terça-feira, 6 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9567: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (14): O Tininho da feira

1. Em mensagem do dia 1 de Março de 2012 o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta sua "outra" memória:


Outras memórias da minha guerra (14)

O Tininho da feira

O Tininho era o filho mais novo da família dos Quintelas. Eram cinco rapazes e duas raparigas. Trabalhavam todos em conjunto como negociantes de gado. Eles andavam de feira em feira, tal como o pai, e elas tratavam da casa e do gado. Como a mãe faleceu cedo, elas eram bastante acarinhadas pelos irmãos. Apenas o Tininho fez a escola primária. Razão porque eram vulgares as piadas a gozar com essa situação de iletrados, especialmente com o velho Quintela que, apesar de exibir um bonito relógio de bolso, preso por uma valiosa corrente, não sabia dizer as horas.

Os Quintelas não casados viviam na casa paterna, junto ao largo da feira de Lourosel. Era ali que se juntavam, discutiam e apuravam as estratégias para o negócio em equipa. Eu, ainda miúdo, tive a oportunidade de os ver trabalhar. Em dias de feira, dois deles deslocavam-se pelo caminho normal de acesso do gado. Um ficava a mais de um quilómetro e o outro a uns 500 metros. Outro estava à entrada da feira e o velhote e o filho mais velho, iam lá mais para o interior da feira do gado. O lavrador começava a ser influenciado logo no primeiro contacto. Ali, tomava conhecimento dos defeitos e valores do animal e do conselho “desinteressado” daquele senhor. Adiante, a cena repetia-se e, à entrada da feira, já o terceiro Quintela “abusava” dos valores fornecidos anteriormente e desafiava o vendedor a consultar outros negociantes, ao mesmo tempo que o estava a encaminhar para os seus possíveis compradores. Se, por acaso, algum comprador alheio ao esquema se metesse no negócio, era certo que em poucos minutos havia porrada da grossa. Eles, juntos, “amoleciam” qualquer valentão.

Também me recordo de ter visto carregamentos do gado, para levar para a Malveira. Faziam-no ao princípio da noite, de forma a chegar lá de madrugada. Naquela época (início dos anos 50), havia doença no gado, o que se prestava a negócios bastante vantajosos. Porém, algum gado morria antes de partir, e para que ele se aguentasse até à Malveira, pregavam uns barrotes atravessados no camião, de forma a manter o animal de pé. Dizia-se que alguns chegavam lá mortos. É esta a razão por que, falando-se de um doente, se costumava dizer, em tom de brincadeira:
- Sim, sim, esse está bom é para ir para a Malveira.

Ao Tininho não faltava nada. E como ele sempre foi de pequena estatura, beneficiava de um tratamento mais mimado. Até nos jogos de futebol improvisados junto à capela quase não se lhe podia disputar a bola. É que ele, às vezes, zangava-se e ameaçava levar a bola para casa. Por outro lado, gozava do proteccionismo exagerado dos irmãos, sempre munidos de bengala e de uma exuberante naifa de Fafe. Como ele tinha a voz muito fina e a cara muito lisa, também era conhecido por Tininha. Porém, ninguém tinha coragem de o chamar por esse nome, embora não faltasse vontade. Apenas o vizinho Ramião, filho da Dora Vadeca e de pai incógnito, que era deficiente de uma perna e meio atrasado mental, contrariava esse receio. Digamos que para o Ramião era um prazer enorme mostrar a sua coragem. Então, sempre que oportuno, exibia a sua voz grossa, entrecortada e pouco perceptível, e atirava:
- Tafôôuda Tinênha. Pareces mesmo uma Tinênha boieira!

- A Tininha está aqui. – gritava o Tininho com aquela voz feminina, enquanto apertava o centro das pernas provocatoriamente, dando azo à desejada gargalhada geral .

No entanto, o Ramião já havia sido apertado. Quem o safou dos Quintelas foi a GNR, depois dos gritos protectores da sua mãe e a solidariedade dos vizinhos.

O Tininho, que saiu tarde da escola, manteve a sua meninice até à tropa. Sim, ele foi à tropa. Já andava no CICA do Porto, quando rebentou a guerra em Angola. Em pouco tempo foi mobilizado e partiu para Luanda. Como andava sempre endinheirado, não foi difícil obter alguma predominância entre os seus camaradas. Acabou por ser o protegido de um primeiro-sargento, que o indicou para impedido de apoio a um Major, que vivia com mulher e duas filhas, em idade escolar.

As irmãs Quina e Micas, eram vaidosas e gostavam muito de mostrar o seu corpo avantajado, através das roupas ajustadas. E para salientar mais as mamas, atiravam provocadoramente o peito para fora. Digamos que, para aquela época, elas eram umas mulheraças. No entanto, o tempo ia passando e elas pareciam não segurar os namorados, talvez devido à falta de humildade e à sua apetência para mandar. Gostavam muitos das festas de arraial e de frequentar as actividades religiosas. E foi na frequência da igreja que elas desenvolveram uma relação com a família Santana.

O velho Santana, um conhecido industrial de cortiça, além da missa, gostava de ir ao cemitério com a sua neta Bélinha (Isabel), onde rezavam por alma do pai e da avó. O Sr. Santana costumava dar boleia às manas Quintela. A Bélinha, que cedo ficou órfã de pai, tinha a mãe bastante debilitada de saúde. Viviam em casa do avô Santana, que muito as acarinhava e amparava. A Bélinha, que estava internada num colégio de Freiras, só vinha a casa durante fins-de-semana. Ela era a alegria da família, incluindo os dois tios já casados.

Foi grande a alegria dos Quintelas ao receber de volta o Tininho, vindo da guerra de Angola. O rapaz que sempre fora mimado pela família, via esse afecto redobrado devido aos dois anos de ausência. Por outro lado, as manas faziam tudo para que a imagem de menino efeminado, fosse ultrapassada rapidamente. Compraram-lhe um carro VW azul claro, vestiram-no de tudo que era bom (foi dos primeiros a usar camisas TV) e adornaram-no de anéis, relógio de luxo, alfinete de gravata, etc. Embora não fosse bem o género de jovem moderno dos anos 60, ele, quando saía, cheio de pose, no carro a brilhar, de óculos Ray Ban e carregado de Brilcream na cabeça, era uma tentação para um certo género de miúdas. Porém, parecia não ser feliz nas suas conquistas porque, após os primeiros contactos, elas não mostravam interesse no relacionamento.

Agora, que dispunham de carro e de condutor, as manas Quintela mostravam-se mais. E, da igreja, chegaram a trazer a Bélinha, com a devida anuência do Sr. Santana. Como a Bélinha, já com 16 anos e corpo feito, praticamente não tinha outros contactos fora da família e do colégio, mostrava alguma simpatia com o ambiente amistoso das manas Quintela, agora também manifestado pelo irmão Tininho.

- Senhor Santana, como a Bélinha está de férias da Páscoa, podia ir connosco a Fátima, no próximo sábado - dizia a Micas, à saída da igreja, das cerimónias da Semana Santa, que continuou:
- Temos que ir lá a pé cumprir a promessa que devemos pelo meu irmão mas, por agora, só queremos ir à missa agradecer o seu regresso da guerra e dar umas voltas de joelhos na Basílica.

Respondeu, concordando, o Sr. Santana:
- Está bem, mas venham cedo porque a quero em casa antes do jantar. Sabem que a minha filha é doente e não pode ter aflições.

Tudo correu pelo melhor, quer na parte religiosa quer durante o almoço. O ambiente não podia ser melhor. Porém, no regresso, perto da Curia, o carro abrandou, parecendo avariado. O Tininho, mostrando alguma surpresa, pediu às irmãs que lhe dessem um pequeno empurrão. A Bélinha também queria ajudar mas disseram-lhe que não era preciso sair do carro. O carro avançou e o Tininho começou logo a dar sinal de querer voltar para trás. No entanto, quando voltou a sul, não parou e seguiu com a Bélinha. Neste caso, a forma mais correcta de dizer seria: fugiu com a Bélinha!!!

