados há 40 anos na memória, dum (então) menino de 20 anos, com cargas, cujo contexto seguramente se revelará agora completamente diferente.

Este parece finalmente, com o projecto em curso, com alta probabilidade de concretização. Vejo que as inscrições vão gradualmente aparecendo e, grão a grão ...

Um abraço. Jorge Narciso
(Está também em linha no blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/1974)


2. Comentário de L.G.:

Como dizia há dias o teu/nosso camarada Miguel Pessoa, o primeiro piloto da FAP a ser 'strelado', em 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje, a rapaziada do Exército conhecia a Guiné por baixo e vocês por cima... Enfim,. duas perspectivas complementares, a celestial e a terrena. Falta aqui a abordagem, mais líquida, da Marinha (que anda rarefeita)...

Fora de brincadeiras, cada um de nós terá o seu bom e o seu mau bocado de Guiné, que é como quem diz, do inferno, da terra e do céu... Jorge, estás apresentado à Tabanca Grande, onde há de tudo um pouco: casernas, hangares, aeródromos, heliportos, bases navais, quartéis, destacamentos, bolanhas, lalas, pontes, palmeiras, poilões, bissilões,  irãs, tempestades tropicais e sei lá o que mais... Isso terás que ser tu a descobrir... Acomoda-te a um canto e saca lá das tuas memórias...

Um dia destes dou-te um abraço, ao vivo, no Cadaval ou na Lourinhã... Até lá, felicitemo-nos por este  mundo, afinal, ser pequeno e o nosso blogue... ser (ou parecer) grande (*).

Um Alfa Bravo. Luís

___________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5270: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (18): O Jorge Narciso e o Humberto Reis reencontram-se, 40 anos depois...

28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5176: FAP (35): O trágico acidente aéreo de 25 de Julho de 1970, no Rio Mansoa (Carlos Coelho / Jorge Félix / Jorge Narciso)

Guiné 63/74 - P5304: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (1): Todos temos uma hora de sorte e uma hora para morrer

1. Mensagem de Arménio Estorninho*, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70, com data de 15 de Novembro de 2009:

Camarada e amigo Luís Graça,

As estórias que vou contar interligam-se, relacionam-se com a desdita sina já descrita em parte por outros camaradas, relativamente a um dos dois militares falecidos, em Aldeia Formosa, ao anoitecer do dia 22/01/69, devido ao acidente com a detonação de uma granada de mão, sobre um telheiro da messe dos Sargentos e por outra situação vivida por mim, aquando um forte ataque in ao Quartel de Buba, na madrugada de 14/02/69, na sorte que me bafejou e a muitos camaradas, se bem me lembro a CCaç 2317 “Os Mártires de Gandembel” também lá estavam de passagem.
[...]


Antecedentes dos acontecimentos

Estando o comando da minha Unidade CCaç 2381, colocado em Aldeia Formosa (Quebo), Dezezembro de 1968/Janneiro de 1969, fui convidado pelo Fur Mil Auto Rodas, Bertino Cardoso, para ir a Bissau, com a finalidade de frequentar um curso sobre reparação e funcionamento de motores-geradores eléctricos, que iria decorrer no Quartel da Engenharia em Brá. Também do quartel de Aldeia Formosa e com o mesmo fim, deslocou-se um soldado que fazia parte da CCaç 1792, Os Lenços Azuis, o qual identifico por aquele que tinha as funções de electricista e de cantineiro no bar das praças. Diga-se que quanto à viagem ela foi efectuada em Dakota e que maravilha de passeata. Foi o melhor que se pôde arranjar para sair do mato. Hoje qual seria o estado de espírito para viajar naquele meio aéreo velhinho e já monte de latas?

Chegados ao Quartel da Engenharia, em Brá, Janeiro de 1969, na primeira vez em que eu pisava terras de Bissau, foram efectuadas as devidas apresentações. No dia seguinte iniciou-se o curso que iria decorrer sem período determinado de aulas, tendo logo sido a minha intenção fazer render o peixe, isto é prolongar o tempo ao máximo, dado que por parte dos instrutores não havia qualquer inconveniente, de modo que retardasse o regresso à Unidade, e fazer um mês de justas e baratas férias.

Só que o bom do soldado que me acompanhou não esteve de meias modas, oito dias depois já pretendia regressar, porque na vida civil tinha a profissão de electromecânico, por isso já usufruía de boa prática e de conhecimentos teóricos. Pensou este que na Unidade não se deslocava para fora do arame farpado, julgando que fazia falta no aquartelamento e que era necessário ao Capitão. Contudo, deduzi que a sua pretensão seria mais por falta de dinheiro, dado que a cidade de Bissau era convidativa a gastar-se muito mais do que no interior, e ele como cantineiro era de poucos gastos.
Para o demover, fiz-lhe uma proposta, se houvesse saídas, e conforme os meus gastos, ele dispunha de importância de igual valor, não tendo o mesmo aceite, por isso de nada mais errado podia haver.

