domingo, 5 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4641: Memória dos lugares (32): A ponte de S.Vicente ou Euro-Africana – Designação oficial (José Marques Ferreira)


1. Mensagem de José Marques Ferreira, ex-Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Guiné 1963/65, com data de 4 de Julho último:

GUINÉ – A PONTE DE S. VICENTE
(Ponte Euro-Africana, designação oficial)

Penso que qualquer cidadão europeu devia viver em África, pelo menos 6 meses, para poder dar valor ao que tem disponível no seu país, coisas que para qualquer europeu são banais, tais como, o direito à saúde, educação, o poder dispor de electricidade, água potável, etc., etc. Aqui nada existe, a não ser a tentativa de sobrevivência do dia-a-dia.

Dói a ausência de futuro nos olhos das crianças, dói o nulo investimento na formação, na educação, dói o tipo de vida resignada, dói que a única solução seja emigrar, ainda que precariamente. Dói que o eldorado esteja sempre do lado de lá. Dói pensar nas desilusões de quem passa para o lado de lá e encontra o que não esperava.

Dói a ausência de futuro e de estratégias de desenvolvimento. Dói que se morra de “coisas da Guiné”, espécie de doença generalista que agrupa tudo o que mata e se desconhece.

(Eng. Pedro Moço, empresa Soares da Costa, técnico da área de geologia que dirigiu a construção, na Guiné, da ponte de S. Vicente, no blogue psvicente.blospot.com)

Este post abre com as palavras de Pedro Moço, um técnico que pertence, na área acima indicada, ao grupo Soares da Costa.

Com ele tive o privilégio de trocar uns e-mails, nos quais ele me ajudou a identificar uma fotografia da Guiné, que tenho em meu poder e que me parecia uma ponte do Rio Mansoa, perto desta localidade.

Ponte de Mansoa - Rio Corubal (que não é a mesma coisa)

A minha companhia (CCaç 462) esteve nesta localidade, escassos meses, ou semanas, antes do seu regresso.

Por força das funções que tinha por apêndice e que já aqui esclareci, não fui para Mansoa, ficando a trabalhar em Bissau.

Mas alguém me fez chegar aquela fotografia. E sempre me ficou a ideia de ser uma ponte sobre o Rio Mansoa. Mas não…

Acabamos por concluir que esta ponte ou outra muito parecida (o que seria um tanto inacreditável) está no Rio Corubal (de que tenho por aqui, agora, algumas) e a sua concepção foi da autoria do Engº Edgar Cardoso, que também assinou, entre outras, a construção da ponte da Arrábida, no Rio Douro - ali próximo da terra do nosso camarada Vinhal.

Esclarecida esta situação, a história agora é outra…

Uma foto de ponte de S. Vicente - Janeiro 2009

Trata-se da ponte sobre o Rio Cacheu, ali mesmo em São Vicente!

O Engenheiro Geólogo Pedro Moço (não gosta que o tratem assim, mas estamos a falar em contextos profissionais!), esteve durante dezoito meses na Guiné, em anos recentíssimos, e deixou-nos o seu testemunho, que pode ser apreciado em http://psvicente.blogspot.com./ (blogue que criou exclusivamente, para historiar a evolução da construção da dita ponte).

A foto da ponte de S. Vicente (Soares da Costa)

Não faço comentários, porque as suas palavras, sentidas e honestas, deixam antever tudo o que lhe foi na alma nesse tempo e lhe vai actualmente, relativamente à situação caótica que se vive naquele território, às necessidades daquelas gentes e às suas tão tristes e pobres vidas.

E dizia-se, naquele tempo, que na Guiné era impossível a construção de pontes, por causa do tipo de terreno. Pois é, se calhar ainda não havia tecnologia de ponta como hoje, que permite colocar as estacas onde assentam os pilares de suporte, a muitas dezenas de metros de profundidade, mais ou menos a 35 metros (não confirmei), mas também não é isso o mais importante para esta narração…

Falo nisto a propósito, porque uma grande parte de nós esteve no meio do rio Cacheu, fez guarda à jangada que permitia a sua travessia, de margem para margem, noite e dia, portanto 24 horas/dia.

Atravessamos aquele local dezenas de vezes e, durante o tempo de guarda e vigia, também passamos muito bons momentos, quando nos deliciávamos com os petiscos, que íamos cozinhando ao fim da tarde, nomeadamente, os belíssimos, saborosos e enormes caranguejos, que ali apanhávamos da maneira mais simples; um arco de pipo, um bocado de rede e umas taliscas de bacalhau presas à rede, que tínhamos de “subtrair” no depósito de géneros.

O Vagomestre - Fur Mil Ernesto Milton Patrício -, que era natural de uma vila de Trás-os-Montes (um dia destes lembrarei o nome), consentia pacificamente nestes nossos “desvios”.

A ponte tem 730 metros de comprimento, foi concluída em 3 de Abril do corrente ano e inaugurada em 19 de Junho.

Quanta falta nos fez esta e outras pontes nos tempos em que por lá permanecemos? Sei que isto é um bocado de poesia, mas…

As fotos que acompanham esta história são recentes, como é evidente, e retratam a ponte já pronta (a utilização da foto foi autorizada pelo Engº Pedro Moço).

Há uma terceira que terá sido obtida por um missionário italiano, que está no blogue http://didinho.org/uma_viagem_especial.htm, onde consta a descrição de uma viagem que este homem fez do Senegal para a Guiné.

Curiosamente, a citada viagem teve o seguinte percurso; estando em Zinguinchor, o italiano rodou para nascente ao longo da fronteira e entrou na Guiné a norte de Bigene (segundo um mapa desenhado pelo próprio).

A foto do missionário italiano (muito idêntica à do Engº Pedro Moço – Soares da Costa)

Passado todo este tempo eu diria, divagando, que estando em Zinguinchor (uma cidade a norte de S. Domingos, onde já se ia em 1963, 1964, etc., no blogue há relatos de deslocações dessas), aquele homem podia vir a esta localidade fronteiriça da Guiné (mais directo) e depois por ali abaixo, ou por ali acima (porque na Guiné é difícil dizer o sentido correcto), vinha a Sedengal e a Ingoré.

Isto porque a descrição da sua aventura é datada de Maio de 2009, e nela está mencionada a fotografia da ponte que agora é objecto deste poste.

Fotos: © Autores mencionados (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
José Marques Ferreira
____________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

sábado, 4 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4640: Tabanca Grande (158): José Albino P. Sousa, ex-Fur Mil Inf do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Bula e Tite, 1969/71)

1. Mensagem de José Albino P. Sousa, ex-Fur Mil Inf do Pel Mort 2117, Bula e Tite, 1969/71, nosso novo camarada, com data de 30 de Junho de 2009:

Caro Carlos Vinhal:

A vontade de entrar na Tabanca, já vem de algum tempo atrás, mas agora, e por insistência do António Maria, resolvi avançar.

Entretanto, já elaborei o texto que me parece relatar a minha história na Guiné.