O escândalo rebentou. A desrespeitada e conservadora família Santana, entrou em desespero. E, como ferida no seu orgulho, não podia aceitar qualquer desfecho apaziguador. Por isso, moveu desde logo todos os meios para interceptar o raptor.

Só na manhã do dia seguinte o carro foi localizado perto de Mafra. Soube-se, também, que a Bélinha estava doente e que não seria aconselhável viajar nessas circunstâncias.
- Se a desonrou, tem que casar com ela - diziam uns.

- Isso quer ele. Por isso é que ele fugiu com ela – diziam outros.

- Ele não tem categoria para uma miúda daquelas. Além disso, mostrou que é um animal – diziam ainda outros.

- É evidente que as matronas ajudaram ao golpe - acrescentavam as más-línguas.

Pouco se sabia de concreto sobre o que se passara. O certo é que a miúda, ao fim de três dias, veio mesmo doente para casa, onde se manteve incontactável. O Tininho não se inibia de publicamente, fazer juras de amor e da vontade de “pagar” o seu apaixonado impulso mas, a família Santana, nem o queria ver por perto.

A Bélinha faleceu, pouco tempo depois. Havia gente que acusava a família por ter preferido a sua morte à desonra ou ao seu casamento forçado.
Bastante debilitada, a mãe da Bélinha não aguentou mais que dois meses, o choque daquela tragédia.
E o Tininho foi para a cadeia de Custóias, cumprir 14 anos de prisão.

Mais tarde, quando se perguntava por ele, pouco ou nada sabiam dizer. Como não era benquisto na zona, mudou-se para parte incerta. Também diziam que se dedicava, profissionalmente, à vida nocturna, talvez fruto das ligações adquiridas na prisão.

Há cerca de 10 anos, casualmente, encontrei-o. Eram altas horas da madrugada, quando fui abastecer o carro de gasóleo numa área de serviço, aberta toda a noite. E, quando estava a tomar qualquer coisa ao balcão, ele passou pela frente e foi colocar nas prateleiras umas revistas e os jornais do dia. Ao virar-se para os clientes do balcão e demais pessoal da noite, olhou-me e exclamou:

- Tu és o Zeca, não és? Há quantos anos não te vejo!!!

Disse-lhe que tinha casado em Crestuma e que vivia lá. E perguntei:
- E tu, que fazes?

- Faço vida lá no Porto. Comprei isto há pouco tempo mas dá-me muito trabalho. Não imaginava que custasse tanto.

Curioso, acabei por perguntar:
- E as tuas irmãs, que é feito delas?

Ele respondeu:
- A Micas já morreu e a Quina vive comigo.
- Não casaram? – perguntei.
- A Micas, não. A Quina namorou com o Tono da Lagoa durante dezassete anos e esteve casada com ele um ano e picos. O fdp, disse-lhe que ia visitar um primo a França, para ver se valia a pena mudarem-se para lá, e nunca mais apareceu. Viemos a saber que tinha fugido para a Venezuela.

E continuou:
- Um gajo que faz uma coisa destas a uma mulher, merecia que lhe cortassem o pescoço!

Silva da Cart 1689
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Nota de CV:

Vd. último poste de 28 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9411: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (13): Vícios ou frutos da época

Guiné 63/74 - P9566: Memória dos lugares (178): Cantanhez: Cabedu... (Foto do calendário de 2008, editado pela ONG Tiniguena)




Guiné-Bissau > Região de Tombali > c. 2007 > Cantanhez > Cabedu > "Ruínas do antigo quartel colonial de Cabedu". Foto de: Emanuel Ramos / Tiniguena. In: Matas de Cantanhez: Biodiversidade ao serviço da soberania. Calendário de 2008. Imagens digitalizadas, editadas e reproduzido com a devida vénia pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...

1. Por Cabedu (de que temos no nosso blogue, cerca de meia centena de referências) passaram diversos camaradas e subunidades: cito, de cor, o José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), e o Norberto Gomes da Costa (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 555, Cabedú, 1963/65), sem esquecer o Tony Grilo, que vive no Canadá, e que foi Apontador de obús 8.8 (em
Cabedu, Cacine e Cameconde nos anos de 1966 a 1968). Também em Cabedu  o Orlando Pinela, ex-1.º Cabo da CART 1614 (Cabedú, 1966/68)... Enfim, corro o risco de esquecer outros camaradas da Tabanca Grande, que por lá passaram no tempo da guerra...


Se não estou em erro, Cabedu foi também a primeira  das tabancas da região de Tombali a beneficiar da projeto Sementes e Água Potável para a Guiné-Bissau, liderado pela Tabanca de Matosinhos... Foi em Cabedu que o Zé Teixeira, com outros camaradas, assistiu, emocionado, à inauguração do poço que assegurou o abastecimento de água potável à comunidade, em iniciativa da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento... Foi aqui que Projeto Sementes e Água Potável para a Guiné-Bissau começou a ganhar raízes...

É da autoria do Tony Grilo  o poema Cabedu, nossa terra (1966), que a seguir reproduzimos.

2. Cancioneiro de Cantanhez > Cabedu, nossa terra

por Tony Grilo

Nas tabancas dos nativos
Nós fazemos uma acção
Que certo Mundo não sabe
Que nos sai da coração.

O inimigo espreita,
Atacando gente boa,
Mas os soldados respondem
Sem ser com tiros à toa.

De canais e muito mato
É composta a região,
Os mosquitos são malignos
Terroristas de picão.

Com insectos ou sem eles,
Que o tempo se vá passando,
Oh malta, já estamos vendo
O Niassa navegando.

Em Cabedu, em Cabedu,
Vão desfilando tantos soldados,
Mesmo com guerra, és nossa terra,
Nestes dois anos amargurados.

Oh Cabedu, oh Cabedu,
És fortaleza desta Guiné,
Te defendemos com valentia,
Aqui no mato, de noite e dia.

Cabedu, 1966
Tony Grilo

3. Contactos atuais da ONG Tiniguena:

 Tiniguena, Esta Terra é Nossa

Av. Caetano Semedo, Las Palmeras, Bairro de Belém,
Apartado 667, Bissau República da Guiné-Bissau
Tel.: (+ 245) 325 19 06 / (+ 245) 674 51 / (+ 245) 548 97 66

E-mail: tiniguena_gb@hotmail / geral@tiniguena.org


Lê-se no calendário de 2008, editado pela ONG guineense Tiniguena, dirigida por Augusta Henriques (Vd. desdobrável, em português, com a apresentação desta ONG que faz agora 20 anos, e que na venda dos seus belíssimnos calendários e postais uma fonte de receita):

"É urgente resgatar o legado histórico de Cantanhez... Outrora, as Matas de Cantanhez foram um refúgio seguro e a base principal dos Combatentes da Liberdade da Pátria liderados por Amílcar Cabral. E estas florestas acolheram as primeiras zonas libertadas, onde Cabral fez funcionar escolas e hospitais e organizou uma nova administração, sob a protecção de uma vegestação frondosa e a cumplicidades das populações locais. Além de abrigo, as florestas oferecerama sustento aos que nela se refugiaram. Em Cantanhez foram escritas das mais belas páginas da história da jovem  Nação guineense.  Urge resgatar este legado histórico que deve inspirar e alimentar as gerações do futuro para o reencontro com a sua dignidade como povo e o seu justo lugar no concerto das Nações".
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de fevereiro de 2012 >
Guiné 63/74 - P9547: Memória dos lugares (177): Canquelifá, a ferro e fogo, fevereiro / abril de 1974 (José Marques)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Guiné 63/74 – P9565: Convívios (398): Pessoal da CART 3567 (Mansabá, 1972/74), Penafiel, dia 24 de Março de 2012

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Valdrez que prestou serviço na CART 3567, Mansabá, 1972/74:

Caro amigo
Vivi os anos de 1972 / 1974 na Guiné.
Dia 24 de Março vamos fazer um encontro com quem estiver disponível. 
Será possível divulgar no blogue a existência desse encontro?


