Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 1912 (1967/69) > O alf mil capelão Mário de Oliveira entre soldados da CCS/BCAÇ 1912 e/ou da CCAÇ 1686 (que esteve sempre em Mansoa e a que pertenceu o Aires Ferreira, alf mil inf, minas e armadilhas, e membro da nossa Tabanca Grande) . O Mário de Oliveira viria a receber ordem de expulsão da Guiné em 8 de Março de 1968.
Foto: © Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)
1. Em toda a história da guerra colonial, no CTIG, houve dois casos de capelães militares que foram "expulsos"... Não sabemos ao certo por quem: (i) o bispo castrense (ii) a hierarquia militar; ou (iii) a polícia política ... Eu diria antes que foram dois erros de "casting" (sem que isto nada tenha de ofensivo para com os visados)...
Um deles é o padre Mário de Oliveira, que será sempre até morrer, o padre Mário da Lixa (*)... Foi capelão do BCAÇ 1912 (que esteve sediado em Mansoa, 1967/69)... Recorde-se que o BCAÇ 1912, mobilizado pelo RI 16, partiu para o CTIG 8/4/1967 e regressou a 16/5/1969.. O cmdt era o ten cor inf Artur Afonso Pereira Rodrigues. Subunidades de quadrícula: CCAÇ 1686 (Mansoa); CCAÇ 1685 (Fá Mandinga, Fajonquito, Fá Mandinga, Mansoa); e CCAÇ 1684 (Bissau, Ingoré, São Domingos, Susana, Mansoa).
O outro caso de um capelão "expulso" foi o açoriano Arsénio Puim (que deixou, de resto, o sacerdócio em finais dos anos 70): foi capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).
Curiosamente, os dois são membros da nossa Tabanca Grande... Mas quantos capelães passaram pela Guiné ? É uma boa pergunta, a que não sabemos, para já, responder...Seguramente algumas largas dezenas ou algumas centenas, já que, em princípio havia um capelão por batalhão (c. 600 homens)...
Ora, ao que sabemos, foram apenas estes dois homens, e nossos camaradas, os únicos capelães a entrar em rota de colisão com a dupla hierarquia da Cruz e da Espada... Não os queremos nem santificar nem diabolizar, mas apenas ouvir (e saber ouvir) as suas histórias... Felizmente estão os dois vivos e têm inclusive participado em convívios anuais dos respetivos batalhões...
Temos cerca de 6 dezenas de referências a capelães no nosso blogue. Aliás, temos mais dois capelães registados no blogue: o Augusto Baptista e o Horácio Fernandes (este de resto contemporâneo do Mário de Oliveira)... É pena não haver mais capelães da Guiné a querer dar a cara neste blogue, que está aberto a todos os camaradas que por lá passaram, por aquela "terra verde e rubra"...
A nossa pergunta, de momento, é: quem tramou o Mário de Oliveira ? (**) (LG)
2. A este propósito, fomos recuperar o depoimento do Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, da CCAÇ 1686 (Mansoa), do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). O Aires Ferreira esteve em Mansoa de 13/4/1967 a 13/5/1969, e conviveu, portanto, com o Mário de Oliveira, como se depreende deste episodio que ele já aqui em tempos nos contou, aquando da sua apresentação, em 28/7/2006, à Tabanca Grande:
2.1. Missa em Cutia
por Aires Ferreira
Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá e entre o Morés e o Sara - Sarauol.
O Batalhão tinha um capelão que, um certo domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S.S., lá foram, com 2 Unimogues e o jipe do capelão.
2.1. Missa em Cutia
por Aires Ferreira
Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá e entre o Morés e o Sara - Sarauol.
O Batalhão tinha um capelão que, um certo domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S.S., lá foram, com 2 Unimogues e o jipe do capelão.
A missa foi celebrada e no regresso, um dos Unimogues despistou-se e uma grande parte do pessoal da escolta ficou com ferimentos muito graves, tendo os restantes seguido até Mansoa para pedir auxílio.