Diga-se que eu e o ex-1.º Cabo Escriturário, António Soares, da minha Companhia, tínhamos um mini-laboratório de fotografia, instalado no aquartelamento, do qual obtínhamos alguns proventos e podia por isso também despender de mais algum dinheiro. Conquanto contrariado tive que anuir, para evitar chegar posteriormente à Unidade e ter sanções disciplinares, o que não era conveniente.
Para o efeito, organizei o regresso via Aeroporto de Bissalanca, fizemos o devido embarque em Dakota, e seguimos para as respectivas Unidades.

Foto 8 > Bissau > Brá > Janeiro de 1969 > Quartéis e estrada do Aeroporto.

Foto 9 > Bissau > Janeiro de 1969 > Junto ao Parque Teixeira Pinto (Praça dos Combatentes da Liberdade), de passeio pela cidade, estando à esquerda um ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas que também estava a frequentar o curso sobre geradores eléctricos. Penso que a sua Unidade fosse das áreas de Jumbembem, Cuntima ou Cajambari, não tenho de memória qualquer identificação concreta.

Foto 12 > Bissau > Março de 1970 > uma avenida, estando eu e o ex-1.º Cabo Escriturário, António Soares, de Vinha da Rainha - Soure.

Aldeia Formosa (Quebo), em data posterior a 04 de Janeiro de 1969, quando regressei a este aquartelamento, o Comando e Serviços, da minha Unidade CCaç 2381, já se tinha deslocado para Buba, por ter-lhe sido atribuída a missão de dar segurança ao início dos trabalhos de abertura da nova estrada entre Buba e Aldeia Formosa. Do mesmo somente ficaram o Fur Mec Auto Rodas, Bertino Cardoso e o Condutor Auto O Caldas, incumbidos de efectuar a entrega das viaturas que estavam a cargo da nossa Companhia, para outra que as ia receber (penso de que era a CArt 2414), só que o Furriel Tac Tac entregou-me a pasta e embrulha. Desenrascou-se embarcando numa avioneta para Buba.

Feito o protocolo de entrega das viaturas a um Alferes Miliciano, o qual teve algumas hesitações de aceitação, mas ponderou, porque dialogando concluímos que as nossas habilitações literárias eram idênticas. Após (e logo por sorte), aterrou ali o tal velhinho Dakota, que também ia fazer escala em Buba. Para evitar, como era de todo inconveniente efectuar o percurso em coluna auto (veja-se foto 7), que estava marcada para 21/01/69, solicitei verbalmente o pedido de embarque ao Comandante do meio aéreo, o que foi aceite, mas só com guia de marcha. Depois, requeri as ditas guias num ápice e ala que se faz tarde!. Lá nos fomos juntar ao Comando da Companhia.
Relativamente à dita Aldeia Formosa (que de nada tinha), foi mais um obstáculo ultrapassado, dizendo-lhe até à vista, e não levando boas recordações.

Foto 7 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Julho de 1968 > Com a viatura destruída por mina a/c. Era a do Rádio de Transmissões, tendo ocasionado a morte do Operador. A coluna que saíra de Buba, em 25/07/68, onde seguiam os três obuses de 14cm. Na traseira da carroçaria, vi que o Capitão Ricardo Rei, o homem do bigode, da CCaç 1792, Os Lenços Azuis, ia atrás sentado e com as pernas suspensas. Teve a sorte pelo seu lado, caso o rebentamento fosse na roda de trás, era ele que morria. Militar de valor e amigo, conta-se que só teve promoções até Tenente Coronel e que já não está entre nós.


Seguiram-se os acontecimentos com sortes diferentes

Aldeia Formosa (Quebo), ao anoitecer do dia 22/01/69
No que concerne a este acidente, serão narrados factos do meu conhecimento e os que me foram contados por fonte que considerei fiel, pois o já mencionado soldado electricista e cantineiro da CCaç 1792, Os Lenços Azuis, presumo que se chamava José Pereira da Costa, natural de Castelo Branco ou Manuel da Silva Carrola, natural da Covilhã, era do seu hábito ir ligar o gerador eléctrico e só depois é que jantava. De seguida, dava dois dedos de conversa no átrio da messe dos sargentos para passar o tempo e fazer a hora de abrir o bar da cantina, que se situava nas proximidades. Contudo, estava no lugar errado há hora errada, tudo calmo e de repente algo muda com uma detonação. Uns ficam feridos, outros fogem para se abrigarem, pensando que se tratava de um ataque IN. Quanto ao presumível soldado, correra para se proteger no abrigo da cantina e teve um fim trágico.

Conquanto, no quartel de Buba, pela noite, eu ouvia as inusitadas passagens de meios aéreos, o que era anormal e por isso interrogávamo-nos sobre o que sucedera para os lados de Aldeia Formosa.

Viemos posteriormente a saber do acidente e que no mesmo houve a lamentar dez feridos e duas mortes, um deles fora encontrado na cantina já sem vida, motivado por um estilhaço da granada alojado no tórax, com derramamento interno.