Dia 24 de Março os camaradas da CART 3567 - 1972/74 - Mansabá, promovem um encontro de amizade. 40 Anos depois.

Concentração Quartel RAL 5 - donde partiram para a Guiné há 40 anos.

Os meus contactos: Manuel Valdrez - 939 026 434 e Facebook - https://www.facebook.com/manuel.valdrez

Obrigado pela disponibilidade
Manuel Valdrez
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9517: Convívios (318): Comemoração do Dia do Combatente de Gondomar, dia 3 de Março de 2012 (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P9564: O PIFAS, de saudosa memória (5): Quando o Autocarro do Amor fazia escala na Guiné (Augusto Silva Santos)

O PIFAS de Augusto Silva Santos


1. Mensagem de Augusto Silva Santos*, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73, com data de 4 de Março de 2012:

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Na sequência da solicitação do Luís Graça sobre o assunto em epígrafe, venho por este meio dar o meu pequeno contributo para este tema, no qual também junto uma foto do meu "PIFAS", velhinho de 40 anos. É algo, entre outras coisas, que guardo quase religiosamente, a maior parte pelas boas recordações que me trazem.

Foi um programa radiofónico que me marcou muito na altura da minha passagem pela Guiné. Era a nossa grande companhia no dia-a-dia que, de alguma forma, ajudava a passar melhor o tempo e a matar saudades através dos muitos temas que passavam.

Infelizmente não me recordo muito bem dos nomes dessas canções ou de quem as cantava, mas lembro-me por exemplo de uma muito engraçada que ainda hoje (embora raramente) se ouve passar nas rádios locais, que salvo erro começava assim: "Era o autocarro do amor". Julgo que não é este o título, mas era assim que era conhecida.

Também me lembro que na altura se ouvia alguma música africana, nomeadamente de Cabo Verde, na parte dos discos pedidos. A esse propósito, também me recordo de algumas passagens com certo humor aquando das solicitações, como por exemplo estando na altura muito em voga as músicas do Gianni Morandi, de alguém solicitar a passagem da canção "Non son degno di te", como "Não sou digno di bo".

Pesquisa CV: Capa do single "O Autocarro do Amor" interpretado por "Os Taras" e Montenegro

Um Grande Abraço
Augusto Silva Santos
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8256: Controvérsias (122): Exemplar de Bilhete Postal da Guiné, edição da Casa Mendes - Bissau (Augusto Silva Santos)

Vd. último poste da série de 5 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9563: O PIFAS, de saudosa memória (4): Discos pedidos: Para o Mamadu Djaló que firma no Catió, a canção de Gianni Morandi 'Não sou digno di bó'... (Luís Borrega / Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P9563: O PIFAS, de saudosa memória (4): Discos pedidos: Para o Mamadu Djaló que firma no Catió, a canção de Gianni Morandi 'Não sou digno di bó'... (Luís Borrega / Joaquim Mexia Alves)

1. Comentário do Luís Borrega, ao poste P9558 (*)

Camaradas

Ainda me lembro do seguinte:

Numa programa de Discos Pedidos do PFA, foi mais ou menos isto:

Boa noite!
Aqui Programa das Forças Armadas...
Discos pedidos... 
Vamos dedicar a Mamadu Djaló que firma no Catió, a canção de Gianni Morandi "Não sou digno di bó "

... E depois tocou o disco (*)...

Abraço
Luís Borrega


2. Comentário de L.G.:

Já há uns bons atrás o Joaquim Mexia Alves se tinha lembrado dessa frase célebre que corria a toda a hora, no programa dos discos pedidos (vd. Poste P1322, de 27 de novembro de 2006):


(...) Li agora o último poste do Jorge Cabral e à conta da música e do crioulo, lembrei-me da célebre frase que corria na Guiné, dita na rádio (qual rádio?), no programa de discos pedidos, e que era assim, mais coisa menos coisa:
- Para Mamadu Djaló qui firma no Catió, Gianni Morandi canta Cá sou degno di bó!!!
Lembremo-nos que era uma célebre música desse cantor italiano, Gianni Morandi [n. 1944], do ano de 1964, e que tinha por título Non sono degno di te [Não sou digno de ti]. (...).

Também o Jorge Portojo se lembra de ouvir o Não sou digno di bó, lá em Catió, no Bar do Libanês, o que só vem  comprovar a fama e a longevidade quer do Gianni Morandi quer do Mamadu Djaló...

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Notas do editor:


(**) Gianni Morandi (n. 1944, Monghidoro,Emilia-Romagna, província de Bolonha, norte de Itália) (Vd. sítio oficial do cantor; mas também a Wikipédia).

 
Letra e música: Non son degno di te (Ver vídeo, aqui, no You Tube, com legendas em português)... A canção ganhou o Primeiro Prémio do Festival delle Rose, 1964...

O vídeo começa com um  militar de carreira,  já de idade madura, de bigodinho à moda dos anos 50/60, e acentuadas entradas na testa, a recordar o seu grande amor dos verdes anos, não correspondido... com Gianni Morandi, vestido de magala, aos 20 anos, fazendo serenata à janela da pequena... Um sucesso estrondoso nos anos 60, e um dos discos mais pedidos no PIFAS... ainda no início dos anos 70 (nesse ano, Gianni Morandi, representou a Itália no Festival da Eurovisão)... Recorde-se aqui o bel ragazzo, destroça-corações...

NON SON DEGNO DI TE
Migliacci-Zambrini

Non son degno di te
non ti merito più
ma
al mondo non esiste nessuno
che non ha sbagliato una volta

E va bene così
me ne vado da te
ma
quando la sera tu resterai sola
ricorda qualcuno che amava te.


Sui monti di pietra può nascere un fiore
in me questa sera è nato l’amore per te 

E va bene così
me ne vado da te
ma
al mondo no non esiste nessuno
che non ha sbagliato una volta
amor!

Non son degno di te
non ti merito più
ma quando la sera tu resterai sola
ricorda qualcuno che amava te
amore amor
amore amor.


Tradução livre (LG):

Não sou digno de ti,
não te mereço mais,
mas,
no mundo não existe
quem não tenha errado uma vez!


E está bem assim,

deixo-te,
mas,
quando à noite estiveres sozinha,
lembra-te de alguém que te amava.
Num monte de pedras pode crescer uma flor,

em mim, esta noite,   nasceu o amor por ti.

E está bem assim,
deixo-te,
mas,
no mundo, não, não existe ninguém, amor,

que não tenha errado uma vez!

Não sou digno de ti,

não te mereço mais,
mas, quando à noite estiveres sozinha,

lembra-te de alguém que te amava,
meu amor,

meu amor!

