quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15678: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (21): Amores e Desamores

1. Em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), mandou-nos uma excelente história para a sua série "Outras Memórias da Minha Guerra".


Outras memórias da minha guerra

20 - Amores e Desamores

Quando entrei no Destacamento do Quartel de Santarém (Escola Prática de Cavalaria), faltavam menos de 15 minutos para o limite máximo de entrada. Num dos bancos de jardim, instalados ali na frente, já havia escrito a alguns amigos, manifestando o meu estado de espírito, carregadinho de incertezas.
Ainda hoje me custa aceitar que eu tenha merecido 7 punições durante as primeiras 5 semanas de recruta. Aliás, só à 5.ª semana consegui licença para ir a casa. Lembrei-me então de pedir ao CMDT de Esquadrão para me deixar participar nos Fiéis Defuntos, alegando o facto de ser órfão e, como irmão mais velho, querer acompanhar a família nessa dolorosa função.

Foi durante esse período de fins-de-semana cortados que tive a oportunidade de conhecer e conviver mais de perto com o Diogo Carvalho que, por opção, também não ia a casa. Inicialmente pareceu-me evidente o seu temperamento emotivo e revoltado quase com tudo o que o rodeava. Depois, após vários dias de convívio restrito, constatei que se tratava de um indivíduo maduro, já bastante espremido pela vida e pelos seus azares.

- Então, também voltaste a não ir de fim-de-semana? – perguntei.
- Não, nem tenho interesse em ir. Já há uns meses que decidi afastar-me da terra.
Perguntei:
- Estás chateado ou magoado com algo muito importante?
- Não gosto de falar disso, mas tens razão.

Após uns momentos de silêncio, abeirou-se um pouco mais, olhou-me frontalmente, de forma a falar só para mim.
- Ofereci-me como voluntário para a tropa para fugir de lá. Ainda pensei em emigrar, mas ponderei as consequências e optei por antecipar o serviço militar. Depois, se há-de ver o que virá.

Contou coisas que muito o marcaram, tais como a morte da mãe, que ainda era jovem, a do avô pouco tempo depois e, ainda, mais tarde, o comportamento do pai, que engravidou uma jovem casada, que trabalhava lá em casa.
Enfim, o Diogo, apesar da sua juventude, já acumulara um sem número de acontecimentos pessoais que o tornaram, precocemente, num homem maduro. Porém, o que mais mexeu com ele foi o desfecho de uma paixoneta por uma vizinha rica.

Viviam da lavoura. Tanto o pai, Laurindo Carvalho, como o avô paterno, Augusto Carvalho, destacavam-se na criação do gado arouquês, o que lhes trazia fonte de rendimento suficiente para pagar as rendas aos senhorios Morgados e ainda desfrutarem de algumas possibilidades na boa criação do Diogo, o único descendente.

Desde menino que o Diogo se destacava entre os seus amigos. Tinha bom aspecto, era inteligente, muito educado e irradiava alegria permanente. Por isso, entre o grupo da JOC (Juventude Operária Católica), ele era o mais admirado.

As miúdas também lhe dedicavam muita simpatia. Porém, em criança, já ele parecia mais focado na Guidinha dos Morgados, a bisneta do Comendador Afonso e sobrinha do Padre Benjamim Morgado. Embora desfasassem quase um ano de idade (ele era mais velho), frequentavam a mesma classe, vinham da escola primária quase sempre juntos, acompanhados pela criada Manuela, porque os Morgados a mandavam ir buscar a miúda.

Este relacionamento era normal, uma vez que viviam na mesma zona da aldeia: ela no Casal dos Morgados e ele, logo mais abaixo, perto da Casa do Feitor, na casa do Senhor Augusto. Além disso, há muitos anos que a família do Diogo estava ligada aos Morgados não só por questões de boa vizinhança mas também por boas relações pessoais e interesses laborais. O Diogo era querido pelos Morgados, especialmente pelos pais da Guidinha.

Durante o tempo da escola primária, havia um relacionamento quase fraternal. Quando a criada Manuela os ia buscar, procurava passar perto do seu namorado, Alcino, que trabalhava na Casa do Brandão.
Por vezes, ela ficava com ele e deixava o Diogo e a Guidinha irem para a beira do Rio Arda. Num dia de calor, a Manuela ficou aflita ao vê-los nus, a aprender a nadar. Todavia, como não os podia acusar dessa ousadia, teve que os tolerar mais vezes. Noutras vezes, já eles andavam na 4.ª Classe, a Manuela encontrou-os a brincar aos beliscões e apalpadelas.

A Guidinha não queria estudar. Gostava muito da família, da natureza e daquele ambiente rural. Por outro lado, temia muito afastar-se dali. Os pais não se preocupavam muito com isso, até porque, ali, não era tradição a continuação dos estudos por parte das mulheres. Além disso, como herdeira de um elevado património, não sentia necessidade de se sacrificar por qualquer outra valorização profissional.

Ele, o Diogo, enquanto pôde, estudou no Colégio dos Carvalhos. Nesse período, os contactos com a Guidinha resumiam-se às actividades de fim-de-semana, ligadas à igreja. O relacionamento de amizade manteve-se bastante próximo.

Logo que faleceu o avô Augusto, o Diogo teve que ir para casa. O pai que já havia entrado em depressão com a falta da jovem mulher, inesperadamente falecida por doença cancerosa, sentia, agora, grandes dificuldades em aguentar o habitual trabalho agrário. Com menos de 17 anos, o Diogo era, então, um jovem sobrecarregado de trabalho nas lides da terra e do gado, obrigado a ajudar o sustento da família, bem como os seus compromissos.
Nesta fase, o jovem Diogo era merecedor dos maiores elogios e de simpatia generalizada. Em pouco tempo, o Diogo fez-se homem. Além disso, ele era solicitado, frequentemente, para colaborar nas responsabilidades das actividades da JOC.

Foi nessa altura que, após as cerimónias do Corpo de Deus, os dois, quando regressavam a casa, se viram junto ao Rio Arda, nos mesmos locais onde desfrutaram de grandes momentos de alegria e de pura convivência. Recordaram aqueles tempos, riram-se de situações inesperadas e brincaram com alusões ao aspecto físico de cada um. Sentados na berma do rio, descalçaram-se para usufruírem da frescura das águas límpidas, naquele dia de grande calor. De repente, estavam no rio a lançar água um ao outro, como faziam nos tempos de crianças. Passaram para a outra margem, acessível só pelo lado do rio, e foram secar as roupas molhadas.
Ao tirar a folgada blusa branca, a Guidinha expôs um bom par de mamas, devidamente sustentadas por um apertado soutien, de cor carnal. Por sinal, era também a cor da calcinha sedosa que cobria o encontro de duas coxas, bem torneadas e bastante atractivas.

Quando o Diogo, de costas, “ameaçou” tirar as calças, já ela se estendia sobre as ervas tenras do pequeno verdeiro. Olhou-a e estremeceu. Foi um momento ímpar. De repente sentiu que toda a pureza daquele relacionamento se esfumara e que outro o amedrontava. Agora via ali disponível a mulher que desejava, aquela formosa rapariga de olhos negros e cabelos lisos e retintos. Deitados ao sol, quase nus, aproximaram-se e encostaram-se.
Beijaram-se sem experiência, agarraram-se com volúpia e murmuraram algumas palavras de amor. A Guidinha, entusiasmada, expôs-se abertamente, entregou-se e desejou tudo do Diogo. Ele procurou satisfazê-la pudicamente com beijos e algumas massagens, sem que tivesse que a desflorar. Assaltaram-lhe os pensamentos que já há muito tempo o vinham condicionando: a diferença social abismal que os separava. Aliás, sabia que se a desflorasse seria considerado e condenado como um oportunista sem perdão. Ele estava convencido de que ela o amaria mais com estas reservas inibidoras, imbuídas do maior respeito. Assim lho deu a entender:
- Guidinha, és a única rapariga que quero. Vamos ter calma. Somos menores, temos que esperar mais algum tempo e pensar melhor no nosso futuro.
Porém, ela parecia insaciável e esperava uma satisfação maior. E respondeu:
- Se me queres, temos a oportunidade de nos amarmos totalmente. Não vou aguentar ficar à espera. Nada receies. Ninguém nos vai chatear. Eu é que sei da minha vida.

