terça-feira, 13 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15246: Inquérito "on line" (8): O General Spínola foi uma figura controversa, e para ilustrar tal ilação, vou referir alguns aspectos que me sensibilizaram (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 12 de Outubro de 2015:

Meus Caros Luís e Carlos, 
Para o que der e vier, aqui vai alho! 

Abraços 
JD


Servi na Guiné durante o período decorrido de FEV70 a DEZ71, portanto, sob o comando do General Spínola. Estive integrado numa companhia que durante 7 meses fez intervenção no Sector de Piche, a cujo Batalhão ficou agregada. Assim, só sobre ele poderei emitir alguma opinião, estribada apenas na minha experiência e observação, opinião que pode transparecer alguma subjectividade na interpretação dos factos.

Aquele general foi uma figura controversa, e para ilustrar tal ilação, vou referir alguns aspectos que me sensibilizaram.

Enquanto estratega, houve situações que me confundiram, como algumas retiradas ou reocupações de aquartelamentos (ou pelos riscos, ou pela falta de sedimentação de relações com a população); a interpretação da passividade imposta como modelo de mera reacção às actividades do IN, por vezes com bases próximas do nosso TO. Mas o maior erro estratégico, por força da má execução operacional, relaciona-se com a invasão a Conakry, já tão debatida e do conhecimento dos atabancados. A principal nota que retirei, foi que os danos resultantes da invasão que visava substituir o presidente local e neutralizar (pela captura?) a cabeça do PAIGC, foram mínimos e sem oposição eficaz nos fóruns internacionais, e aparentemente mal avaliados para a prossecução da defesa dos nossos territórios, tendo em conta as limitações do país, o contexto internacional, e a certeza de que tal operação, depois de decidida, não poderia falhar. Falhou estrondosamente. Também podia ter sido desastrosa a ordem para tapar as valas de protecção em redor de Pirada, o que originou uma invasão e assalto à localidade, felizmente sem outras consequências. Recordo que, na época, o PAIGC assaltava e destruía aldeias da orla fronteiriça, obrigando à deslocação de pessoas e bens para o Senegal. Pirada já tina recebido o reforço de 2 companhias (1 de Páras), e Bajocunda recebeu a 1.ª (ainda única) Companhia de Comandos Africanos e o meu pelotão. O Senhor General entendeu que devia facilitar o relacionamento das relações com as autoridades senegalesas, tendo em vista o regresso da população deslocada, o que não se verificou. Foram 3 meses de intensa actividade, uma espécie de perseguição entre gato e rato, mas sem resultados para as NT.

Disciplinarmente, o Senhor General também é recordado, ora por razões de tolerância, como a imagem do alferes em tronco nu prova, como de inclemência, de que são conhecidos casos de agressão, ou de despromoção na parada, situações demasiado judiciosas e com prováveis resultados preversos. Tenho dois amigos que foram despromovidos, mas um deles recorreu, passado muito tempo ganhou, e foi reconduzido ao posto anterior, tendo sido abonado das diferenças salariais, o que deixa indiciar que o Com-Chefe podia ser mal assessorado, e que seria demasiado emotivo para inculcar sentido de obediência ou servilismo, mais do que fazer pela compreensão e aceitação da disciplina, tão necessária no ambiente de clarividência necessário à guerra. Ainda no que respeita à disciplina só por razões corporativistas não houve responsabilização séria no caso do acidente com a jangada que atravessava o rio Corubal, aquando da retirada de Madina. Uma operação delicada, parece, não pode ser condicionada pela pressa e pela incomodidade de passar uma noite no mato. E seria fácil articular um esquema de protecção.
Sobre a sensibilidade e as estratégias do IN em confronto com as nossas, Spínola deu mostras de credulidade e falta de previsão, no caso das "negociações" que vitimaram 5 militares, cilada que parecia destinada ao próprio Com-Chefe, conforme algumas opiniões expressas. Ora, no meu entender, um bom comandante não arrisca a vida dos seus subordinados, antes planeia com base na segurança do pessoal envolvido - refiro-me àquela guerra designada de baixa-intensidade.

Carlos Sousa e o Gen Spínola no destacamento de Antotinha
Foto : © Carlos Sousa (2015). Todos os direitos reservados.

Outro aspecto muito importante e descurado pelos altos comandos, e que ganhava foros de fartar vilanagem, relacionava-se com a logística. Só refiro o que sei da minha Companhia, cujo capitão e sargentos não inventaram nada. Quando a Companhia ficou responsável pelo sector de Bajocunda com um efectivo numeroso (1 ou 2 companhias, ou 1 companhia e 1/2 grupos de outra, 1 pel caç nat, 1 pelotão de artilharia, e com 2 destacamentos e 1 aldeia em autodefesa com 2 grupos de milícias), tomei conhecimento de um próspero negócio de gasolinas, que consistia na aquisição continuada na Casa Gouveia em Nova Lamego, de apenas uma parte (metade) dos tambores requisitados. No parque automóvel amontoavam-se viaturas inúteis, que serviam apenas para eventuais substituições de peças. Porém, nos mapas mensais para Bissau eram indicadas a funcionar e com altos consumos de carburante. Chegámos a não ter qualquer viatura operacional, e a socorrer-nos de viaturas emprestadas. Não sei se o COT-1, de que dependíamos, tinha conhecimento ou responsabilidade, mas as colunas de um ou dois pelotões ficavam condicionadas, era tudo ao monte, e podemos imaginar o resultado do rebentamento de uma mina, com cerca de 20 militares por viatura, que deviam deslocar-se em duas ou três. Mas o negócio não contemplava segurança. Manifestei logo que sob o meu comando de colunas, a Companhia só receberia as quantidades de gasolina requisitadas, pelo que nunca tive o encargo a transportar. Estes aspectos e os relacionados com alimentação e bebidas, talvez sejam bons casos ilustrativos de saques sobre o erário.

Assim, para obviar a tais tentações, e acautelar as melhores condições de segurança, do corpo, e do espírito do pessoal operacional e de todos os deslocados em quadricula, o Com-Chefe deveria ter criado um eficaz serviço de controle e fiscalização, uma auditoria que teria como principais funções a defesa do interesse público, bem como o esforço necessário à preservação do moral elevado. Spínola falhou rotundamente por não o ter feito.

O General, porém era arrojado, e aparecia em circunstâncias difíceis e na proximidade de combates, como em Buruntuma em FEV70. E criou-se o mito spinolista, que ia do herói, ao grande comandante. Quando passei à disponibilidade em Janeiro de 1972, permaneci na metrópole até princípio de Maio de 1971, e tive ocasião para apreciar a máquina de propaganda que trabalhava em benefício do General, com o evidente propósito de o levar à Presidência da República, o que só conseguiu por uma estouvada aliança, meios e ambientes que não correspondiam ao seu pensamento, mas a ambição concretizou-a.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15245: Inquérito "on line" (7): Estava em Bissau quando em 7 de maio de 1974 chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, esse sim o último Com-Chefe. Conheci também o Schulz, o Spínola e o Bettencourt Rodrigues (António Dâmaso, SMor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Guiné 63/74 - P15245: Inquérito "on line" (7): Estava em Bissau quando em 7 de maio de 1974 chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, esse sim o último Com-Chefe. Conheci também o Schulz, o Spínola e o Bettencourt Rodrigues (António Dâmaso, SMor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Aqui na foto ainda capitão e depois major,  comandante do Comando Geral de Milícias (1971-973), ao tempo de Spínola... 

Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia.
In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335. 