Houve um suspeito pelo acidente, segundo constou tratou-se de um soldado que posteriormente andava pelo aquartelamento dando mostras de desvairo e a chorar, por isso e a fim de ser interrogado, fora enviado para Bissau. Nada mais se soube.

Buba, 14/02/69, pelas 5h,15m da manhã
Grupo IN desencadeou forte ataque ao aquartelamento. Estando eu deitado, de imediato levanto-me e corro para a porta da caserna, com a intenção de dirigir-me para a vala, como era normal. Quando ia a meio do percurso, houve a detonação de uma granada de canhão s/r, penetrando na parede da caserna e vergando a estrutura de um beliche. Estando prestes a sair, entre várias explosões, dá-se em particular a de uma granada, no depósito de água, o que me fez retroceder e proteger-me entre caixas que se encontravam debaixo de camas.

Foto 10 > Guiné > Região de Quinara > Buba > Aquartelamento > Fevereiro de 1969 > Tendo em fundo o depósito de água, uma caserna e a árvore poilão, onde havia um posto de sentinela (nota-se a guarita) e, até lá ter falecido um camarada aquando ataque IN.

Provavelmente, se já tivesse ultrapassado o vão da porta, pelo fogo de artifício que se apresentou no exterior, os estilhaços teriam feito muita mossa na minha roupinha de baptismo.
Foram dois momentos de sorte para mim e para outros camaradas, estando, entre eles, dois que pertenciam à CCaç 2317. Por incrível que pareça, foram acordados após o ataque terminar. Pensaram eles que estavam nos buracos das toupeiras em Gandembel. Tal era o hábito, mesmo com tanto fogacho já não ligavam.
Havendo a excepção de um cozinheiro, que quando preparava os pequenos-almoços no refeitório das praças que, devido à detonação de uma granada IN, ficou ferido e veio a falecer.

Porque fui buscar as memórias ao Baú, e por vezes elas prega-nos partidas, se lhes parecer algum pormenor menos certo aproveito para pedir desculpa.

Penso que assim foi colocada mais uma peça no puzzle, sobre aquela fatídica noite e da desdita sina que estava traçada para um militar, que precipitara o encontro com a morte prematura e estúpida. Solicito a quem souber que identifique a qual me referi, sendo ele bom camarada, responsável, zeloso, voluntário e considerar-se imprescindível no quartel. Mas não se recordou de quando da instrução militar, dos constantes ensinamentos que na tropa não se deve ser voluntário, também não foi o único infelizmente, pois acontecera com tantos outros militares em situações diferentes. Aquela viagem inoportuna poderia ter-me sido também fatal, mas fiquei ileso fisicamente. Recordo-me dos tempos idos com o célebre grito exclamando: - “Tirem-me daqui… estou farto disto..!,” que sem excepção afectara psiquicamente a todos.

Por hoje é tudo, dando-te um forte aplauso de incentivo, que é de louvar a tua
disponibilidade, assim como dos co-editores, de tanto quanto possível poderem apresentar o blogue de forma organizada, para que possamos manter viva a nossa mística de ex-combatentes, sobre tempos idos tão difíceis e que nos valorizaram como homens.

Alonguei-me demais no escrever pois, como bom algarvio, tenho dificuldade em terminar o texto, isto é como o comer e o guerrear, o mal é começar!
De acordo com o solicitado vou enviar as fotos da praxe, assim como de outras e identificadas tanto quanto possível.

Cordiais saudações, e, recordando com o complicado vocabulário e pontuação de, “djubi, amim mist parti manga di mantenhas pra abó, bai suma pra manga dêl escamaradas di tertúlia, járame ánãni.” (i.e., do crioulo: olha, eu quero dar muitos cumprimentos para ti, vai igual para todos os camaradas da tertúlia, obrigado está bem).
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5293: Tabanca Grande (187): Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

Guiné 63/74 - P5303: O direito ao bom nome (1): Vasco Lourenço, ex-Cap Inf da CCAÇ 2549/BCAÇ 2879 (Cuntima e Farim, 1969/71)

Capa do livro No Regresso Vinham Todos, de Vasco Lourenço, originalmente publicado pela Editorial Notícias, Lisboa, 1978.

1. Mensagem de Vasco Correia Lourenço, Cor Inf Ref (ex-Cap Inf, CCAÇ 2549,Cuntima e Farim, Julho de 1969/Junho de 1971), com data de 17 de Novembro

Caro Luis Graça,

Junto uma carta para si, que confio publique no seu blogue, acompanhada por um estudo do cor Morais da Silva.

Dou conhecimento desta carta ao dr Carlos Silva, combatente na Guiné na CCaç 2548 do meu batalhão, o BCaç 2879.

Cordiais saudações. Vasco Lourenço


Caro Luís Graça

As referências que me são feitas no seu blogue, enquanto ex-combatente na Guiné (*), obrigam-me a escrever-lhe, na esperança de que trate esta carta da mesma maneira que trata as que lhe são enviadas por outros ex-combatentes também na Guiné.