Ela agarrou-o e prendeu-o em cima de si. De pernas abertas, já sem cuequinha, soltou-lhe o pénis e puxou-o para junto da vagina, entre um basto e negro púbis. Quase instintivamente, ele moveu-se cautelosamente, de forma a não a penetrar, mas roçar, continuamente, o clítoris e os lábios vaginais. Rapidamente, ela, ofegante, exultava de satisfação e soltava gritinhos de prazer.

Apesar do seu relacionamento, desde crianças, o Diogo e a Guidinha nunca foram apontados como presumíveis namorados.
Eram vistos como vizinhos, muito amigos e de famílias bem distintas. Ninguém, ou quase, pensaria ser possível que eles viessem a assumir um namoro oficial.
Porém, ele ficou bastante preocupado com o encontro recente e, agora, não sabia o que fazer. Não tinha dúvidas quanto ao amor da Guidinha, mas sentia-se apreensivo quanto ao desfecho desta relação que lhe veio avolumar um mar de pressões.

Uns dias depois, a Guidinha, a pretexto de visitar o Feitor, entrou em casa do Senhor Augusto e procurou o Diogo. Entrou à vontade, como era seu hábito desde criança. Logo que pôde agarrou-se a ele e beijaram-se.
Sentiram aproximação de alguém e esconderam-se no quarto. Enquanto ele, atento, escutava o ruído dos movimentos que se afastavam, ela abriu a blusa e deixou cair a saia. Ele voltou-se e, meio surpreendido, não sabia que dizer nem o que fazer. Sentada na cama,puxou-o pela cintura, desapertou-lhe as calças e as cuecas e puxou-as para baixo num movimento brusco. Com o pénis na frente dos olhos, contemplou-o enquanto dizia:
- Sempre que te imaginava nu, via-te tal como eras; sem pelos e com a aquela pillinha.
Acariciouo e agarrou-o, ao mesmo tempo que murmurava:
- Jesus, como cresceu! Tens que o meter no meu pipi. Ele anda zangado, porque ainda não o fizeste.

Ele sentou-se ao seu lado e enquanto lhe acariciava os cabelos, dizia:
- Calma Guidinha, por favor, tem calma. Não podemos cair nessa tentação. Bem gostaria mas, por agora, não posso, nem quero, ser responsável por isso.
Ela agarrou-o com força e puxou-o para trás, por forma a ficarem deitados sobre a cama e murmurou-lhe:
- És um tolo. Será que tens outra e me estás a evitar?
Ele abraçou-a, acariciou-a e beijou-a. De seguida, perguntou-lhe:
- Já imaginaste o que diriam os teus pais quando soubessem deste tipo de relacionamento?
- Os meus pais gostam de ti e vais ver que não haverá problemas. O que eles querem é que eu seja feliz.

Em silêncio, aproveitaram o momento e continuaram a usufruir dos impulsos desta paixão. Valeu o autocontrolo do Diogo que conseguiu de novo evitar o desfloramento.

Aquele Verão sequeiro obrigou a um trabalho extraordinário. Todos andavam mais ocupados nas regas e nas pastagens contínuas. Apesar disso, o Diogo achou um pouco estranho deixar de ver a Guidinha. Ainda passou por perto do Casal dos Morgados, mas não se apercebeu de nada. Ainda pensou que estivesse a gozar férias mas já lá iam cerca de 2 meses sem que a tivesse visto.

Chegaram as festas da S.ª da Mó, que se realizam a 7 e 8 de Setembro. Ali se juntam as famílias e muitos emigrantes. No parque das merendas existem muitas mesas de pedra que são usadas para as abundantes comezainas. O Diogo passou o tempo a olhar para a mesa onde, normalmente, se via a família dos Morgados. Logo após a procissão, viu a criada Manuela dirigir-se para lá. Porém, as pessoas que a seguiram eram seus familiares e amigos. Quando se apercebeu de que os Morgados não viriam, foi-se aproximando. A Manuela quando o viu, convidou-o para comer alguma coisa. Ele reagiu dizendo:
- Vim à missa e à procissão e tenho que ir já para baixo, porque estamos com muito trabalho.
Ela logo respondeu:
- Eu não. Os patrões nem vieram à Sra. da Mó. Devem andar pelo estrangeiro ou estão no Porto, na casa do Padre Benjamim. Nem sei o que vai acontecer agora.
- Mas, porquê? Perguntou o Diogo.
- Não digas nada a ninguém mas, houve lá discussão, por causa da menina Guidinha. Querem que ela vá estudar para junto do Pe. Benjamim e ela não quer ir.
E continuou:
- Tenho pena dela. Andava tão contente. Lá em casa, parecia que estava tudo bem e de repente, tudo mudou. Saíram de cá ainda antes do mês de Julho começar.

Passou o Verão, passou o S. Miguel e chegou o Fiéis Defuntos sem que a Guidinha aparecesse. No Cemitério, ao passar junto do Jazigo dos Morgados, o Diogo achou estranho que os pais da Guidinha o tivessem evitado e se concentrassem tanto na foto do Comendador.
De regresso a casa, o Diogo, que já andava a matutar há tanto tempo, pareceu ter encontrado a justificação. Então imaginou que ela, na ânsia de evoluir a sua relação amorosa, inocentemente e na mais pura das intenções, terá sondado a opinião da sua mãe, sobre uma hipotética atracção por si. Sim, de certeza que foi isso. E continuou a imaginar: os pais discutiram o assunto e optaram por a afastar de imediato dali, levando-a para perto do Padre Benjamim.

Agora que tudo lhe parecia claro, uma dúvida lhe assaltava: Se ela continuasse a apostar nele, já teria deixado algum recado ou teria enviado alguma carta. Todavia, acalentava a esperança de que isso ainda iria acontecer.

Passaram as festas de Natal, sem que se tivesse visto mais a Guidinha. Sem ela, silencioso e pouco iluminado, o Casal dos Morgados parecia abandonado. Foi na noite de Reis, quando recebeu um grupo que cantava as Janeiras, que ouviu um dos elementos do grupo dizer:
- Estivemos no Casal dos Morgados, mas eles não estavam. Disseram-nos que agora estão mais tempo lá pelo Porto. Parece que a miúda foi para o convento do tio.

Entre as pessoas que costumavam trabalhar lá em casa, havia a Carolina, a mulher do Francisco Queirós, que tinha emigrado para a França. Mal casaram, ele seguiu com a ambição de obter melhores condições de trabalho e a promessa de a chamar para junto de si. Menos de um ano depois, em Agosto, o Francisco veio de férias. Queria levar a mulher mas ela disse-lhe que era melhor aguentar mais algum tempo.

A Carolina engravidou. Tudo levava a crer que tinha sido durante a vinda do marido, nas férias de Agosto. Foi trabalhando lá em casa dos Carvalhos mas, em Março, teve um robusto menino, alegadamente com cerca de sete meses de gestação. Tudo normal, tudo na paz do Senhor. Poucos tempos depois do parto, a Carolina trazia a criança lá para casa, enquanto trabalhava. A avó do Diogo, que já acusava sintomas de Alzheimer, gostava de cuidar da criança. Numa das vezes que o Diogo pegou no miúdo, mexeu-lhe no cabelo e verificou que, por coincidência, ele tinha uma pequena mancha rosada igualzinha à sua e à do seu pai. Só depois disso é que se apercebeu de alguma intimidade na relação de seu pai com a Carolina. Sempre pensou que isso não passava de um certo carinho paternal.
O Diogo enfrentou o pai, que não assumiu o caso, e confessou que não podia lá continuar. Ainda bem que em breve iria para a tropa.

******

Em 1967 embarquei como a minha Companhia para a Guiné.

Em princípios de Janeiro de 1968, quando regressei às aulas de condução, interrompidas pelo chumbo de Abril anterior, encontrei lá, na Escola de Condução, em Bissau, o Diogo, que fora buscar a carta. Tinha terminado a comissão e regressaria uns dias depois. Falou-me que tivera muita sorte durante a missão da PSICO em apoio aos nativos e que conseguira tempo e disponibilidade para estudar. Tencionava dedicar-se exclusivamente aos estudos, aproveitando as facilidades que tinham sido criadas para os ex-combatentes, proporcionando-lhes exames, sempre que os requeressem.