Entretanto te direi que estive em Bula com o Pelotão de Morteiros 2117, Maio, Junho e Julho de 1969, tendo depois sido chamado a Bissau para tirar um curso de obuses, avançando depois para Tite com um Pelotão de guineenses onde passei o resto da comissão.
Ao fim de um ano fui baptisado com os famosos foguetões a que se seguiram mais três ataques.

Abraço do Zé Albino


APRESENTAÇÃO

Nome: José Albino Pereira de Sousa
Nascido em 23.1.1946
Natural do Porto (fui nascer à Maternidade) mas considero-me de Matosinhos.
Casado
Dois filhos e dois netos

Morada: Senhora da Hora
Curso Industrial de Montador Electricista (Matosinhos)
Ex-técnico da Portugal Telecom na Pré-reforma

Ex-Furriel Miliciano de Infantaria


A MINHA HISTÓRIA MILITAR

Assentei praça no RI5 (Caldas da Rainha) a 15 de Janeiro de 1968, onde fiz a recruta, tendo efectuado o juramento de bandeira a 5.4.1968.

Foi-me atribuida a especialidade de Armas Pesadas, (teria eu força para pegar nelas?) e segui para o CISMI (Tavira), onde conclui o curso de Sargentos.

Segui para o RI8 (Braga), onde colaborei em duas formações de recrutas.

Na véspera de Natal de 1968, sou particularmente informado que estou mobilizado para a Guiné.

No início de 1969 sou integrado no Pelotão de Morteiros 2117, que faz o IAO em Chaves, e em finais de Maio, lá vou eu no Niassa, rumo a África em defesa da Pátria (assim nos tinham convencido).

O Pelotão de Morteiros é enviado para Bula, e aí passo os meses de Junho e Julho de 1969, sem qualquer episódio de ataque ao aquartelamento.

Entretanto, sou informado que teria de ir a Bissau tirar um curso no BAC.(Sabia lá eu o que era aquilo).

Chegado ao tal BAC (Bataria de Artilharia de Campanha) é que percebi que éramos três dezenas de graduados (alferes, sargentos e furrieis, oriundos de Pelotões de Morteiros e de Canhões sem Recuo), e estávamos ali para receber formação de Obuses, como que emprestados à Arma de Artilharia, constituir Pelotões de Obuses 10,5; 11,4 e 14, com militares guineenses.

Confesso que com os morteiros em Bula, teria de adaptar os quase esquecidos conhecimentos adquiridos, ao terreno, mas com Obuses, as granadas iam mais longe, pelo que a responsabilidade aumentava, e daí o meu esforço em adquirir o máximo de conhecimentos para tentar safar a pele.

Quero dizer com isto que me esforçei para ter uma boa classificação, o que me permitiu escolher o Quartel de destino.

Lembro-me de o Comandante da BAC ler a lista de quartéis a serem reforçados com Obuses, e no fim eu lhe dizer que só conhecia Bula e mal.

Então eu vou ler de novo - disse ele.

...
TITE??!!!!!
...

Bem, talvez Tite disse eu, pensando, seja o que Deus quiser.

OK! Vai ver que não é tão mau como se diz. Como está do outro lado do rio, aqui em Bissau ouvem-se as saídas e rebentamentos, mas normalmente é a bater a zona.

E lá fui eu numa LDG, com dois Obuses 10.5, cunhetes de granadas, e talvez duas dezenas de guineenses de várias etnias, acompanhados das respectivas famílias.

Chegados ao destacamento do Enxudé, lá estavam os matadores para rebocarem os dois Obuses para o quartel de Tite.

Lá chegado, apresentei-me aos superiores e ao meu colega artilheiro, Fur Mil Figueiredo de Coimbra, responsável pelo 8.8 existente.

Por sorte não sofri alguns dos ataques por não estar presente no quartel.

Bula e Tite foram atacadas, mas eu estava no curso na BAC, outra vez tinha ido a Bissau levantar os vencimentos do pessoal, etc.

Até que chegou a minha vez a 19.5.70, ao fim de um ano de espectativa, e logo com os tais foguetões.

Lembro-me de os dois obuses terem disparado cerca de 140 tiros nessa noite. Foi medonho.

Entretanto o Fur Mil Figueiredo regressou à metrópole e algum tempo depois chegou o Alferes Rocha do Porto, que comigo apanhou um violento ataque a 3.8.70, com morteiros e canhões sem recuo, estava eu a chegar de férias e o Salazar a morrer.

Contrariando as ordens do Major Martins Ferreira (BCAV 2867), (fogo só á ordem), reagimos ao ataque do PAIGC e os valentes artilheiros responderam com cerca de duas dezenas de granadas. Assim acabámos com o ataque.

Porque a iniciativa de reacção ao ataque foi da minha responsabilidade, (o Alferes Rocha também mandou umas ameixas, mas o Major não se apercebeu), fui ameaçado de ser despromovido, ser enviado para Pirada e pagar as cerca de duas dezenas de granadas. Calei-me e não deu em nada.

Depois disto, o Alferes foi não sei para onde e eu fiquei a comandar o pelotão até ao final da comissão, tendo vindo mais um Obus 10,5 com um novo camarada de Artilharia, Fur Mil Costa, dos Arcos de Valdevez, com a função de evitar que a partir de Bissássema, o PAIGC alcançasse Bissau, o que tentaram fazer no meu tempo, e mais tarde, penso que com êxito.

Lembrei-me agora que uma vez mandaram-me fazer cálculos de tiro para o mar (?) e apontar as peças quando recebesse as ordens. Era a operação Mar Verde.... em Conakri.

Refiro ainda outro ataque a Tite, já no final da comissão, com as granadas a cair fora do arame farpado.

Foram cerca de 17 meses em Tite, colaborando com o BCAV 2867 e BART 2924, até que recebi ordem para regressar a Bissau e juntar-me ao Pelotão de Morteiros 2117, de onde era originário, regressando à Metrópole no Angra do Heroismo, nos princípios de Fevereiro de 1971.

Obs:- Nunca disparei um Obus, apenas conferia os elementros de pontaria no limbo e no tambor que transmitia ao apontador, quando era para bater a zona, e por vezes ainda dava mais duas maniveladas.

Quero ainda deixar aqui o meu grande respeito aos guineenses, vítimas de políticas desumanas e políticos dementes, que lutaram heróicamente em nome de Portugal.

Zé Albino

Bula > Junho de 1969. Com dois meses de Guiné, claro que não era o pai.

Bula > Morteiro 81 > Pel Mort 2117

Tite > Pelotão de obuses 10,5 (190/71)


2. Comentário de CV:

Tenho o prazer de apresentar à Tertúlia mais um amigo, daqueles que, embora não se vendo com frequência, não se esquecem. Nos últimos três anos temo-nos encontrado no almoço dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos. O nosso novo camarada José Albino, Zé Albino para os amigos, é um companheiro dos velhos tempos da Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, frequentou o mesmo curso de Formação de Montador Electricista ao mesmo tempo que eu e o António Maria, camarada recentemente entrado para a Tabanca. Temos na Tertúlia ainda mais um ex-aluno da mesma Escola, o António Tavares e um professor, o ex-Cap Mil Ferreira Neto.
Se começasse a enumerar os tertulianos do nosso Blogue residentes no concelho de Matosinhos, arranjava uma longa lista.