Não pretendo entrar em polémicas, não pretendo ofender ninguém, apenas quero esclarecer um pouco da minha posição.

Tomei conhecimento da existência da tese de Manuel Rebocho, através do chefe do EME (actual CEMGFA) [General Valença Pinto], que me sugeriu uma forte reacção.

Ao ver o tipo de tratamento de que era alvo, na referida tese, decidi que “para esse peditório já dera o suficiente”. Com efeito, tratava-se de um episódio da “guerra” entre mim e o general Spínola, analisada de forma muito incompleta, com conclusões aberrantes, face à estória verídica do que efectivamente se passara.

Algum tempo depois, sou surpreendido com um convite para assistir à defesa da tese na Universidade de Évora.

Contactei, então, o próprio sargento Manuel Rebocho, a quem manifestei a minha estranheza pelo convite, dado o que escrevera sobre mim, sem me ouvir. Como lhe referi, enviei essa carta aos membros do júri, a quem manifestei a opinião de que “me não ouvira, talvez porque tem a noção da malévola deturpação que faz do que se passou na Guiné”.

O referido sargento-mor considerou-se ofendido por aquela frase e fez queixa de mim. O promotor público não acompanhou a queixa, não houve acusação, por não haver matéria que justificasse a mesma, pelo que o juiz determinou o seu arquivamento.

Inconformado com essa atitude, Manuel Rebocho deduziu acusação particular no Tribunal de Évora, desacompanhado do procurador da República, ao mesmo tempo que requeria uma indemnização cível.

Conseguiu o que pretendia e eu tive de me sentar no banco dos réus. O julgamento fez-se, fui totalmente absolvido e o queixoso condenado a suportar todas as despesas judiciais. Uma vez mais inconformado, apresentou recurso, que ainda corre termos.

Confesso que tive vontade de ser eu, agora, a apresentar uma queixa pelo crime de difamação, requerendo a competente indemnização. Decidi não o fazer, ainda, tudo dependendo do evoluir da situação.

Quanto à natureza da tese, agora apresentada em livro, remeto-lhe em anexo um estudo sobre a mesma da autoria do coronel António Carlos Morais da Silva. Por mim, não perco mais tempo, por agora, com o assunto.

No que se refere à minha acção na Guiné, no comando da CCaç 2549, do BCaç 2879, procuro esclarecê-la no livro “Do Interior da Revolução”, para além do que já fora publicado em “No regresso vinham todos” (o único livro que conheço que terá sido escrito durante a Guerra, sendo, que eu saiba, a única “história de unidade”, escrita daquela maneira) (**).

Não me compete a mim analisar a minha acção. Para isso, podem ouvir-se os homens que comandei, ou os homens do resto do BCaç. O que aliás pode ser visto no blogue do mesmo, da responsabilidade do ex-furriel Carlos Silva da CCaç 2548 (que, penso, estará em ligação com o vosso blogue) (***).

Caro Luís Graça,

Espero e confio que compreenda estes esclarecimentos.

Fui para a guerra, sendo oficial do QP, convencido que estava a cumprir o meu dever de cidadão. Fi-la o melhor que pude, com a enorme preocupação de, sem abdicar dos princípios, tentar não perder nenhum dos homens que comandava.

O decorrer da guerra ajudou-me a “abrir os olhos” para a realidade portuguesa. Tenho muito orgulho da maneira como me comportei, como tenho muito orgulho da minha acção, no seguimento dos ensinamentos aí obtidos.

Com 67 anos, ao olhar para trás, tenho a presunção de ter uma vida de que me posso orgulhar. Certamente com alguns erros, pois não tenho a veleidade de não errar e não ter dúvidas.

Mas, com um saldo que – presunção e água benta… – considero francamente positivo.

Quero continuar a poder olhar para o espelho, sem me envergonhar. Por isso, vou tentar não me desviar dos princípios morais e éticos que me têm norteado até aqui.

Não ia, portanto, permitir a quem quer que seja – e o sargento-mor Manuel Rebocho não está isolado nessa pretensão – que me insulte de ânimo leve.

Por muita vaidade que possa transparecer, afirmo que o meu passado fala por mim. Daí esta carta.

Cordiais saudações

Vasco Lourenço

2. Comentário de L.G.:

Todos os camaradas da Guiné, com ou sem visibilidade pública, têm antes de mais o direito ao bom nome... (Daí, de resto, esta nova série que inauguramos hoje). É umas regras básicas do nosso blogue. Esse direito implica, naturalmente, o direito de resposta sempre o que o bom nome é posto em causa (Publicaremos todas as respostas, desde que redigidas dentro do espírito de elevação e de cultura democrática que nos caracteriza).

Outra das nossas regras básicas de convívio, nesta caserna virtual, é que nenhum de nós faz (ou deve fazer) juízos de valor (e muito menos de intenção) sobre o comportamento (operacional e pessoal) dos seus camaradas da Guiné. Este blogue não foi criado para fazer ajustes com ninguém, nem sequer com a História.