Durante a nossa conversa, acabamos por falar de novo na sua paixoneta. Perguntei:
- Então, já esqueceste a tua vizinha rica?
- Quase. Olha, endureci de tal maneira que agora receio não conseguir voltar a apaixonar-me. Fiquei marcado por esta não me ter comunicado qualquer justificação.
E continuou:
- Soube que ela está num convento. Imagina, aquela gaja tão quente e tão rica, feita freira!
- E o teu velhote?
- Recebi uma carta dele há pouco tempo. Diz que quer que eu vá para lá, que precisa de mim, que está muito só e, até, que a Carolina foi para França, etc., etc.
- E não vais? Perguntei.
- Devo ir, mas estou decidido a fugir de lá. Quero ver a minha avó, que já não conhece as pessoas, mas o objectivo é ir para Coimbra.

Durante vários anos, passei por Arouca, em direcção a Covelo de Paivó, onde fiz muitas pescarias à truta. A paisagem é maravilhosa e as poucas pessoas que lá vivem são adoráveis. Muitas das vezes, não chegava a pescar. Sempre que encontrava alguém disposto a conversar, perdia-me fascinado a ouvir aquela gente. Falava-se mais do antigamente, da abundância, da fuga das pessoas após o encerramento das Minas de Regoufe e da actual ausência de jovens. Havia gente que não conhecia o mar.
Mas o que mais adorava ver, além daquelas águas límpidas do Rio Paivó, afluente do Rio Paiva, serpenteando entre pedras arredondadas pela sua erosão, era a chegada dos cabritos, ao fim da tarde. Vinham da montanha em rebanho e entravam pelo lado norte, enchendo a rua principal da povoação, “alcatroada” de excrementos secos. Ao cruzarem as pequenas ruelas com os cancelos abertos, iam entrando nas casas de seus donos. Nenhum se enganava e os últimos cabritos chegavam à última casa lá ao fundo, no altinho, por um caminho empedrado há séculos, que nos leva a Regoufe.

Todos os dias, a tarefa se repete. Dois pastores acompanham o rebanho, de forma alternada e democrática. No regresso, perdíamo-nos a petiscar nas adegas abertas, na baixa de Arouca. A carne arouquesa é excelente e o presunto também. Todavia, nunca perdia o salpicão de vinhad’alho nem o bucho, acompanhados do tinto da região.

Nunca encontrei o Diogo. Mas, recentemente tive essa agradável surpresa. Um cliente meu, da Beira Alta, sportinguista ferrenho, contactou-me para lhe fazer um favor: arranjar dois bilhetes para poder assistir ao Arouca-Sporting, que se realizava no Domingo seguinte e que não conseguira através da net.

Andavam numa azáfama, lá na sede do FC Arouca, quando entrei e disse o que desejava. Senti então um toque no ombro, vindo trás:
- Por aqui, Silva?
Voltei-me, olhei: era o Diogo. Reagi logo:
- É verdade. Tanta vez passei por aqui e sempre a procurar encontrar-te e hoje, sem o contar, apareceste. Como me conheceste?
- É fácil porque tens uma voz inconfundível. Mas, pelo aspecto, estás já um bocado gasto, desculpa lá. Vamos tomar qualquer coisa.
- Por acaso era para voltar para trás. Mas, já que te encontrei, podemos ir à baixa petiscar. Conheço ali umas tasquinhas que são uma maravilha.

Armado em cicerone, encaminhei-o para a “tasca da viúva”. Mal entrámos, ouvimos:
- O Senhor Doutor Juiz está cá hoje?
O Diogo respondeu:
- Só vim tirar bilhete para ver o jogo. Não se fala noutra coisa: o nosso Arouca a jogar com o Sporting! Olhe, arranje aí qualquer coisa para petiscarmos.
- Então, Silva, que fizeste nestes anos todos?

Falei-lhe resumidamente destes 40 anos de vida, desde a presença civil em Angola, de 70 a 74, casamento, filhos, canoagem, até aos nossos dias. Seguidamente:
- Agora fala tu, até porque sinto muita curiosidade.

O Diogo explanou também a sua vida, começando pela sua licenciatura, obtida em Coimbra e a carreira na magistratura. Casou em Vila Real e vive no Porto. Tem duas filhas, ambas casadas, uma delas a viver em Matosinhos e a outra em Aveiro. Passa muito do seu tempo junto delas e dos 5 netos que já tem.
A determinada altura, sem que o tivesse perguntado, diz-me:
- Lembraste daquela história da minha paixão? A miúda sempre seguiu para freira. Chegou a directora de Colégio. Recentemente, quando faleceu o tio Padre Benjamim, houve um funeral especial, que teve muito impacto aqui na região. Por curiosidade, quis ver a Guidinha durante o velório.

Contou o que sentiu enquanto não a viu. Imaginava-a ainda uma morenaça boazona, encoberta pelas vestes sagradas. De repente, pôs-se a pensar: e se encetar conversa com ela? Que tipo de conversa teremos? E se ela confessar que não teve culpa do seu afastamento? Gostaria de lhe perguntar se ainda está virgem. Se nunca mais se agarrou a outro homem e como conseguiu resistir a isso tudo. Enfim, chegou a pensar que lhe daria imenso prazer fodê-la, mesmo com aquelas vestes.

Abeirou-se do velório, olhou o morto de longe e esperou ver a Guidinha no meio daquelas velhas feiosas, a rezarem a seu lado. Ficou decepcionado por não a ver.
Não se apercebeu que a Guidinha era uma delas.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de agosto de 2015 Guiné 63/74 - P15023: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (20): História de paz com (muita) guerra atrás

Guiné 63/74 - P15677: O nosso livro de visitas (186): Mota Tavares, ex-militar do BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) fala-nos da Capela de Buruntuma, de sua autoria

O NOSSO LIVRO DE VISITAS

Localização de Buruntuma, no extremo leste da estrada de Nova Lamego


1. Mensagem do nosso camarada Mota Tavares (ex-militar do BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/67) com data de 2 de Agosto de 2015:

Amigo e companheiro das lides da Guiné
O meu batalhão - 1856 - chegou à Guiné em Julho(?) de 1965 e foi para Brá, onde estivemos, em intervenção, algum, pouco, tempo. Depois fomos mandados para Nova Lamego (Gabú) onde ficámos até final da comissão (Setembro de 1967(?): Madina do Boé, Canquelifá, Copá, Piche, Buruntuma... estive em todas... 12 vezes debaixo de fogo, mas... estou aqui, graças a Deus!

Nós fazemos um almoço todos os anos. Recebi, mandada por um meu capitão, a foto que lhe mando em anexo. Tive uma alegria imensa: é que fui eu o arqutecto, engenheiro, mestre de obras, pintor da imagem de Cristo que está ao fundo, com o apoio material e moral do Capitão que agora me mandou a foto, que lhe envio em anexo.

Gostava de contactar com o militar que se encontra na foto e com outros que tenham estado em Buruntuma. É possível?

Vou-lhe mandar outro email com várias fotos da dita capelinha.

Um grande abraço amigo.
Mota Tavares
motatavares35@gmail.com


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Gostava de contactar com o militar que se encontra nesta foto e com outros que tenham estado em Buruntuma. Será possível?



Vistas do exterior da Capela de Buruntuma

Interior da Capela de Buruntuma

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2. Comentário do editor:

Caro camarada Mota Tavares,
Desde já peço desculpa por só hoje estar a dar resposta a uma tua mensagem de Agosto de 2015.

Gostamos muito de receber as fotos da Capelinha de Buruntuma e ainda por cima enviadas pelo seu Arquitecto e Mestre de Obras.

Vais de certeza receber alguns contactos de pessoal que andou pelos "Trás-dos-Montes da Guiné".

Gostaríamos que fizesses parte da nossa tertúlia e que contribuísses com outras fotos que tenhas, assim como com as tuas memórias em texto.

Se aceitares o nosso convite, envia-nos uma foto tua do teu tempo de Guiné e outra actual. Diz-nos a qual das Companhias do Batalhão pertenceste, qual o teu posto e especialidade, assim como outros elementos que aches úteis para te conhecermos melhor.
Conta-nos também uma pequena história, por exemplo como chegaste a Projectista e executante desta linda Capela.