Nesse Domingo eu estava de Oficial de Dia ao quartel de Mansoa e desconhecia totalmente este assunto. Cerca da hora de almoço, passava junto à porta de armas, encontrei o Ten. Cor, o Comandante do Batalhão, que me disse:
- Alferes Ferreira, o seu grupo está todo destroçado na estrada de Cutia, o que está aqui a fazer? Vá já para lá.
- Não posso, estou de serviço - disse eu e apontei a braçadeira.
- Dê cá, eu fico com ela. O piquete vai já atrás de si com a ambulância.
Guiné > Região do Oio > Mansoa > c. 1969/71 > O destacamento de Cutia. Foto de César Dias |
Logo de seguida chegou o necessário auxílio e todos os feridos foram evacuados e tratados.
O Alferes Capelão que faz parte desta história era… o Padre Mário Pais de Oliveira, bem conhecido desta Tertúlia, e a quem envio um grande abraço.
Aires Ferreira
2.2. Comentário adicional do Aires Ferreira, com data de 15/9/2006:
Igreja de Mansoa. c. 194/66. Foto de Tony Borié |
Luís Graça: Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Padre Mário do seu seio. Penso que nem tinha autoridade para o fazer. O que aconteceu, foi que o Padre Mário politizou fortemente as homilias das missas dominicais na Igreja Paroquial de Mansoa e isso criou problemas ao Comando do Batalhão. Além disso, a PIDE tinha em Mansoa um funcionário com escritório aberto.
Sei que o Comando foi por várias vezes chamado a Bissau e por fim o Padre Mário saiu de Mansoa.
Estávamos em 1967, éramos todos muito jovens e acho que faltou uma pitadinha de bom senso ao Padre Mário, para levar a água ao seu moinho. Ele que me perdoe, mas foi o que pensei na altura.
Aires Ferreira
Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)
Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)
Padre Mário da Lixa. Foto da sua página, aqui reproduzia com a devida vénia |
(...) "Na guerra colonial, vivi integrado no Batalhão 1912, sedeado em Mansoa. Era o único padre capelão. Havia outro padre em Mansoa, mas na igreja da Missão, com quem sempre dialoguei, durante os quatro meses que lá vivi e actuei. Mas como capelão militar era o único padre no Batalhão.
"Enquanto não me expulsaram, pude privar de perto com as diversas chefias militares e com as centenas de soldados rasos que davam corpo ao Batalhão. Encontrei homens que estavam na guerra com convicção. A tese oficial do Regime sobre a guerra estava bem interiorizada neles. E eram generosos, à sua maneira, na entrega de si mesmos àquela causa, sem se aperceberem que era uma causa perdida. Mas havia também os que se aproveitavam da guerra, com sucessivas comissões, bem remuneradas, e quase sempre longe dos perigos das frentes de combate. Dizê-lo, não é novidade para ninguém. E havia os oficiais milicianos que, duma maneira geral, estavam na guerra contrariados e cuja preocupação maior era poderem regressar à sua família e à sua terra sãos e salvos" (...).
Fonte: Vd. post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa) (***)
Num outro texto, também publicado na I Série do nosso blogue, em 17/5/2006, o Mário de Oliveira explicou como é que foi apanhado pela armadilha da guerra colonial e o que é que a sua experiência, como capelão militar no CTIG, representou para ele, como homem, cidadão e padre:
(...) Acordei para a Guerra Colonial, quando, em 1967, fui chamado ao Paço episcopal do Porto - tinha então 30 anos de idade e cinco anos de padre, na Diocese, e era professor de Religião e Moral no Liceu D. Manuel II - para ser informado, de viva voz, pelo Bispo-Administrador Apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva, de que o meu nome já tinha sido enviado para Lisboa, pelo que, em breve, iria ser chamado a frequentar um curso de capelães militares, na respectiva Academia Militar!