1. Mensagem de hoje do António Dâmaso [srg mor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74]

Assunto - Governadores da Guiné

No vosso inquérito, a meu ver, parece-me que se esqueceram de mais um governador.

Vejamos, eu fui contemporâneo de quatro Governadores e Comandantes-chefes da Guiné.

Quando em 17NOV66 a 17ABI68, fui colocado na BA12 e seguidamente no BCP12, era o Comandante-chefe o General Arnaldo Schulz.

Reportando a governação deste à época, tenho a dizer que houve uma grande atividade operacional por parte do BCP 12 que lhe deu direito à medalha de Cruz de Guerra de 1.ª Classe.

Quando lá apareceu o Brigadeiro Spínola, eu já não lá estava.

"Levei" com ele nas duas comissões seguintes: 20MAR69 a 10JUN70 e 18NOV72 a 30AGO74. Este militar, apesar de ter alguma preferência pelos oficiais de Cavalaria, esteve muito tempo dentro do teatro de operações e conseguiu implantar a “psico” de juntar as Populações perto de Aquartelamentos, construir moranças e criar legislação que protegia os indígenas de maus tratos por parte de militares metropolitanos.

Assisti mais de uma vez a palestras de receção a militares, em que este dizia aos militares aquilo que gostavam de ouvir de um chefe militar, por outro lado era a sua postura nas visitas aos Aquartelamentos e teatros de Operações... Sempre gostou de arriscar e teve sorte, morreu de velho.

Quando em 1961declinei a oferta de ir para a PM {, Polícia Militar], quis o destino que não o tivesse tido por 2.º Comandante, fui para Lanceiros 1

Depois havia a sua habilidade de convivência com as Populações, que era muito boa e era considerado o Homem Grande. Depois desta convivência e análise politica e militar, previu que a guerra não era ganha militarmente.

Para muitos, foi um Cabo de Guerra, mais tarde no 11MAR75, assisti "in loco",  na BA3, à sua partida [para o exílio], num  Heli que o levou à Base de Talavera de la Frontera.

Também lá estava quando fui comandar um Pelotão, integrado na CCP 121, para fazer guarda de honra na receção ao general Bettencourt Rodrigues quando este foi substituir o General Spínola, na minha modesta opinião não tenho conhecimentos para avaliar o desempenho deste senhor general, apenas sempre admirei a sua verticalidade de não alinhar com os revoltosos quando em 26ABI74, invadiram o seu gabinete. E como não alinhava com eles, deram-lhe voz de prisão e recambiaram-no para cá.

Este militar teve muita sorte na sua recusa, porque não passou pela vergonha de ter entregado a Guiné ao PAIGCV.

Imediatamente a seguir a 25 de Abril, vi muitos Periquitos posicionados nas esquinas das ruas de Bissau

Ainda lá estava quando em 07MAI74, chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, que este sim foi fazer a transferência.

Lembro-me que quando este senhor lá chegou, se preocupou com a sua segurança e a do palácio, recebi ordem para ir levantar 20 Jeeps ao Exército, estas viaturas depois, algumas equipadas com canhões sem recuo, serviam de equipamento para uma CCP fazer a segurança ao palácio.

Por último, tenho dúvidas se Arnado Schulz e Spínola, participaram na guerra civil de Espanha.


PS - Caros camaradas, apesar de tudo, e do comentário acima,  sou um spínolista.   Um grande abraço do Dâmaso.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15244: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (24): De 14 de Novembro a 22 de Dezembro de 1973

1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 24.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

24 - De 14 de Novembro a 22 de Dezembro de 1973

Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

(...)

NOV73/14 – (...) Pelas 20,30 horas deste dia foi comunicado a este Comando pelo Comandante do Pelotão de Milícias 231 que o Soldado Milícia MAMADÚ JALÓ, que se tinha deslocado na madrugada desse dia ao R. GUNOBA, para apanhar peixe, não tinha regressado.

NOV73/15 – Em face do desaparecimento do Soldado Milícia, foi destacado para um patrulhamento à região do R. GUNOBA, um grupo de combate, que encontrou vestígios de presença de um GR IN estimado em 30/40 elementos, que deviam ter retido o referido milícia. (...)

NOV73/20 – Pelas 08,30 horas chega a A. FORMOSA para uma visita a A. FORMOSA, MAMPATÁ E BUBA, Sua Excelência o Governador e Comandante-Chefe. (...).

(...)

NOV73/22 – Conforme notícias processadas, admite-se a passagem de coluna IN de INJASSANE-UNAL-INJASSANE, nos dias 22, 23 e 24. Com forças da 1.ª CCAÇ/4513, CCAV 8350, CCAV 8351, 2.ª CCAÇ/4513 e CART 6250 monta-se um dispositivo de contra-penetração nos corredores de passagem IN.

- Forças da 1.ª CCAÇ/4513, detectaram vestígios da passagem de grupo IN estimado em 20 elementos, no corredor de BUBA, no sentido SUL/NORTE, provavelmente na noite de 21 para 22 de NOV73.

(...)


Histórias marginais (4): Uma iguana de muitas vidas

Estávamos no regresso de mais um patrulhamento para protecção a uma coluna, na picada Nhala-Mampatá. Vejo lá à frente um soldado sair à direita para a mata, possivelmente para urinar e, quando regressa, diz qualquer coisa aos outros e eles entram também na mata. Parou todo o grupo. Quando me acerco estão a sair da mata muitos excitados e dizem-me: “Está ali um grande lagarto com uma lata enfiada na cabeça”. Eles sabiam bem que eu não perdia uma coisa destas, a menos que as circunstâncias não permitissem. Entrei na mata e vi o lagarto logo ali, separado da picada apenas por uma barreira densa de arbustos. Parecia um crocodilo pequeno mas com cabeça de sardanisca que, ainda por cima, não se via. Estava imóvel mas percebia-se bem que respirava e, sentindo a nossa presença, bufava dentro de uma lata ferrugenta de sumos ou chocolate das nossas rações, onde enfiara a cabeça sem remédio. Claro que ninguém reconheceu o lagarto. Até àquela data, o maior que vira na Guiné, era aquele que fazia flexões ao sol, indiferente à nossa presença. Calculei que tivesse um metro e meio da cabeça à ponta da cauda. A nossa primeira admiração: como é que um lagarto tão grande tem uma cabeça tão pequena? E mais: há quanto tempo estará sem comer e a respirar pelos poros da lata ferrugenta? Será perigoso? A minha primeira reacção foi abandoná-lo e seguir viagem, mas a curiosidade foi mais forte. Pensei: é simples, dou-lhe uma cacetada na cabeça enlatada e levámo-lo para ver se alguém nos ajuda a identificá-lo. Vai ser manga de ronco!

Ali a mata era de chão quase limpo e árvores ralas e pouco grossas. Não foi difícil arranjar um cajado. Dei-lhe uma cacetada tão forte na zona da cabeça, que a lata quase se espalmou. Para minha surpresa – e susto -, o réptil deu um salto descrevendo um arco, quase me batendo, e desata numa correria por entre as árvores até “atracar” de frente numa de maior porte. Ofegante, parecia uma bomba prestes a explodir, dando sacudidelas violentas com a cauda na árvore mais próxima, que vibrava até ao extremo da copa. Eu, incrédulo, mantive-me afastado, certo de que, se me atingisse uma perna, a partiria. De onde vinha tamanha energia? Que órgão comandaria os seus estertores? À distância, todos olhávamos perplexos aquela força da natureza que mais parecia algo de sobrenatural.