Caro Zé Albino, estás apresentado à Tertúlia. A partir de agora tens a responsabilidade de contribuir para o espólio do nosso Blogue. Há sempre algo para contar, resquícios de uma vivência contidos nos confis da memória, que podem e devem ser patilhados por todos.

Deixo-te o habitual abraço de boas-vindas em nome de toda a tertúlia. A partir de hoje tens mais três centenas e meia de amigos que não conheces ainda, mas que tiveram a mesma experiência que tu, viveram e lutaram contra o clima, falta de condições, fome, estado de guerra e outras privações, naquela terra que ainda hoje temos no nosso coração, a Guiné-Bissau.

Para ti, um especial abraço do teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4625: Tabanca Grande (157): Constantino Costa (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/74)

Guiné 63/74 - P4639: Histórias de José Marques Ferreira (1): A minha relíquia da Guiné é um lindo punhal



1. Mensagem de José Marques Ferreira, ex-Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Guiné 1963/65, com data de 1 de Julho passado:


Camaradas,

Esta é a minha primeira participação neste blogue. Já enviei, em tempos, os meus elementos identificativos que, entretanto, me haviam sido solicitados.

Pelo muito que tenho lido por aqui, neste nosso blogue, há factos vividos por camaradas nossos, que nos deixam um tanto ou quanto fora de órbita. Porque, como se hão-de aperceber, felizmente para mim durante dezasseis meses, apenas fiz turismo na Guiné!


Para desanuviar os vossos tão aterradores relatos, esta minha primeira participação tem a finalidade de tentar fazer, com que o “ambiente” se torne menos pesado.

Espero que alguns de vós tenham a pachorra de ler esta minha história e lhes dê, pelo menos, alguma vontade de sorrir. Para mim já era bom...

Seguem em anexo algumas fotografias, uma delas de um punhal que tenho aqui em casa e ao qual se refere esta narrativa e, as outras, são da localidade de Ingoré - anos de 1963 - 1964.

Numa das fotos, vê-se uma reunião de autóctones, em atitude de "ronco" e, ao fundo, parte das então instalações primitivas da Companhia de Caçadores 462, que se situavam do lado da estrada que ia para Barro, lado nascente.

Outra foto, onde se vêm as instalações mais perceptíveis, mas não se vê o refeitório, camaratas, etc.

Na última foto, havia mais "ronco", já não sei de quê . Nela se nota a casa, que foi alugada pelos militares, para as instalações de cripto, comunicações, secretaria e até dormitório dos oficiais.


Lembro-me que o dono desta casa, que anteriormente a utilizava para a tradicional actividade comercial e que ficou com a outra casa, logo ao lado, desenvolvendo a mesma actividade.

Era do concelho de Oliveira de Azeméis e chamava-se Artur (só me lembro do primeiro nome).

Esta história está também no meu blogue: "terrasdomarnel.blogspot.com", assim como outras, para quem quiser fazer o favor de consultar.

Aqui vai a história:

Carabana Xerife era uma tabanca (aldeamento), paredes meias com a fronteira do Senegal, próximo de Ingoré, tendo ainda a meio caminho a tabanca de Ingorézinho.

Haviam informações de que o inimigo (IN) tencionava atacar Ingorézinho. Foram tomadas algumas precauções e, entre elas, uma secção foi destacada para dormir lá, tendo em atenção as suas dimensões e a sua situação estratégica, acrescidas pelo facto que constituía a "qualidade" dos seus habitantes.

Não sei a data exacta deste acontecimento (talvez meados de 1964), porque havia muita chuva, como é costume na Guiné, na chamada época “das chuvas” (que aconteciam habitualmente a partir dos meses de Maio).

A páginas tantas fomos acordados e foi-nos pedida uma "dúzia" de “voluntários”, que pretendessem ir a Ingorézinho, pois as comunicações (via rádio), davam conta da presença de alguma "malta IN", que estava a “chatear”.

Pensei eu então : “E logo ao fim de mais de um ano, em que se havia poupado alguma verba ao Orçamento de Estado Português, pois toda a gente se limitava a ter em boas condições de funcionamento as suas armas individuais e as respectivas munições (que ainda eram as mesmas do início da comissão)”.

Ou seja, tínhamos passado quase despercebidos o tempo todo... ninguém se lembrava de nós... era só turismo... e agora?

Entre o grupo voluntário que foi ao encontro da secção fiz-me incluir e lá fomos a correr, ao longo da bolanha, em direcção a Ingorézinho. Ainda não havia os acessos que agora existem.

Tínhamos de ir a pé... embora talvez existisse um acesso àquela tabanca pela estrada que ia para Barro, mas bastante longe, já não me lembro bem.

Ali chegados, juntamente com o comandante de Companhia, fomos mais à frente até Carabana Xerife, a tabanca fora atacada e destruída e, na presença do furriel que comandava a secção, o capitão perguntou:

- Chegaram a vê-los? Não foram atrás deles?

O furriel respondeu que sim, mas que deram com a fronteira e, este, entendeu que não devia ir mais além.

Como não tinha ainda decorrido muito tempo, o capitão desata a correr, passa o marco da fronteira, por sinal um marco de dimensões razoáveis, de pedra e cal, que não deixava margem para dúvidas sobre a delimitação dos terrenos (qual marco que delimita as nossas propriedades), e todos nós toca a correr atrás dele, entrando uma distância ainda razoável em terreno de outro “dono”.

Foi tudo infrutífero, porque o grupelho (não seria ainda um grupo organizado para a guerrilha, sem meios que não fossem algumas facas, catanas e caixas de fósforos) tinha desaparecido.

O resultado deste alvoroço todo (porque não foi outra coisa comparado com aquilo que, na mesma região e local, passaram camaradas nossos, cujas histórias estão contadas em blogues e outros locais internautas), apenas resultou na destruição da tabanca pelo fogo ateado pelo IN.

Só vos digo que nunca vi tantas galinhas, cabritos e porcos estorricados, entre as palhotas todas destruídas.
Eu não tenho fotos do local, sei que existem algumas, mas não posso precisar quem as tem...

A população foi recolhida para próximo do aquartelamento, junto a Ingorézinho.

Quando eu regressava da inglória perseguição ao IN, já o sol raiava. Ao passar junto a uma enorme árvore, reparei que junto dela estavam folhas frescas todas amachucadas, com sinais que o grupo atacante ali teria estacionado e aguardado o melhor momento para o golpe.

Senti então uma necessidade fisiológica, ainda dentro do terreno do Senegal, e tive que me aliviar, o que fiz junto da citada árvore...

Como estava inquieto, olhava sempre em várias direcções, até que vislumbrei no solo um punhal bastante "jeitoso", que logo apanhei e coloquei no cinto das cartucheiras.

Quando cheguei junto do capitão, como era minha obrigação dei-lhe conta do achado daquela prova "incriminadora", entregando-lha.