Recebe desde já um abraço em nome da tertúlia e dos editores deste Blogue.
Esperamos notícias tuas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15140: O nosso livro de visitas (185): O nosso leitor Lourenço Silveira Moreno Lemos Gomes sobrevoou Moçambique para honrar a memória de seu tio, Piloto-Aviador de Alloette 3, abatido em 24 de Setembro de 1972 perto de Mueda

Guiné 63/74 - P15676: Os nossos seres, saberes e lazeres (137): O ventre de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de uma cidade que era a sede da Ordem dos Templários, sucedeu-lhe a Ordem de Cristo, por aqui andaram o Infante D. Henrique, D. Manuel I, D. João III e Felipe II, o Infante a fazer os seus negócios, D. Manuel a embelezar a Charola, o filho a fazer exatamente o oposto, a esconder a Charola, o seu puritanismo opunha-se às ideias ousadas do Venturoso, e Felipe II não se esqueceu que foi em Tomar aclamado rei de Portugal, e deu manifestos sinais de gratidão.
Depois a cidade aproveitou o surto industrial, teve fiação e moagens, uma classe argentária, uma classe operária, uma pequena burguesia de funcionários e negociantes, e ali bem perto os proprietários agrícolas, todo aquele chão que vai em direção ao Entroncamento é terra de eleição.
A cidade, com o seu património religioso e civil, está marcada por esses tempos áureos. E todo este comércio que se anda a vistoriar é um reflexo do caráter tomarense, há para aqui objetos e indumentárias para todas as bolsas. E, insiste-se, vive-se aqui numa amenidade e afabilidade singulares, a sociabilidade é patente na cultura e no desporto; e há a tal dimensão templária assumida como um culto, um orgulho das gentes que afanosamente preparam um evento extraordinário de quatro em quatro anos, a Festa dos Tabuleiros, acontecimento irrepetível em qualquer ponto do país.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (2)

Beja Santos

Importa esclarecer o que anda o viajante a bisbilhotar. Umas vezes, fascina-se pela polpa dos edifícios, sente-se atraído por um pormenor, fica para ali a olhar e a comparar, relaciona aquele espécimen arquitetónico com outras eras, e diz de si para consigo: como era Tomar naquele tempo? Não passa adiante com leviandade, cuida do estilo, da sua inserção no casco histórico, no poder de compra de quem ali habitou, e como pagou os seus gostos e caprichos para pôr ali pedra, azulejos, varandas e janelas. Mas outras vezes há uma forte atração pelos interiores, pelos misteres, quer mesmo conhecer a personalidade do vendedor, seja qual for o seu ramo de comércio. Então entra, mete conversa, o busílis é que a sua fotografia já veio no jornal, é rapidamente desmascarado. Mas até hoje nunca foi posto na rua nem viu invocados direitos de personalidade, e isso entusiasma-o, faz parte do tal envolvimento de amenidade e afabilidade que ele vê nos tomarenses. Postos estes considerandos, vamos ao trabalho do dia.



O viajante, desde criança, aprecia ter no seu ambiente doméstico sinais de outras culturas, impressões da modernidade, tudo dentro de um diálogo que corresponde à sua pessoa. Entrou num estabelecimento onde primam antiguidades e velharias escolhidas, contemplou óleos, desenhos e aguarelas, seguiram-se as loiças antigas, pratos rústicos com certa raridade, serviços de chá e de café. Muito se conversou com a proprietária e até se ficou cliente e amigo. Não é incomum, quando está em Lisboa, trazer da Feira da Ladra toalhas, lençóis, vidraria de vária espécie, peças de roupa e papéis, muitos papéis, às vezes a cheirar a mofo. Por isso se deliciou com esta ordem aparente entre o antigo e o moderno. Não é um problema de snobismo, não há cultura sem memória, não há cultura sem multiculturalismo, não há cultura sem escutar e pôr em confronto os diferentes antigos e os diferentes modernos. Saiu dali e foi contemplar uma peça de museu.


A prova comprovada de que o viajante já está afeiçoado ao lugar é a de que quando entra no Núcleo de Arte Contemporânea vai conversar só com uma peça. O professor José-Augusto França doou a Tomar um espólio riquíssimo, está aqui uma coleção pública de inegável singularidade. A conversa hoje foi como a escultura de António Pedro, datada de 1952. António Pedro foi um dos mais eminentes teatrólogos que tivemos no século XX, mas foi artista consumado, um surrealista inovador e inspirador. Embeiço-me cada vez que contemplo esta peça raríssima na obra de António Pedro, tem todo o torce e retorce imaginativo que foi seu timbre, este corpo multiplicado parece extraído dos fabulários e dos contos mágicos. E se à primeira leitura ficamos embaraçados com as ligações corporais, o olhar depois serena, o que parece animalesco é um acento lírico, pois é a vibração humana que irá prevalecer. E tão contente estava que saltei para outra casa de cultura.


Na galeria de exposições temporárias, no belo edifício onde está alojado o turismo, vim visitar uma exposição de gravura de Maria Gabriel. Mal tive uns tostões, fiz-me sócio da Gravura, pagava uma pequena cotização e recebia regularmente obras de artistas que se impuseram nas artes plásticas como Alice Jorge, Júlio Pomar ou Bartolomeu Cid dos Santos. Aqui se fizeram grandes gravadores. O que me atrai nesta artista são os quase objetos, atravancados de cor, é um jogo cromático por vezes chocante, um livre curso entre as linhas geométricas onde se enovelam manchas coloridas com ecos surrealistas. E daqui parti para comércios a retalho, para vários gostos.


Quando vivi na Guiné, fascinavam-me os estabelecimentos que vendiam quase tudo, desde a fita de nastro e os colchetes até cristais e porcelanas. Neste estabelecimento encontrei móveis antigos, livros, roupa nova e usada, coisas para todas as idades. É uma mistura bem doseada entre este revivalismo de certos produtos tradicionais de perfumaria e cosmética, bijutaria artesanal, livros de infantis. Vim atraído pela superfície, descobri que o estabelecimento tivera outros usos no passado, deixaram belas superfícies em madeira, vale a pena subir ao primeiro andar e depois descer à cata de uma curiosidade, nem que seja para oferecer a familiares e amigos.


Aqui vende-se ouro, prata e relógios de parede. Mas o que verdadeiramente acicatou o viajante foram os tetos estucados, obra do passado, têm muito requinte. Quem o recebeu prontamente lhe deu carta-branca para escolher os ângulos que mais o interessavam. Fotografou deitado, de cócoras, experimentou os ângulos mais insólitos. Pois foi esta fotografia que mais interesse lhe despertou, há aqui qualquer coisa de palácio imperial, uma sala iluminada para receber ilustres convidados. Valeu a pena toda a ginástica para se atingir este esplendor de luz.


Quem diria que num espaço aparentemente tão exíguo existisse uma caverna de Ali Babá, aqui há de tudo como na botica, mas são as mãos da proprietária que merecem foguetes. Trata-se de uma senhora que deve ter as mãos em fogo, borda que se farta, são toalhas, são lenços, são panos, na altura até andava a ajeitar Menino Jesus com panejamentos artesanais. Aqui o que domina é o bricabraque, desde envidraçados a móveis de sala e de quarto, a proprietária é uma vendedora exímia. O viajante que o diga, não saiu dali com as mãos a abanar. Trata-se de uma rua muito bela, cá fora, deu para enamorar certos edifícios e certos pormenores. Mas isso é outra conversa, são questões que podem merecer crédito quando se falar da pele de Tomar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15644: Os nossos seres, saberes e lazeres (136): O ventre de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15675: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1971/73): Parte IV: Kassumai: vistas do quartel de Susana (maio de 1971 / fevereiro de 1973)



Foto nº 1 > O Armando Costa, à civil


Foto nº 2 > Monumento às subunidades que passaram por Susana:  CCAÇ 1684 (de 1967 a abril de 1969); CCAÇ 1791 (de abril a agosto de 1969); CCAV 2538 (de agosto de 1969 a maio de 1971); e CCAV 3366 (de maio de 1971 a fevereiro de 1973)


Foto nº 3 > Aspeto parcial do quartel (1)


Foto nº 4 > Aspeto parcial do quartel (2)


Foto nº 5 > Aspeto parcial do quartel (3
)


Foto nº 6 > Aspeto parcial do quartel (4): monumento com a inscrição "Kassumai" (em saudação em felupe: "a paz seja contigo, sejas bem vindo, tudo de bom para ti!")