Quando o bicho parou de bater, aproximei-me e encostei-lhe o tapa-chamas da G-3 a meio da lata e disparei. Esperei então um momento e, vendo-o inanimado, fiz um laço de correr com uma ligadura que pedi ao enfermeiro. De longe, com a ajuda de um pau comprido, passei-lhe o laço pelo pescoço e dei um puxão. Não reagiu. Arrastei-o para a picada e um dos soldados levou-o de rojo até Nhala.

Arrancámos-lhe a lata da cabeça (uma massa) e, exposto à curiosidade de todos, ninguém, arriscou um nome para aquela espécie. Só no dia seguinte, através de um homem grande, indicado como a pessoa certa para o caso, ficámos a saber, por gestos e monossílabos, que se tratava de um, (ou uma) iguana africana. Isto na interpretação de um camarada que acompanhava a mímica do homem.

Ao fim da tarde, quase noite, vem-me dizer que a iguana, esticada frente à caserna do meu grupo, estava cheia de formigas. Deu-me vontade de a atirar logo para o bidon do lixo, mas tinham-me dito que o tal homem grande era especialista em curtir as peles dos répteis e que, a da iguana, era muito mais valiosa que a das grandes serpentes. Agarrei-a pela corda improvisada que tinha ainda ao pescoço e suspendi-a num barrote alto do abrigo da HK-21 ali mesmo ao lado. Pendurada e inerte, sacudimos-lhe as formigas. Já a noite ia alta quando se desencadeou uma tremenda trovoada acompanhada por chuva torrencial, como se os céus se quisessem livrar das últimas águas do ano. A seguir a um relâmpago potente, da minha cama ouvi, para os lados da caserna, pancadas violentas e repetidas em qualquer coisa de zinco. Pensei logo: é a iguana. Peguei na faca de mato e, debaixo do temporal, fui até ao abrigo da HK-21, que ia ficando sem telhado, e dei um golpe na corda aproveitando uma pausa na fúria louca do lagarto. Caiu-me aos pés e ficou estendido, quieto, na sua outra morte.

No dia seguinte foi-lhe retirada a pele (impressionou-me o volume da sua musculatura sobretudo nas patas) e, ao longo do tempo, o homem grande, vaidoso, chamava-me por vezes para me mostrar aquela preciosidade esticada com pregos numa tábua larga para secar. Até que um dia me veio entregar um rolo largo de pele e eu paguei-lhe o combinado. Era bonita a pele, embora um pouco escura. Pensava vendê-la em Bissau quando estivesse de passagem. Eu, que tenho um jeito danado para o negócio...


FOTOS 1 e 2: Nhala, 1973 – O homem grande exibe a iguana. Depois vai extrair-lhe a pele e curti-la.

Um dia, quando fazia preparativos para vir de férias, lembrei-me da pele e fui encontrá-la no fundo de um caixote, com as camadas interiores cheias de larvas: brancas e gordas. Peguei naquilo e atirei-o para o bidon do lixo com repugnância, muito alívio e a certeza de que, se não reagira às larvas, era porque a pele estava mesmo morta.

Foto 3: Iguana africana (Imagem extraída da Net)


22 de Dezembro de 1973 – (sábado) – Nhala: o regresso de férias.

Chegado no dia anterior de Bissau, ainda dormiria uma noite em Aldeia Formosa. Para meu contentamento e contra as expectativas mais pessimistas que trazia, soube que a actividade da guerrilha no Sector era quase inexistente, permitindo um bom avanço nas duas frentes de trabalho da estrada nova. Isto era bom porque todos nós tínhamos que lá estar, quer nas frentes de trabalho, quer ao longo do percurso já construído. Mas o que mais exigia de nós, paralelamente, eram as contra penetrações indispensáveis à segurança afastada e, também, para interceptar os grupos inimigos nos carreiros. Isso implicava a deslocação de muita tropa, normalmente para locais afastados. Verifico agora, pela História da Unidade que, só ao longo do mês de Dezembro, ocorreram cinco situações de movimentos desses, motivadas por informações recolhidas pelo Comando, dando conta da possível passagem de colunas de guerrilha nos carreiros. Em nenhum dos casos ocorreu intercepção, todavia, sendo a ameaça permanente, havia que repor o campo de minas no carreiro de Uane, lá para os lados do Corubal, que eu levantara antes de ir de férias. Eram as normas: levantar as minas antes de uma ausência prolongada e implantá-las de novo após o regresso.

A ida ao carreiro de Uane, ocorrida entre o Natal e o fim do ano, implicou que o meu grupo ficasse à responsabilidade dos dois furriéis em Buba, tendo em vista a protecção às obras de Engenharia nessa frente, aliás, já tinha sido assim durante o meu período de férias. Só após a instalação do campo de minas me juntaria ao grupo.


Natal de 1973

Foi o meu primeiro Natal passado longe da família. Para a maioria também. Mas o constrangimento que isso causasse, dependia em maior ou menor grau, da importância que cada um atribuía a essas festividades, - o Sr. de La Palice, não diria melhor... Daí que, a mim, afectasse pouco, quer por ter regressado recentemente, quer pelo hábito familiar de natais austeros e de pouca religiosidade. Em criança sim, os natais eram épocas de grande alegria e excitação e, todos os anos o meu pai fazia grandes presépios, pouco comuns, cheios de luz e cor e onde não faltavam os moinhos que giravam sem vento e nem as azenhas que rodavam com água a sério. E onde até o Menino Jesus tinha sempre aos pés um pires com moedinhas, antecipando as ofertas dos Reis Magos. Éramos muitos irmãos e precisávamos do imaginário efervescente. E o nosso presépio padrão colocava num nível muito alto as expectativas e as exigências de qualidade: era o presépio monumental da Igreja de Miranda do Corvo, cujas figuras tradicionais eram mais ou menos do nosso tamanho. Mas, antes da adolescência, já tinha acabado a tradição sem que isso nos traumatizasse. Não sonhava, nesses tempos, que voltaria a ver presépios animados (e trabalhosos), agora feitos por mim para extasiar as minhas duas netas.

Para a noite da consoada em Nhala, esmerou-se o Capitão Braga da Cruz, conseguindo atempadamente todos os ingredientes e produtos da tradição, para que nada faltasse na mesa. Ninguém ficou excluído da ceia condigna e do ambiente que atenuasse a dor da saudade. Mau grado o estado de alerta, orelhas no ar, porque, dizia-se, os turras aproveitam sempre estas ocasiões. Sempre, não, porque não aconteceu nada e tudo correu bem. Nessa noite todos se deitaram em paz (menos as sentinelas), cada um sonhando com Menino Jesus da sua preferência.

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Estava no fim o ano de 1973 sem grandes novidades operacionais neste derradeiro mês, para além das notícias de possíveis infiltrações da guerrilha através dos corredores de passagem; iniciou-se o reordenamento de Colibuia que bem precisava, pois aquilo que lá existia era uma nulidade; a estrada avança a bom ritmo (estando a frente de Buba a 6000 metros de Buba e a frente de A. Formosa a 5100 metros de A. Formosa). É sobretudo para esta obra que convergem as atenções e o entusiasmo de todos. Não é para menos: esta estrada vem revolucionar o modo, o tempo e a segurança (?) na ligação entre Aldeia Formosa, Mampatá, Nhala e Buba.