Guiné 63/74 - P9562: Humor de caserna (26): Chocos recheados para curar o paludismo (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 1 de Março de 2012:

Olá Camarada Carlos Vinhal
Hoje deu-me uma vontade danada de escrever uma estória para o nosso blog.
Há mais ao menos três semanas estou praticamente prisioneiro em casa pois tive a infeliz ideia de contrair uma pneumonia. Após uma passagem pelo hospital e depois de devidamente receitado aqui estou eu quase como novo.
Por me sentir melhor é que me deu esta vontade de escrever, se bem que durante estas semanas tenho andado muito entretido no nosso blogue que tem sido muito fértil em “casos”, mas mais uma vez os nossos camaradas demonstraram que após a tempestade vem sempre a bonança. O bom senso, a boa formação e acima de tudo a experiência de vida foram os ingredientes principais nessas “discussões” mais ao menos “desabridas”.
Mas a ideia de escrever hoje tem um pouco de paralelismo como que me aconteceu estas semanas, ou seja :


“O Meu Primeiro Ataque de Paludismo”

É verdade sim senhor, este meu primeiro contacto com o Paludismo na Guiné foi duplamente aterrador e angustiante…

Como a maior parte da malta que esteve no interior da Guiné sabe, alimentos frescos era coisa que raramente havia nos aquartelamentos, salvo uma ou outra peça de caça ou peixe da bolanha que aparecia. Em Biambe, quando ao fim de três meses, mais ao menos, a comer esparguete com chouriço leofilizado, arroz e sangacho de atum, enfim a tal comida “Gourmet” do nosso camarada Martins, tivemos a noticia que iríamos receber frescos vindos de avião, penso que pelo Nord-Atlas (não sei se está bem escrito). Nessa altura de fartura de alimentos frescos, que tinham que ser consumidos rapidamente por falta de armazenamento de frio, significava refeições abundantes. Nessa precisa altura cá o Henrique apanha um bruto dum paludismo com febres altíssimas, delírios etc., todas aquelas coisas “boas” que o paludismo nos dá.

A agravar o meu estado anímico porque o físico estava de rastos, o “bandido” do cozinheiro, como tinha recebido chocos nos frescos, cozinhou-os com recheio e tiveram a lata de mos levarem à cama num prato dizendo que me faria bem. Já estão a imaginar aqui o rapaz com 40º de febre a comer aquilo, não é?

Bom, mais tarde o paludismo passou, mas para mim não houve daquela fresca e boa comidinha.

Voltei a ter mais vezes paludismo mas o mais dramático foi mesmo o meu primeiro. É que para agravar, nessa altura já andávamos quase todos de pernas literalmente abertas por causa da micose e furúnculos que creio eu ser originado pela falta de carne e legumes. Felizmente tínhamos por lá alguma fartura de whisky que ajudava a combater o mal do corpo e da alma.

Esta é mais ou menos a descrição do meu batismo de “fogo com o inimigo n.º 1” da malta que era enviada para a Guiné. Já agora um grande abraço para o nosso enfermeiro e outros que espalhados por toda a Guiné lá foram dando conta do recado em altíssimas situações de risco com a saúde dos seus camaradas.

Mais tarde escreverei sobre os nossos Enfermeiros de Campanha.
Henrique Cerqueira

O 1.º Cabo Aux Enf.º Pereira da CCAÇ 675 em acção de assistência a um ferido

Foto incerta no livro "Golpes de Mãos - Memórias de Guerra", do nosso camarada José Eduardo Rodrigues Oliveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, com a devida vénia.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9170: (Ex)citações (164): Furriel, turra é preto e vaca é branca!... (Henrique Cerqueira)

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9545: Humor de caserna (25): Métodos de sobrevivência dos maltrapilhos do arame farpado (C. Martins)

Guiné 63/74 - P9561: Caderno de notas de um Mais Velho (20): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte II)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > 1970 > Em primeiro plano, os camiões basculantes Magirus Deutz da TECNIL em operação, na construção da estrada do Xime-Bambadinca. Variante que contornava o planalto de Bambadinca, junto à bolanha, a sul, fazendo a ligação ao troço, já alcatroado (e anterior a 1969), Bambadinca-Bafatá... À esquerda, o morro onde se situava o aquartelamento, o posto administrativo, bem como outras instalações civis (capela, escola, CTT)... 

Foto de 1969/70, do ex-Fur Mil Op Esp Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).


Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada (alcatroada) Bambadinca - Xime > Chegada ao Xime, em 9 de Março de 1974, da CCAÇ 3491 (Dulombi, 1971/74), para embarque em LDG, caminho de Bissau. A esta companhia pertencia o nosso camarada Luís Dias. O Xime era a porta de entrada em (e de saída de) a zona leste... As estradas de Bafatá- Nova Lamego, Bambadinca –Xime, e Nova Lamego-Piche-Ponte Caium foram obras da TECNIL durante a guerra colonial. No final da guerra, estava também em construção a estrada Jugudul-Bambadinca (em junho de 1974, estavam alcatroados cerca de 25 km)... Não tenho a certeza, mas esta empreitada devia estar também a cargo da TECNIL, a principal empresa de obras públicas da Guiné antes... e depois da independência.

 A TECNIL era também um das grandes empresas de obras públicas em Angola, antes da independência... No meu tempo (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, maio de 1969/março de 1971), o único troço que estava construído, quando cheguei ao leste, era estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (desconheço o ano em que foi construída bem como a empresa construtora)... (LG)

Foto: © Luís Dias (2008). Todos os direitos reservados


Guiné-Bissau > Bissau > 1984 > Porto: Projecto da TECNIL, de construção do novo cais... 

Foto: © António Rosinha (2006). Todos os direitos reservados.



 Angola > CART 3514, Panteras Negras, 1972/74 >  Picada de Ninda, Moxico, Lestte de Angola,  1973 > Frente de trabalho da TECNIL... 

"Estavamos em meados de setembro do ano de 73, tinha chegado há poucos dias da metrópole onde passei umas curtas férias, o tempo no leste estava bastante ameno de dia e gelado de noite, próprio da estação do cacimbo no planalto dos Bundas, tínhamos rodado do mato para a 'Pousada',  na Colina do Nengo, onde nessa altura havia muito serviço de colunas, no apoio e protecção à TECNIL. Em fins de julho uma Berliett da nossa Companhia acionou uma mina A/C no troço em construção, entre os rios Luce e Luati e em agosto no troço do Mucoio um autotanque da TECNIL foi destruído também por uma mina anticarro, o que levou a empresa a pedir segurança matinal às suas viaturas até ao local da obra. Saíamos do Nengo de madrugada, bem agasalhados e enfiados no poncho, percorríamos 40 kms até Gago Coutinho, onde chegávamos uma hora antes do nascer do sol; no regresso escoltávamos o 'comboio' de viaturas civis até à frente de trabalho, já muito para além do rio Luati, na picada do Ninda" (...).


Foto (e legenda): CART 3514, Panteras Negras, Angola, 1972/74 > 7 de fevereiro de 2012 > António Carvalho > Estórias de Angola... (Reproduzido com a devida vénia).


1. Continuação de notas do caderno do António Rosinha (*)...



Assunto: TECNIL (2ª parte): (In)adaptação de uma empresa da velha Guiné colonial para a nova Guiné,  independente e comunista.


Esta empresa e seus idosos administradores aguentaram sem declarar falência durante 7 anos. De 74 a 1981.

Era difícil passar de «patrão» a «camarada»,  de um dia para outro, não era fácil. Os trabalhadores faziam reivindicações perante a empresa, mas estava tudo tão mau, socialmente, que tudo o que pudessem exigir nem tinha significado económico porque ou era mais um quilo de arroz  ou um litro de óleo.

Como não era fácil para certos ministros e o próprio Luís Cabral administrar e sustentar aquela «familiaridade/camaradagem» adquirida,  principalmente pelo uso e  abuso por parte principalmente dos «camaradas» do Partido.  É que o fim de Luís  Cabral e seu governo apenas antecedeu uns meses o fim da TECNIL (**).

Pessoalmente considero o desaparecimento de Luís e da TECNIL,  o desaparecimento de duas imagens muito fortes de uma fraca  portugalidade que vai desaparecendo cada vez mais da Guiné.

Se a Guiné-Bissau foi uma terra em que os povos viviam em 1974 com os seus usos e costumes  de há 500 anos, apenas com uma pequena introdução de  hábitos cristãos e muçulmanos, de um momento para o outro vieram ateus, comunistas, maoístas, capitalistas, socialista, idealistas, mais cristãos e muçulmanos, com as mais variadas ideias para fazer o que Portugal não fez em 500 anos, «ajudar e ensinar os guineenses».