Guiné > Região do Cacheu > Susana >   CCAV 3366 (Susana, 1971/73) > Vistas do quartel >

Fotos: © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Quarte parte da publicação de fotos do álbum do Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAV 3846, Susana, 1971/73) (*) [, foto atual à direita]:

A CCAV 3366, depois de ter chegado a Bissau em 9 de março de 1971, fez no Cumeré a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), e em maio seguiu para o seu destino, Susana, no coração do chão felupe.

A companhia regressou à metrópole em 8/3/1973. As fotos acima deverão ter sido tiradas  entre  maio de 1971 e fevereiro de 1973.

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Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série


Guiné 63/74 - P15674: Agenda cultural (462): Festa do ano novo chinês (do Macaco): Arroios (Lisboa) olha a China: (i) mostra de cinema chinês, de 25 a 29 de janeiro; (ii) exposição de fotografia "O vermelho na cultura chinesa", de 25 de janeiro a 14 de fevereiro




1. Mensagem do Observatório da China (OC), com data de ontem:

A direção do OC deseja a todos um bom Novo Ano Chinês (do Macaco)!

Este ano é comemorado em Lisboa com uma semana de iniciativas (de 25 a 29 de janeiro).  anterior às festividades que decorrem a 30 de janeiro, no Martim Moniz. O Ano Novo Lunar entra a 8 de fevereiro.

Neste âmbito o Observatório da China tem o prazer de colaborar com a Embaixada da China e com a Junta de Freguesia de Arroios na organização das festividades associadas. Nomeadamente em Lisboa, em conjunto com a Junta de Freguesia de Arroios apresentamos uma Mostra de Cinema Chinês, com algumas conversas sobre cinema e sobre a China, bem como 2 exposições (a mulher chinesa hoje e outra sobre o vermelho na China). Ver em anexo o programa da Mostra de Cinema e das conversas.

Observatório da China

Rua de Xabregas Lote E, 13, D 1900-440 Lisboa Portugal 
Phone: 351+ 213845623 Fax.: 351 + 21 385 25 96 




2. Nota dos editores:

A zona de Lisboa entre Arroios e Martim Moniz pode vir a tornar-se, no futuro,  a China Town de Lisboa... Metade da comunidade em Portugal vive ou trabalha em Lisboa, com destaque para a freguesia de Arroios... 

(...) "No final de 2014 existiam mais de 395 mil imigrantes legais em Portugal, mesmo assim um número inferior se recuarmos cinco anos, quando existiam mais de 445 mil. A crise levou muitos a abandonarem o país, mas o que é certo é que para muitos viver em Portugal continua a ser sinónimo de garantia para uma vida melhor. Os chineses foram os campeões da imigração neste período, ocupando o primeiro lugar do ranking das comunidades que mais aumentou entre 2014 e 2010. No final do ano passado viviam 21 402 chineses em território nacional, ou seja, mais de 5700 que em 2010, altura em que ultrapassavam os 15 600, revelam os últimos dados divulgados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). (...)  A comunidade chinesa passa desta forma a ser a quinta mais representativa, com um crescimento de 14,8% em relação a 2013, ultrapassando até a angolana, que tem vindo a diminuir nos últimos anos" (...).(Fonte: Jornal i, 26/1/2016).

Do total de 395.195 estrangeiros legalmente residentes em Portugal, em 2014,  os principais países de proveniência eram, por ordem decrescente: Brasil (87.493),  Cabo Verde (40.912), Ucrânia (37.852), Roménia (31.505), China (21.402), Angola (19.710), Guiné-Bissau (17.981), Reino Unido (16.560) e São Tomé e Príncipe (10.167). (Fonte: SEF – Serviço de Emigração e Fronteiras:  Relatório de Emigração, Fronteiras e Asilo, 2014, 68 pp. [Consult 2m 27/1/2016]. Disponível em http://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa_2014.pdf).

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Guiné 63/74 - P15673: Parabéns a você (1026): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário da BA 12 (Guiné, 1967/68)

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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P15668: Parabéns a você (1025): Fernando Macedo, ex- 1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º Pel Art (Guiné, 1971/72)

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15672: Memória dos lugares (332): Camajabá do tempo da CART 1742 (Abel Santos, ex-Soldado Atirador)

MEMÓRIA DOS LUGARES

CAMAJABÁ

Memorial de Camajabá na actualidade
Foto: © Patrício Ribeiro

1969 - Memorial de Camajabá 
Foto: © Abel Santos


1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 13 de Janeiro de 2016:

Camajabá foi destacamento onde o meu grupo de combate, o 4.º, da CART 1742 sediada em Buruntuma, esteve destacado e local onde acabei a minha comissão de serviço na Guiné Portuguesa.

O memorial visível na foto ainda lá se encontra, embora mutilado, vai-se aguentando galhardamente, e o menino da foto sou eu.

Por acaso algum camarada da 1418 está a ver e a ler esta mensagem? Então que faça prova de vida.

Até breve, um alfa bravo para todos.
Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15654: Memória dos lugares (331): Procissão do Corpo de Deus em Bissau no ano de 1967 (José António Viegas)

Guiné 63/74 - P15671: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (35): De 11 a 30 de Junho de 1974

1. Em mensagem do dia 23 de Janeiro de 2016,  o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma Memória, a 35.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

35 - De 11 a 30 de Junho de 1974

Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUN74/11 – Prosseguem a bom ritmo os trabalhos de Engenharia nas estradas de A. FORMOSA-BUBA, e A. FORMOSA-R. CORUBAL.

- Em virtude de os trabalhos na estrada A. FORMOSA-BUBA estarem quase concluídos, os Grupos de Combate das CCAV 8350 e CART 6250, que estavam de reforço à 2.ª CCAÇ/4513, recolheram às respectivas Companhias. [Só a partir desta data começámos a sentir algum desafogo em Nhala. Era demasiada tropa ali concentrada].

- (...). 2.º Comandante deslocou-se a Nhala.

- Marchou para Bissau, a fim de se apresentar no QG/CTIG, o CAP BRAGA DA CRUZ.

[O “Caso Braga da Cruz” tinha eclodido pouco tempo antes. Encerrava-se agora o último capítulo de uma história lamentável, com efeitos nefastos na Companhia. Por respeito à memória do Capitão e recato de todos os elementos da Companhia, não abordarei aqui o enredo que levou à sua saída de Nhala e ao fim prematuro da sua Comissão. Acrescentaria apenas que este desfecho nada teve a ver com euforias justiceiras ou revolucionárias por se ter dado o 25 de Abril. O “caso” só podia terminar como terminou, quer se tivesse dado antes ou depois do 25 de Abril].


Das minhas memórias: 

13 de Junho de 1974 (quinta-feira) – Notícia de uma ameaça terrível. Que já se esfumara... 

A nota que se segue, de tão desconcertante e extemporânea, vale pelo contributo para a compreensão daquela época de incertezas e ansiedades, e pela amostra do que poderia ter sido a reviravolta decisiva da nossa supremacia militar a nível do Sector, se é que ainda tínhamos supremacia, ou mesmo de toda a zona Sul da Guiné, se não tivesse acontecido o 25 de Abril. Recordo que o Comandante de Companhia comunicou aos alferes a informação recebida que deveria ser apenas para si – e incinerada a seguir -, por não suportar sozinho o sufoco da revelação. Só não recordo a razão desta minha nota já em Junho, quando ela se deve reportar a uma ameaça anterior ao 25 de Abril, como se verá mais à frente. Também não recordo o nome do documento militar com a informação confidencial. Como seria de esperar, a HU não faz qualquer referência à mesma, mas só agora posso constatar isso. 

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Informações e contra-informações [hoje não percebo esta qualificação] chegadas à Companhia dão conta da eventualidade de uma acção do PAIGC de grande envergadura, talvez definitiva para esta zona, através do isolamento por terra, ar e Rio Buba, seguido de acções ofensivas no terreno. Dá-se conta da minagem da estrada Buba-Nhala-Mampatá, minagem do Rio Buba [creio que seria inédito], e da instalação de enorme quantidade de bases para mísseis terra-ar, constituindo uma barreira no espaço aéreo entre Bissau e Aldeia Formosa. O objectivo do isolamento da zona e consequente quebra nos reabastecimentos de víveres e munições, é o desencadear de emboscadas, flagelações e ataques aos aquartelamentos. A ser assim, isto revelaria uma superioridade militar que, diz-se, incluiria meios aéreos há muito badalados e nunca confirmados. A informação em causa não refere esta eventualidade. Diz-se, apenas...