Agradeço ao Vasco Lourenço os esclarecimentos que entendeu dar-nos. A sua mensagem chegou-nos no dia em que foi apresentado ao público o livro do Manuel Rebocho que é membro do nosso blogue e camarada da Guiné, livro de que faremos oportunamente uma recensão crítica. O facto do Vasco não ser membro do nosso blogue não o impede de nele ver publicados ulteriores esclarecimentos que queira fazer sobre a sua actuação como comandante da CCAÇ 2549 ou outros aspectos da sua comissão serviço na região de Farim.

Como eu costumo lembrar, aqui o nosso maior denominador comum é o facto de termos sido combatentes na Guiné, durante a guerra colonial. De resto, o nosso core business é esse, é partilhar histórias, memórias e até afectos.

Sendo seu contemporâneo da Guiné (pertenci à CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971), fico naturalmente triste de o ver envolvido num processo judicial com outro camarada, por questões de "bom nome"... Espero que o bom senso, a honradez, o patriotismo e o melhor dos valores militares (que nos foram incutidos no Exército, na Marinha e na Força Aérea) acabem por se sobrepor a um conflito pessoal que, infelizmente, veio parar à praça pública. Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Quanto ao documento do Morais da Silva, antigo professor da Academia Militar, e nosso contemporâneo na Guiné, o próprio já mo tinha feito chegar, a meu pedido, à minha caixa de correio, gentilmente, em "versão amigável" (formato doc). Ainda não o li (trata-se de uma apreciação, em 22 páginas, da tese de doutoramento do Manuel Godinho Rebocho) mas fá-lo-ei em breve, com todo o gosto, avaliando aquilo que for considerado pertinente e útil para a informação e o conhecimento dos membros do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)

(**) Vd. poste de 23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: Tugas - Quem é quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril

(***) 21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4718: Efemérides (19): Em 20 de Julho de 1969, eu estava no Uíge em pleno oceano, a caminho de Farim... (Carlos Silva, BCAÇ 2879)

Guiné 63/74 - P5302: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (14): Alcobaça. Doces. Licores. Coisas do Céu e da Tabanca. Paixão. Amizade. Camaradagem (José Eduardo Oliveira)



Alcobaça > XI Edição de Licores & Doces Conventuais de Alcobaça > 15 de Novembro > O JERO, à direita, juntamente com o Belarmino Sardinha, o único representante (oficioso, mais a Antonieta) do nosso blogue na festa de Alcobaça (O Belarmino é uma camarada solidário e prestável que vive ora em Odivelas, ora no Cadaval; foi 1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau).

Texto e fotos: JERO (2009).


1. Mensagem do JERO, com data de 16 do corrente, dando conta do cumprimento da Operação Barriguinhas de Freira, Papos de Anjo, Toucinho do Céu, Pudim dos Frades, Papão Anjo, Natas Conventuais, Fatias de Bispo, Queijinhos do Céu, Mexidos dos Anjos, Pudim Abade de Priscos, Pescoços de Freira, Cavacas de Santa Clara, Madalenas do Convento, Creme da Madre Joaquina, Lampreias de Ovos das Clarissas de Coimbra, Sopapo do Convento, Pão-de-ló do Mosteiro de Alcobaça, Bolo podre conventual, Creme de Abadessa, Sopa Dourada de Santa Clara, Mexericos de Freira, Hóstias de Amêndoas e... uf!, Bolo do diabo... (que não é assim tão feio como o pintam!).

VISITAS DE TERTULIANOS DA “NOSSA TABANCA GRANDE” AOS DOCES CONVENTUAIS DE ALCOBAÇA

por JERO

Vinte quatro horas depois do encerramento da XI Edição dos Doces & Licores Conventuais de Alcobaça, que teve lugar de 12 a 15 de Novembro p.p., venho fazer um primeiro balanço da adesão dos tertulianos ao meu (singelo) convite (*).

Todas as minhas expectativas – mesmo as piores – foram ultrapassadas. Tive um tertuliano (e sua mulher) em Alcobaça. Alentejano (do Cadaval), o Belarmino Sardinha veio até mim. Sim, senhores, esteve comigo 1 (UM) tertuliano!

E passámos umas horas bem agradáveis, cuja confirmação (por escrito) já está em meu poder.

Mas antes desse pormenor, que tratarei mais à frente, sinto-me na obrigação de começar por fazer uma primeira leitura estatística da adesão de tertulianos ao meu convite de 5 de corrente: Vd. Postagem 5220 > Agenda Cultural (42) (*).

Felizmente tenho muitos amigos e no que respeita a estatísticas (e sua análise) lembrei-me de um conterrâneo que trabalha no MAI [, Ministério da Administração Interna,] bem perto do Gabinete do nosso Ministro Rui Pereira, a quem dei conta dos números (ou melhor do número – 1 visitante) que tive nos Doces Conventuais deste ano.