Chegados ao aquartelamento, como nessa altura eu era o "administrador" da companhia (não havia primeiro-sargento e como eu, na vida civil, era empregado de escritório, com conhecimentos de contabilidade dos antigos cursos das Escolas Comerciais e Industriais, tinha sido convidado para tarefas administrativas), lá tive de dactilografar o relatório da “operação”, que entretanto o capitão havia manuscrito.

Terminado o relatório, fomos dar um "passeio" até Bula (comando operacional do Batalhão de Caçadores 507 (Ten Cor Hélio Felgas), que depois foi substituído pelo Batalhão de Cavalaria 790 (Ten Cor Henrique Calado), entregar o mesmo e o punhal.

No meio destas Unidades Militares, convém esclarecer que eu pertencia à Companhia de Caçadores 462, procedente de Chaves.

A história do punhal não ficou por aqui, pois nunca deixei de "chatear" o Capitão Milicinao Jorge Saraiva Parracho, para que o punhal - que nada dizia e ajudava à solução de qualquer problema (a não ser uma hipotética ligação ao grupo assaltante) -, me viesse a ser devolvido, já que constituía, para mim, uma "relíquia" da Guiné.

Este meu comportamento acabou por dar resultado, pois um dia, numa deslocação Bula (de que eu fazia parte), apareceu-me o capitão com um envelope na mão, que me entregou. Dentro dele, estava o punhal que eu tinha encontrado em terreno do Senegal (graças ao tal alívio fisiológico que me fez parar).

Naquele período de tempo, era uma guerra que até dava para isto...

Eis o punhal na foto acima, que tem uma bainha feita em cabedal por um artesão de Ingoré.

Penso que posso terminar a dizer, com a liberdade que hoje temos, que:

Nas "Conversas em Família" do Prof. Marcelo Caetano, dizia ele que o Senegal protestava, constantemente, pelo facto de se invadir o seu território, por parte das nossas tropas. E justificava-se que, em guerra e tão próximos da fronteira, como resultado da refrega, era natural que alguns projécteis saídos dos canos das armas ligeiras (ainda não havia em Ingoré canhões sem recuo, na altura em que lá estive), fossem cair "acidentalmente" no Senegal. Mas... invasões? Nunca!...

Ria-me (em casa) porque sabia o que se passava. Mas tinha, para mim, uma outra interpretação, é que os marcos da fronteira estavam separados e só eram descortináveis, de longe a longe, a pequenas distâncias. Quer dizer que, na floresta, numa perseguição, não se dava conta da fronteira, porque não tinha qualquer vedação mesmo que fosse de arame, além dos referidos marcos, nalguns casos indetectáveis e, ainda por cima, camuflados pela vegetação.

Que se invadia o território, invadia-se… mas posso afirmar que, a maioria das vezes, era feito sem qualquer intrenção!

Nota final - A tabanca destruída, foi posteriormente reconstruída por uma das últimas Unidades sedeadas em Ingoré, de que fazia parte o Manuel Silva Ferreira Martins (mecânico) e o Armando Santos (maqueiro), que ficou ainda algum tempo por lá, na tabanca, dando a colaboração da sua especialidade à população.



Fotos: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
José Marques Ferreira
__________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4638: Um comando africano na Guerra da Guiné. Amadu Bailo Djaló. (V. Briote)

Um comando africano na Guerra da Guiné

Amadu Bailo Djaló


Caros Camaradas

Está na fase final o trabalho a que me propus. Passar para português legível todas as páginas que o Amadu foi escrevendo ao longo dos anos que durou a Guerra.

Não podemos estar à espera de uma obra-prima, nem de um trabalho exaustivo sobre os nossos anos na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não há ficção, não se trata de um romance.

A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado. Amadu escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos e apeamentos, de progressões na mata, de encontros com os nossos INs de então, de trocas de tiros, morteiros, roquetes, de feridos e mortos, de evacuações e abandonos.

E de nomes de localidades, de Bafatá, Bissau, Bolama, Bambadinca, Fá Mandinga, Farim, Cuntima, Guidage, Guileje, Gandembel, Gadamael, Conakry, Gabu, Piche, Mansabá, Canquelifá e de tantas outras. Dos rios Corubal, do Cacheu, do Geba e de outros, de afluentes, margens, tarrafos, poilões, bissilões, mangueiros e cajueiros.

1. Infelizmente o Amadu Djaló trouxe poucas fotos, meia dúzia no máximo.

E é aqui que faço um pedido a todos os Camaradas que têm escrito e enviado imagens desses anos da Guiné para o nosso blogue, de Luís Graça e Camaradas da Guiné. Que disponibilizem fotos com a qualidade possível para, eventualmente, serem inseridas no livro.

Muitos livros que se têm publicado sobre a Guerra que travámos na Guiné trazem fotos, a maioria de fraca qualidade. Não me parece ser boa ideia inserir uma foto de dimensões reduzidas, de fraca resolução. Estou consciente que é um pedido difícil.


Lanço aqui lançado o pedido aos Camaradas que têm fotos, em condições indispensáveis para serem tratadas, para as disponibilizarem com a indicação do local, ano provável e do autor.

2. Para esclarecer dúvidas sobre factos relatados pelo Amadu Djaló continuo a recorrer a testemunhos de camaradas que assistiram ou participaram em alguns desses acontecimentos.
Nos últimos tempos contactei:

o Coronel Raul Folques que, como capitão participou em algumas das operações relatadas pelo Amadu, nomeadamente na "Ametista Real", a Kumbamory, agrupamento de que Amadu fez parte.

Nessa operação, já na retirada, o então Capitão Folques foi atingido por uma bala que lhe atravessou uma perna.

Disse-me que a retirada para Guidage foi penosa, embora com grande ajuda dos seus comandos africanos. Que via forças do PAIGC e de páras senegaleses com apreciável poder de fogo, a aproximarem-se do último grupo em retirada, grupo de que ele e o Amadu faziam parte.

Que pediu apoio aéreo e que, devido à proximidade das forças em combate, mandou lançar granadas de fumo para melhor referenciação.

Que no contacto rádio com o comandante da patrulha, insistiu que o apoio dos Fiats era indispensável para a retirada, e que, face à superioridade numérica e de fogo das forças INs, se o apoio aéreo não se concretizasse acabavam por ficar todos no local.


Relata que Amadu Djaló nunca o abandonou, que se manteve sempre ao seu lado até o ver estendido numa sala a abarrotar de feridos no aquartelamento de Guidage. Lembra-se do cheiro da sala e da assistência prestada por um médico (Trindade? Espírito Santo? Do nome não se lembra ao certo, ficou foi com a ideia que o nome do médico lhe soou a santidade).

Que, acabado de o socorrer, o médico lhe perguntou se queria alguma coisa. Um copo de uísque, respondeu. Era a última coisa que lhe podia dar, foi a resposta que ouviu.
Minutos mais tarde viu entrar na sala o Coronel Correia de Campos, Comandante do COP, com um copo de uísque na mão. E que o uísque não se sentiu bem, preferiu sair logo.