Diz-se ainda que foram todas estas informações que fizeram o General Spínola antecipar o 25 de Abril para evitar uma chacina na zona. [Hoje isto parece bizarro porque, como se sabe, - mas se ignorava na altura -, o General Spínola nunca esteve na génese do MFA nem do 25 de Abril, embora estivesse informado e, até ao derradeiro momento, sempre em contacto com o Movimento dos Capitães]. Não obstante a Revolução, eles (PAIGC) ameaçaram que virariam toda a sua actual força para este Sector se as conversações sobre a descolonização falhassem. [Seria o reactivar dos planos atrás referidos ou mera chantagem? Mas bizarra é também esta ameaça, a ter existido, pelo contraste entre o que emanava da cúpula do PAIGC e o que era dito no terreno pelos seus representantes, nomeadamente os comandantes militares e os comissários políticos, defensores do cessar-fogo tácito já em vigor].

A verdade é que se falou numa operação de transporte de bombas de Bissau para Aldeia Formosa para serem aqui armazenadas, bem como o estacionamento de alguns Fiat para obstar à tal barreira do espaço aéreo. (Nunca soube se se chegou a iniciar esta operação).

Mais tarde, o Comandante do Batalhão Ten Cor Carlos Ramalheira, em conversa com o responsável militar do PAIGC no Sector Sul, teve a confirmação de que as informações de que dispúnhamos sobre o plano estavam correctas. De facto, as nossas informações militares eram, normalmente, fiáveis.

Não obstante com alguns incidentes, reina agora a paz, mesmo antes dos acordos assinados.

[A História da Unidade revela, no descritivo da Situação Geral do período de 1 a 30 de Junho: “Após a interrupção das conversações de Argel, embora se viva um clima de paz, com um cessar-fogo tácito, continua-se na expectativa, especialmente pelo desenrolar dos acontecimentos que poderão levar à independência e ao regresso à Metrópole das Unidades”].

Mas já é quase impossível o regresso da guerra, tanto porque nalguns locais as nossas tropas já abandonaram as posições, como porque o PAIGC tem agora os seus Comissários Políticos espalhados pelo país a esclarecer as populações, neste momento ainda temerosas, e a evitar conflitos entre aqueles que aplaudem o Partido e aqueles que até agora o combatiam ao nosso lado e que são nada menos que 17 mil. Muitos destes homens, ao princípio, recusaram-se a entregar as armas e a aceitar a ideia de serem integrados na nova ordem quando os portugueses regressarem à Metrópole. Diziam que nos acompanhariam ou continuariam a lutar, incapazes de compreenderem a irreversibilidade da situação. Era de calcular esta atitude, depois de tantos anos a combater pela causa que lhes impingiram como justa, combatendo, sem o saberem, contra eles próprios, exceptuando os que o fizeram por convicção e fidelidade a valores e dependências ancestrais do colonizador.

[Relembro que estou a transcrever memórias com mais de quarenta anos. Mas, naquela altura, recordo, causava-me já algum incómodo pensar na situação dos militares africanos. Como se sentisse uma parte da culpa de terem sido utilizados e no fim descartados e esquecidos, na nossa euforia do regresso a casa. Imaginava-os desamparados e ostracizados pelos sectários revanchistas. Mas longe de imaginar o que se seguiria. Hoje digo sem pejo: foram enganados. Pior, foram traídos. Da parte das autoridades portuguesas pelo abandono ignóbil, sem que fossem expressas claras garantias de integração social, (não estou certo de que não fossem), salvaguarda de represálias, solução de saída do território param os que o desejassem, etc., etc. Da parte do PAIGC, para minha decepção e revolta, a atitude revanchista foi inominável, (para não ser grosseiro), pela sumária eliminação física dos muitos que se destacaram ao lado dos portugueses. Não sou ingénuo nem completamente ignorante para desconhecer que foi assim um pouco em todas as guerras, em todas as épocas e em todas as latitudes. Mas fui ingénuo ao ponto de acreditar que, estando perante um partido revolucionário moderno, civilizado e fundamentado em princípios sérios, (a sua origem e breve história a isso levava a crer), os seus dirigentes seriam o seu reflexo no futuro pacífico da Guiné, com a melhoria das condições de vida das populações e da modernização do país em geral. Que diria Amílcar Cabral de tudo isto? E das bolandas em que vive a Guiné-Bissau desde o fim da guerra? À sua memória faço a justiça de ficar na dúvida. Mas o respeito que lhe tinha era o mesmo que tinha pelo seu homólogo em Angola e foi o que se sabe. E o que se passou e ainda passa lá, não é exemplo para nenhum país civilizado, tal como a Guiné pós independência. Não era disto que falavam os Comissários Políticos, incansáveis no terreno a amaciar desconfianças naturais e a fazer passar a mensagem civilizada de um partido reconciliador e agregador da população guineense. Continuo a admirar e a respeitar uma gesta de guerrilheiros e guerrilheiras do PAIGC, alguns mártires, que conheci em muitas leituras após o fim da guerra, e que me enterneceram com a sua coragem, firmeza de convicções e entrega abnegada à sua luta. Mas isso não diminui a minha revolta. Retomo a transcrição interrompida].

Chegou a haver casos pontuais de rebelião e, neste Sector, o conflito esteve muito sério, fazendo-nos recear o momento da nossa partida, altura em que podíamos ser atacados por aqueles que haviam combatido ao nosso lado. [Referência à recusa em entregar as armas]. Agora já estão a aceitar os acontecimentos e os Comissários e Delegados Políticos do Partido andam livremente pelas “nossas” tabancas em diálogo com as populações e com a tropa.

Há dias estive em Mampatá com um desses delegados e ele mesmo me disse que está a tentar mentalizar as populações. E que, pela nossa parte, podíamos andar desarmados porque as armas já não eram precisas. Em Aldeia Formosa estiveram dois grupos de combate do PAIGC e os alferes que os comandavam encontraram-se com o nosso Comandante do Batalhão. [Pois... Que deve ter zurzido neles, por nos dizerem a nós que podíamos andar desarmados e eles ousarem aproximar-se das nossas Unidades completamente armados. Como se pode confirmar no seguimento da História da Unidade do meu Batalhão].


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

1974JUN/15 – Realizou-se em A. FORMOSA uma reunião com a população a pedido dos Comissários Políticos do PAIGC, em que além destes comissários também estiveram presentes o Comandante e 2.º Comandante do Batalhão. Esta reunião visava o esclarecimento da população quanto ao programa do PAIGC.

- Comandante deslocou-se a COLIBUIA.

1974JUN/16 – Pelas 14h30, um Soldado do Destacamento da CHAMARRA que se deslocava entre A. FORMOSA e CHAMARRA, foi contactado em região XITOLE 7 F 3.34, por um Grupo IN estimado em 40 elementos armados que o deixaram seguir para CHAMARRA.
Posteriormente, cerca das 15h30 foi comunicado a este Comando que esse mesmo GR IN tinha sido avistado relativamente perto do arame farpado de A. FORMOSA.
Contrariamente ao que se esperava o Comandante do GR IN não procurou contactar este Comando, presumindo-se que tenha retirado.

1974JUN/17 – (...).

- Todas as Subunidades continuam conforme directiva superior a executar patrulhamentos de defesa próxima dos estacionamentos.

- (...).

1974JUN/18 – Pelas 10h10 quando Comandante e 2.º Comandante se deslocavam num Jeep isolado e desarmados a visitar trabalhos na frente da estrada A. FORMOSA-BUBA, encontraram na região de UANE a cerca de 15 metros da estrada um Bigrupo do PAIGC armado. Pararam o Jeep, tendo alguns elementos do bigrupo nomeadamente o seu Comandante, aproximado do Jeep para cumprimentos.
O Comandante do Bigrupo, chamado TIJANE informou que viera do UNAL, cujo Comandante CAMARÁ determinara uma patrulha de reconhecimento à referida região.
Despedindo-se, retiraram presumindo-se que em direcção ao UNAL.