E bem depressa tive uma resposta com uma leitura optimista em relação à percentagem de adesões. Em relação ao ano anterior – zero visitas – o aumento deste ano (1 visita) era verdadeiramente significativo.

Também outro número podia ser equacionado e este bem mais recente e não menos importante. A nossa economia cresceu no último trimestre 0,9% e afinal eu tinha tido 1 (!) (ponto de exclamação). Melhor dizendo 1,0 visitante. Esse aumento não era desprezível e eu não o podia ignorar.

Fiquei algum tempo calado – a informação era telefónica – mas lá me recompus e, ao fim de um longo silêncio, agradecia-lhe a atenção. Ele não deixava de ter razão.E a leitura fria dos números é mesmo assim.

Portanto, é já um pouco animado, que me dirijo ao fundador, administrador e editor do blogue Luís Graça para lhe dizer que não sabe o que perdeu. Ele e todos os outros que me ignoraram.

Perguntem ao Belarmino Sardinha que, mesmo angustiado como sportinguista que é (e não renega neste momento difícil da vida do seu clube de sempre), não deixou de vir até a Alcobaça. Perguntem-lhe.

Cabe aqui dizer que no dia da sua visita a Alcobaça (13/11/09) ainda se falava de José Saramago para treinador do Clube de Alvalade, não se perfilando ainda a candidatura, (confirmada), de Carlos Carvalhal, a quem desejo - como desportista (e benfiquista) - as maiores felicidades a partir da 12º. Jornada…

Voltando ao Belarmino Sardinha foi um grande prazer conhecê-lo e evidentemente que muito falámos da Guiné e do “nosso” blogue. Fomos (obviamente) almoçar com as preocupações inerentes a uma dieta conventual (frango na púcara).

No que respeita a dietas, pedi um “parecer” a um especialista – um bom amigo e Professor de História, em Leiria, de nome António Valério Maduro - , que reproduzo à parte.

Sugiro que o leiam para saberem como comiam os monges no Sec. XVIII. É o mínimo que me podem fazer depois do desgosto que me deram com a vossa ausência nesta XI Edição dos Doces & Licores Conventuais de Alcobaça.

Mas, se Deus quiser, para o ano há mais e o meu convite mantém-se. Até lá... se vieram para estes lados do litoral Oeste (Alcobaça) digam alguma coisa.

Um grande abraço do JERO.

2. Comentário de L.G.:


Meu caro IERO: Tomei boa nota, na minha agenda, do teu generoso e indeclinável convite, com data de 5/11/09:

Boa noite Luís

É tempo de abrir a agenda e escrever:"Alcobaça. Doces. JERO".. Falta uma semana. A XI Mostra vai decorrer no Mosteiro de Alcobaça de 12 a 15 de Novembro corrente.
Falta uma semana.É uma oportunidade única.Garanto à fé de quem sou. Para quem vier cedo podemos ir aos doces e visitar ,depois de almoço, o Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota que fica a cerca de 10 kms. de Alcobaça. Quem precisar de ajuda ou tiver alguma dúvida contacte-me por favor - telef. 963147683.

Recordo que ALCOBAÇA é Terra de Paixão. E quem passa por Alcobaça (**)...


Meu caro JERO:

Simplesmente o raio do fim de semana foi curto como a manta do pobre. A gente bem estica o tempo, mas ele não é elástico... E Alcobaça, de facto, aqui tão perto, no centro do nosso querido Portugal!...

Que decepção, que vergonha! ...

Mas eu sei que o teu coração, grande e generoso, sabe perdoar, enquanto a cabecinha prepara a vingança, que se há-de servir fria... Por exemplo, por que não fazer o próximo encontro, o quinto, nacional, da nossa Tabanca Grande, lá para finais de Abril de 2010, na tua terra, de que muitos dos nossos camaradas não conhecem os segredos, os encantos, a história, a cultura, a gastronomia, o património, a natureza, as gentes... E que melhor guia do que tu, jornalista e homem de cultura, para levares os nossos tabanqueiros até à (re)descoberta da tua milenária Alcobaça onde não há santo nem combatente nem turista que resista à tentação de um doce e de um licor dos grandes e sábios monges de Cister...

Para aqueles que dizem que conhecem a tua terra, vamos pô-los à prova, com este verso da canção da tua terra:

(...) Sua lembrança não passa
Porque não pode passar.
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem de por força voltar. (...)


E assim, amor com amor se paga... Luís

PS - Agradece, em nome de todos nós, ao teu amigo Maduro este bem documentado, leve, humorado e didáctico texto sobre o "ventre de Alcobaça" (se não maior, seguramente mais requintado que o "ventre de Bruxelas")... Para a próxima explica-nos lá o alcance (filosófico) deste provérbio conventual, agora tão apropriado à época de frio que se aproxima: "Freiras e frieiras, é coçá-las e deixá-las"... É um bom tema para a nossa tertúlia, seguramente mais divertido do que o pum!pum!pum! dos nossos soldadinhos de chumbo...


