sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8934: A nossa expedição à Guiné (Tina Kramer) (3): Buba, Tite, Bolama, Guiledje e Cassacá (de 2 a 14 de Maio de 2011)

A nossa expedição à Guiné
Escrito por Tina Kramer

Para a minha tese sobre as memórias da Guerra Colonial/Luta de libertação eu fui para a Guiné no mês de Fevereiro até Junho em 2011

3 - Buba – Tite – Bolama – Guiledje – Cassacá (de 2 a 14 de Maio 2011)

Durante uma terceira viagem fomos ao sul do país e parámos entre outros em Saltinho, Buba, Tite, Bolama, Catió, Guiledje e Cassacá. Para mim o sul foi a região ainda mais quente do que o resto da Guiné. Além disso o mato é muito denso e a maioria das estradas estão numa condição deteriorada. Pelo menos o rio em Buba traz um bocado de vento e frescura à noite.

Depois de dois dias em Buba com visitas na câmara, no aquartelamento e com algumas conversas com antigos combatentes, fomos a Tite. Quando tínhamos chegado lá alguns polícias que estavam a fazer sesta indicaram-nos para Sintchã Lega, uma tabanca pequena perto de Tite, para falar com um combatente que participou no primeiro ataque em Tite. Antes de ir lá visitámos ainda o antigo aquartelemento de Tite, que está abandonado. Dentro nas paredes há pinturas interessantes dos portugueses, mas mal compreensíveis. O antigo combatente em Sintchã Lega contou-nos do Capitão Curto, do primeiro tiro da luta em Tite e da sua desilusão com o desenvolvimento da Guiné depois da independência.

O antigo aquartelamento português em Tite, 5 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Opiniões sobre futebol no muro do antigo quartel em Tite, 5 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Pinturas do exército português na parede do antigo quartel em Tite, 5 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Pinturas do exército português na parede do antigo quartel em Tite, 5 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

No mesmo dia decidimos continuar o trajecto até à ilha Bolama e ficámos a noite lá. No dia seguinte visitámos a cidade e eu estava impressionada com os prédios abandonados e as ruínas, todos resíduos dum passado completamente diferente. Bolama parecia como uma Lisboa miniatura e ainda hoje pergunto-me porque a gente não utiliz ou não restaura estes prédios. Quem reina a ilha são os morcegos que estão activos nas mangueiras mesmo durante o dia. Desfrutámos ainda a praia -infelizmente cheia de lixo – mas a água estava limpa e com as palmeiras parecia um paraíso.

Bolama, 6 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Bolama, 6 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Dias depois, com a indicaçao do Carlos Schwartz (Pepito), visitámos Guiledje e o museu impressionante ao pé do antigo aquartelamento. Tem um guarda simpático e inteligente que nos mostrou a exposição e que sabe muito sobre a história da guerra. Espero que o projecto vá continuar e incluir mais a população de Guiledje, porque os antigos combatentes que falaram connosco em Guiledje ainda nunca foram ao museu.

A antiga entrada do aquartelamento de Guiledje, 8 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

O museu ao lado do antigo aquartelemento de Guiledje, 8 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Mais tarde continuámos para Cassacá, onde aconteceu o primeiro congresso do PAIGC de 13 a 17 de Fevereiro 1964. O sítio no mato era sagrado e reservado para ceremónias tradicionais dos Nalus, mas foi cedido a Amílcar Cabral a pedido dele. Os anciões garantiram que o congresso podia acontecer sem que fosse descoberto pelo exército português. Só depois foi bombardeado pela aviação portuguesa durante oito dias. Hoje é um lugar histórico e ainda sagrado.

Sítio do primeiro congresso do PAIGC em Cassacá, 9 de Maio de 2011
Foto ©: Tina Kramer


Missirá

Várias vezes fomos a Missirá, a tabanca onde o Abdu nasceu e onde o Mário Beja Santos foi estacionado durante a guerra. Visitamos a família do Abdu e o irmão do Abdu mostrou-me a aldeia e os sítios históricos da guerra (o pouso dos helicópteros, antigas emboscadas, o antigo alojamento do Mário). Gostei muito dessa aldeia, da sua tranquilidade e da sua vida muito mais relaxada do que na Europa.

Largo de Missirá, 3 de Março de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Meninos de Missirá, 2 de Junho de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Esturrar o cadju em Missirá, 2 de Junho de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Preparar o cadju em Missirá, 2 de Junho de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Até aqui só podia falar um pouco da nossa viagem. Ainda temos que organizar as notas e as impressões na cabeça e analizar os dados.

Mais uma vez quero agradecer ao Mário Beja Santos, ao Abduramame Serifo Sonco, à família dele e a todos os camaradas e às famílias deles em Portugal e na Guiné-Bissau que me ajudaram durante a minha pesquisa.
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Nota de CV:

Vd. postes de:

19 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8928: A nossa expedição à Guiné (Tina Kramer) (1): Gabu - Lugadjole (de 28 de Março a 7 de Abril de 2011)

18 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8930: A nossa expedição à Guiné (Tina Kramer) (2): Bula e Cacheu (de 12 a 18 de Abril de 2011)

Guiné 63/74 - P8933: Memória dos lugares (158): Cufar e o porto do rio Manterunga, extensão do inferno na terra : 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)



Guiné > Região de Tombali > Cufar >   Sábado, dia 2 de Março de 1974, "dia do diabo"   

Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares,  o IN deixou lá  uma potente brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat que não tinha explodido...

Um jipe do pelotão da Intendência, o PINT 9288, anteriormente comandado pelo Alf Mil João Lourenço (membro da nossa Tabanca Grande), acionou o engenho, a meio da tarde. Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (o Fur Mil Pita e o Sold Santos, de alcunha O Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte...

Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou ao fim da tarde a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de bidões de gasolina... 

Mais dezasseis estivadores guineenses,  civis, perderam a vida, num cenário dantesco de horror..."Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver", escreveu o António Graça de Abreu no seu Diário da Guiné...

(...) "O rio Cumbijã passa a dois quilómetros de Cufar, mas existe o rio Manterunga, um pequeno afluente, melhor um braço de rio que chega quase até à nossa povoação. A quinhentos metros daqui construiu-se um pequeno pontão, um cais de abicagem noManterunga.

"É aquilo a que chamamos o 'porto interior', utilizado por barcos de pouco calado que chegam carregados de Bissau e descarregam neste porto. Quando a maré está cheia, os batelões sobem o rio e ficam ancorados lá em baixo. A maré desce e os barcos pousam em cima do lodo do leito do rio que é mole e não lhes danifica o casco. Voltam a aproveitar uma maré-cheia para regressar a Bissau. São batelões pequenos, uma espécie de barcaças com motor que trazem para aqui muitos produtos de que necessitamos todos os dias, sobretudo gasolina para abastecer os aviões e helicópteros.

"Entre Cufar e o porto do rio Manterunga existe uma picada de terra batida com umas centenas de metros. Até ontem circulava-se nessa estradinha com o maior à vontade, considerava-se a estrada como fazendo parte dos caminhos de Cufar. Já passei por lá dezenas de vezes conduzindo os jipes e é um dos trajectos que costumo utilizar nos meus crosses" (...).


Fotos: © António Graça de Abreu (2011). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de Outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8925: Memória dos lugares (157): Empada, região de Quínara, by air (António Graça de Abreu)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8932: As músicas pop/rock anglo-americanas mais em voga em 1972/73 e que eu ouvia no mato (Parte I) (Luís Dias)


Guiné > Zona leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > Janeiro de 1974 > Dulombi > O Alf Mil Dias,  à porta do quarto de oficiais


Guiné > Zona leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > 1972 > Comissão de Recepção ao General Spínola, na inauguração do Quartel do Dulombi, em 27 de Abril de 1972: da esquerda para a direita, Alf Mil Dias,  Cap Mil Pires e
Pires e Alf Mil Farinha


Fotos (e legendas): © Luís Dias (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



AS MÚSICAS POP/ROCK ANGLO-AMERICANAS MAIS EM VOGA EM 1972/73 E QUE EU OUVIA NA GUINÉ  (Parte I)

por Luís Dias (*)



Todos os que me conhecem sabem do meu amor pela música, em especial pela música rock e que ao longo da vida tenho acompanhado sempre este tipo de música e as suas variantes. Cheguei a dar uma aula sobre as origens do Rock´n´roll, seus principais intérpretes e as implicações sociais que produziram.

Ainda hoje, em que por indicação médica efectuo pelo menos três caminhadas por semana de cerca de 60 minutos, em passo largo (sem olhar para as montras), levo sempre comigo o MP4 que me foi oferecido pelo meu filho com diversas músicas, desde os primórdios do Rock´n´roll até 2011.

Este meu amor musical iniciou-se nos princípios dos anos 60, em resultado do surgimento do twist (ao que me lembro tinha mesmo muito jeito para esta dança) e tinha como ídolo Victor Gomes e os Gatos Negros (que venceu um concurso no Teatro Monumental, em Lisboa, tendo sido apelidado de rei do twist), tendo eu participado num espectáculo por ele dado no Coliseu dos Recreios, onde dei o gosto à perna dançando com muita malta a acompanhar o ritmo imposto pelo Victor.

Fui sempre acompanhando as músicas que se iam fazendo lá fora, em especial a anglo-americana, e frequentava os bailaricos das sociedades lisboetas e as festas de finalistas dos estudantes. Assim lembro-me de ver e ouvir o Quarteto 1111, Quinteto Académico, Plutónicos, Ekos, Sheiks, Fernando Conde, Diamantes Negros, Demónios Negros, Daniel Bacelar e os Gentlemen, Claves, Vodkas, Pop Five Music Incorporated, Objectivo, Sindikato, etc.

Outra fonte muito importante para mim era a rádio. E programas como a 23ª Hora,  da Rádio Renascença (Joaquim Pedro, João Martins), a Página Um, também na Rádio Renascença (José Manuel Nunes, Adelino Gomes), "Em Óbitra", do Rádio Clube Português (Pedro Soares Albergaria) e a Rádio Universidade tinham em mim um ouvinte sempre atento.

A música levou-me a conhecer a repressão em Agosto de 1970, aquando de um concerto que iria ter lugar no Colégio dos Salesianos, no Estoril, onde esperávamos, segundo o cartaz do festival: "Quarteto 1111 ",  os "Chinchinlas" e os "Sindikato".

 José Cid integrava o "1111", Jorge Palma o "Sindikato" e o Filipe "Mendrix" Mendes, os "Chinchilas". Também para este festival estavam anunciados os nomes de Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira e tinha havido esperança na participação da banda internacional do momento – Chicago (Transit Authority). 

No Estoril, uma multidão de jovens aguardavam o inicio do Festival, o que não chegou a acontecer, pois em vez da música surgiu uma violenta carga da polícia de choque com cães sobre uma multidão jovem que, em pânico, fugiu ao longo da marginal do Estoril. Eu e um amigo refugiámo-nos numa loja de venda de óculos, junto da estação de comboios, após ter sido perseguido por ter tirado uma foto aos polícias.