[Não recordo ter feito esta viagem no Jeep do Comandante do Batalhão. A lembrança que guardo, possivelmente de outra ocasião, é que seguíamos numa coluna e que à passagem pela zona do Carreiro de Uane o Comandante que ia, como sempre, na cabeça da coluna, a fez parar, por se encontrar próximo da estrada um grupo numeroso de guerrilheiros. O local, do lado direito da estrada, era uma pequena savana de boa visibilidade. Percebia-se que era um bigrupo numa fila perpendicular à estrada, alongada e disciplinada. Só os da frente se aproximaram do Comandante do Batalhão e depois de um diálogo de alguns minutos a coluna seguiu viagem na direcção de Mampatá. Era de supor que estivessem ali à espera há longo tempo. Quando o resto da coluna passou por eles não houve acenos, não houve cumprimentos. Tudo muito sóbrio e disciplinado].

1974JUN/19Terminaram os trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA, pelo que foi enviada uma mensagem de felicitações ao Comandante do Dest N.º 2 e seu pessoal. [Sublinhado meu]

- Estiveram em A. FORMOSA O Exmo. Major do CEM, MAIA CORREIA acompanhado por JUVENCIANO, 2.º Secretário da Assembleia Popular do PAIGC.

(...).

[Abro aqui um parênteses na transcrição da H. U. para dar o merecido destaque à referência que dá conta da conclusão da estrada Aldeia Formosa-Buba nesta data. Trata-se de um eixo viário da maior importância, mesmo em tempo de paz, pois liga todo o interior ao porto fluvial de Buba, porta privilegiada de entrada e saída para mercadorias e pessoas. E, se é verdade que sempre assim fora, não é menos verdade que entre Buba e Aldeia Formosa (ou Quebo) se podiam levar várias horas de cansaços e percalços, sobretudo na época das chuvas, para não falar das temidas acções da guerrilha. Agora, em viatura, o novo trajecto pode ser cumprido em meia hora ou pouco mais, quer faça chuva ou faça sol. Mesmo para quem o faça de bicicleta ou a pé, é uma grande evolução para as populações locais. Tanto, que ao longo da estrada se foram fixando tabancas de enfiada, como é bem visível no Google Earth. 

Se esta estrada pudesse ter um nome, bem que podia – e devia – ser um tal, que homenageasse todos aqueles que, integrando os batalhões que nos antecederam neste chão, fizeram de cada viagem pela picada temerosa uma odisseia, muitas vezes lá perdendo companheiros.

Junto duas fotografias da estrada actual com um duplo significado: em baixo, viaturas atascadas na lama, lembrando-nos os baixios das velhas picadas, tantas vezes a barrarem-nos o caminho em emergências e perigos. Não haverá ninguém a que estas situações sejam estranhas; em cima e à esquerda a estrada nova, ainda não majestosa, mas maciça e recta, desimpedida de vistas e apta a grandes acelerações. Só tinha um problemazinho na data das fotografias: não estava acabada. Parece-me que ainda lhe faltava o tapete para depois ser alcatroada. O que ainda levaria muito tempo, devido à falta recorrente de alcatrão sobretudo nos últimos meses da obra. E isso obrigava-nos a circular na pista de terra batida lateral, com as consequências que se vêem. A obra agora concluída teve início na frente de A. Formosa em 27 de Outubro de 1973 e na frente de Buba no dia 30 do mesmo mês].


Fotos 1 e 2: 1974, Berliets com pessoal da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala, atascadas junto à estrada nova, algures entre Nhala e Mampatá, quando se dirigiam para este aquartelamento.

[Prossigo com a História da Unidade].

1974JUN/21 – (...). Pelas 12h00, um Grupo do PAIGC constituído por 48 elementos armados, após contornarem o Destacamento de PATE EMBALO, estacionaram a cerca de 100 metros do arame farpado. Ao serem contactados pelo Comandante do Destacamento e por alguns elementos da população, declararam que a população poderia cultivar onde quisesse e que a guerra já tinha acabado. Cerca das 13h00 retiraram na direcção de KANSAMBEL.

(...).

1974JUN/25 – Pelas 09h00, foi detectado numeroso grupo do PAIGC a cerca de 500 metros do arame farpado do aquartelamento de MAMPATÁ. Este grupo estimado em 120 elementos armados e comandado por um tal INCENDA, depois de contactarem com elementos das NT e população de MAMPATÁ, regressaram novamente ao UNAL, donde tinham vindo.

- Foi deslocada para BUBA metade da CCAV 8351 que, conforme determinação do Comandante-Chefe é deslocada para BISSAU. [Saíam em paz, finalmente, rumo a Bissau e à Metrópole, os Tigres de Cumbijã, do Capitão Vasco da Gama].

1974JUN/26 – Pelas 10h00, Grupo do PAIGC oriundo do UNAL estimado em 50 elementos armados, chegou junto de MAMPATÁ, estacionando a cerca de 160 metros do arame farpado. Era comandado por MIGUEL GOMES, referenciado como Comandante das FAL de CUBISSECO de CIMA. Disseram mais uma vez que a guerra já tinha acabado e que estavam satisfeitos com o procedimento das NT. Cerca das 14h00, regressaram novamente ao UNAL.

- É deslocada para BUBA, a segunda parte e última da CCAV 8351.

- Dois Grupos de Combate da CCAV 8350, sediada em COLIBUIA, foram deslocados para CUMBIJÃ, a fim de guarnecer o respectivo Destacamento.

1974JUN/27 – Pelas 14h00, A. FORMOSA foi assolada por um tufão, de que resultaram vários prejuízos, especialmente nos telhados de alguns edifícios.

 1974JUN/29 – Pelas 14h00, GR PAIGC oriundo do UNAL e estimado em 56 elementos armados, chegou junto de CUMBIJÃ, estacionando a 50 metros do arame farpado. Era comandado por MIGUEL GOMES. Contactaram com um Oficial e praças dos Grupos de Combate sediados no CUMBIJÃ, a quem afirmaram que a guerra tinha acabado e que a população poderia ir cultivar para onde quisesse. Cerca das 15h30 iniciaram o movimento de regresso ao UNAL.

(...).

1974JUN/30 – Pelas 14h00, GR PAIGC oriundo do UNAL, voltou novamente à região do CUMBIJÃ, estacionando a cerca de 200 metros do arame farpado. Este grupo trouxe consigo alguns elementos da população sob seu controle que vieram confraternizar com as suas famílias que se encontravam sob nosso controle. Pelas 16h00, o referido grupo regressou ao UNAL.

- Todas as Subunidades do Sector continuam a realizar os seus patrulhamentos de defesa próxima dos estacionamentos.

- O PAIGC levou a cabo uma manifestação de apoio ao Partido. Esta manifestação constou de um circuito em viaturas cedidas pela BECE e DEST ENG N.º 1, percorrendo todas as povoações de A. FORMOSA, MAMPATÁ, COLIBUIA e CUMBIJÃ. Os manifestantes eram portadores de bandeiras do PAIGC e alguns cartazes com “slogans” de apoio ao Partido.

[Passariam também por Nhala, como se pode ver pelas fotografias que se seguem. A estas junto outras, registando momentos de contacto e convívio com elementos do PAIGC, todas elas facultadas pelo meu amigo e ex-camarada Fur Mil TRMS José Roque que me autorizou a publicá-las e a quem fico agradecido].


Foto 3 e 4: Guerrilheiros do PAIGC deslocando-se à vontade numa picada, provavelmente nas imediações de Nhala, em data que também não posso precisar.

Foto 5: Contacto de guerrilheiros do PAIGC com elementos das nossas tropas em local e data que não posso precisar.

Foto 6: Nhala, Junho de 1974 – Guerrilheiros do PAIGC em convívio com os nossos militares. Ao centro, de bigode, o Fur Mil Trms José Roque junto de um camarada que não recordo. No canto superior esquerdo, sorridente, o Fur Mil Joaquim Carrilho.

Foto 7: Nhala, Junho de 1974 – O Fur Mil Trms José Roque com guerrilheiros do PAIGC.

Foto 8: Nhala, Junho de 1974 – Caravana com manifestantes em apoio ao PAIGC, provavelmente no dia 30, em que percorreram várias localidades em viaturas cedidas pela Engenharia.

Foto 9: Nhala, Junho de 1974 – Outra viatura da Engenharia com manifestantes em apoio ao PAIGC. Repare-se no sujeito no canto inferior esquerdo: só ao editar a fotografia reparei no gesto elucidativo da sua mão direita. Sintomático...