Foto 4: 1974, estrada Buba-Aldeia Formosa no troço Buba-Nhala, ainda antes de se completar todo o trajecto.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 6 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15207: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (23): De 27 de Outubro a 12 de Novembro de 1973

Guiné 63/74 - P15243: Parabéns a você (974): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Ref da Marinha de Guerra Portuguesa (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15239: Parabéns a você (974): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15242: Inquérito "on line" (6): Spínola... e os outros Com-Chefes, antes e depois... (Comentários de Ferreira Neto, José Martins e Beja Santos)



Guiné > Brá, Outubro de 1965 > Governador-Geral e Com-Chefe, general Schultz, o Comandante Militar e o Capitão Nuno Rubim (atrás) recebendo honras militares dos comandos do CTIG em parada. Com o regresso a Portugal do Capitão Rubim, em Fevereiro 1966 ficou a comandar a Companhia de Comandos o Capitão de Artilharia José Eduardo Martinho Garcia Leandro, que até à data estava a comandar a Companhia 640, estacionada em Sangonhá.

Foto (e legenda) : © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados

 
Recorte de jornal (talvez de O Século), enviado pelo nosso camarada Joaquim Lúcio Ferreira Neto. Arnaldo Schulz entre outros cargos foi Director do Centro de Instrução da Milícia da Mocidade Portuguesa; na imagem parece ser o primeiro, a contar da direita,  não sabemos em que qualidade é que estava aqui, mais provavelmente como diretor do centro da milícia da MP; os  subsecretários de estado do exército, da aeronáutica e do educação nacional estavam à civil... De 1950 a 1956, o subsecretário de estado do exército era o Horácio Sá Viana Rebelo (1910-1995...  

Três anos depois, em 27 de Novembro de 1958, com o posto de tenente-coronel, Arnaldo Schulz será nomeado ministro do interior, cargo que exerce até 1961. Como brigadeiro, já em 1963, tem uma curta passagem por Angola, antes de ser nomeado, em maio de 1964 governador da Guiné Portuguesa e comandante-chefe, em substituição do comandante Vasco Rodrigues e do brigadeiro Fernando Louro de Sousa. É o primeiro a acumular estes dois cargos.

De referir ainda que, como jovem tenente, com 28 anos, Schulz fez parte da Missão Militar Portuguesa de Observação à Guerra Civila Espanhola, de junho a novembro de 1938, conforme consta do seu processo individual no Arquivo Históprico-Militar. Tal como Spínola, que nasceu no mesmo ano do Schulz (1910), também estaria, três anos depois,  em 1941, na frente russa,  como observador das movimentações da Wehrmacht, no início do cerco a Leninegrado. Dizia-se que era germanófilo, como muitos oficiais do exército português da época. E foi daí que lhe terá vindo o gosto pelo monóculo... Na Guiné, sempre lhe chamei Herr Spínola... (LG)


1. Mais 3 comentários sobre os homens que, do lado português.  comandaram os destinos da Guiné, antes da independência (*):

Joaquim Lúcio Ferreira Neto [, ex-cap mil, CART 2340, Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69]

Embora tivesse como comandantes os Generais Arnaldo Schulz e António de Spínola, só tive oportunidade de falar com António de Spínola, por duas vezes.

Quanto a Arnaldo Schulz, conheci-o em 1955, nas circunstâncias que figuram na fotografia publicada nos jornais, das quais envio uma cópia [, quando ele, juntamente subsecretário de Estado do Exército, da Aeronáutrica e da Educação,  passou revista à formatura antes do juramento de bandeira dos cadetes do 2º curso de preparação militar no XII Acampamento Nacional da Milícia da Mocidade Portuguesa, na Carregfueira]. Eu fazia parte desse grupo.


José Martins [ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos,  Canjadude, 1968/70]

Vasco António Martínez Rodrigues, Governador sem responsabilidades militares, entre 1962 e 1964, apenas "apanhou" o inicio e dois anos de guerra.

Arnaldo Schulz, Governador e Comandante Chefe, foi transferido de um Comando de Agrupamento em Angola, onde era Coronel (tirocinado). Foi para a Guiné, em 1964,  numa altura em que o efectivo ainda não se aproximava do que veio a ser, poucos anos depois. Consta que se dava melhor com o "alcatrão" do que com a "mata".

António Sebastião Ribeiro de Spínola, Governador e Comandante Chefe (1968-1973)  chegou e "mexeu e remexeu o xadrez da Guiné". Foi o homem escolhido do Marcelo Caetano, pelo que "pode tirar partido" da situação. Aumentou o efectivo e a actividade operacional. Foi o que mais tempo esteve á frente dos destinos da província, e quando o número de militares por metro quadrado atingiu o máximo de sempre. Foi o que criou mais instabilidade ao IN.

José Manuel Bettencourt Conceição Rodrigues, Governador e Comandante Chefe (1973-1974)  sucede a um militar que já tinha firmado as suas credenciais, não só na Guiné mas também na metrópole, pelas "dores de cabeça" provocadas pelas suas viagens frequentes a Lisboa, para falar com Marcelo Caetano e pelos ultimatos que fazia, até que apresentou a demissão e foi necessário criar um "impedimento" para o manter no "arco do poder": a Vice Chefia do EMGFA, único a ocupar esse cargo. Caiu-lhe em cima a Declaração da Independência, assim como o 25 Abril e o Golpe dos MFA/Guiné.

Mais importante para os militares naturais da Guiné do que para os europeus, ainda houve dois Governadores e Comandantes Chefe:

Mateus da Silva e São Gouveia, militares portugueses que, após a prisão do governador Bettencourt Rodrigues, no Forte da Amura, em Bissau, entre o dia 27 de Abril e o dia 7 de Maio de 1974, estiveram na governação interina da Guiné, até á chegada de Carlos Alberto Idães Soares Fabião, Ultimo Governador.

Fui fazer o levantamento de efectivos operacionais "presentes" no TO da Guiné, e constantes dos "5,517 - Os últimos anos da Guerra na Guiné Portuguesa" (***). para tentar "explicar" as preferências indicadas pelos camarigos.

Vejamos oe efectivos:

Governo de Vasco António Martínez Rodrigues

8 de Agosto 1962 - 2.817
8 de Setembro de 1963 - 4.118
8 de Novembro de 1963 - 6.005

Governo de Arnaldo Schulz

23 de Dezembro de 1966 - 18.920

Governo de António de Spinola

4 de Setembro de 1968 - 20.580
4 de Dezembro de 1968 - 20.488
3 de Agosto de 1969 - 24.425
2 de Agosto de 1970 - 23.196

Governo de José Manuel Bettencourt Conceição Rodrigues

7 de Setembro de 1973 - 23.471


Mário Beja Santos [, ex-alf mil, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70]

Meu caro Luís,

Gabo-te a oportunidade do desafio (*).

Quando estava a ultimar “História(s) da Guiné Portuguesa” de que em breve darei notícias, logo que saiba a data do lançamento, deparei-me com esta lacuna fundamental da guerra da Guiné: o período de 1968-1974 está fartamente documentado, creio que em nenhuma frente de guerra haverá tanta documentação como desse período, respeitante ao carismático Spínola que tudo fez para que a sua encenação política pudesse ser vista lá como cá; ora a governação Schulz, tanto quanto sei, não tem livros, teses de doutoramento ou documentos aparentados, fala-se por alto que Schulz investiu de 1964 até 1968 a fundo na quadrícula e no uso das operações com tropas especiais. O resto é neblina.

Esta situação é prejudicial ao entendimento dos factos sequenciais entre 1962 e 1974. Nomeia-se Schulz e aconteceu o quê? A dar credibilidade ao que escreveram homens como Carlos Fabião, Schulz é um homem cansado e doente, em Fevereiro de 1968. André Gomes e um pequeno grupo flagelaram Bissalanca, o que teve repercussões em toda a cidade e no moral das tropas ali acantonadas, e fora delas.