Mais tarde o então Capitão Folques foi promovido a major e nomeado Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné, em substituição do Major Almeida Bruno.
Voltou a encontrar-se, ainda em 1973, na zona de Canquelifá com os seus antigos comandos então destacados na CCaç 21, quando fez uma sortida a uma povoação fronteiriça, tentando aliviar a pressão a que as povoações da área estavam sujeitas.


E destaca o papel da referida Companhia, comandada pelo capitão Abdulai Queta Jamanca e da qual o então alferes Amadu Djaló, hoje cabo, fazia parte.

Depois foi a vez de procurar chegar à fala com o General Almeida Bruno, que ainda como capitão foi um dos criadores dos comandos africanos e, como major, o 1º Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné.
Interessado em dar todos os esclarecimentos necessários que possam contribuir para elaboração das memórias do Amadu, o General convidou-nos para um encontro.

Estive presente com o Coronel Raul Folques e o Amadu Djaló. Foram horas de uma tarde a ouvir os três antigos comandos, sobre a formação dos comandos africanos, Kumbamory, de episódios que um ou outro já tinham esquecido e que agora, ao recordarem, ainda acrescentam um ou outro pormenor.


- Ah, eras tu que vinhas ao meu lado no regresso a Binta? Eras tu, Amadu? Perguntava o General.
- E a minha conversa com o major pára senegalês! Ele puxou de um cigarro de uma marca que eu apreciava, os Gauloises. Ofereceu-me um, sentámo-nos a fumar e a conversar. Era um tipo simpático. Uma chatice o que lhe aconteceu a seguir. E Morés, Amadu, Morés que tanto sarilho nos deu!




Coronel Raul Folques, General Almeida Bruno e Amadu Bailo Djaló, em 28/06/09. Foto de V. Briote.

Em 2 de Julho o General Almeida Bruno telefonou-me. Tinha precisado apenas de meia dúzia de dias para ler o rascunho das Memórias do Amadu Djaló.
Que o achava um documento único e importante por ter sido escrito por um antigo Camarada Africano.
Nas passagens em que o seu nome aparece mencionado, que se lembrava de algumas, de outras não. E que era importante proceder a uma nota de rodapé: a designação oficial, correspondente à ideia com que foi formado, era Batalhão de Comandos da Guiné e que a designação de Batalhão de Comandos Africanos se popularizou depois e foi com esta última que passou a ser conhecido.

E fotos são precisas, acrescentou. Que não tinha nenhuma, que as que trouxe da Guiné arderam num incêndio que vitimou a sua mãe.

O Comandante Alpoim Calvão é várias vezes citado pelo Amadu e o objectivo do meu contacto pessoal era solicitar-lhe alguns esclarecimentos nomeadamente sobre incursões da 1ª CCmds Africanos a aldeias senegalesas na zona de Pirada e sobre a operação a Conackry.

Em 29 de Junho de 2009, levei o Amadu ao encontro com o Comandante.
Conheci o então 2º Tenente Calvão na Guiné, ainda no início da minha comissão, talvez entre Abril e Junho de 1965. Recordo-me de o ver a conversar com um camarada, penso que era o tenente Saraiva, que estava connosco na esplanada do Hotel Portugal.
Nessa altura, eu fazia parte de uma tetúlia que incluía gente que tinha participado com os fuzileiros do então 2º Tenente em várias operações, particularmente na “Tridente”, em que o DFZ se tinha particularmente feito notar.

Depois das apresentações, o Comandante sentou-se connosco numa grande mesa oval.
- Já sei, Amadu, que tens várias coisas escritas sobre aqueles tempos. Fazes bem, relatar os acontecimentos pelos teus olhos, independentemente dos relatórios oficiais.

Mostrei-lhe duas ou três fotos de 1965, inéditas para ele. Olha o general Schulz, o Maurício Saraiva, ia dizendo enquanto folheava o rascunho das partes em que o seu nome aparece.
O Amadu relembrou-lhe as incursões na zona de Pirada, de que o Comandante mostrou ter ainda bem presente e que ainda acrescentou um ou outro pormenor.

Depois falou-se de Conackry e do muito que já se escreveu sobre o assunto.
Diz ter conhecimento que John McCain publicou em inglês, ainda não traduzida para a nossa língua, uma obra sobre a nossa Marinha na Guerra da Guiné. E que teve recentemente conhecimento de que a op. “Mar Verde” é tratado como um “case-study” numa escola naval norte-americana.
E mais, que, muito recentemente, foi publicada uma brochura sobre as operações navais da nossa Marinha de Guerra, em que a “Mar Verde” é descrita com algum pormenor. E finalmente que, de todas as obras publicadas até à data, a do Luís Marinho lhe parece aproximar-se mais do que pensa ter sido a ida a Conackry.

Relatou factos sobre a retirada, sobre a incrível história do Nanque, que andou de país em país até aparecer em Lisboa. Na altura, Alpoim Calvão era, se ouvi bem, o Comandante da Defesa Marítima quando foi alertado que um tal Nanque, que afirmava ter participado na ida a Conackry, se encontrava em Lisboa.

Não tenho palavras para descrever a colaboração que o Coronel Matos Gomes tem dado. A formação dos cmds em Mansabá (julgo que no tempo do então Capitão Pereira da Costa), nomes de operações, datas, pormenores, e sobretudo, o enquadramento das acções, quais os motivos porque certas ops foram executadas em determinadas áreas, aspectos que faltam nos escritos do Amadu Djaló.

Falou da mata da Coboiana, do local do Irã que encontrou, das acções de fogo em que a 1ª CCmds se envolveu, do momento em que a zona em que um heli se aprestava para uma evacuação foi varrida pelo fogo IN atingindo todos os oficiais da 1ª CCmds.
Nem o heli escapou mas, aos abanões lá conseguiu levantar com os feridos rumo ao HM 241.
Dali para a frente a acção prosseguiu com o sargento mais antigo a comandar e com o então Capitão Matos Gomes, o menos ferido, a supervisionar.

Fico por aqui, não me alargo mais se não acabo de contar o livro todo.

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Notas de vb:

artigo relacionado em 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4359: Tabanca Grande (143): Amadu Bailo Djaló, Alferes Comando Graduado, incorporado no Exército Português em 1962 (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P4637: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (8): À carga no Esquadrão de Cavalaria de Bafatá

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 27 de Junho de 2009

Caro Carlos:

Ver para crer. Pensava que não era possível melhorar as fotos a preto e branco do último poste mas conseguiste. És o maior.

Saída a última estória, conforme o combinado, aí vai em anexo a n.º 8 para série: A Guerra Vista de Bafatá.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

8 - À carga no Esquadrão de Cavalaria de Bafatá

Pescador no rio Geba ao entardecer, em Bafatá, 1968.

Hoje em dia, nos escritórios, quer do Estado, quer privados, é comum ver aquelas etiquetas autocolantes com código de barras, colocadas em todo o mobiliário e objectos de trabalho, a querer dizer que têm dono, que estão à carga.