Exceptuando a TECNIL, mais duas ou três pequenas empresas e uns pequenos comerciantes,  pouco ficou de decisivo nas mãos de gente da era colonial, após a independência. Ao contrário das ex-colónias inglesas e francesas, em que os velhos cólon continuaram a «ensinar» os seus povos, no caso da Guiné, avançaram as "Nações Unidas"  em força. Eu já tinha visto isso no Congo Belga,  no tempo de Hammarskjöld [1905-1961, sueco, o segundo secretário-geral das Nações Unidas].

A TECNIL funcionava quase como a empresa oficial das Obras Públicas.  Luís Cabral entregou-lhe por concurso público as 3 maiores obras com financiamentos de doadores europeus uns e árabes outros: (i) prolongamento e modernização do aeroporto; (ii) Avenida Bissau-aeroporto (ex-Unidade Guiné-Caboverde);  e (iii) Liceu no Bairro da Ajuda, este em sociedade com Soares da Costa. 

Podia dizer-se que era o mundo inteiro a ensinar "este povo", como diziam em várias línguas, e a TECNIL, Soares da Costa e e dois ou três ministros a cortar árvores para exportar, a única actividade produtiva,  a sério.

Como não sou economista não sei explicar tecnicamente como se leva um empreiteiro à falência. Mas como conheço algumas regras de Obras Públicas que aprendi estes últimos anos na Expo 98 e na Ilha da Madeira nos túneis e viadutos  e em trabalhos para a Refer para o Alfa Pendular,  posso compreender hoje o que aconteceu ao velho engº Ramiro Sobral  (75 anos), em 1980, e à sua velha TECNIL...

Devido à idade, a TECNIL e os seus idosos administradores já não tinham jogo de cintura para uma coisa moderna que antes não existia em obras do Estado Novo:   "DERRAPAGENS ORÇAMENTAIS",  o que por falta de prática levou muita gente a morrer na praia, deixando-se ultrapassar por gente mais "moderna".

Mas porque Luís Cabral lhe entregou, à TECNIL,  um tal volume de trabalhos?

Como já fui encontrar tudo muito complicado em termos de atrasos de obra, falta de equipamentos, as facturas batiam no Banco e nas Finanças sempre "com atraso", ou seja, "se tens vindo ontem tínhamos dinheiro, mas hoje, patacão ká tem".

Sei que uma das principais razões de o governo entregar tanto trabalho à TECNIL, foi a confiança que havia na seriedade das pessoas, mas principalmente porque as outras empresas concorrentes, francesas e portuguesas, exigiam toda a facturação em DÓLAR,  nada ou quase nada em PESOS.

A falta de previsão do futuro dos velhos senhores/camaradas da TECNIL fê-los esquecer que a rotina colonial sem inflação, as compras de equipamentos  em escudos/pesos e o combustível era ir à bomba, ia acabar tudo na Pátria de Cabral.

E deixando-nos de ingenuidades, aquilo que os guineenses chamam «súcu di bass»,  corrupção, começou a fiar mais fino no que toca a grandes empreitadas. Para encher a  "barriga aos barrigudos", em democracia só com grandes DERRAPAGENS, o que no tempo da ditadura de Salazar era tudo pró pequenino, passou tudo a ser à grande e à francesa,  o que deixou a TECNIL completamente ultrapassada. (Sei o que era corrupção antigamente em Angola, soube depois 5 anos no Brasil, soube depois na Guiné, mas bom mesmo foi no nosso portugalinho, principalmente na Madeira e na Expo 98, o dinheiro via-se deslizar, até posso promover visitas guiadas por onde escorreu algum).

É que  cá em Portugal a TECNIL ainda fez umas tentativas, mas com a mesma falta de dinâmica democrática que sobrava  aos novos empreiteiros, o que também ajudou ao afundanço da empresa.

Como faço uma ligação ao fim da TECNIL e de Luís Cabral, tenho a dizer que,  à parte a política, houve muito incómodo para a cidade e cidadãos de Bissau, com a construção da Av Bissau-aeroporto, o que acumulou a outras coisas o descontentamento das pessoas.

É que,  além de já não haver regularmente nem água nem luz, na cidade,  as obras obrigavam ao derrube de casas, sem explicar devidamente às pessoas, ou até indemnizar previamente os donos, a obra parava dias e dias por falta de combustível, os jovens que devoravam toneladas de livros nos bancos e à luz dos candeeiros do jardim do Alto Crim, este simplesmente foi destruído com muita pena no rosto de toda a gente, até da minha parte achei um crime. Já falei nessa «desgraça» noutra altura. Passados muitos anos está lá a Assembleia Popular.

As obras chegavam a parar por falta de alimentos  essenciais à venda para os operários e suas famílias se alimentarem.

Tudo acumulado,  sem dar explicações ao povo, nem explicações políticas nem técnicas nem sociais, aproximava-se o fim do ano de 1980 e em 14 de Novembro Luís Cabral é derrubado.

Luís Graça, como tive um episódio  num trabalho pessoal para o Luís Cabral, em que entrou o velhote Ramiro Sobral, e este previu para mim o fim de Luís Cabral, queria guardar para uma terceira e última parte o fim propriamente dito da  própria TECNI. Em  que houve episódios desagradáveis,  em que o último director de Obra era um Engenheiro Civil saído da engenharia do exército, que havia servido como capitão na engenharia na Guiné.

Um abraço,

António Rosinha
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Notas do editor:
 

(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2006 >Guiné 63/74 - P1327: Tabanca Grande (3): António Rosinha, ex-Fur Mi em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979

(...) Texto do António Rosinha, com data de 6 de Novembro de 2006, que, depois de algum tempo para ponderação, acabou por aceitar o meu convite, bem como o do Vitor Junqueira e do Amílcar Mendes, para se juntar à nossa tertúlia de Amigos & Camaradas da Guiné:

Estimados L. Graça, V. Junqueira e A. Mendes:

Vou decidir aceitar o vosso convite. Faço-o, mas sem jamais me considerar no mesmo patamar de qualquer outro tertuliano, que, digamos, é do Quadro... Considerar-me-ei um tertuliano do Dia Seguinte. Mas, ao aceitar, pretendo pagar as cotas por inteiro, isto é, assumir as responsabilidades de tertuliano que me possam ser imputadas.

Penso que o blogue está para se expandir imenso, e serei o primeiro a dar espaço a outros do quadro. Envio umas fotos da minha guerra que, a par da vida civil que passei em Angola, foi simplesmente um tempo inesquecível de vivência de trabalho e, tirando o ano de 1961, eu posso dizer de paz.

Só vim compreender essa paz quando em 1979 faço um contrato com a TECNIL, e vi que os IN se tinham concentrado à volta da Guiné, e era a maneira mais económica de atingir os objectivos. Envio umas fotos da minha actividade como topógrafo (lembro que não era muito aconselhável nesse tempo andar de máquina a tiracolo): era porto, aeroporto, junto a quartéis, poucos lugares me passaram ao lado, em trabalho. Logo que encontre, vou mandar foto pessoal daquele tempo, nem que seja dos passaportes. As fotos da Guiné não abundam. Termino com um abraço. (...).