Ainda não sabemos se este homem foi um puro joguete da História, atirou-se à missão com os seus conhecimentos de Estado-Maior e terá feito aquilo que era possível fazer com os recursos, efetivos e armamentos que Lisboa lhe fornecia, ou se entrou numa rotina perigosa, isto enquanto o PAIGC acumulava meios, prestígio e posições?

Talvez a chave da questão esteja no Arquivo Histórico-Militar, mas era muitíssimo importante que quem sabe da poda, aqui no blogue, desse o litro, contasse a verdade, tal como a viveu ou experienciou.

Estarei atento, também eu preciso de juntar peças, as que temos não são satisfatórias. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de outubro de 2015 >9 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15227: Inquérito "on line" (4): "Dos 3 últimos com-chefes do CTIG, aquele de que tenho melhor opinião é... Arnaldo Schulz (1964/68), António de Spínola (1968/73) ou Bettencourt Rodrigues (1973/74) ?... Resposta até 5ª feira, dia 15, às 15h30

Guiné 63/74 - P15241: Notas de leitura (766): "Botânica", por Vasco Araújo, editado pela Sistema Solar, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2014:

Queridos amigos,
Terá sido uma exposição extraordinária, o livro é belíssimo, um apetite para bibliófilos, ainda por cima a preço decente.
Um jovem nascido em 1975, já com larga carreira nacional e internacional, entusiasma-se pelo exótico da cultura colonial dos séculos XIX e XX, vê-se que está atraído pela força deste império no imaginário nacional. Encontrou soluções expeditas, recorrendo a imagens de arquivo e intercalando-as com botânica. Está ali o colonial a obrigar-nos a pensar o pós-colonial, são imagens polémicas, geram aturdimento, lançam, no silêncio de uma exposição, os sinais de um incêndio que ainda não se apagou: como queremos lidar com o Outro, após séculos de dominação, de missão civilizadora?

Um abraço do
Mário


A Guiné numa exposição de Vasco Araújo

Beja Santos

Vasco Araújo, nascido em 1975, em Lisboa, tem participado em diversas exposições individuais e coletivas, em contexto nacional e internacional. O seu trabalho está publicado em vários livros e catálogos e representado em várias coleções públicas e privadas como no Centre Pompidou, Museu da Arte Moderna (França); Museu Coleção Berardo; Fundação Calouste Gulbenkian; Museo Nacional Reina Sofia (Espanha); Fundação de Serralves; Museum of Fine Arts (Houston); Pinacoteca do Estado de São Paulo. O livro Botânica tem a ver com a exposição com igual título, que ele concebeu para o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, e agora dado à estampa pela Sistema Solar, 2014, numa lindíssima edição. O texto é de Emília Tavares, que assim apresenta a exposição: “O artista apresenta em Botânica 12 esculturas, constituídas por mesas sobre as quais são apresentadas fotografias emolduradas. O conteúdo das imagens confronta o natural com o cultural: imagens de espécies botânicas dos jardins tropicais do Porto, Coimbra e Lisboa convivem com fotografias de arquivo produzidas durante o longo período colonial português e internacional. Alegoricamente, as imagens das espécies botânicas enraízam-se através da mesa, num confronto direto com a apresentação mais decorativa e burguesa das chocantes imagens de arquivo que representam a ideologia da colonização. Ao estarem emolduradas, as imagens ensaiam solenidade; e dispõem-se sobre uma mesa, objeto que remete desde logo para muitos referentes, desde os políticos aos de intimidade”. Emília Tavares discreteia sobre o preto e o branco, a colonização e a descolonização, a ideia do exótico, do civilizado e do primitivo que precisa de ser civilizado, recorda as exposições coloniais, rituais de afirmação imperial e destaca a Exposição Colonial do Porto, em 1934, exposição que serviria para reforçar uma ideia histórica de nação colonizadora, tudo foi organizado para ser uma lição viva. Um artista como Eduardo Malta foi atraído por esta gente exótica, desenhou e pintou, um dos painéis alusivos à exposição mostra o régulo Mamadu Sissé, um dos lugares-tenentes de Teixeira Pinto. Uma guineense, Rosinha, foi premiada como a grande beleza da exposição, mereceu desenho e fotografias, era o símbolo da beleza nativa.

Vasco Araújo força-nos a refletir sobre o colonialismo português, se era genuína aquela ideia de tolerância rácica, se havia mesmo brandura na relação com o Outro. O artista pertence a uma geração que pode estudar o colonial e o pós-colonial sem preconceitos e questionar o silêncio destas décadas, silêncio embaraçoso, uma bruma que começa a dissipar-se com a nova historiografia pós-colonial, que procura superar a ignorância do passado confrontado a nossa história colonial num contexto amplo onde cabem a imigração, os bairros problemáticos, o multiculturalismo fruste e até esta lusofonia em que não nos apercebemos inteiramente se é de aproximação sem reservas ou se foi despertada pelos interesses económicos e estratégicos.

Vasco Araújo montou estas esculturas entre a serenidade e o aturdimento, os elementos vegetais, inequivocamente africanos aparecem recheados de pigmeus, o zoológico humano, o imaginário das aventuras desses pioneiros tipo Serpa Pinto, ternurentas Bijagós, criancinhas-mulheres de candura extrema, Gungunhana, rei de Gaza, exibido nas ruas de Ponta Delgada, num cortejo comemorativo da sua captura, uma Manjaca bem tatuada, Rosinha captada numa intensa luminosidade erótica e Mamadu Sissé em posse soberana cercado de indígenas policromos. E uma vez mais a palavra em Emília Tavares: “Botânica é uma série incómoda, desafiante da nossa habitual modorra perante um passado comprometedor. As imagens com que o artista nos confronta, são ainda hoje, polémicas: muitas foram resguardadas do olhar das gerações que se seguiram ao império e à guerra colonial, como forma de desresponsabilizar consciências e introduzir semânticas opacas do luso-tropicalismo e lusofonia”.

Uma edição lindíssima, tendencialmente a ser acerrimamente disputada por bibliófilos de arte.

Rosinha fotografada por Domingos Alvão

Régulo Mamadu Sissé, pintura de Eduardo Malta

Militar português a abraçar guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15224: Notas de leitura (765): “Les Luso-Africains de Sénégambie”, de Jean Boulègue, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1989 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15240: Inquérito "on line" (5): Resultados provisórios, num total de 117 respostas: parece haver uma sobrerrepresentação dos "spinolistas" (75%), em relação aos "schulzistas" (5%) e aos "bettencourtistas" (5%)... Comentários de José Colaço, Raúl Azevedo, Veríssimo Ferreira e Francisco Galveia

Com-chefe, gen inf Arnaldo Schulz
(1964/68): tem 32 referências no nosso blogue
A. Inquérito "on line", no nosso blogue, iniciado em 9 do corrente e que se prolonga até 15, 5ª feira (*): 


"Dos 3 últimos com-chefes do CTIG, aquele de que tenho melhor opinião é... Arnaldo Schulz (1964/68), António de Spínola (1968/73) ou Bettencourt Rodrigues (1973/74) ?"...