2. A Alimentação dos Monges Cistercienses de Alcobaça no século XVIII
´

por António Valério Maduro


O que comem os monges reflecte, em grande medida, as posses da comunidade, o seu estatuto social e os princípios ideológicos que a norteiam. Vamos então observar os produtos que chegavam à mesa monástica.

Começamos pelo pão e para não haver confusões falamos de pão de trigo alvo, dado que o povo dos coutos consumia um pão negro em virtude da fraca taxa de peneiração, que irá ser substituído pela broa de milho. Aliás, o pequeno pão ou merendeira, designado por micha, que os monges distribuíam diariamente aos pobres na portaria do Mosteiro e junto às Granjas, era constituído, essencialmente, de farinha de milho, algum centeio e rolão de trigo (desperdício do pão consumido pelos monges).

A carne que chegava à cozinha do Mosteiro não provinha toda de animais criados nas terras dos coutos de Alcobaça. A falta de pastos condicionava a criação de gado bovino. Durante o século XVIII, a maior parte dos animais de trabalho e açougue eram importados do Minho. A inexistência de vacas leiteiras obrigava o Mosteiro a adquirir barris de manteiga para abastecer a sua requintada cozinha. Já os rebanhos de ovinos do Mosteiro provinham em grande parte da região transmontana.

A cozinha recebia grande quantidade de galinhas e frangos. De Maio de 1747 a 1748 regista-se a entrada de 7.788 galinhas e 519 frangos. Para igual período de tempo temos um consumo de 51.589 ovos. Por seu turno, a coelheira do Mosteiro, uma das maiores da Europa, abrigava cerca de 6.000 animais.

Para além dos animais de criação, a gastronomia monástica era prendada por variadas peças de caça, entre as quais se contam coelhos e patos bravos, perdizes, codornizes, galinholas e ades (designação genérica atribuída às aves palmípedes). No lote de aquisições da cozinha do Mosteiro encontram-se lombos de porco, pedaços de toucinho, presuntos, enchidos, como as morcelas de Arouca, paios, leitões para assar, entre outros acepipes.

O peixe fresco consumido pelos monges provinha dos portos da Pederneira e de Peniche. Temos referências a cambadas de chernes, pargos, congros, corvinas, robalos, besugos, pescadas, sardinhas. Para além do peixe fresco, o Mosteiro adquiria pescada seca de Vila do Conde e de destinos mais longínquos, como a Holanda e a Irlanda, cação de Buarcos, grandes quantidades de bacalhau… Sáveis, enguias e lampreias, muitas lagostas e amêijoas, polvos e lulas, entravam regularmente na dieta alimentar dos monges brancos.

No capítulo dos queijos, ao requeijão e queijo fresco produzido nas queijarias locais, juntavam-se os queijos importados do Alentejo, de Parma, Flandres.

O vinho que acompanhava as refeições era produzido nas adegas do Mosteiro. Trata-se de um vinho produzido pelo método de bica aberta, temperado com maçãs camoesas, cascas de laranja e arrobe, cujo grau e sabor frutado cativou tantos e ilustres visitantes. Estima-se num quartilho (0,5 l) a quantidade de vinho ingerida a cada refeição pelos monges, mas este quantitativo podia ser mais elevado, dado que os copos em que se servia o vinho levavam bem, na opinião do Marquês de Fronteira e Alorna, meia canada (1 litro).

As árvores de fruto tão acarinhadas pelos monges nos seus jardins e pomares repartem-se em frutos de caroço, pevide e espinho. Temos as maçãs camoesas e baionesas eleitas nos foros, as doces laranjas da China, ginjas, cerejas, damascos, figos, pêssegos e ameixas e nos frutos agros, as limas e limões. Para além da fruta fresca, o consumo também privilegiava as frutas secas, nomeadamente as passas de camoesas e peras de almíscar aparadas, de ameixas caragoçanas, etc.

A doçaria está bem representada pelas extraordinárias compras de açúcar, arroz e leite indispensáveis ao arroz doce e manjar branco, pelos barris de manteiga, pelos inúmeros ovos, por arrobas de amêndoa (de Torres Novas), por chocolate… As artes da doçaria e conserva requisitavam grandes quantidades de peras, laranjas, pêssegos, cidras, abóboras e figos. A pêra e a abóbora cobertas eram consumidas em épocas festivas. Importavam-se bolos de Almoster, queijadas...

A indústria apícola facultava o mel de tão grande utilidade no receituário de doces e também noutros pratos requintados e bebidas fermentadas.

António Valério Maduro
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5220: Agenda Cultural (42): Doces & Licores Conventuais em Alcobaça (José Eduardo R. Oliveira)

(**) Letra da canção

Quem passa por Alcobaça...


Quem passa por Alcobaça
Não passa sem lá voltar.
Por mais que tente e que faça,
É lembrança que não passa.
Porque não pode passar.