(**) Vd. poste anterior da série > 3 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)

Guiné 63/74 - P9560: Notas de leitura (339): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
A obra de Leopoldo Amado tem 400 densas páginas, é um estudo muito apurado, pela primeira vez vi sistematizado o período pré-revolucionário e enunciadas as etapas da subversão, o segundo capítulo deste trabalho é de grande singularidade e premeia o esforço de pesquisa. Procurei resumir alguns dos aspetos da evolução e consolidação da guerrilha, ainda tenho pela frente todo o complexo período que medeia até à descolonização da Guiné-Bissau. Muito provavelmente, para aguçar o apetite dos leitores, tenho mais dois textos pela frente. Peço-vos paciência, o confrade Leopoldo Amado fez obra asseada, há que a mostrar e agradecer-lhe.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (3)

Beja Santos

A operação “Camaleão” foi a derradeira tentativa por parte de um diplomata português, com a aparente anuência de Salazar, para se encontrar uma solução pacífica para a Guiné. Luís Gonzaga Ferreira, cônsul português em Dakar, procurou entender-se com o Bloco dos Naturais da Guiné, conforme relata Leopoldo Amado no livro que, em substância, é a sua tese de doutoramento: Guerra Colonial versus guerra de libertação nacional: o caso da Guiné-Bissau (IPAD, 2011). Nos textos anteriores, procedeu-se à súmula de alguns aspetos mais relevantes do que o nosso confrade Leopoldo Amado apresentou na sua investigação histórica: considerações gerais sobre guerras revolucionárias; origens do conflito guineense; portugueses e guineenses face à guerra; quadro das organizações nacionalistas, o aparecimento do PAIGC e a fundação da FLING; e o desencadear das hostilidades a partir de 1963. Benjamim Pinto Bull chegou a encontra-se com Salazar, com a aquiescência de Senghor. O autor do plano terá sido o governador Peixoto Correia. Havia a promessa para se intensificar a africanização dos quadros da província, confiando alguns lugares a gente da FLING. No seu discurso de 12 de Agosto de 1963, Salazar cortou qualquer saída para esta solução. A guerrilha, que já tinha eclodido em Janeiro, tornou-se imparável.

Em 1964, as operações de subversão espalharam-se por todo o território, como escreve o autor: “Em todo o primeiro semestre o PAIGC despendeu esforços enormes para dispersar as tropas portuguesas, nomeadamente com a abertura de novas frentes de combate. No final de Janeiro, Farim encontrava-se quase isolado, as unidades guerrilheiras do PAIGC destruíam pontes, montavam emboscadas, colocavam abatises e minas, procuravam cortar as estradas que ligavam a vila às povoações de Bigene, a oeste, Bissorã, a sudoeste, Mansabá a sul, e Cuntima, a nordeste. Além disso, havia notícias de novas infiltrações de grupos do PAIGC pelas fronteiras leste e nordeste da Guiné”. A partir do Oio, o PAIGC alastra a sua atuação na direção de Binar e Bula. A estrada Mansabá-Bafatá irá ficar intransitável. Em Fevereiro desse ano, no Congresso de Cassacá, o PAIGC consolidou as estruturas do partido e reorganizou as Forças Armadas, tendo também estabelecido serviços de educação, de saúde, judiciais e económicos.

Em Maio de 1964 dá-se a primeira colocação de minas, à volta de Binta as populações, apanhadas entre dois fogos, refugiam-se no Senegal e em Bissau. Leopoldo Amado descreve pormenorizadamente a escalada da guerra, como os conflitos se alastram para a região centro-leste, a partir de Jugudul a estrada até à povoação de Geba vai sendo progressivamente abandonada. Béli e Madina do Boé começam a ser sujeitas a flagelações ininterruptas. Os meios navais vieram em socorro quando as vias terrestres se tornaram altamente perigosas ou intransitáveis. Descreve-se a batalha do Como cujos resultados, como é sabido, não alteraram o conceito de área libertada controlada pelo PAIGC. Escreve o historiador: “O confronto entre as forças portuguesas e a guerrilha do PAIGC não foi fácil de gerir pelas autoridades portuguesas. Durante o primeiro ano de conflito a chefia militar máxima do exército português da Província foi substituída quatro vezes, apenas se registando alguma estabilidade em Maio, altura em chega à Guiné Arnaldo Schulz (…). Este optou por tentar recuperar algumas áreas do território, procurando controlar o Sul e o Centro-Oeste da Guiné, desencadeando uma série de operações militares, como as do Cantanhez, Como e Quitáfine, operações de grande envergadura, mas que não deram resultado”. O segundo semestre de 1964 não se mostrou favorável aos guerrilheiros, mas mesmo com a diminuição da atividade militar mantiveram-se ativos, é por esta época que se vão definir os corredores de infiltração e abastecimento, equipamento entretanto melhorara muito, as unidades dispunham de morteiros, metralhadoras ligeiras, espingardas automáticas e semiautomáticas e minas anticarro. Em 1965 chega a assessoria cubana, no mesmo ano em que a contrainformação militar ganha relevo e vai haver infiltração do PAIGC pela DGS.

A profunda investigação de Leopoldo Amado contou com um trabalho em profundidade nos arquivos da PIDE-DGS, documentação do PAIGC e muitas entrevistas, análise de relatórios das forças em conflito. É nesse ano que começam a chegar notícias de que Osvaldo Vieira pretende depor as armas, em que a FLING quase desaparece e a organização de unidade africana reconhece o PAIGC como único interlocutor. A comunidade internacional está cada vez mais atenta ao que se passa na Guiné. 1966 é o ano de abandono de Béli, sujeita a doze dias de ininterruptos bombardeamentos. O PAIGC começou a permitir que os jornalistas estrangeiros visitassem as áreas sobre o seu controle, alguns desses documentários irão ser vistos em toda a Europa e nos EUA. Segundo o autor, no primeiro semestre de 1967, manteve-se a situação estacionária da guerra, o PAIGC enfrentava grandes dificuldades de abastecimento na fronteira norte, devido à permanente desconfiança das autoridades senegalesas. Mas de 1967 para 1968 a situação deteriorou-se. Em Maio de 1968, o brigadeiro Spínola entra em cena, para além do seu carisma ele traz novos conceitos que irão ser plasmados na estratégia “Por uma Guiné Melhor” e uma tentativa de subtrair apoios da população à guerrilha, de imprimir uma maior dinâmica ao desenvolvimento económico e social. Na parte militar, Spínola também irá introduzir profundas alterações no dispositivo: por exemplo com a criação de agrupamentos operacionais e, mais tarde, com a africanização da guerra. Leopoldo Amado foca a sua atenção na ação psicológica, enumera as ações que por vezes puseram o PAIGC em estado de choque, caso da libertação de Rafael Barbosa, então presidente do Comité Central do PAIGC, em 3 de Agosto de 1969, ele irá ler em público um discurso que a rádio amplamente difundiu: “Fala-vos o Rafael Barbosa, indivíduo sobejamente conhecido em toda a Guiné portuguesa, o qual, há cinco anos, iludido pelas promessas do vento da história, se deixou conduzir e desviar do reto caminho de bom português. Cinco anos são passados de sofrimento e dor, de arrependimento e amargura, de ilusão. Mas o tempo é o grande mestre e, na minha solidão, eu tive ocasião de meditar e reconhecer o meu erro”. A propaganda do PAIGC também evoluiu, em 1968 os meios de difusão estavam em verdadeiro confronto.

Leopoldo Amado procede minuciosamente à apresentação das alterações e ajustamentos que Spínola adotou em todas as Forças Armadas, destacando o papel da armada não só no controlo dos rios e da dissuasão do abastecimento das unidades e grupos de guerrilheiros, como também na missão de transporte, reabastecimento ou fiscalização marítima aproveitando-se da rede de 32 portos nos rios Cacheu, Geba, Rio Grande Buba, Rio Cobade, Cubijã Cabedú e Cacine. E mesmo antes de lançar meio através da africanização, Spínola procura equilíbrio militar. Começara o duelo de titãs.

(Continua)

Imagem retirada da brochura dedicada à Guiné-Bissau e publicada em 1980 pelo Real Instituto Tropical dos Países Baixos. Mostra um transporte público já em vias de extinção, anos depois a empresa faliu e as viaturas não resistiram à falta de manutenção.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9553: Notas de leitura (338): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9559: O PIFAS, de saudosa memória (3): Depoimentos de José Santos, Luís de Sousa, Abílio Delgado e Rogério Ferreira

 1. Mais informações que nos chegaram à caixa do correio da Tabanca Grande, sobre o PIFAS ou PFA - Programa radiofónico das Forças Armadas no CTIG, no início dos anos 70. [ Imagem à esquerda: A mascote do PIFAS, de autor desconhecido - Imagem enviada pelo nosso camarada Carlos Carvalho]


(i) José Santos [, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 3326 (Mampatá e Quinhamel, Jan 71/Jan 73]

Caro amigo: No programa do PIFAS, uma voz que conheço é a do João Paulo Diniz, locutor da Antena 1, ao sábado, entre as 5 e as 7 horas da manhã. Estou à espera que me telefone para me encontrar com ele. Depois darei notícias. OK ?! Um abraço, Santos


(ii) Luís de Sousa [, CCAÇ 2797, Cufar, 1970/72]
 
Olá, não posso dizer grande coisa para além de que passou pelos microfones do programa o João Paulo Diniz, que deve ter muito para contar, e com o qual fiz a recruta em janeiro de 70,  na Carregueira.



 (iii)  Abílio Delgado [, ex-Cap Mil da CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje, 1971/73]

Recordo-me do PIFAS, bem como o programa de discos pedidos. Aliás, os Gringos [de Guileje] chegaram a gravar cassetes que depois eram transmitidas nessa radio, única na Guiné. Os Gringos estiveram em Nhacra em 1972/73 e uma das missões desse aqurtelamento era precisamente a defesa da antena emissora da rádio militar da Guiné conhecida pelo PIFAS.


O Furriel Mendes, já falecido, dos Gringos, chegou a trabalhar na estação. Recordo-me que um dos responsáveis era um tipo alto, de barbas, tipo Luís Graça, cujo nome já não recordo. (...).


 (iv) Rogério Ferreira [, ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Nhamate e Galomaro, 1970/71]


PIFAS, um amigo na tristeza, passava pelo menos à tarde. Um dos locutores era o João Paulo Diniz, mais tarde locutor da Emissora Nacional ou RDP 1. Lembro-me que nos meses de Outubro ou Novembro de 1971, ele e outro locutor, e uma senhora (da qual não recordo o nome), faziam o programa e introduziram um passatempo.

Certo dia estava de folga e,  com dois camaradas furriéis, fomos ao Solmar e ouvimos no PIFAS que quem apresentasse nos estúdios uma alface teria um prémio. Claro,  nós, alface, não tínhamos mas lembrei me que tinha uma nota de 20$00 que cá no Continente lhe chamavam as folhas de alface. Foi-nos dito que,  se não aparecesse ninguém com uma alface,  ganharíamos. Apareceu entretanto um soldado ou um cabo com uma alface mas, ó meu Deus!, ninguém podia estar perto dele.

Não sei se recordam, na avenida para o Quartel General havia umas hortas,  não sei a quem pertenceriam. O camarada, ao passar em viatura, terá visto as hortas e as alfaces, só que não viu que junto à estrada havia umas regueiras onde corriam os esgotos que vinham do QG e era dessa água (?) que regavam a horta. Como era de noit,  ele nem viu a regueira.


Imaginam o resultado!... O mau cheiro,  parecia que ele tinha passado pelos esgotos de Santarém (para quem esteve na extinta EPC- Escola Prática de Cavalaria) ou  pelas velhas salinas de Tavira, com águas podres há vários anos.

Não me lembro o que foi o prémio mas entendo que o mereceu. Terei uma fotocópia dum postal do PIFAS mas vou tentar que mo emprestem de novo,  se ainda existir,  para tirar fotocópia a cores. É giro. Se conseguir,  faço chegar à vossa posse. (...)

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

4 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9557: O PIFAS, de saudosa memória (1): Depoimentos de José da Câmara, Carlos Carvalho e Carlos Cordeiro




4 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9558: O PIFAS, de saudosa memória (2): Depoimentos de David Guimarães, Joaquim Romero e António J. Pereira da Costa

domingo, 4 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9558: O PIFAS, de saudosa memória (2): Depoimentos de David Guimarães, Joaquim Romero e António J. Pereira da Costa


Imagem à direita: O PIFAS - Cartoon, de autor desconhecido, enviado pelo Miguel Pessoa

1. David Guimarães [ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas, CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72]:

Sobre o assunto em questão [, o PIFAS,]  proponho que procurem o João Paulo Diniz (ainda há dias o vi na televisão), vive por esses lados de Lisboa, creio eu. Ele mesmo foi locutor dos anos de 70/72 nessa rádio que conhecemos... 


Creio que por aí será fácil chegar a ele e ele terá então muitas histórias... E está vivo...


2. Joaquim Rodero [, ex-Fur Mil Trms, STM/QG, 1970/72]: Amigo Luís,  penso que um dos elementos a contactar, para te esclarecer sobre as actividades do PIFAS, será o ex-fur mil Vitor Raposeiro (, muito bom guitarrista!).  Fez parte do conjunto musical das Forças Armadas, que percorreu a Guiné em espectáculos ligados há acção psicológica , e era também elemento ligado à escuta das emissões da rádio Conacri , e que a partir do QG faziam o empastelamento dessas frequências de transmissão.


Também o Hélder Valério de Sousa esteve ligado à escuta, mas creio que não participou no Pifas, mas nada melhor que lhe perguntar. 


Recebe um abraço do Joaquim Rodero, extensivo a todo o corpo redactorial do blogue. 


3. António José Pereira da Costa [,  cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69,  e ex-cap art, cmdt da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74] 


 Camarada,  sugiro um contacto com o locutor João Paulo Diniz que foi locutor do PFA-Noctuuuuuurrrrno! em 1971/72/73(?). Ele é capaz de ter bobines ou cassettes do tempo e contar aventuras. Por volta de Jun 72 havia programas dedicados às unidades que eram identificadas pelo nome de guerra e localidade.

Tenho um PIFAS que ainda guincha. Era um boneco de borracha que guinchava quando se apertava, vagamente parecido com [a mascote do programa televisivo] Zip Zip, mas de camuflado, rádio e gravador portátil. (...)



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Nota do editor:

Vd. poste anterior da série > 4 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9557: O PIFAS, de saudosa memória (1): Depoimentos de José da Câmara, Carlos Carvalho e Carlos Cordeiro

Guiné 63/74 - P9557: O PIFAS, de saudosa memória (1): Depoimentos de José da Câmara, Carlos Carvalho e Carlos Cordeiro



O PIFAS - Cartoon, de autor desconhecido, enviado pelo Miguel Pessoa


1. Já tínhamos, aqui no nosso blogue, três ou quatro referências ao PIFAS, acrónimo de Programa de Informação das Forças Armadas, que passava na rádio, na Guiné, no início dos anos 70... 


Alguns postes, avulsos, já foram aqui publicados sobre esse programa: recordo-me, por exemplo, do poste P6106, de 4 de abril de 2010, do Miguel Pessoal, com um história engraçada que envolve a Giselda; e de um outro mais antigo, o poste P3488, de 20 de novembro de 2008, da autoria do António Matos... Também o José Manuel Dinis se refere ao PIFAS, no seu poste de apresentação à Tabanca Grande (Poste P3147, de 24 de agosto de 2008)

" (...) Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O Jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Diniz no PIFAS." (...) 