Respostas provisórias (n=117)


1. Arnaldo Schulz (1964/68)  > 7 (5%)



2. António de Spínola (1968/73)  > 88 (75%)




3. Bettencourt Rodrigues (1973/74)  > 7 (5%)


4. Nenhum deles  > 9 (7%)


5. Não sei / não tenho opinião  > 6 (5%)



Respostas recebidas [diretamente, no blogue, "on line",sob a forma de "voto" no canto superior esquerdo]:

117 [até às 19h00 do dia 11/10/2015, domingo]

Dias que restam para responder:

3 [até 15/10/2015, 5ª feira, 15h32]

Com-chefe, gen cav António Spínola (1968/73): 
tem mais de 200 referências no nosso blogue


B. Alguns comentários curtos deixados pelos nossos camaradas que nos leem (*):


José [Botelho] Colaço [ex-sold trms,  CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65]:


(...) Inquérito só aos últimos três governadores,  Shulz, Spínola e Bettencourt? E porque não aos últimos quatro, o comandante Vasco António Martinez Rodrigues,  penso eu,  não pode ser ignorado e sair incólume, pois foi no seu mandato de governador da Guiné 1962/64,  que a guerra da Guiné se "declarou". Bem se sabe que o Vasco Rodrigues, governador geral,  não tinha o tanta responsabilidade a nível militar como os seus sucessores,  devido as chefias militares estarem a cargo de um chefe militar, na altura o brigadeiro Fernando Louro de Sousa,  e segundo se consta deu origem à exoneração de ambos. (...)



Raúl [Manuel Bivar de ] Azevedo [ex-cap mil, 2ª C / BART 6522, Susana, 1972/74]


(...) O meu voto vai para António de Spínola (**), baseado em experiência pessoal, visitou a minha Companhia variadas vezes. Um militar exemplar. (...)


Omis Syrev Ferreira  [, 1º nome escrito ao contrário do Veríssimo Ferreira, é o seu "user name"  no Blogger; ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67]


Com-chefe, gen inf [José Manuel]
Bettencourt Rodrigues (1973/74):
rem cerca de 3 dezenas de referências 
no nosso blogue


(...) Aquele que conheci e atendeu justos pedidos, que a Secção de Funerais e Registo de Sepulturas fez, foi o Sr Gen. Schulz. Ouviu o que tínhamos para dizer, concordou e nem uma vírgula acrescentou. E foi a partir daí que às famílias dos militares falecidos deixou de ser pedida qualquer contribuição (6 mil escudos) à época. (...) 


Francisco [Monteiro] Galveia [ex-1º cabo cripto, CCAÇ 616 (Empada, 1964/66)9


(...) A minha resposta é 1 - Arnaldo schulz (1964/1966)

Visitou-nos (à CCaç 616) em Empada e Ualada (batizada por nós por Rancho da Ponderosa), onde estava permanentemente um pelotão nosso. Aguém dos presentes lhe disse que
ali tudo era feito a braços, não havendo também lá mulheres... Ele teve
esta expressão: "Então aqui é tudo feito à mão". (...) 

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Notas do editor:




(**) Vd. 11 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15236: O Spínola que eu conheci (32): A primeira vez que comi caviar, foi com ele, em Bambadinca (Jaime Machado); um militar que eu admirava (João Alberto Coelho); em Antotinha, formámos o pelotão e batemos-lhe a pala no campo de futebol, em tronco nu: estávamos a jogar à bola, quando chegou de heli (Carlos Sousa)

Guiné 63/74 - P15239: Parabéns a você (974): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série > 11 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15232: Parabéns a você (973): Benito Neves, ex-Fur Mil Cav da CCAV 1484 (Guiné, 1965/67) e Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)

domingo, 11 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15238: Efemérides (201): Hoje faz anos o Catroga, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCS do BCAÇ 3872 (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 11 de Outubro de 2015:


Hoje faz anos o Catroga

Natural do Rossio ao Sul do Tejo em Abrantes, foi cabo enfermeiro em Galomaro integrado na CCS do 3872 e por lá se tornou numa pessoa em que se confiava quer nos doesse a cabeça, precisássemos de tratar algum escarepe1, estivéssemos com ataques de paludismo ou simplesmente alcoolizados ao ponto de perdermos a consciência, o que acontecia com alguma frequência e não falo só de praças.
Podíamos contar com ele sempre e não estou a dizer com isto, que não se pudesse contar com o restante pessoal do serviço de saúde, mas hoje falo Catroga, da forma como ele me aliviou as dores, da preocupação que vi na cara dele quando os primeiros três dias estive na enfermaria com um violento ataque de paludismo, que me acometeu pela primeira vez.
Passadas que foram as febres e tremores, já livre de perigo fui acometido de dores de cabeça que não davam descanso noite e dia. Sem conseguir dormir, percebi que a minha evacuação seria o próximo passo. Assim ditavam os semblantes do Dr Pereira Coelho e do Catroga, que falavam a meia voz à porta da enfermaria. Mas as dores foram amainando, só ficava assim por resolver o não dormir, que em mim é um sintoma grave, pois eu era capaz de dormir em cima de monde de pedras.
Nessa altura o Catroga deu-me então um Valium 10 e francamente o que eu senti a seguir foi um flutuar sobre nuvens e um agradável mergulhar na inconsciência. No outro dia quando acordei, estava o Catroga junto da minha cama, possivelmente a ver com eu estava pois dormi sem dar sinal de mim, mais de doze horas.

Catroga e Jamba, que sem sabermos era o responsável do PAIGC

Nada de mais dirá ele, mas para nós que saíamos nas colunas, ou para o mato, o corpo médico dava-nos segurança. Sabíamos que o maqueiro que ia connosco tudo faria até com desprezo da própria vida para acudir a algum camarada ferido, e quando chegássemos ao quartel, o médico estaria lá para fazer os impossíveis para nos salvar.

O Catroga quando regressou, inexplicavelmente não seguiu enfermagem, emigrou e por lá ficou. Perdeu-se assim nas palavras do Dr Rui Coelho um excelente profissional de saúde.
Quando perguntava por ele nos almoços ninguém sabia dizer-me nada, até que há quatro anos o encontrei no almoço da Companhia em Marvão. Tinha regressado de vez, ia começar um negócio em Abrantes. O negócio não correu bem, infelizmente, e durante tês anos não voltei a saber dele até no ultimo almoço na Mealhada. Voltou a aparecer, visivelmente mais magro e a recuperar de problemas de saúde mais ao menos graves. Sei que não consegue a reforma pois disseram-lhe que terá de esperar até fazer 66 anos. É trágico, mas é a forma como são tratados alguns neste país.

 Catroga e esposa

Hoje faz 65 e o meu desejo é que passe um dia feliz junto dos seus e que a vida lhe sorria daqui para a frente para variar. A dívida de gratidão que tenho para com ele nunca a conseguirei pagar.

Parabéns Catroga.

Nota:
1 - Calão para Doença Venéria
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15235: Efemérides (200): A freguesia de Guifões (no Concelho de Matosinhos) tem desde ontem um Memorial de homenagem a todos os Combatentes da Guerra do Ultramar da União de Freguesias de Custóias, Leça do Balio e Guifões (Carlos Vinhal / Albano Costa)

Guiné 63/74 - P15237: (In)citações (77): Cor inf 'comando' Raul Folques condecorado com Colar de Grande Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, em cerimónia no Regimento de Comandos (Carregueira), no passado dia 9 (Virgínio Briote)


Sintra > Carregueira > Quartel do Regimento de Comandos > 9 de outubro de 2015 >  O cor inf cmd Raul Folques, condecorado pelo Presidente da República com a Ordem Militar da Torre e Espada  (1)


Sintra > Carregueira > Quartel do Regimento de Comandos > 9 de outubro de 2015 > O cor inf cmd Raul Folques, condecorado pelo Presidente da República com a Ordem Militar da Torre e Espada  (2)



1. Mensagem do nosso coeditor Virgínio Briote [, ex-alf mil comando, Brá, 1965/67]:

Data: 10 de outubro de 2015 às 14:15

Assunto: Cerimónia no Regimento de Comandos (Carregueira)

Olá,  Luís,

Estive lá no meio de cerca de cinco centenas de espectadores, para aí, [ no Regimento de Comandos, quartel da Carregueira, dia 9 do corrente].