Não vou aqui contar aquela estória em que a um colega meu de trabalho e na sua ausência, os almoxarifes, lhe colocaram uma dessas etiquetas num seu objecto pessoal que tinha em cima da secretária e que toda a gente via que de facto era pessoal, menos os fieis zeladores da entidade patronal.

Há quarenta anos ainda não era assim nas empresas ou nas repartições públicas, mas na tropa já se processava esse zelo, como todos muito bem sabem. Tudo estava à carga.

Também não vou contar aqui aquele caso que se passou, com um camarada nosso, no Norte de Moçambique, na zona de Moeda em que na passagem do testemunho entre duas Companhias se verificou que havia um Jeep a mais à carga. Como forma de resolver o problema e para a Companhia que ia embora o poder fazer sem demoras, que a zona de Moeda não era brinquedo, o Jeep foi enterrado.

Vou contar, sim, o que aconteceu, de forma mais simples, mas de certo modo idêntico, com o material à carga no Esquadrão de Rec Fox 2350 instalado ao lado do Comando de Agrupamento de Bafatá, em 1969.

Os três Alferes (às vezes 4 ou 5) do Agrupamento iam comer ao Esquadrão, daí que assisti a todas as fases desta estória caricata.

Em determinada altura um condutor duma auto metralhadora Fox veio de férias à Metrópole e não voltou, desertou. (Não me lembro se já tinha acontecido aquela emboscada em que um rocket IN perfurou a blindagem duma Fox e carbonizou os seus dois ocupantes).

Correu o respectivo auto de deserção. Já depois do auto concluído alguém se lembrou que esse condutor tinha uma pistola distribuída. Todos os responsáveis directos entraram em pânico. Havia que resolver a situação.

Os Alferes do Esquadrão, Rodrigues, Sena, Grosso e Amaral depois de discutirem vários dias como resolver esse berbicacho decidiram que se daria baixa da pistola no próximo ataque IN a Piche (Dien Bien Piche como também era conhecido dada a quantidade de ataques lá verificada, e por similitude com Dien Bien Phu no Vietname), onde tinham um destacamento.

Ao fim de pouco tempo o ataque deu-se e para os nossos cavaleiros o assunto parecia ter sido resolvido em beleza.

Puro engano, alguém descobriu que o desertor possuía um armário fechado e lá dentro, entre outros pertences, que aliás também deveriam ter sido descriminados no auto, estava, a agora, famigerada pistola.

Muito nos divertimos, os Alferes do Agrupamento, com esta última situação criada. Era ver os Aferes do Esquadrão a não quererem, cada um, nas suas mãos a dita pistola. Parecia que queimava.

Passados quarenta anos não recordo como resolveram este último problema, mas das duas uma, ou alguém se presenteou com uma pistola que já não estava à carga ou então tiveram que esperar por um novo ataque a Piche e fazer um novo auto do achamento de uma pistola.

Bajuda da tabanca da Ponte Nova em Bafatá, Possivelmente Saracolé, 1968

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.



A próxima estória será sobre vários factos, divertidos uns, outros pelo contrário, ligados às minhas três férias que gozei na Metrópole, onde entram dois Majores, um militar (o Seidi) preso por espancar a mulher e um comandante da TAP a quem com um atraso de quarenta anos irei agradecer uma atitude que teve para comigo.

Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:

Vd. poste de 26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

Guiné 63/74 - P4636: Vindimas e Vindimados (José Brás) (5): Tudo na mesma em Salancaur

1. . Quinta história da série Vindimas e Vindimados do nosso camarada José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, baseada no seu livro "Vindimas no Capim" (*), enviada na mensagem de 26 de Junho de 2009:

Carlos, amigo
Segue o ritmo
Pena é que duas coisas que mandei, sobre a "Conferência de Coimbra" e sobre a "lista de obras literárias" do Beja Santos, nem lhes sinta o cheiro
Aceita sem preocupação que diga amigavelmente e com admiração, que às vezes parecem ter medo da polémica.
Para mim, a polémica é apenas um meio saudável de dizer "estou aqui, não penso como tu, mas estimo-te e respeito"
Um abraço
José Brás


Tudo na mesma em Salancaur

Vês, Anamaria, a árvore grossa, ali, na direita, à esquerda do caminho que se dirige a Sul por entre a mata alta?
Vês Anamaria, na grossura da árvore, um abrigo que nesse tempo fazíamos apressadamente, debaixo do fogo que nos chegava da outra orla, dali, à direita do outro caminho que deste cruzamento sai, apontando a Norte para Fulacunda e para Nhala, terras por onde não passaste e por isso não imaginas bem onde possam ficar na geografia do mapa que trazes no carro.

Mas eu digo-te Anamaria. A primeira, a que chamo de Fulacunda, confirmando o andar a Norte, talvez uns vinte quilómetros em linha directa. A segunda, Nhala, bifurcando daí a Este, a escassos quilómetros daqui, menos que a outra, não mais de doze, talvez a dez de aonde estamos agora.

Parados no cruzamento de Buba, de costas para o lugar que será a vila e voltados de frente para a estrada que trazemos desde o Quebo, estamos muito perto da cabeceira da antiga pista de descolagem e aterragem de aeronaves.

Sei que este lugar não te diz nada para além da exuberância do verde, do calor húmido que te sufoca e te cola ao corpo a leve roupa que trazes vestida, dos ruídos da mata e da algazarra do grupo de beduínos parados na estrada do Sul, olhando desafiadores aos parentes afastados.

Nem crês no que te digo sobre o medo, sobre a inquietação que nos assaltava de cada vez que tínhamos de passar aqui, carregando coisas do dia-a-dia para o nosso lugar militar do Quebo, aliás, então, Aldeia Formosa de seu nome, nome justo, se compararmos com outros lugares da nossa peregrinação neste País agora novo. Novo porque de nós, velhos, se libertou, lutando, rajadas de costureirinha, morteirada, bazucada, sons de orquestra discorde nos graves e nos altos de cada instrumento, mandando flores de aço que se alojavam no chão à volta, nas almas de soldados, quando não mesmo em suas carnes.

Nem acreditas que alguém poderá ter sentido medo, aqui, uns anos antes. Fixas as árvores e o chão vermelho da estrada e não vez sinais de luta, nem de suor, nem de sangue de branco ou negro. Apuras o ouvido na tentativa de captar o som das armas, o último eco de algum grito velho que por aqui humano tenha deixado, a respiração ofegante do cansaço e da emoção, coisas todas que correram desbragadas nestas paragens, anos a fio.

E desanimas.

A paz que descobres neste silêncio quebrado apenas pelos gritos de aves e da macacada, não podia ter sido fendida alguma vez por raivas e ódios, por lutas de humano contra humano, por medos e coragens desmedidas, por heroísmos e cobardias, sob o troar da metralha e dos morteiros de um e do outro lado da mata.