A paixão pela música levou-me a Vilar de Mouros em 1971, estando de licença militar do RI2, para ouvir os ingleses Elton John e  Manfred Mann, entre outros grupos portugueses.
Em 2005 o meu filho tocou também com a sua banda (ASIDE) naquele mítico local, com Joss Stone, Joe Cocker, Robert Plant e Peter Murphy.

Quando fui mobilizado para a Guiné [, foto à esquerda], não sabia o que ali me esperava, mas tinha de ir acompanhado de boa música, essencialmente de música rock. Adquiri um gravador de bobines, de quatro pistas,  e toca de gravar álbuns diversos (Moody Blues, Yes, Beatles, Jethro Tull, Rolling Stones, Deep Purple, Doors, Led Zeppelin, etc.) e até música de intervenção portuguesa de José Afonso, Luís Cília, Sérgio Godinho, José Mário Branco e Adriano Correia de Oliveira).

Recebia também mensalmente a revista inglesa New Musical Express, através de assinatura feita pelo meu pai na Livraria Bertrand, cassetes com músicas que iam saindo nas nossas rádios e que estavam na "berra" na altura, que me eram enviadas pela namorada e amigos (comprei, já na Guiné, um leitor de cassetes, sem grande qualidade, mas que serviu para ouvir as gravações que me enviavam da metrópole).

Isto era para mim uma forma de me descontrair e de manter o contacto com este tipo de música. Deste modo, para além dos livros que lia, a música constituiu ao longo da comissão uma forma de compensação e de paliativo para o tempo que andava sim, mas de forma lenta, num devagar muito próprio, muito africano.

Antes do regresso livrei-me dos gravadores (vendi-os aos piras), porque necessitava de espaço para trazer outras coisas.

A chegada à Guiné deu-se ainda em 1971, na véspera de Natal, e o regresso já foi em finais de Março de 1974, mas falo, essencialmente, das músicas surgidas nos anos 72 e 73 e que alcançaram os tops e foram importantes e conseguiram também o sucesso comercial.

No entanto, ainda ouvia e muitos dos meus camaradas as fantásticas músicas dos anos 60, em especial aqueles temas mais conhecidos quer:



(i)  dos Beatles (um largo leque e muito variável, mas onde pontificavam: Yesterday, Eleanor Rigby, Yellow submarine, Come together, Back in USSR, With a little help from my friends, Lucy in the sky with diamonds, Penny lane, When I´m sixty four, Get back, Across the universe, etc.),




(ii) e dos Rolling Stones (I Can´t get no - satisfaction, Honky tonk women, Jumpin´Jack flash, Lady Jane, Let´s spend the night together),

(iii() mas também dos  Animals (The house of rising Sun),

(iv) Beach Boys (Good vibrations, Surfin´USA, I can hear music, Sloop John B, Barbara Ann),


(v) Bee Gees (First of May, I´ve got to get a message to you, Words, I Started a joke, To love somebody),

(vi) Byrds  (So you want to be a rock´n´roll star, Mr. Tamborine Man, Turn!Turn!Turn!, Jesus is just allright, the ballad of easy rider), Procol Harum (Whiter shade of pale, Conquistador),

(vii) Bob Dylan (Like a rolling stone, Lay lady lay, The times they are a-changing),

(viii) Creedence Clearwater Revival (Susie Q, Bad moon rising, Down on the corner, Proud Mary, Fortunate son),

(ix) Chicago (25 or 6 to 4, I´m a man, Make me smile), Cream (The sunshine of your love, Crossroads e White room), Doors( Hello I love you, Light my fire, Break on through),

(x) Herman´s Hermit´s (There´s a kind of hush, No milk today), Hollies (Bus stop, He ain´t heavy he´s my brother), 

(xi) Manfred Mann (Ha ha said the clown, Mighty Quinn),  

(xii) Jimi Hendrix (Purple haze, Hey Joe), 

(xiii) Steppenwolf (Born to be wild), 

(xiv) Santana (Black magick woman, Samba pa ti) e tantos e tantos outros que seria moroso estar aqui a enumerar.

Nos programas de discos pedidos na Guiné ouviam-se ainda algumas músicas francesas (Adamo, Christophe, Michel Polnareff), italianas (Gianni Morandi) e brasileiras. Uma constante era uma música dos anos 60, dos norte-americanos Rightous Brothers – Unchained melody – que traduziam como a "Melodia do desespero".

Outra que estava na berra e, não sei porquê, me irritava solenemente era um tema brasileiro "Mãe-Ié (O Tonico me bateu), de Sérgio Mallandro, com esta "linda" letra:  

Mãe-iê sabe o que me aconteceu?
Mãe-iê o Tonico me bateu
(Ma ma ma ma ma ma ma mãe-iê sabe o que me aconteceu?
Mãe-iê o Tonico me bateu)
Roubou meu saco de pipoca
Meu pirulito e picolé
E ainda por cima mamãezinha
Deu uma pisada no meu pé
Ai, ai, ai.


(Continua)


Capas: Imagens do domínio público, selecionadas por L.D.
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Nota do editor:

(*) Luís Dias, ex-Alf Mil  da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74); webmaster do blogue  Histórias da Guiné 71/74 - A CCAÇ 3491, Dulombi; reformado da Polícia Judiciária

Guiné 63/74 - P8931: Antologia (72): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (5): Ilha do Como, 8 e 12 de Fevereiro de 1964



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Op Tridente (Jan/Mar 1964) > Uma  LDM da Marinha nas praias do Como...


Foto: © Mário Dias (2005-2011) / Blogue Luís Graça & camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


















Fonte: © Armor Pires Mota (1965-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.





1. Continuação da publicação de Tarrafo; crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 65-67. (*)


Começámos, a partir de 14 do corrente, a publicar as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente, na Ilha do Como (15 de Janeiro a 15 de Março de 1994), recorrendo para o efeito a um exemplar, fotocopiado, da primeira edição do livro (pp. 47 a 85).  

Publicamos hoje mais duas crónicas, relativas aos dias 8 e a 12 de Fevereiro de 1964.  Estas duas situações passam-se quase  um mês depois do Alf Mil Cav Mota ter desembarcado no Como, juntamente com o resto da sua subunidade, a CCAV 488, integrado na Agrupamento B.

 2. Paralelamente estamos a seguir a crónica de outro combatente do Como, o nosso querido amigo e camarada Mário Dias, hoje sargento comando reformado. Em relação a este período (1ª quinzena de Fevereiro de 1964), selecionámos o seguinte excerto (o resto pode ser lido na I Série do nosso blogue, aqui):


(...) Em 4 de Fevereiro [de 1964], em mais uma incursão na mata de Cauane, o grupo de comandos [,comandado pelo Alf Mil Saraiva,] ficou emboscado após a retirada das outras forças (CCAV 489). Surpreendemos elementos avançados do IN a quem provocámos 3 feridos. (Não sei se terão morrido mais tarde.)


Boas notícias. Vamos passar a ter uma refeição quente por dia: o almoço. Já não era sem tempo. Como estávamos instalados junto ao 8º Dest de Fuzileiros [, comandado pelo 1º ten Alpoim Calvão, ] com quem nos dávamos extraordinariamente bem, tanto no aspecto operacional como no convívio diário, resolvemos também “juntar os trapinhos” na confecção da comida.

À vez, à volta dos caldeiros de campanha, armados em cozinheiros, lá íamos mostrando os nossos dotes. E, acreditem, tudo correu maravilhosamente. E nem sequer faltava marisco para petiscarmos. Quando a maré vazava e não estavamos em operações, era só ir até à linha de baixa-mar onde colhíamos grandes quantidades de combé que por lá abundava. Para quem não conhecer, combé é um bivalve parecido com o berbigão mas muito maior e de casca bastante grossa. Uma delícia. Atendendo à situação, claro.

No dia 6 de Fevereiro, o grupo de comandos com o pelotão de paraquedistas, embarcou na LDM  ao fim da tarde com destino a Curcô para, a partir desse local, atingir Cachida tentando surpreender o IN pela retaguarda. Chegamos a Curcô onde estava instalada a CCAV 489 [, comandada pelo Cap Cav Pato Anselmo]. Aí pernoitámos, aguardando a madrugada para iniciar a progressão.

(...) Partimos, em silêncio como convinha, e embrenhámo-nos na mata. Olhos e ouvidos atentos, mão firme nas armas, prontos a reagir. Tudo vimos com cuidado, explorando indícios e tentando descobrir onde se acoitavam. Trilhos bem pisados pelo uso, mas as poucas palhotas que fomos encontrando estavam abandonadas, algumas recentemente, outras há semanas. Contacto, nenhum. Nem vê-los. De vez em quando soava um tiro isolado, talvez de aviso, e nada mais. Ao fim da manhã atingimos Cachida, que se encontrava abandonada, e derivámos em direcção à picada que liga Cassaca a Cachil.



Infografia: © Mário Dias (2005-2011) / Blogue Luís Graça & camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



(...) Desde a manhã que nessa zona da mata de Cachil o 7º Dest de Fuz [, comandado pelo  1º ten R Pacheco,] estava fixado por um grupo de cerca de 50 guerrilheiros, bem armados e municiados, que os flagelava a partir da orla da mata de Cassaca. Uma secção dos fuzileiros  chegou a estar isolada e cercada cerca de 45 minutos.

Conseguimos chegar ao local e detectamos a retaguarda do IN que atacámos causando-lhes baixas. Como a reacção não foi grande, deduzimos - ingenuamente como em breve viríamos a verificar - que se tinham posto em fuga e iniciámos a travessia de uma zona descampada, lisa como um campo de futebol e de capim muito rasteiro, com o intuito de nos juntarmos aos fuzileiros que nos aguardavam do outro lado. Ainda não íamos a meio quando estalou a fuzilaria vinda de um ponto mais a oeste da orla da mata que acabávamos de deixar.

Chão… rebolar…responder ao fogo… procurar alguma abrigo… não há nada, tudo liso como a careca de um careca. Eles não paravam o fogo, nós também não. Mas estávamos a descoberto, alvos fáceis.

O alferes Godinho gritando para o Saraiva:
- Porra, que estamos aqui a fazer? Vamos embora. - E fomos. Em lanços, uma equipa correndo em zigue-zague, as outras cobrindo, a equipa instala-se, outra se levanta e a ultrapassa, instala-se, outra faz o mesmo e assim conseguimos percorrer os 200 metros daquela maldita clareira, debaixo de cerrado fogo, sem qualquer arranhão, juntando-nos aos fuzileiros.

Quando recordo este episódio, lembro-me sempre do logro em que fiz cair um guerrilheiro e que me salvou a vida. Faltando-me alguns metros para atingir a orla da mata onde teria abrigo seguro, vi no chão os impactos de uma rajada mesmo junto aos meus pés. Bom, esta não é à toa, é mesmo apontada para mim. De imediato, nem sei mesmo como me ocorreu tal estratagema, armei-me em artista de cinema quando atingido por disparos e, abrindo os braços, mandei um salto deixando-me cair de costas desamparado. Remédio santo. A rajada que me era dirigida parou. Fiquei no chão alguns instantes, quietinho, e de repente, ala que se faz tarde. Alcancei a segurança da mata onde já estavam quase todos os elementos do grupo. Os restantes não tardaram a juntar-se a nós.

Os paraquedistas [, 1 pelotão,] tiveram menos sorte. Como vinham atrás de nós, ao ouvir o tiroteio que nos atingia na clareira, resolveram atravessá-la um pouco mais a leste. O resultado foi terem demorado mais tempo permitindo a reorganização do IN que lhes dificultou seriamente a travessia da clareira. Tiveram um morto e um ferido grave.

Juntas todas as tropas, caminhámos até Cachil, onde estava em construção uma espécie de quartel para uma companhia que lá ficaria instalada, ocupando e patrulhando a ilha, uma vez terminada a Op Tridente. Era uma construção sui generis pois não passava de uma enorme paliçada feita com troncos de palmeira a pique para servir de abrigo. Parecia um cenário de filme de índios contra a cavalaria americana.

No rio esperava-nos uma LDM que nos trouxe de volta à base. Oh praia, lá vamos nós. (...)

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Nota do editor:


Postes anteriores:

14 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8905: Antologia (68): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (1): Ilha do Como, 15 de Janeiro de 1964



Guiné 63/74 - P8930: A nossa expedição à Guiné (Tina Kramer) (2): Bula e Cacheu (de 12 a 18 de Abril de 2011)

A nossa expedição à Guiné
Escrito por Tina Kramer

Para a minha tese sobre as memórias da Guerra Colonial/Luta de libertação eu fui para a Guiné no mês de Fevereiro até Junho em 2011

2 - Bula e Cacheu (de 12 a 18 de Abril 2011)

Durante a segunda viagem o que me impressionou muito foram Bula e Cacheu. Gostei imenso da natureza do noroeste com as suas palmeiras, o cadju e as terras planas vastas. Por causa dos rios e do mar perto tem um clima muito mais fresco e agradável do que o nordeste ou o sul da Guiné.

Em Bula ficámos surpreendidos quando o presidente da câmara conseguiu organizar encontros com seis antigos combatentes do PAIGC que estavam todos muito motivados para falar sobre as memórias deles. Em geral tivemos a impressão que sempre depende da situação social de presente como os antigos combatentes do PAIGC estimam a luta. Quem teve proveitos depois da independência, por exemplo no governo, diz que a luta valeu a pena e que hoje os guineenses estão livres. A maioria dos outros que não tiveram proveito nenhum da independência já não percebem porque eles lutaram durante doze anos e sacrificaram tanto para nada.

Depois da guerra o antigo aquartelamento do exército português em Bula foi usado como uma escola, mas hoje está vazio e abandonado. Como vimos durante as nossas viagens muitos antigos quartéis portugueses estão abandonados hoje (Bula, Tite, Bambadinca, Suzana), mas alguns são usados pelo exército guineense (Bissau, Gabu, Buba), ou funcionam como residências (Catió). Em todos os quartéis o PAIGC tirou as inscrições portuguesas ao pé dos mastros de bandeira. Aparentemente tentou retirar todos os monumentos portugueses até ao monumento na antiga Praça do Império em Bissau que estava forte demais. Infelizmente ninguém na Guiné podia explicar-me o significado deste monumento português em Bissau.

Parte do antigo aquartelemento português em Bula, 12 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Parte da entrada do antigo aquartelamento português em Bula, 12 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Em Cacheu a influência dos portugueses ainda está muito visível, sobretudo na arquitectura como a rua larga que tende para o porto, a fortaleza ao lado esquerdo e o cemitério. Podíamos visitar a fortaleza que dá uma vista impressionante ao mar e às casas. Dentro ficam monumentos dos quatros personagens históricos: Nuno Tristão, que na época estava instalado no porto de Pidjiguiti em Bissau, Diogo Cão que na época estava instalado na Fortaleza Amura em Bissau, Teixeiro Pinto, antigamente instalado na Praça de Che Guevara em Bissau e Honório Barreto, antigamente na praça do mercado em Cacheu. As figuras estão destruidas parcialmente.

O porto em Cacheu, 16 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

A fortaleza em Cacheu, 16 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

A fortaleza em Cacheu, 16 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Monumento do Nuno Tristão na Fortaleza de Cacheu, 16 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Honório Barreto na Fortaleza de Cacheu, 16 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Não encontrámos nenhum antigo combatente em Cacheu, mas falámos com um omi garandi (= homem idoso) de noventa anos, educado em Cacheu e na escola agrícola em Bissau. Ainda se lembra dos contos dos pais dele sobre Teixeiro Pinto e Honório Barreto. Ele falou dos tempos difíceis antes da guerra quando os guineenses sofreram sob a pobreza e o trabalho forçado para o comércio com amendoim e coco em que comerciantes franceses, ingleses e portugueses estavam involvidos. Ele disse que no início da construção da fortaleza os habitantes de Cacheu não sabiam que ia ser uma fortaleza para escravos. Portanto na opinião dele Cacheu estava muito mais bonito antes da independência. Tudo era mais barato, as ruas estavam com mais vida e entre a gente havia ainda mais respeito. Ele disse que muitas cidades na Guiné têm um epíteto e para Cacheu é o nome Cacheu da Silva. Infelizmente ele não sabia porquê.

(Continua)
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Nota do Editor:

Vd. primeiro poste da série de 19 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8928: A nossa expedição à Guiné (Tina Kramer) (1): Gabu - Lugadjole (de 28 de Março a 7 de Abril de 2011)

Guiné 63/74 - P8929: Parabéns a você (329): Rogério Cardoso, ex-Fur Mil da CART 643/BART 645 (Bissorã, 1964/66)

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Nota do Editor:

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8922: Parabéns a você (328): Carlos Filipe Coelho, ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8928: A nossa expedição à Guiné (Tina Kramer) (1): Gabu - Lugadjole (de 28 de Março a 7 de Abril de 2011)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2011:

Queridos Amigos,
A Tina envia este relatório para o blogue. Por mim, não mexeria no português, é tudo compreensível, afectuoso, um olhar compenetrado de uma antropóloga que descobriu um povo amável com gente da nossa idade ferida até ao tutano, os do PAIGC, que se sentem desprezados e ignorados pelas novas gerações, os que combaterem sob a nossa bandeira que aguardam uma reparação na velhice.
Enfim, sofrimento a rodos, um constrangimento para nós.

Um abraço do
Mário


2. Mensagem de Tina Kramer* para Mário Beja Santos:

Querido Mário,
Como está e como corre o trabalho?
Falei com o Abdu na semana passada e ele contou-me me que foi assaltado. Que horrível! Espero que ele esteja melhor agora.


Enfim escrevi um pequeno relatório sobre a nossa viagem à Guiné. Espero que não tenha muitos erros e que seja aceitável para o blog. Caso tenha dúvida, avisa.

Senão tenho mais uma pergunta: O Mário sabe onde eu podia encontrar informações quanto aos leis portugueses e guineenses sobre as reformas para os antigos combatentes?

Um abraço
Tina


A nossa expedição à Guiné
Escrito por Tina Kramer

Para a minha tese sobre as memórias da Guerra Colonial/Luta de libertação eu fui para a Guiné no mês de Fevereiro até Junho em 2011

Felizmente através do Doutor Mário Beja Santos eu conheci o Abduramame Serifo Sonco, um homem muito inteligente e bem educado, oriundo da Guiné e um neto do grande Régulo Infali Sonco de Missirá, perto de Bambadinca. O Abdu passou a ser o meu assistente na Guiné e acompanhou-me a maior parte do tempo lá. Graças à indispensável ajuda do Mário antes da minha partida e do Abdu durante a minha estada, a Guiné foi uma experiência extraordinária para mim e eu podia colecionar muitos dados interessantes para o meu trabalho. De seguida queria mostrar alguns aspectos da nossa viagem.

Logo depois da nossa chegada em Bissau o Abdu apresentou-me à família dele e como a família é grande também durante as viagens ao interior do país encontrámos outros membros da família. Todos foram muito hospitaleiros e assim muitas vezes tivemos um alojamento em família.

Durante a minha estada em Bissau fiquei na Pensão Central. Felizmente eu podia ainda conhecer o encanto da Pensão e sobretudo da avó Berta. Gostei muito dos almoços deliciosos, quando havia visitas e a avó fazia o seu sorriso cheio de alegria e humor. Também apreciei muito os momentos à noite com a avó e os empregados dela na varanda quando a avó começava a cantar e contar algumas anedotas da vida dela. Parece que com a partida da avó Berta de Bissau uma parte importante da história da Guiné do século vinte terminou.

Na totalidade fizemos mais ou menos três viagens prolongadas no interior do país. Como os transportes públicos não são muito seguros e não chegam a todas as localidades que nós queríamos visitar, comprámos uma motorizada pequena para começar a nossa aventura.

Avó Berta e eu em Bissau, 18 de Fevereiro de 2011
Foto ©: Tina Kramer

O Abdu com a nossa motorizada em Lugadjole, 2 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

1. Gabu - Lugadjole (de 29 de Março a 7 de Abril 2011)

A nossa primeira viagem levou-nos ao nordeste do país (Bambadinca-Bafatá-Gabu-Beli-Lugadjole). Por causa dos buracos na estrada empanámos muitas vezes o que nos deu a possibilidade de ver tabancas (=aldeias) outras que planificadas e de falar com a gente lá. Ao contrário de Bissau com o seu barulho, o lixo, os abutres e a poeira, as tabancas da Guiné são calmas, lindas e limpas. Os habitantes são simpáticos, a peito descobertos, solícitos e hospitaleiros.

Durante todas as viagens que fizemos foi fácil encontrar antigos combatentes do PAIGC que estavam prontos para uma entrevista. Mesmo em tabancas pequeninas pelo menos um. Ao contrário foi difícil para nós encontrar antigos combatentes do exército português que queriam falar connosco. Muitos ainda têm medo de falar sobre a guerra e de mostrar que eles combateram do lado português. A perseguição e os fuzilamentos dos camaradas deles pelos combatentes do PAIGC logo depois da independência são ainda experiências traumáticas na memória destes guineenses.

Mas quando tínhamos chegado a Gabu, encontrámos dois combatentes da Associação dos Ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas na Guiné. Iniciada pelos membros da Liga do Combatente e legalizada em 2002 esta associação e bem conhecida também noutras partes da Guiné, por exemplo em Bissau, em São Domingos e em Buba. Mas por causa dos grandes problemas financeiros não executam actividades há alguns anos. Muitos dos antigos combatentes do exército português com quem falámos desejam um apoio e sentem-se atraiçoados pelo governo português. Também muitos queriam entrar de novo em contacto com os antigos camaradas portugueses, mas não têm meios para isso.

Ao lado do mercado em Gabu, 31 de Março de 2011
Foto ©: Tina Kramer

Deixámos Gabu atrás de nós com os seus comerciantes Fulas, as mulheres bonitas, tantos burros e vacas, bicicletas e motorizadas. Continuámos para Lugadjole com a sua colina Orre Fello, onde no dia 24 de Setembro 1973 o PAIGC proclamou a independência da Guiné-Bissau. Com um trajecto de ca. 100 km pensámos que íamos chegar logo, mas o caminho foi muito mais difícil do que esperávamos. Com uma estrada de terra batida e cascalhos grandes e calores que podíamos sentir durante umas caídas com a mota. Sofremos sede e fome e queimámos no sol rigoroso. Assim eu podia imaginar um bocado como os antigos combatentes deviam sofrer durante as marchas extensas no mato.

Finalmente chegámos e encontrámos uma tabanca que não tinha luz nem captação, mas com habitantes hospitaleiros e generosos, que nos deram um telhado e comida. No dia seguinte de madrugada um antigo combatente do PAIGC e o filho dele que trabalha como professor mostraram-nos o sítio histórico no Orre Fello. Infelizmente só existem ruínas duma pequena casa, o que o Amílcar Cabral devia habitar. Mas o orgulho está ainda visível nos olhos do velho e a gente da aldeia esperam um apoio do governo guineense para recuperar este lugar importante para a história da Guiné.

Ruínas da proclamação da independência em Lugadjole (Madina de Boé), 2 de Abril de 2011
Foto ©: Tina Kramer

(Continua)
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Nota do Editor:

(*) Vd. postes de:

22 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6774: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (1): Pedido de colaboração da doutoranda alemã Tina Kramer

26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6791: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (2): Tina Kramer, etnóloga, Universidade de Frankfurt, em trabalho de campo, em Lisboa

31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6813: Tabanca Grande (234): Tina Kramer, 27 anos, etnóloga, da Universidade de Frankfurt, Alemanha

Guiné 63/74 - P8927: Ser solidário (114): Farim do Cantanhez já tem água potável, com o apoio da Tabanca Pequena de Matosinhos (AD - Acção para o Desenvolvimento)


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Açção para o Desenvolvimento > Fotos da semana > Título da foto: Chegou boa água a Farim de Cantanhez; Data de Publicação: 10 de Outubro de 2011  Data da foto:  10 de Julho de 2011; Palavras-chave: Saúde.Legenda: Hoje, a tabanca de Farim de Cantanhez [, que surgiu depois da guerra, sendo a maior parte da população constituída por antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, ] deixou de sofrer com a falta de água na época seca e com a sua baixa qualidade sanitária, o que preocupava sobremaneira os seus habitantes e os levava a considerar este aspecto como o mais importante para melhorar as suas condições de vida.




Mais uma vez, com o apoio da Tabanca Pequena de Matosinhos, foi construído este poço que, à semelhança dos que esta associação promoveu em Amindara e Medjo, dispõe de um sistema de captação de água através de energia solar e do seu controlo por uma canalização que facilita às mulheres a sua obtenção.

Este poço vai contribuir para uma melhor saúde dos seus habitantes, especialmente as crianças sujeitas a frequentes diarreias, para a produção de legumes e frutas e para evitar que as mulheres e crianças tenham que percorrer longas distância para ir buscar água, na maior parte dos casos, imprópria para consumo.


Foto (e legenda) : © AD - Acção para o Desenvolvimento (2011). Todos os direitos reservados.
 
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Nota do editor:
 
10 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8884: Ser solidário (113): Pequenos gestos que dão esperança de vida à população de Elalab (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P8926: (Ex)citações (151): O Sold Rodrigues, prisioneiro do PAIGG (de Junho de 1972 a Março de 1974), pertencia à CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, que esteve em Cancolim (1971/74) (Luís Dias)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector de Galomaro > Cancolim > Aquartelamento > CCAÇ 3489/BCAÇ 3872 (1971/74). Foto do Fur Mil Rui Baptista que, tal como o Sold Rodrigues, pertencia a esta subunidade.


Foto: © Rui Baptista(2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Comentário do Luís Dias ao poste P8920:

 Caros Camaradas

A informação que aqui é prestada tem todo o meu apreço e, como já referi, em outros locais, parece-me que a pessoa [em causa] não deveria, provavelmente,ter sido aprovada para todo o serviço militar.

No entanto, a informação inicial não está correcta, porquanto o Rodrigues fazia parte da CCAÇ 3489, do BCAÇ 3872,  e não da 2ª Companhia do BCAÇ 4518/73, que rendeu o primeiro em Janeiro de 1974. [ A CCAÇ 3489 esteve em Cancolim, sector de Galomaro].

Quando o batalhão já se encontrava em Bissau para regressar à metrópole, soube-se que o Rodrigues tinha fugido do PAIGC. Foi ele, aliás, que nos alertou para a existência do camarada da CCAÇ 3490 (Saltinho),[, o António Batista,]  dado como morto na emboscada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

Ao que julgo, [o Rodrigues]  esteve sob detenção em Bissau, porque se pensava que ele tinha desertado para o PAIGC e, segundo ele terá referido aos inquiridores, ao saber pelos guerrilheiros que o seu batalhão já fora rendido, ele pensou que,  como já tinha acabado a comissão, tinha de voltar para a Guiné e assim o fez. (*)

Um abraço
Luís Dias
Ex-Alf Mil  da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
[Dulombi e Galomaro, 1971/74]
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Nota do editor: 


(*) Vd. também, sobre este caso, o depoimento do Juvenal Amado > 6 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2921: Em busca de... (29): António Manuel Rodrigues (1) (Juvenal Amado)

(...) Ao vasculhar o Poste 2885 sobre o III Encontro da Tertúlia, a minha atenção ficou presa nas palavras do Baptista sobre o outro prisioneiro que esteve com ele, mas no caso, este sendo de Cancolin .

Efectivamente houve um outro camarada nosso também este apanhado à mão. Pertencia efectivamente à Companhia de Cancolim e foi apanhado, se a memória não me falha, num dia em que o seu pelotão saiu para uma patrulha nocturna. Para ser mais preciso o pelotão saiu, mas ele embirrou e não foi com eles. Passado talvez uma hora, ele resolveu ir sozinho encontrar-se com os seus camaradas. Resultado, o destacamento é atacado e no chão foram encontradas munições da G3, possivelmente dele.

O que se entende deste acontecimento é que ele deu de caras com tropas do PAIGC que fizeram o ataque e acabou prisioneiro deles.


Este episódio atesta bem o estado psicológico em que os nossos camaradas de Cancolim estavam. Há tempos, ao falar ao telefone com o meu amigo Correia, este caso veio à baila, onde ele me lembrou que o referido camarada tinha aparecido quando já estavamos em Bissau para embarcar de regresso. A forma como ele fugiu do cativeiro só soube ao ler e ouvir o referido Poste 2885.

Lamento que ele esteja no sofrimento em que está. (...)

Guiné 63/74 - P8925: Memória dos lugares (157): Empada, região de Quínara, by air (António Graça de Abreu)


Guiné > Região de Quínara > Empada > Outubro de 1973 > A povoação de Empada e, ao fundo, o Rio Empada vistos pela câmara fotográfica do Alf Mil António Graça de Abreu (CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)... 

Viagem de Cufar a Bissau, possivelmente em DO 27 e no início de Outubro de 1973, aquando da sua ida de férias à metrópole, em que viajou através dos TAM-Transportes Aéreos Militares. Segundo o seu Diário da Guiné (2007), foram as terceiras (e as últimas) a que teve direito, a seis/sete meses do fim da comissão... 

Foto enviada em 19 de Julho passado, sem mais informação para além da identificação da povoação... Por Empada passaram vários camaradas nossos, da Tabanca Grande (estou-me a lembrar do Zé Teixeira, do Xico Allen, do Arménio Estorninho, do Raul Brás e outros), os quais poderão legendar melhor ou comentar esta foto. Obrigado ao António Graça de Abreu (AGA) que, segundo julgo saber, nunca esteve em Empada, mas que conheceu vários chãos.

2. Observação posterior do AGA em comentário a este poste.:
 
"A foto é de facto de Empada, Outubro de 1973, numa DO,  na viagem de Bissau para Cufar, com escala e aterragem em Empada. Como vêem, pós-Strela, as DO, tal como os hélis, voavam, com mais cuidado, mas voavam e levavam géneros, correio, faziam evacuações, transportavam pessoal".

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Nota do editor:

Guiné 63/74 – P8924: Memórias de Gabú (José Saúde) (10): O velho da tabanca revelava um saber ancestral


1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem, dando seguimento à catarse das suas recordações.


O VELHO DA TABANCA REVELAVA UM SABER ANCESTRAL

O “HOMEM GRANDE” E O SEU CACHIMBO

A sua fisionomia encantava-me! Calmo, um estatuto que aliás se aplicava à quase generalidade dos “homens grandes” guineenses, de poucas conversas, reservado e astuto no seu saber ancestral, aquele homem, aparentando uma idade já avançada, dedicou-me alguns momentos de lazer. A sua cordialidade obrigava-me, no fundo, a debitar com ele instantes de prazer. Gostava ouvir os seus ditos sobre os conteúdos de uma guerra que teimava em não dar tréguas.

Sentado numa espécie de “sofá” anárquico que era utilizado simultaneamente para receber um anfitrião, como para repousar as pestanas nas horas de maior calor, o velho, e amigo, apresentava sempre uma simpatia extrema quando por lá passava.

Era também comum ter à sua frente um banco em madeira feito artesanalmente para mandar sentar gente que por ali passasse. O banco, nada cómodo, começou a ser-me familiar tendo em conta as visitas feitas à residência do frágil homem. Sempre que a oportunidade surgia, lá ia eu a caminho da tabanca para dois dedos de conversa com o meu aliado, onde ouvia histórias mirabolantes.

Curioso parecia ser o seu estado de espírito. Falava mal a língua de Camões. Porém, habituei-me a entende-lo. Os pontapés na gramática não eram uma questão de capital importância para um diálogo por vezes atrevido. Falava-me em surdina dos conflitos no terreno, dos “turras”, da tropa branca e das mortes que já tinha conhecimento.


Ao invés do clima de guerra já sabido, o meu amigo rejubilava com a sua airosa tabanca construída com paredes de barro e, sobretudo, com o seu mítico cachimbo. O patacão, embora escasso, permitia-lhe dar umas fumadas no seu companheiro pito e congratular-se com o destino que a vida lhe traçou. A tapar a cabeça um velho gorro. O seu coração era enorme. Um belo dia pedi-lhe para me arranjar um leitão. De pronto a minha encomenda estava garantida. Disse-me que conhecia um rapaz que tinha porcos e, de certeza, também leitões. Aguardei.

Sabendo-se que os muçulmanos não comem carne de porco a tarefa apresentou-se, à partida, facilitada. Ao cair da tarde e já com um unimog pronto para recolher o “famoso bacorinho” lá marchámos, sendo que o homem do cachimbo tinha tudo tratado e o leitão pronto para cruzar uma nova e derradeira etapa. Custou a encomenda 20 pesos, parece-me. Admito, e concordo, que o homem do cachimbo terá tido, também, a sua cortagem. Moral da história: no outro dia houve leitão assado e regado acaloradamente com uma boa dose de cervejas… fresquinhas!

No registo das minhas Memórias de Gabú ficou a saudade do “homem grande” que tanto me aturou.

                                                 O encontro com o velho do cachimbo

Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

9 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 – P8878: Memórias de Gabú (José Saúde) (9): Batuque em Gabú e na Messe de Sargentos