Estiveram presentes numerosos camaradas e amigos do cor inf cmd Raul Folques. Para além das entidades oficiais, CEME e CEMFA entre outras, vi os generais Ramalho Eanes, Rocha Vieira, Almeida Bruno, Garcia dos Santos, Pinto Ramalho, coronéis Matos Gomes, Manuel Bernardo, Roberto Durão, Vítor Caldeira (um dos meus camaradas nos Cmds da Guiné), Rui Rodrigues (um dos mais importantes operacionais do 25 de abril: veio de Mafra tomar conta do aeroporto e foi a Monsanto, horas depois, transportar várias entidades militares ligadas ao anterior regime para a Pontinha).

Destacaram-se entre os presentes um razoável número de antigos comandos africanos que fizeram questão de serem fotografados com o seu antigo comandante de BCmdsAfr.

Foi uma cerimónia simples, bem ao gosto do cor cmd Raul Folques, ele também um homem simples, dedicado aos seus homens, que lhe retribuíram estando presentes e que se sentiram condecorados quando o seu antigo camarada e comandante recebia o grau Oficial, com Palma, da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

Gostei de lá ter estado e de ter abraçado antigos camaradas que já não via há tempos. Não tirei fotos. No Facebook do Paulo Pedro [https://www.facebook.com/paulo.pedro.129] estão cerca de 300 fotos de excelente qualidade que, estou certo, não levantará objecções na utilização, desde que a fonte seja citada, claro.

Um abraço e bom fim de semana.
VBriote

PS1 - Há fotos e um vídeo (11' 46'') desta cerimónia militar na página oficial da Presidência da República.

Eis a notícia que consta na página do PR:

O Presidente da República condecorou com o grau Oficial, com Palma, da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, o Coronel de Infantaria “Comando" Raúl Miguel Socorro Folques.

A cerimónia de condecoração decorreu no Regimento de Comandos, na Carregueira, em cuja parada estavam formadas companhias do Colégio Militar, da Academia Militar e militares dos “Comandos”, e à qual assistiram cidadãos civis e militares agraciados com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

O Ministro da Defesa Nacional, o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, os Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército, Marinha e Força Aérea, bem como outras altas entidades civis e militares estiveram presentes na cerimónia.

Antes da imposição das insígnias ao condecorado, o Presidente Aníbal Cavaco Silva proferiu uma intervenção
. (...)
PS2 -  Luís, para fazer um resumo da actividade militar do cor Folques necessito de alguns dias, Luís. [Raúl Folques é algarvio, natural de Vila Real de Santo António, de onde saiu aos 13 anos para frequentar o 3.º ano do Colégio Militar... Faz quatro comissões, três em Angola e uma na Guiné, onde foi ferido em combate... Outras funções que desempenhou: comandante do Regimento de Comandos, professor do Instituto de Altos Estudos Militares e Chefe do Estado-Maior do Governo Militar de Lisboa].


Lisboa > 2009 > Da esquerda para a direita, o coronel inf 'comando' ref Raul Folques e o ten general 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15236: O Spínola que eu conheci (32): A primeira vez que comi caviar, foi com ele, em Bambadinca (Jaime Machado); um militar que eu admirava (João Alberto Coelho); em Antotinha, formámos o pelotão e batemos-lhe a pala no campo de futebol, em tronco nu: estávamos a jogar à bola, quando chegou de heli (Carlos Sousa)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > 29 de maio de 1969 > Comando e CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Visita do gen Spínola, acompanhado do cor Hélio Felgas, cmdt do Agrupamento de Bafatá. À esquerda, de pé, o ten cor Pimentel Bastos.


Foto (e legenda) : © Jaime Machado  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



Guiné > Região de Cacheu > CCAÇ 1801 (Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha, 1968/69) > Carlos Sousa e o gen Spínola no destacamento de Antotinha (que pertencia a Ingoré)

Foto (e legenda) : © Carlos Sousa  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



Três comentários ao poste P15227 (*)


1. Jaime Machado [ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852)] (*):

9 out 2015 17:34

Caro Luis

A propósito do inquérito sobre os últimos três comandantes.-chefes no TO da Guiné (*)... Só conheci o gen Spinola que,  tal como eu, prestou serviço militar na Guiné entre 1968/1970.

Vi-o em Bambadinca,  uma ou duas vezes.

Recordo perfeitamente que o vi na manhã seguinte ao ataque a Bambadinca [, 28 de maio de 1969,] e que causou mossa no Comandante, segundo comandante e comandante da CCS do BCAÇ 2852.

Julgo que visitou Bambadinca num outro momento em que lhe foi servido um lanche no qual comi caviar (!) pela primeira vez na vida, (embora fosse de conserva).

Segue foto de uma das visitas. Na foto Spinola, Hélio Felgas [. comandante do CAgrup , Pimentel Bastos [, cmdt do BCAÇ 2852]. O piloto era o Honório [não vísível na foto].



2. João Alberto Coelho (ex-alf mil opp esp/ranger da 1.ª CART do BART 6522, S. Domingos , 1972/74)

9 out 2015 19:39

Olá, camarada Luis

Fiz toda a minha comissão de serviço (21 meses) em S. Domingos.

Tivemos a visita dos dois últimos [, António de Spínola e Bettencourt Rodrigues], que estiveram connosco quase uma manhã inteira,  estando eu a comandar a companhia aquando da visita do gen Spínola.

Tive a oportunidade de constatar do enorme interesse do general Spínola em relação à "segurança" e ao bem estar dos combatentes, especialmente dos não graduados. Gostaria de ter trabalhado diretamente com ele, pois era um militar que eu admirava.

Em relação ao blogue, só peço que não desistas, pois faz-me muito bem relembrar o que se passou, para mim há mais de 40 anos... já é muito tempo!

Um alfabravo para todos
João Alberto Coelho


3. Carlos Sousa [, ex-alf mil op esp /ranger, CCAÇ 1801, Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) 1968/69]


9 out 2015 18:00 

Caro Luís,

Não localizei onde se podem enviar fotos (neste caso do então General António Spínola).

Envio-te uma foto do general em visita de fim de ano.

Como todas das fotografias, esta também tem uma história.

Eu era alferes miliciano, comandante do destacamento de Antotinha (CCaç 1801, de Ingoré). No último dia de 1968 apareceu um helicóptero que aterrou no meio do quartel de mato. Nessa altura disputava-se um desafio de futebol entre os que vestiam camisola e os que estavam em tronco nu. É claro que o jogo parou: o campo estava agora ocupado pelo helicóptero de onde saiu, austero como sempre, o nosso general. 

Tal como estava, eu fui receber o nosso ilustre visitante, que saudou as tropas e desejou um bom ano novo.

A foto foi tirada quando, após formar a tropa (sem que alguém tivesse uma peça de farda vestida) eu acompanhava Spínola onde ele falou aos muitos habitantes do aldeamento,  que entretanto tinham aparecido no quartel.