Não se esquece facilmente
Dos seuS mercados a graça.
E o seu mosteiro imponente
Recorda constantemente,
É lembrança que não passa.


Por mais que tente e que faça,
Ninguém se pode esquecer
Das margens do rio Baça,
Nem do Alcoa que passa
Por ser mais lindo de ver.


Sua lembrança não passa
Porque não pode passar.
Por mais que tente e que faça,
Quem passa por Alcobaça
Tem de por força voltar.

Autor da letra: Silva Tavares
Música: Maestro Bello Marques
Interpretação: Maria de Lurdes Resende

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5289: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (13): Distintivos das Unidades mobilizadas para o antigo Ultramar Português (Carlos Coutinho)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5301: Controvérsias (55): Era só o que faltava. (António Matos)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:


ERA SÓ O QUE FALTAVA

Camaradas,

As nossas idades (a minha, pelo menos), não sendo propriamente provectas, aconselhariam a dar por terminada uma qualquer polémica cujo prolongamento alimentará uma fogueira de fumo sem fogo o que, se por um lado seria saudável, não deixaria, por outro lado, de se comportar como um cordão detonante - ia ardendo em lume brando até à explosão final.

Isto se no fim estivesse um petardo, claro.

Na medida em que me fartei q.b. de colocar petardos quando na Guiné por imposição superior, "reformei-me" dessa actividade quando me libertei do jugo militar e hoje tento apenas localizar potenciais "engenhos literários" que possam ter sido deixados cair inadvertidamente do aparo da caneta e, esmiuçando-os, neutralizá-los.

Tudo isto para dizer que mando este texto aos editores na dupla perspectiva de comentário ou poste, deixando a decisão ao corpo editorial do blogue.

Olá Mexia Alves, é sempre um prazer "falar" contigo mesmo que te rebuce perante o poste 5292.

Era só o que faltava, meu caro Mexia Alves!

Era só o que faltava que seja qual for a afirmação que um qualquer de nós, ex combatente, onde quer que o tenha sido, incrimine, psicologicamente que seja, os restantes camaradas ou até, pasme-se!, a própria instituição militar.

Isso não faz sentido algum!

Não confundamos as afirmações em apreciação do António Lobo Antunes com as do AB onde, objectivamente, classifica os militares (eu, tu, todos, à excepção dos mencionados pára-quedistas e fuzas, suponho) de cobardes, cagarolas, etc.

Querer comparar os dois tipos de afirmações será por demais intolerante, descabido e ignorante!

Considerarmo-nos atingidos na nossa honra e dignidade pelos dislates (?!) de outrem, abonará pouco a favor das nossas consciências.

Também eu assumi a minha quota-parte naquele conflito.

Por esse motivo não posso vir hoje chafurdar nas merdas que se fizeram naquele tempo.

Em termos históricos posso e devo fazer o relato do que vivi (e não do que os outros dizem ter vivido) e partilhar as experiências mútuas.

Todos temos o direito à indignação mas sejamos pragmáticos no que toca ao cerne da questão.

Hoje está na moda dizer-se que também temos o direito à ponderação e essa, salvo raras e honrosas excepções, não têm primado no abordar desta discussão.

Caro Mexia Alves, receio que este texto te possa criar algum descontentamento mas crê que não é essa a intenção. Era só o que faltava!

Como dizia o general Spínola nas suas alocuções à chegada das tropas à Guiné (eu estava lá no Cumeré quando ele no-lo disse): "eu não estou zangado! estou só a defender com muita convicção as minhas ideias".

Só me sinto responsável pelas minhas atitudes e por muito que me revolte a realidade das minas, não posso vir hoje fazer acusações descabidas às circunstâncias que me levaram a instalar milhares delas ( a expressão "milhares" não é uma figura de estilo ...) !!!

Tenho que assumir que o fiz e disso não fujo!

Para o bem e para o mal!

António Lobo Antunes (ainda ele...) divaga (vamos admiti-lo) sobre um procedimento utilizado na sua unidade.

Caberá aos seus "bélicos-contemporâneos" virem a terreiro esmiuçar o que tiverem e quiserem esmiuçar.

Eu não fui tido nem achado "nessa guerra" pelo que não quero nem posso sentir-me insultado!

Dever-me-ei sentir um assassino pelas tropelias que foram feitas por todos os militares que de facto as fizeram?

Será necessário escarrapachar os nomes sonantes do nosso exército no rol das barbaridades perpetradas pelas NT nesta guerra?

E vou-me sentir enxovalhado porque um dia também fui militar?
Essa não, caro Mexia Alves!

Era só o que faltava!

Como corolário a esta novela, deixemos às entidades / instituições competentes a incumbência de dirimirem o problema em sedes próprias, sejam elas do foro jurídico (se de crime se tratar) ou do foro literário (se os arbítrios linguísticos estiverem feridos de morte).

Em prol da continuação das boas polémicas que este espaço tem proporcionado (está perfeitamente coerente com o âmbito do blogue) aqui deixo o meu abraço.

António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: