Foto: © Amílcar Mendes (2006). Todos os direitos reservados
1. Comentário, com data de 18 do corrente, ao poste P6612 (*),
A história aqui contada tem alguma falta de informação.
Era eu o comandante da Companhia [, a 1ª C/BCAÇ 4512,] e tinha vindo a Lisboa. Quando cheguei, e regressei, a 27 de Julho [de 1974], deparei-me com uma situação explosiva.
Estive cercado com os meus alferes e furriéis durante dois dias. Até que os soldados da CCaç [19] me deram um prazo para falarem com um capitão dos Comandos Africanos. Se isso não acontecesse até às 15 horas, eles fuzilar-me-iam na parada.
Chegou um helicóptero às 13h, com um capitão dos Comandos Africanos. Se bem me lembro, era o Cap Sisseco, acompanhado de um Major do Estado Maior.
Os soldados africanos, quando souberam que tinham que sair em Agosto [de 1974], não aceitaram e acharam que nós tinhamos sido uns traidores. Depois da minha ida a Bissau, chamado pelo Comandante Chefe [Brigadeiro] Fabião, conseguiu-se que eles recebessem o pré até fins de Dezembro.
2. Comentário de José Marcelino Martins, nosso colaborador permanente (*):
O autor do comentário efectuado às 12h03 esqueceu-se de se identificar. No entanto, pelo texto deduzo ser o Capitão Miliciano de Infantaria Francisco da Silva Oliveira. Era bom confirmar esta informação.
O Capitão Sisseco... seria o Ten Graduado Comando Adriano Sisseco, que foi um dos comandantes da 2ª CCmds Africanos ?!
Quanto aos pagamentos a efectuar aos militares africanos... estavam consignados no artigo 24º do Anexo ao Acordo de Argel, assinado em 26 de Agosto de 1974. Previa-se o pagamento do pré [dos militares africanos] até ao final do ano de 1974.
Porém, não foi nesta data que o mesmo foi acordado. Teria de vir de reuniões anteriores, uma vez que, na CCaç 5 (Canjadude), desactivada em 24 de Agosto (antes da assinatura do Acordo), o Comandante na altura pagou esses valores aos seus subordinados africanos, tendo para tal de deslocar-se a Bissau o seu 1º Sargento para proceder ao levantamento da verba necessária e proceder ao transporte da mesma.
Renovo que os meus votos de que o subscritor do comentário a que me refiro, além de se identificar, nos faculte mais elementos sobre este período que não está muito documentado "oficialmente".
Também me permito convidá-lo para integrar esta Tabanca, onde todos partilhamos as nossas memórias daquela terra que "odiámos" e, posteriormente, a adoptamos como nossa.
3. Comentário do editor:
Segundo informação adicional do J.M., este Cap Oliveira comandava a 1º CCAÇ do BCAÇ 4512/72. A CCaç 19, presume ele, era comandada na altura pelo Cap Mil Inf António Eduardo Gouveia Carvalho. A CCAÇ 19 foi extinta em Agosto de 1974, como todas as demais companhias africanas.
É contra as normas do nosso blogue aceitarmos comentários anónimos e, menos ainda, darmos visibilidade (e legitimidade), através de um poste, ao anonimato. Abrimos aqui uma exceção, dada o excecional interesse do testemunho, lacónico, mas seguramente autêntico, do comandante da 1ª C/BCAÇ 4512/72. São histórias "à margem da história oficial ou oficiosa". Ora, precisamos de interrogar o silêncio dos arquivos da história da guerra colonial. E já não temos muito tempo para recolher testemunhos dos protagonistas dos acontecimentos.
Reforço o convite do meu camarada José Martins (também ele um homem que lidou, tal como eu, com soldados do recrutamento local) para que o ex-Cap Mil Inf Francisco da Silva Oliveira se junte a este já numeroso grupo de camaradas da Guiné quie lutam para que a memória não se apague.
Boa saúde e longa para o nosso camarada Oliveira. Saudações natalícias.
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6612: Estórias avulsas (89): Guidaje em revolta após Abril (Manuel Marinho)
(...) Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), dá-nos conta de um momento de tensão em Guidaje, já depois do 25 de Abril, resolvido à custa do regresso da sua Unidade ao local onde jamais pensariam voltar (...)
(...) Em finais de Julho, (ou princípios de Agosto) recebemos ordens para levantar novamente o armamento, para fazer face a uma insubordinação que acontecia em Guidaje, onde o nosso Gr Comb estava como que refém dos camaradas africanos que estavam relutantes na entrega do seu armamento, face à falta de garantias mínimas que não existiam para eles.
A apreensão tomou conta de nosso pessoal que de imediato quis saber em que consistia a nossa ida a Guidaje, e a nossa recusa terminante em tomarmos alguma medida que pusesse em causa camaradas nossos, o pessoal militar africano de Guidaje [ a CCAÇ 19,]teria que resolver o problema já que nada poderíamos fazer, e em nada contribuíramos para a situação criada.
A operação consistia em se utilizar os meios necessários incluindo a força (confrontação armada?) para que os revoltosos entregassem as suas armas a fim de permitir a entrega pacífica do aquartelamento ao PAIGC.
Na fronteira do Senegal estavam forças do PAIGC, atentas ao evoluir da situação, e a pressionar com a sua presença os revoltosos. Lá seguimos mais uma vez para Guidaje, novamente armados e a querer parecer que os ecos de Abril ali não tinham chegado, a minha HK-21 voltou às minhas mãos depois de me ter “despedido” dela, parecia que o “divórcio” amigável não se queria consumar.
Avançamos pela estrada que tinha sido construída e durante a deslocação fomos confrontados com uma viatura militar vinda de Guidaje com dois soldados africanos (Comandos?), a ordem era para não deixar passar ninguém, mas depois da paragem da viatura e de breve diálogo, nada questionaram e voltaram para trás.
Estávamos assim numa situação que além de perigosa, não deixava de ser bizarra e irónica, a “alinhar” com o PAIGC para desarmar camaradas africanos que tinham combatido a nosso lado.
Ao entrarmos no quartel, somos rodeados de Milícias e Militares da CCaç 19 que nos insultam e nos culpam pela situação existente, chamando-nos f… da p… e traidores entre outros “mimos”, e muito exaltados, culpando-nos da situação existente.
Antes de lá irmos já nos tinham alertado para a calma que teríamos de ter para resolver a questão e levar a bom termo com a máxima persuasão possível a questão da entrega do armamento por parte das forças de Guidaje, embora a tensão existente não fosse a mais favorável.
Embora o conhecimento mútuo das nossas Ccaç pudesse ajudar, foi complicado e teve que haver muito discernimento, e muitas conversas isoladas com este e aquele mais exaltado, já no interior do quartel, e evitando qualquer sinal de animosidade.
Entre as nossas 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 e a CCAÇ 19, apenas havia ocorrido um episódio menos agradável entre Grupos de Combate de ambos os lados em Binta depois de uma coluna, mas tinha sido um caso pontual, embora tenso para ambos os lados.
É evidente que não se vislumbrava o PAIGC embora eles já tivessem tido encontros bilaterais com a CCAÇ 19, pelo menos a nível superior, mas alguma coisa tinha corrido mal, e nós teríamos de ajudar a sanar o problema, agora era connosco, era caso para citar o velho ditado, 'quem vier atrás que feche a porta'. (...)
Não sei o que foi tratado a nível superior, mas a deposição das armas, por parte da tropa africana existente em Guidaje, foi conseguida, mas fiquei sempre com a triste imagem dum camarada africano perfeitamente fora de si olhando para nós e gritando-nos na cara que éramos traidores. (...)