Sexagésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Sétimo dia de viagem
Não é os “Caminhos de Santiago”, que eram aqueles
percursos percorridos pelos peregrinos, que afluíam a
Santiago de Compostela, desde o século IX para venerar
as relíquias do apóstolo Santiago Maior, cujo suposto
sepulcro se encontra na catedral de Santiago de
Compostela. Também não são as “Via Cássia”, “Via
Domícia”, “Via Egnácia”, “Via Devan” ou “Via d’Etraz”,
que eram aquelas Estradas Romanas, que partiam de
diversos pontos da Europa Medieval, com destino a
Roma ou Jerusalém, onde em algumas, era concedida
“indulgência” plena, a quem fizesse o seu percurso, não
tem pontes e marcos históricos, em pedra de granito e
milenários, os seus, são mais recentes, mas o seu
percurso também atravessa, montanhas, vales, rios,
alguns de água quente, planícies, glaciares, florestas,
savanas e, tem muitos precipícios e, também não se
concede qualquer “indulgência” a quem a percorre.
É, única e simplesmente
, o “Alaska Highway”, ou seja, a
estrada que liga por terra, os USA, atravessando o país
amigo do Canadá, ao estado do Alaska.
Já bastante no norte do Canadá, nesta altura do ano era
de dia, pelo menos por um período de 18 ou 20 horas,
saímos da povoação de Beaverlodge, ainda na província
de Alberta, onde dormimos por umas horas, tomando um
refrescante banho, comendo fruta, bebendo água e
sumos, com alguma medicina de manutenção diária, era
madrugada, pelo menos no nosso relógio, pois já havia
sol, continuámos na estrada número 43, atravessando a
fronteira, entrando na província de British Columbia,
chegando à cidade de Dawson Creeck, procurando o local
da “Historic Mile 0”, ou seja o quilómetro zero,
preparados para iniciar a jornada pelo famoso “Alaska
Highway”.
Quando parámos no local, onde se inicia o “Alaska
Highway”, na cidade de Dawson Creek, no Canadá, a
que podemos chamar, tal como eu chamo muitas vezes à
“nossa” Mansoa e, o “comandante” Luís, apelidou de
“Mansoa City”, um “posto avançado de fronteira”, já lá
estavam algumas caravanas, motos e outros veículos,
alguns vindo da Europa, onde despacham os seus
veículos, via Frankfurt/Alifax, viajando depois de avião ao
encontro deles, pois muitas pessoas oriundas
daquele continente, principalmente alemães, italianos, ingleses ou
franceses, têm orgulho em dizer que viajaram no “Alaska
Highway”, também se vêm muitos oriundos da Austrália,
então as pessoas que viajam de moto, que nós
consideramos uns heróis, depois de fazerem o “Alaska
Highway” ou o “Dalton Highway”, de que falaremos
mais tarde, são considerados pelos seus companheiros,
como sendo uns heróis, ou seja, é quase o máximo que
se pode exigir a uma pessoa viajando de moto, depois
desta aventura fica mais ou menos com a patente de
“General”, na linguagem militar.
Esperámos pela nossa vez. Tirámos as fotos da praxe
junto do “Historic Milepost 0”, visitámos o local que
circunda toda a área, fizemos os últimos preparativos,
tanques cheios de gasolina, o do Jeep e mais quatro
tanques extras, de cinco galões cada um, água, fruta,
pão, mapas organizados, o GPS ligado e, marcado no
que julgávamos ser o nosso destino, embora sabendo
que em muitas partes do percurso não existe sinal de
satélite, que era só uma estrada, não havia que enganar,
mas queríamos saber as milhas percorridas a cada
instante. Eis-nos na estrada, que começa na cidade de
Dawson Creek, no Canadá e se prolonga até à cidade de
Delta Junction, onde está o “Historic Milepost 1422”, já
no estado do Alaska, continuando para sul, ou para norte,
com o nome de “Richardson Highway”, para sul, leva-nos
à cidade de Valdez, para norte, leva-nos à cidade de
Fairbanks, onde se encontra o “Historic Milepost 1520”,
que nos diz que percorremos mais ou menos 2500
quilómetros de terra, lama, pedra miúda ou graúda, algum
alcatrão, riachos, buracos com água, alguns com
dimensões para tomar banho, pontes em reparação, onde
passa só um veículo de cada vez, entre outras coisas, a
espera pelo “Carro Piloto”, que nos guia por uma
determinada distância, onde não temos autorização de
nos desviarmos da rota do referido carro.
Mas nem tudo são coisas más, pois a paisagem é de
outro “planeta”, temos a oportunidade de apreciar,
algumas planícies, montanhas, “glaciares”,
aves e outros animais selvagens, lagos, rios revoltosos, alguns de água
quente, árvores, vistas de montanha que não se tem
oportunidade nunca na vida de um ser humano ver, a não
ser viajando no “Alaska Highway”.
O “Alaska Highway”, a quem também chamam,
“Alaskan Highway”, “Alaska Canadian Highway”, ou
simplesmente “ALCAN Highway”, foi construído durante
a “World War II”, (Segunda Guerra Mundial), com o
propósito de haver uma via de comunicação terrestre
entre os USA e o estado do Alaska, passando pelo
Canadá.