Não me perguntou o Bispo se eu estava disposto a ir, se tinha alguma coisa a objectar. Não me consultou. Apenas me informou e deu-me a ordem de marcha. Como se a Igreja fosse um enorme quartel, onde a generalidade dos seus membros apenas obedece, cumpre ordens dos superiores, auto-apresentados como infalíveis, como donos da verdade, como rostos visíveis de Deus, senão mesmo, o próprio Deus na terra.
A verdade é que eu, nessa altura, embora ficasse mudo de espanto e como que apunhalado no peito, não ousei sequer contradizer o Bispo. E lá fui para a Academia Militar, com mais umas dezenas de outros padres do país, pelos vistos, todos mais ou menos incómodos, por razões as mais diversas, nas respectivas dioceses.
Ao fim de cinco semanas de curso intensivo, fui dado como apto e parti para a Guiné-Bissau, a fim de me integrar, como alferes capelão, no Batalhão 1912, que já operava militarmente em Mansoa, a 60 kms de Bissau.
Hoje, também eu me pergunto: Como é que isto foi possível? Como é que eu nem sequer me lembrei de formular objecção de consciência? Como é que fui logo obedecer a semelhante ordem? (...)
A verdade é que eu, nessa altura, embora ficasse mudo de espanto e como que apunhalado no peito, não ousei sequer contradizer o Bispo. E lá fui para a Academia Militar, com mais umas dezenas de outros padres do país, pelos vistos, todos mais ou menos incómodos, por razões as mais diversas, nas respectivas dioceses.
Ao fim de cinco semanas de curso intensivo, fui dado como apto e parti para a Guiné-Bissau, a fim de me integrar, como alferes capelão, no Batalhão 1912, que já operava militarmente em Mansoa, a 60 kms de Bissau.
Hoje, também eu me pergunto: Como é que isto foi possível? Como é que eu nem sequer me lembrei de formular objecção de consciência? Como é que fui logo obedecer a semelhante ordem? (...)
______________
Notas do editor
(*) Da página pessoal do Padre Mário da Lixa, retirámos alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor a o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné.
(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;
(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substitui o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...
(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;
(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";
Notas do editor
(*) Da página pessoal do Padre Mário da Lixa, retirámos alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor a o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné.
(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;
(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substitui o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...
(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;
(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";
(v) Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;
(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;
(vi) Menos de cinco meses depois, em março 1968, é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";
(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses);
(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;
(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, entretanto, regressado do exílio;
(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;
(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;
(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";
(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional;
(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal Público, "regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...).
Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > 1995 > O jornalista Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.
(**) Último poste da série > 21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12753: (De)caras (15): O meu primo Agnelo, e meu conterrâneo da ilha de Santo Antão, comandante do PAIGC, com quem me reencontrei no pós-25 de abril, em Bissau, era eu empregado bancário, no BNU - Banco Nacional Ultramarino (António Medina, ex-fur mil op esp, CART 527, Teixeira Pinto, 1963/65, a viver nos EUA, desde 1980)
(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;
(vi) Menos de cinco meses depois, em março 1968, é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";
(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses);
(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;
(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, entretanto, regressado do exílio;
(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;
(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;
(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";
(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional;
(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal Público, "regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...).
Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > 1995 > O jornalista Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.
Foto:© Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)
(**) Último poste da série > 21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12753: (De)caras (15): O meu primo Agnelo, e meu conterrâneo da ilha de Santo Antão, comandante do PAIGC, com quem me reencontrei no pós-25 de abril, em Bissau, era eu empregado bancário, no BNU - Banco Nacional Ultramarino (António Medina, ex-fur mil op esp, CART 527, Teixeira Pinto, 1963/65, a viver nos EUA, desde 1980)
(***) Vd. poste de 24 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12895: Notas de leitura (575): "Como Fui Expulso de Capelão Militar", por Pe. Mário de Oliveira (Mário Beja Santos)