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15640: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (34): De 1 a 10 de Junho de 1974

Guiné 63/74 - P15670: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - III Parte: II - Putos, gandulos e o Padre (pp. 17-19)




Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [ Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra >  II Putos, Gandulos e o Padre (pp. 17-19)

por Mário Vicente


Como cacho enxame, os putos, alguns já graduados em gandulos, brincavam empoleirados no cruzeiro frente à igreja, quando Torreca, habituado a pantominas, malandrices e patifarias, resolveu fazer mais uma das suas. Se bem o pensou, melhor o fez, e gritou:
–Vem aí o "sacana" do padre!
Como foguete de lágrimas,  daqueles do São Mateus, a canalha dispersou toda num segundo. Porquê esta aversão ao representante da Santa Madre Igreja, meu Deus? Há coisas difíceis de entender.

Os alentejanos,  em abono da verdade, não eram muito de igrejas. Mas o povo era calmo e tranquilo. Verdade!... Verdade também é que os homens só se viam na igreja, em raras excepções, na Noite de Natal, na Missa do Galo, e no Dia de N.ª Senhora da Conceição. Esse sim, era dia grande para a freguesia, dado para além de ser o dia da Padroeira, era nesta data que as moçoilas, e não só, se apresentavam com as suas novas toilettes, guardadas e feitas em segredo por Dona Julinha e prima Xandra, modistas de estilo e gabarito que, na noite de véspera,, tão pouco dormiam, para fazer as últimas provas e retoques nas novidades.

Nestas festas, onde entravam festeiros, teria meu avô metido grande argolada, ao discursar na passagem de posse do pen­dão,  ter-se-ia escorregado com esta:
– Faz hoje um ano que Rosária Antónia pegou no pau!

Entre sorrisos e risotas dos peregrinos, lá ficou minha tia toda corada.

Ponto final,  e voltemos atrás! Porque a questão entre o padre, putos e gandulos existia. O povo não era católico praticante na generalidade. Mas… Todos eram baptizados e casados segundo as leis da Madre Igreja!

Aqui havia gato! Dizia-se que as festas do 5 de Outubro da Colónia tinham acabado por causa do padre. Seria verdade?... As festas que todos diziam serem tão bonitas! Sermões pregava ele quando havia bailes no salão da Sociedade, desancando no pessoal que era um regalo. Teria medo que algum lobo mau comesse alguma das suas ovelhinhas? Não entenderia que por vezes estaria a ofender gente séria e honesta?!...

Na igreja matriz não podiam entrar senhoras ou homens, de manga curta. Um dia, num casamento, as coisas azedaram-se porque alguém, que já tinha sido ou era presidente da Junta de Freguesia e homem de muita cultura protestou, por sua esposa ter sido impedida de entrar na Igreja por trajar com uma blusa cuja manga não lhe cobria o cotovelo.

Não foi ele que ao adro arrancou o bonito gradeamento e levantou um muro que mais parecia entrada de prisão do que Casa de Deus? Desta maneira, com certeza, não conseguiria levar muita gente à Igreja do Senhor, que deveria ser do Povo e não só dos espi­ritualmente dotados!...

Lá que era sacrista.  era. Uma vez, tendo de ir fazer um baptizado a freguesia próxima, por impedimento do padre desta, pediu a Torreca, Carrulho, Calças de Palanco e Carcaça para com ele viajarem.

A malta já estava escaldada com estes convites mas, como vergonha não havia, lá foram. Viagem maravilhosa para lá, só que no regresso as coisas complicaram­-se. Por volta do Monte das Casas Velhas a carripana enguiçou e começou a engasgar, até parar por completo. O padre coçava a cabeça sem saber o que fazer e pedia ajuda a Deus Nosso Senhor. Este, à volta com problemas mais graves, de certeza, nem tempo teria para reparar o carro. Eis que, como de costume, aparece uma ideia genial do Torreca.
–  E se empurrássemos o carro?

Todos de acordo. Mãos à obra! Toca de empurrar. O padre engatou o carro, ligou a ignição e o motor começou a resfolgar, o padre acelerou e pôs-se a “milhas” com medo de nova paragem do motor. Fim de festa, a malta teve de calcorrear cinco quilómetros a “penantes”.

Até podia não ser má vontade do homem porque em termos de condução, a experiência não era famosa. Buzina não havia, quando algum peão se atravessava gritava:
–  Saiam! Saiam, da frente!

Se o obstáculo fosse outro, fazia como fez ao poste no portão, junto à casa do tio Caldeirinha. Aí agarrou-se à cabeça gritando:
– Ai que eu vou bater! Ai que eu vou bater!

Truz, trancada em cheio no poste, esquecendo-se que o travão não era só para destravar, mas também para o inverso. O poste ficou dobrado e o carro com a frontaria metida dentro. Graças a Deus não houve desastres pessoais.

O porquê não se sabe, mas que as coisas não funcionavam bem era notório. Muito Espírito e pouca Terra, e Deus Nosso Senhor gostaria com certeza das coisas mais doseadas. Em vez de se meter na sacristia, deveria sair para os campos, onde Deus andaria com o seu povo. O próprio Cristo, no meu parco saber, julgo não ser simpatizante de Imperadores Espirituais.

Constava que o problema do padre com os putos, nascera de uma brincadeira de mau gosto, a qual deu bronca da grossa. Existia do lado sul da igreja, virado para a fonte, um bonito painel de azulejos, não muito grande, mas de uma certa beleza, reproduzindo a Senhora da Conceição de Murillo, com uma quadra do poeta António Correia de Oliveira. Havendo obras na igreja para as quais era utilizado barro, de que se haveriam de lembrar os gandulos? Fazer bolinhas de barro e incentivar os putos à pontaria ao painel com as ditas bolinhas. Estava-se mesmo a ver que iria estalar bronca. Fundamentalista como o padre era, logo consideraria tratar-se de sacrilégio, obra de demónios.

Cassiano, Cartacho, Olhicos, Batsarico, Banecha, Catrino e companhia, e arrolados também, Alacrau, Binito, Malhado e outros, todos receberam ordem para se apresentarem na Guarda Republicana de Barbacena, onde tiveram de passar umas boas horas.

Isto poderia ter sido tratado de outra maneira, mas enfim complicando em vez de simplificar, resultaria na desconfiança e no mau ambiente, em que ambas as partes viviam. Ressalvando, é claro, a parte do Cassiano que foi mais longe e afirmativo re­plicando:
–  Caguime e caguime, padre dum cabrão!

Dos gandulos havia mil e uma partidas, em que os putos eram na generalidade as vítimas. Desde o esmagar ovos chocos nos bolsos das camisas, ao aprender a capar grilos, era uma maravilha. Mas de uma recordo-me muito bem. Em altura de Carnaval, brincava-se muito na aldeia, desde o boi do Entrudo, à Cabarrada, do Enterro das Comadres, às Contradanças. En­fim, o Povo divertia-se da forma que conseguia, não da maneira como queria, é claro.

Numa dessas brincadeiras, exibia-se uma noite, uma contradança
Mário Fitas
 em casa da prima Ana Crespa. Bem ensaiada, os participantes muito bem vestidos e certinhos, de forma que toda a gente queria ver. Prima Ana teve de fechar a porta, porque a gaiatagem era por demais a querer ver o dito espectáculo. Tudo apinhado à porta, esticando-se e empurrando-se para espreitarem pelo postigo.

Foi quando dois gandulos, mestres nas patifarias aos putos, resolveram actuar também. O amigo Zé Manel (Olhico) mais o amigo Cartacho, um às "cambalaritas" do outro, vestindo um capote alentejano, apareceram com um cacete do lado da Cabine, junto à taberna do Vinagre. Alguém da gaiatagem gritou:
–  Ai um Medo!

Foi do bom e do bonito. Toda a gente entrou em pânico quando viu aquele gigante aparecer. Rebentaram com o trinco da porta e fugiram todos para a chaminé, urinando-se. No dia seguinte podia ouvir-se a prima Ana comentando com a vizinhança:
–  Coitadinhos! O medo foi tão grande que se mijaram todos, tive que andar com um balde a lavar a chaminé.

Havia outros Medos na terra que, por vezes, traziam o pessoal em pânico. Mas, logo o Medo desaparecia, quando havia casamento à pressa, sem tules brancos nem flores de laranjeira pois a razão desses símbolos já tinha voado numa madrugada de paixão.