Mais recentemente o PIFAS veio à baila, a propósito do poste P9531 (veja-se o comentário do José da Câmara, a seguir no ponto 2). Tivemos necessidade de saber algo mais sobre esse programa radiofónico. Daí o nosso apelo, através de mensagem de 27 de fevereiro último, enviada pelo correio interno da Tabanca Grande:


Amigos e camaradas: Queremos saber (mais) coisas sobre o PIFAS - Programa de Informação das Forças Armadas... Artigos, notas, memórias, conteúdo dos programas, locutores, responsáveis, músicas que lá passavam... Obrigado pela vossa colaboração... Vamos abrir uma série sobre o PIFAS, se houver material... Um Alfa Bravo. Luis Graça

As respostas não se fizeram tardar, sob a forma de diversos depoimentos, informações, historietas, esclarecimentos, apontamentos, detalhes... Temos já aqui um conjunto interessante de informação que vamos começar a partilhar com todos os nossos amigos e camaradas. A quem já respondeu, o nosso muito obrigado. De quem tiver informação adicional, ficamos a aguardar que no la enviem, para publicação. Obrigado. (LG)

 2. Comentário de José da Câmara ao poste P9531

Caros amigos,

A programação do PIFAS era feita em Bissau, num edifício cercado de muros, que ficava um pouco acima do Clube de Oficiais da Força Aérea. Admito que a memória me falhe no pormenor da localização.

A segurança ao PIFAS, como era conhecida a Estação de Rádio, esteve a cargo da CCaç 3327, nos meses de Fevereiro e Março de 1971.

Nunca estive ligado àquela segurança, pelo que não posso acrescentar muita coisa de útil.
 Julgo saber que, ligados à Rádio na Guiné, durante algum tempo da sua comissão, açorianos foram dois: o Jorge Cabral, micaelense, já falecido, e o Álamo Oliveira que vive na Ilha Terceira.

Por Eurico Mendes, combatente em Angola, locutor e jornalista dos OCS portugueses, de New Bedford, soube que o Álamo lhe dissera que o Gen Spínola gostava de passar algumas horas nocturnas na estação do PIFAS.

A rubrica Discos Pedidos era, sem dúvida alguma, a mais popular entre os militares.

Naquele programa, em 1971/1972, também houve uma voz feminina.

Um abraço amigo,
José Câmara



A mascote do PIFAS, da autor desconhecido - Imagem enviada pelo Carlos Carvalho

3. Carlos Carvalho:

O PIFAS ficava situado em Bissau, tendo como locutor dinamizador nos programas de música pedida, e com concursos, entre 1970/1972, o conhecido locutor da Antena 1, João Paulo Guerra [ou João Paulo Diniz ?]. (*)

Tinha como boneco representativo, um boneco - o PIFAS - cuja imagem anexo.

4. Carlos Cordeiro:

Além do Jorge Nascimento Cabral, que faleceu há cerca de dois anos (na época era já funcionário do Emissor Regional dos Açores da Emissora Nacional),  também o António Lourenço de Melo, antigo locutor do ERA-EN, lá trabalhou (ambos de S. Miguel). Pedi-lhe já para nos fazer uma conferência integrada no ciclo: ainda não se decidiu, mas lá chegará. Julgo que não trabalhavam só na parte militar, mas também na civil, mas não tenho a certeza.

Não sabia que o Álamo de Oliveira também tinha trabalhado no PIFAS. 


Desculpa a minha “suspensão” das lides bloguísticas. Mas, “nesta fase da vida”, meti-me em demasiadas alhadas para as quais a pedalada já vai escasseando – por muito que me queira convencer de que não.

Um abraço do  Carlos (este e não o nosso Vinhal, para quem vai o meu abraço também)

PS - Penso que os dois não trabalharam simultaneamente. O Jorge era mais velho do que o Lourenço. Na altura em que o Lourenço de Melo lá esteve, quem controlava a Emissora era Otelo Saraiva de Carvalho (nada de certezas, pois foi em conversa de há tempos e posso estar a imaginar). 

[Continua]
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Nota do editor:

(*) Sobre o jornaliste radialista João Paulo Diniz [, que tem um programa de música, "Emoções", aos sábados, às 5h às 7h da manhã, na Antena 1]:

(...) "João Paulo Diniz trabalhou cerca de 30 anos da Radiodifusão Portuguesa (RDP), tendo na noite de 24 de Abril de 1974, aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa, lançado a música "E Depois do Adeus", de Paulo Carvalho, a senha que fez avançar a revolução que viria a derrubar o regime, então liderado por Marcello Caetano. Depois, na década de 1980, esteve na BBC, em Londres, e, entre Julho de 1997 e Dezembro de 1999, em Macau". (...) Fonte: Lusa, 11 de janeiro de 2008.

Ver também  Camões  - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, Número 5 · Abril-Junho de 1999 > Cronologia do 25 de Abril

Dia 22 [de Abril de 1974]


c. 11H00 - O capitão FA Costa Martins contacta João Paulo Diniz, no Rádio Clube Português (R.C.P.), por incumbência de Otelo, que o tivera como subordinado no Comando Chefe na Guiné, com o objectivo de emitir um sinal radiofónico para desencadear o movimento. O radialista, que desconhecia o emissário, desconfia da sua identidade, mas aceita, depois de muito instado, aprazar um encontro entre os três, nessa noite, num bar lisboeta.

Dia 23 [de Abril de 1974] 
00h15 - Otelo Saraiva de Carvalho e Costa Martins, protegidos pelo major FA Costa Neves, avistam-se, no Apolo 70, com João Paulo Diniz. Este esclarece que apenas colabora no programa matutino Carrocel do R.C.P., razão pela qual não poderá emitir a senha pretendida. Obtêm, contudo, a garantia de transmissão do seguinte sinal, entretanto combinado, "Faltam cinco minutos para a meia-noite. Vai cantar Paulo de Carvalho «E depois do adeus»", através dos Emissores Associados de Lisboa (E.A.L), que apenas dispõem de um raio de alcance de cerca de 100 a 150 quilómetros de Lisboa. A limitada potência do emissor torna, assim, necessária a emissão de um segundo sinal, através de uma estação que alcance todo o País.

- Deslocam-se, seguidamente, para junto da Penitenciária de Lisboa, onde aguardam que o ex-locutor do Programa das Forças Armadas em Bissau obtenha informação no Rádio Clube Português sobre a constituição da equipa que entrará de serviço na madrugada de 25. Este apura que o serviço de noticiário estará a cargo de Joaquim Furtado mas, conhecendo-o mal, não arrisca estabelecer contacto.


Dia 24 [de Abril de 1974]:

(...) 11h00 - Carlos Albino adquire na então livraria Opinião o disco «Cantigas de Maio», para garantia, já que, desde Dezembro de 73 havia indícios de que a PIDE se preparava para um assalto aos escritórios do Limite, na Praça de Alvalade.

- O capitão Costa Martins contacta João Paulo Dinis e informa-o que o sinal foi antecipado em uma hora. (...)

22h55 - 1ª senha: a voz de João Paulo Diniz anuncia aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 «E Depois do Adeus». Era o primeiro sinal para o início das operações militares a desencadear pelo Movimento das Forças Armadas. (...)

Dia 25 [de Abril de 1974]:

00h00 - João Paulo Dinis conclui o programa nos E.A.L. e regressa a casa, seguindo instruções do chefe militar do MFA.

00h20 – Nos estúdios da Rádio Renascença, situados na Rua Capelo, ao Chiado, Paulo Coelho, que ignora os compromissos assumidos pelos seus colegas do programa Limite, lê anúncios publicitários. Apesar dos sinais desesperados de Manuel Tomás, que se encontra na cabina técnica acompanhado de Carlos Albino, para sair do ar, o radialista prossegue paulatinamente a sua tarefa. Após 19 segundos de aguda tensão, Tomás dá uma "sapatada" na mão do técnico José Videira, provocando o arranque da bobine com a gravação que continha a célebre senha: a canção Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso. (...)

Sobre o jornalista João Paulo Guerra, vd. entrada da Wikipédia.