Termino com uma referência à minha grande admiração pelo comandante militar António Spínola! (**)

O meu abraço,

Carlos Fernando da Conceição Sousa

Guiné 63/74 - P15235: Efemérides (200): A freguesia de Guifões (no Concelho de Matosinhos) tem desde ontem um Memorial de homenagem a todos os Combatentes da Guerra do Ultramar da União de Freguesias de Custóias, Leça do Balio e Guifões (Carlos Vinhal / Albano Costa)

Neste sábado, dia 10 de Outubro de 2015, na Freguesia de Guifões, do Concelho de Matosinhos, numa cerimónia simples mas tocante, foi descerrado um pequeno Memorial em granito, iniciativa dos Combatentes da Guiné desta localidade, que homenageia todos aqueles que, em Angola, na Guiné ou em Moçambique, participaram na Guerra do Ultramar.

A peça fica localizada em local privilegiado, junto à Igreja Matriz e à Junta de Freguesia. Cremos que um pequeno arranjo na zona envolvente lhe dará ainda mais dignidade.

Os nossos parabéns ao nosso camarada Albano Costa, um dos elementos da comissão que levou a bom termo esta iniciativa.

CV


 Momentos que antecederam a cerimónia do descerramento do Memorial.

A cerimónia começou com a actuação do Coro do Núcleo de Matosinhos que interpretou o Hino da Liga dos Combatentes...

...acompanhado pelos presentes ao acto.

O Coro do Núcleo de Matosinhos da LC, dirigido pelo Maestro SAj Luís Manuel Ribeiro.

Momento em que os representantes da União de Freguesias de Custóias, Leça do Balio e Matosinhos, juntamente com o Presidente da Direcção do Núcleo de Matosinhos da LC, procediam ao descerramento do Memorial. 

Um aspecto da assistência

Momento em que o Presidente da União de Freguesias, senhor Pedro Miguel Almeida Gonçalves, se dirigia aos presentes.

Uma pequena Guarda de Honra composta por Combatentea de Matosinhos. Como Porta-Estandarte o nosso camarada e velho amigo João Moreira, natural de Guifões.

Este é o Memorial, iniciativa dos Combatentes da Guiné da freguesia de Guifões, que perpetua a memória de todos os guifonenses que participaram na Guerra do Ultramar.


Fotos: © Albano Costa
Legendas: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15208: Efemérides (199): Dia do Combatente do Concelho de Gondomar, 11 de Outubro de 2015. Início das Cerimónias às 10h00 com exposição de material militar (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P15234: Libertando-me (Tony Borié) (38): A nossa farda amarela

Trigésimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 29 de Setembro de 2015.




A Nossa Farda Amarela

A nossa vizinha, que também veio lá do norte, anda pela nossa idade, quando vem cá fora, buscar o jornal pela manhã, às vezes encontramo-nos, e ela, mostrando um “sorriso amarelo”, pois ainda não cuidou de si, fazendo a higiene matinal, levanta a mão, dizendo “Olá”.

O amarelo é a cor do ouro, da manteiga e dos limões maduros, entre outras coisas, mas no espectro de luz visível e, na roda da cor tradicional usada por pintores, a cor amarela encontra-se mais ou menos entre a cor verde e laranja. É uma cor primária, usada na impressão a cores, juntamente com a cor azul, magenta ou preto, também entre outras.
No nosso tempo de jovens, se alguma rapariga, quando frequentava aqueles bailes, ao som daquelas máquinas modernas a que chamávamos “toca-discos”, queria sobressair, bastava levar um vestido “amarelo”, pois passava logo a ser a mais popular, passava a ser “a rapariga do vestido amarelo”.

De acordo com algumas pesquisas, a cor amarela é a cor mais frequentemente associada com diversão, optimismo, bondade, espontaneidade, mas também com uma duplicidade, a inveja, o ciúme, a avareza, ou mesmo com covardia e, na cultura asiática, particularmente na China, desempenha um papel importante onde é vista como a cor da felicidade, glória, sabedoria, harmonia e cultura.
Se um casal, muito honrado e trabalhador, conhecido como “os Silvas”, construir uma casa e lhe der a pintura final na cor “amarela”, essa casa, nesse momento deixa de ser a casa dos “Silvas”, para ser a “Casa Amarela”.

Ufa..., chega de exemplos da cor “amarela”, vamos falar de nós, do nosso uniforme militar, com que fomos combater para África, que era “amarelo”, portanto, o nosso moral era triste, alegre, assim-assim, mas a certeza era que íamos “amarelos”, dentro daquela vestimenta padronizada e regulamentada, usada por alguns de nós, membros das forças armadas, contribuindo para a elevação e auto-estima, potencializada pela manifestação de força com que nos educaram no treino específico de recruta, convencidos de que éramos a força de combate mais letal do mundo, onde, além de lutar e matar o inimigo em combate, íamos transmitir a tal manifestação de força, mas talvez sem os responsáveis pelo governo de então, lá em Portugal saberem, era potencializada por um ideal de igualdade, com que fomos quase todos nós, independentemente de origem ou condição, educados no nosso lar, em nossas casas, transmitidos por nossa família.





Não sabemos quem foi o “designer” de moda popular, que projectou tanto a “farda cinzenta”, feita de pano grosso, tal qual um cobertor ou tapete, que se usava no então Continente, lá na Europa, ou a “farda amarela”, demasiado quente para climas tropicais, que na altura era usada por militares de alguns países, principalmente os envolvidos em conflitos, mas francamente, combater em África, uma região quente e húmida entre outras anomalias climatéricas, naquela “ganga amarela”, onde a princípio, antes de ser lavada, uma, duas, três, talvez só à quarta vez, largava aquela “goma”, parecia “cola” e, quando isso acontecia, pouco mais durava, começando o tecido a desfazer-se, principalmente na zona onde a transpiração mais se fazia notar.


Não sabemos ao certo, mas cremos que talvez pelos anos de 1965/66, o Exército trocou de uniforme, começou a usar um tecido de cor verde azeitona, creio que tanto na Europa como no então Ultramar, mais leve, mais aconselhado ao clima, ao combate tropical, começaram a aparecer lá por Mansoa, um tipo de uniforme, onde o militar se sentia mais confortável, onde os padrões básicos do uniforme se adaptavam melhor ao combate, com bolsos de abas largas, mais resistentes, nalgumas áreas com botões cobertos a pano, para não se agarrarem ao terreno daquelas savanas africanas, onde o Curvas, alto e refilão, do tempo da “farda amarela”, junto de seus companheiros, percorria quase todos os dias, com um uniforme roto, umas botas de lona, também rotas, sem meias, com os dedos a verem-se, atadas por um fio qualquer, só nos últimos dois buracos.

Quando esses novos uniformes chegaram, éramos, pelo menos no aquartelamento de Mansoa, uns militares com uniformes multicolores, havia a “farda amarela” e a “farda verde azeitona”, que podia ser usada com calções verdes e camisa amarela, ou camisa verde e calções amarelos, com o inconveniente de a nossa lavadeira trocar as camisas ou os calções do Curvas, alto refilão, que há muito não tinham forro nos bolsos, pelos calções dum qualquer “periquito”, que era um militar da companhia nova, que tinha chegado a Mansoa há pouco mais de um mês.

Só mais um pormenor, temos orgulho, os nossos companheiros continuam a sacrificar-se, continuam a erguer estátuas e monumentos, lembrando a maldita guerra que lá vivemos, podia, talvez, lembrando quem nos trazia mais ou menos “limpos”, quem nos tratava da “farda amarela”, tal como a “farda verde azeitona”, a um canto, em baixo, mesmo num local quase invisível, uma simples e eterna dedicatória “à nossa lavadeira”.

Tony Borie, Setembro de 2015.
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Nota do editor

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