Olhas à volta e não te apercebes da coluna de viaturas carregadas de comes e bebes, de cunhetes de balas e de caixotes de granadas. Não imaginas motoristas de nervos à flor-da-pele, esperando a cada metro, a bem dizer, a cada centímetro em frente, a explosão final que lhe decepará as pernas ou o corpo todo, numa agonia de morto em percurso final e antecipado, ou na própria alma alguma coisa decepando para o resto dos seus dias, escapando vivo de corpo para continuar a empurrar a vida em frente, na terra natal, nos bindonville de Paris, num sítio qualquer do Luxemburgo ou da Alemanha, subindo e descendo escadas de andaimes dez horas por dia a servir a maçons que lhe gritam em linguagem absurda ordens de pressas em desacordo com o cansaço que traz no corpo desde Afonso Henriques.

E pensas. Pensas que o estrondear de que te falei antes, nos dias de Lisboa, quando nem pensavas chegar aqui a esta humidade que te corta força aos pulmões e encurta oxigénio de que careces nas células e tecidos, pensas que tudo isso não passa de perturbação minha, na memória das coisas e dos factos, ou de arremedo de herói inventado na esquizofrenia de um outro eu qualquer que, a intervalos, pretenda ser.

E sabes de casos assim, em que real e desejado se misturam de tal modo que nem o dono da confusão se apercebe, tornando e tomando o falso por verdadeiro, agindo como se o fosse, e como se fosse o falso o verdadeiro.

E nem eu, que por aqui passei e sofri há trinta anos, nem eu que respirei este ar saturado, que suei a humidade que podes sentir na pele agora, nem eu, vê lá tu, nem eu estou absolutamente seguro do que digo que sei e, ou se sei, o sei porque o digo.
Até eu tenho as minhas dúvidas se a coisa foi assim mesmo ou se sou eu que numa avaria qualquer da mente, mínima que seja, e por isso difícil de detectar, a transformo e agiganto.

A sorte é que é contigo que falo e, tu, de mim, dos meus sinais de fraqueza, das coisas certas e erradas que te conto, não recontas tu com amizades de fora.
Vê bem! Há coisas que tu própria pudeste confirmar, aqui, vindo agora em férias, tendo visto da janela do avião da TAP a descida e a aproximação à pista de Bissau. Aldeias em pontas de terra, cercadas de água, rios que irradiam do mar terra a dentro, rios que correm paralelos, rios que se cruzam e seguem, cada um levando alguma coisa do outro em seu caminho próprio, bolanhas alagadas, tudo água e o verde das matas.

E perguntas-te se seria possível gente de armas na mão ter cruzado toda esta terra, ter assentado vida em quartéis espalhados pela terra, no meio dos matos. No meio de nada.

E lutado. E matado. E morrido. E suado calores de paludismo e saudades da mãe que o havia criado para outra coisa diferente desta.
Mas era. Era mesmo assim e não pinto eu agora mural de enfeite ou figuras de demência.

Neste mesmo lugar onde parámos assinalando-te caminhos, nomes de terras e bolandas várias, aqui mesmo onde pomos nós os pés sem medo de pisar mina, aqui foi que tivemos o nosso baptismo de fogo. No dia da chegada, vê tu, seis dias depois do Cais da Rocha, branquinhos do Inverno de Santa Margarida, almas penadas sem nada a que se agarrassem, incrédulos das palavras dos velhinhos em avisos sobre o cruzamento, sobre a recepção aos piras acabadinhos de chegar. Não foi grande coisa e pouca gente se assustou, acho eu, naquele primeiro dia de Guiné.

Mas eu conto-te o depois. Eu conto, agora que pareces disposta a ouvir sobre esta terra e sobre as quezílias que houve durante muito anos entre os donos dela e os portugas que a ocupavam havia séculos e não queriam abrir mão.

Já te assinalei a estrada que daqui mesmo sai em direcção a Catió, esta para onde agora volto o peito e que iremos andar nas próximas horas até ao almoço prometido em ostras e galinha de xabéu.

Se conseguires imaginar mais quatro a cinco quilómetros a baixo, à esquerda do nosso caminho, bifurcação quase imperceptível nesse tempo aos olhos de quem trilhava a paragem pela primeira vez, mas conhecida de naturais da terra que nos guiavam nesta mata que tu vês e avalias bem ou mal, adentrávamos o trilho mais uns tantos quilómetros, acercando-se a gente demasia a Salancaur, segundo me parecia, então, e confirmo hoje.

Caminhada ainda à luz do dia, pisando chão em cada passo com aquela sensação de "é agora", cem vezes, mil vezes, muitas mil vezes, andando sempre até que a palavra viesse da frente sussurrada homem a homem, Capitães que eram dois, Alferes pelo menos cinco, Furriéis uma catrefa deles, dois pelotões do Corvacho, dois pelotões da 1622, pelotão de foxes, "alto é aqui". Vamos alargando à direita e à esquerda, secções com os seus comandantes, GMC blindada e auto-metralhadoras o mais dissimuladas possível, cumprir turnos conforme indicado no "briefing, metade a dormir, metade de prontidão, a secção do arcanjo avançada em cunha na detecção de movimentos. Abancamos, cada um come a ração apenas de manhã".

Claro que tal conversa não era feita em grupo de mais de cento e vinte homens, como se o propósito fosse caçar rolas no Alentejo, mas repetida de cor pelos Furriéis já industriados na tarde de Buba e na experiência acumulada.

Está certo, Anamaria, está certo que devia ser eu mais pormenorizado no relato do movimento e dos dados, a ti que dificilmente podes imaginar estes jogos de tropas em guerra nos trópicos, se até a mim que os vivi, me parecem agora tão irreais, obrigando-me a este esforço que podes ver no meu rosto, de lembrar sítios, armas, caras de gente jovem com tanta vida para viver e ali na iminência do limite.

Cada um acostou-se como pôde nos troncos grossos das árvores e preparou-se para a noitada até às quatro da matina, hora marcada para os morfes, as rezas, mijar o medo, olhar-se cada um no escuro, afastar pensamentos maus e, seja o que deus quiser.
É bom haver deus para que cada um se agarre a qualquer coisa, se a mãe de cada um está longe e nada pode fazer, cada uma pelo seu um dela.

O objectivo desta romaria, seria o de atacar três aldeias que a informação dizia serem destacamentos da tropa guerrilheira de Salancaur, começando às cinco da manhã pela mais distante, quer dizer, pela mais próxima da grande base deles, destruir, regressar, atacar e destruir na volta outras duas.
Se ainda me recordo os nomes de tais sítios, começando pelo primeiro ataque, seriam Bantael Sila, Dalael Fula e Tombura, nomes que ditos assim nada dizem da outra gente que lá estava nos recantos das moranças, enrolando as seus dedos no arroz comum, cuidando de seus filhos, de suas mulheres, de suas galinhas, do trabalho na lavra da bolanha do dia seguinte.

E da esperança que o PAIGC vinha semeando todo ano e que floria, tanto na época da chuva como no da seca.

E tu sabes, Anamaria, isso tu sabes, que esperança e ânsias de melhor vida não são coisas só de branco, só de rico, só de gente culta.