A sua construção começou no ano de 1942, pois o ataque
do Japão à baía de Pearl Harbor, no Hawai, começou um
teatro de guerra no oceano Pacífico, com o Japão a
querer avançar para ocupar a costa oeste dos USA,
incluindo as “Aleutian Islands”, que se situam também
na parte oeste do Alasca. Assim, no dia 6 de Fevereiro de
1942, o congresso dos USA, aprovou a sua construção e,
o presidente Franklin D. Roosevelt mandou começar as
obras uns dias depois, o Canadá concordou com a
condição de a construção ser financiada pelos USA e, no
final, a estrada e todas as facilidades dela provenientes,
ficassem propriedade do governo do Canadá.
Oficialmente a sua construção começou em Março de
1942, depois de centenas de peças de equipamento de
construção de estradas terem sido transportadas com
uma certa prioridade por comboios da “Northern Alberta
Railways”, com o pessoal do “U. S. Army Corps of
Engineers”, (Corpo de Engenheiros do Exército dos
USA), que é uma agência federal, que em conjunto com
o “Major Army Command”, (Comando Maior do
Exército), que integrava alguns milhares de pessoas, civis e militares, que ainda hoje estão
associados à construção de barragens, canais, ou
protecção contra inundações ou outras catástrofes, não
só nos USA, como em diversas partes do mundo,
juntamente com o mesmo departamento do estado do
Canadá, a trabalharam arduamente, pois havia notícias
que o Japão queria invadir Kiska Island e Attu Island, na
região das “Aleutians Islands”. Tudo tinha que ficar
completo antes que chegasse o inverno, uns começando
pela parte do norte/oeste e outros pela parte do sul/leste,
encontrando-se em Setembro do mesmo ano, na
“Históric Milepost 588”, que depois foi chamada
“Contact Creek”.
Em Outubro do mesmo ano estava completa e, quero
mencionar algumas curiosidades, uma foi, que não existe,
em todo o seu percurso, um único túnel, tudo foi feito à
pressa, à luz do dia, improvisando, com os recursos que
na altura havia, fazendo todas as curvas, que o
acidentado do terreno mostrava, em algumas zonas, não
sendo possível seguir, rasgavam o lado das montanhas,
de onde tiravam terra, cascalho ou pedra, para colocar em
alguns terrenos mais baixos, que eram alagadiços. Outra
curiosidade, foi que durante a sua construção foi chamada
de “Oil Can Highway”, dado o grande número de latões
vazios de óleo e outros combustíveis, que iam ficando para
trás, marcando o progresso da estrada. Também
devemos recordar que foi construída, quase toda, com
muito trabalho físico, onde era usada a pá, picareta e a
vagoneta, também movida com esforço físico, por
homens, do tempo dos nossos pais ou avós, pois nos dias
de hoje, para se estender um fio eléctrico de umas
centenas de metros, usam um helicóptero.
Já chega de história, os primeiros contactos com o
“Alaska Highway”, foram no início, tal como
esperávamos, longas zonas de estrada em construção
sinal que daqui a alguns anos, já não vai existir o “Alaska
Highway”, pois o progresso vai fazer desta estrada, onde
ainda existem as tais pontes originais, que atravessam
rios e ribeiros, precipícios, zonas de lagos, animais a
atravessarem a estrada, não contentes com a presença
humana no seu território e, como dizíamos vão fazer
dela uma verdadeira auto-estrada, é o sinal do progresso,
já existem povoações que são formadas única e
simplesmente por trabalhadores de construção de
estradas, com casas transportáveis, tipo “contentor”,
onde existem já alguns hotéis, sempre com lotação
esgotada, sem qualquer vaga, só para trabalhadores de
construção, com oficinas e algumas plantas de cimento e
alcatrão, tudo isto nas primeiras 80 ou 100 milhas, mais
ou menos, mesmo depois de passar a povoação de Fort
St. John, onde comprámos alguma gasolina.
Depois, continuou a aventura, parando aqui ou ali, umas
vezes por obras de reparação na estrada, onde o inverno,
com avalanches de neve, ou forte corrente de água, onde
os rios cresceram destruindo parte da estrada,
principalmente junto de algumas pontes, outras vendo a
paisagem, chegando à povoação de Fort Nelson,
“Historic Milepost 300”, onde encontrámos alguns dos
aventureiros das motas que connosco estiveram na
cidade de Dawson Creek, pela manhã, sujos, molhados,
mas alegres, trocando a corrente das motas, dizendo que
nesse mesmo dia, se iam aventurar até à povoação de
Liard River.
Nós, com o Jeep e a Caravana, bastante sujos, mas em
boa condição de andar, depois de ver muitos ursos pretos
e castanhos, lobos, muitos búfalos, aves e outros animais
a atravessarem a estrada, ou a fugirem a esconder-se no
interior das matas que circundam a estrada, rios
selvagens, montanhas com neve, cascatas de água pura,
resolvemos acampar na região de “Muncho Lake”,
“Historic Milepost 456”, mesmo à beira do lago, com
água também pura, vinda dos “glaciares”, que se pode
beber. Aqui preparámos uma refeição com vegetais e
conservas portuguesas e vinho também português, dormimos na nossa Caravana e, quando abríamos a porta,
deparávamos com um cenário de montanha e lagos que
talvez custasse “um milhão de dólares”, mas que não
era possível ver, se não nos tivéssemos “arrojado” a
esta aventura.
Neste dia percorremos 489 milhas, com o preço da
gasolina a variar de $1.78 a $1.98 dóllares o litro.
Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor
Último poste da série de 13 de Setembro de 2014 >
Guiné 63/74 - P13606: Bom ou mau tempo na bolanha (65): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (6) (Tony Borié)