Foi quando já assentara a agitação da chegada, cada um entregue a si próprio, virado para dentro de si próprio que era onde estava deus, de acordo com o Capelão da companhia, esse padre meio maluco, "que deus me perdoe, com conversas daquelas e cravado na cerveja como qualquer bronco", foi então, acho que já noite bem funda, foi então que começou aquele ventinho tolo, um sopro brando de início, insignificante, refrescante ali, no bafo húmido do antes da madrugada.
Mas subiu de força, pouco a pouco, querendo anunciar qualquer coisa, aumentando, agitando as ramadas altas do arvoredo, agitando ainda mais a alma da gente, tornando-se raivoso, revolvendo tudo, lascando, partindo, trazendo grossos pingos, chuva, dilúvio.
Tempestade tropical.

Cada um, soldados, sargentos e oficiais sentados de rabo nos calcanhares, dobrados em três, joelhos à boca e apertando a G3 entre as pernas, tapando-lhe a boca para evitar água, relâmpagos que iluminavam a mata como se fosse dia, dia a que faltava ainda um bom par de horas para romper, árvores a rachar atingidas pelos raios, nada nos abrigava das cordas grossas da chuva que nos entrava pelo pescoço e descia por dentro da farda, pelo peito, pelos tomates, pelas pernas, até à botas.

Uma boa meia hora nisto e trás! Uma faísca atinge a GMC blindada, pega o fogo a cunhetes de balas, granadas de bazooka e morteiro sessenta, estoirando tudo mais que castanhas em Novembro ou fogo de artifício na Feira de Castro.

Soldados crendo que o inimigo nos detectara, estás a ver Anamaria, e que nos flagelava forte e feio, desatam a disparar também, às cegas, espalhando bala e granada de morteiro a esmo, no risco de se matarem uns aos outros.
Furriéis e alferes conseguiram calar o fogo a poder de berros, mas era tarde e o mal estava feito.

A ordem agora era de defesa, montar emboscada como deus deixava, o nosso deus, está claro, porque o deus deles, que também eles tinham deus, um, ou, calhando, até mais, e esse ou esses deveriam estar agora a mexer pauzinhos para nos tramarem.
Pronto, a surpresa desaparecera e agora, ou retirávamos, ou avançávamos.
A decisão foi avançar um pouco antes da hora da madrugada que havia sido planeada para o primeiro contacto.

Diz-me tu, Anamaria, se não são, se não foram valentes tais homens, temerários, sabendo no vespeiro em que estavam e avançam só porque o rei manada avançar mas não manda chover.

Tínhamos apoio aéreo planeado e víramos mesmo os T6 na pista de Buba antes da saída, caminhando para este cruzamento onde ora estamos descansados.

E tu sabes, Anamaria, o que eu gostaria de ter sido piloto. Desde miúdo, a bem dizer, mas não fui porque não quiseram que fosse, nesse ano, Sargento miliciano piloto.

Bem!
Pouco mais de duzentos metros andámos e sofremos a primeira emboscada. Pequena, com meia dúzia de guerrilheiros que logo retiraram.
Novo avanço e nova emboscada, agora maiorzinha.
De novo retiram e de novo, mais à frente, emboscam, crescendo em quantidade os disparos e o tempo do combate.

Começámos a desconfiar, sobretudo porque a nossa disciplina de fogo não era famosa e muita gente disparava o medo nas balas que enviava.
Sabíamos que a aviação chegaria de manhã clara. Descansávamos nisso.

Quarta emboscada já muito forte e a certeza de que estávamos a entrar no meio de uma perigosa arapuca. Furriéis e até soldados interrogavam-se uns aos outros nos altos dos tiros e dos rebentamentos "mas o que é isto, o que é que querem provar os chefes?"

Ainda assim... a aviação estava ali mesmo à mão e bastava o contacto rádio, ou nem isso, porque ondas sonoras de tiros e rebentamentos chegariam a Buba quase como Relim.

Nem nos apercebemos de intervalo entre a quarta e a quinta. Apenas concluímos tarde de mais que estávamos tramados.

Uma mina anti-pessoal rebentou numa roda de GMC blindada com sacos de terra, obstruindo o trilho e o retorno, carros e auto-metralhadoras Fox já para lá do veículo danificado e sem possibilidades de voltar atrás sob o fogo do PAIGC, naquele pedaço de mata fechada, ainda no lusco-fusco.

Numa das viaturas havíamos montado um AGRC-9 e repetíamos já em desespero um contacto sem resposta. As coisas começavam a ficar mal paradas, havia gente já sem munições, o PAIGC, cercava-nos flagelando sem poupanças, chegou mesmo a haver contacto visual e de voz, um ou outro guerreiro nosso, mais calmo, fazendo tiro-a-tiro, poupando, a metralhadoras das Fox mantendo ainda em respeito o pessoal do outro lado.

Eis senão quando, a esperança retorna no ruído de motores no ar.
O Ávila com o Banharia e a MG adiantados quase a meio caminho entre nós e eles, apenas um ferido, por enquanto, O PAIGC a aproximar-se ainda mais, o PRC-10 iniciou a conversa entre pilotos e o comandante da força em terra, tudo reagrupado num último esforço.

No mergulho do passaredo as ordens correram depressa "toda a gente de cabeça na lama e ouvidos tapados". Houve quem não resistisse a espreitar por entre o emaranhado da mata e visse a intervalos os pachorrentos T6 a vomitar metralha e rockket's, parecendo até que o aviãozinho recuava em cada disparo, ali, poucos metros à nossa frente.

O bafo quente por cima de nós trouxe um cheiro nauseabundo e sufocante. Nem me lembro que os estoiros tenham sido particularmente assustadores.
Acabou tudo, Anamaria.

Por terra chegaram depois reforços que serviram para abraçar a malta e trabalhar na recuperação da GMC.

Mais tarde, já em Buba, percebemos que uma avaria no receptor do nosso rádio não nos permitia ouvir as respostas de Buba aos nossos apelos. A senhora de Fátima, ou fosse que santinha fosse, a quem o pessoal recorria também em casos destes, salvara, ao menos, o emissor.

Em Buba, como se fosse um deles, eu vestia a pele dos pilotos que mergulharam ali com suas carroças para nos safarem.
"Vá! Agora digam mal do pessoal da Força Aérea que ainda algum leva nos cornos".

E tu, Anamaria, tu que irás passar também na bifurcação à esquerda, sem te aperceberes sequer do lugar, nem eu mesmo que lá estive, embora às vezes disso tenha dúvidas, nem suspeitarás das marcas dos pés, dos berros, do som dos tiros que ali trocámos, das mãos que matavam disparando, que se juntavam em oração e se estendiam solidárias e desprendidas.
Nem suspeitarás da morte que se plantou ali em cada tiro, em cada rebentamento, de um lado e do outro, ainda que, do nosso, aparentemente tenham voltado a Buba, todos, vivos e inteiros.
Não suspeitarás sequer que, uma vez mais, tudo ficou na mesma em Salancaur.

José Brás
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4587: Vindimas e Vindimados (José Brás) (4): De bicicleta na guerra