AS LOCALIDADES POR ONDE PASSEI... SOFRI... AMEI
(continuação*)
À Amadora cheguei... nem ao almoço tive direito e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego.
Voei para Sta. Apolónia, fui para o Porto, daqui para a Régua e o certo mesmo é que às 8,30 entro no novo poiso.
Bambúrrio... dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, 2.º Sargento e monitor agora, das tropas a preparar.
Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ele próprio se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse.
A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4.º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a tromba, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento... prolongados... estafantes.
Foram tempos duros, mas uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase: "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.
Lá de quando em quando, também nos convidavam a ir até lá abaixo à City e então era um fartote... que belas pingas... bom presunto (coisa da qual eu já ouvira falar mas não provara qu'a crise abundava com'há agora) e até as pessoas eram simpáticas prá rapaziada fardada.
No aspecto da preparação militar, gostei "manning" d'atravessar o rio dum lado pró outro, agarrado a uma corda e com os pés assentes noutra e a água lá em baixo revolta com'ó caraças fez-me perguntar a mim próprio: porqu'é que não trouxeste o calção de banho em vez da farda de trabalho?
Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia
Tancos, desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...
Recordo com alguma emoção convenhamos, aquele dia em que cá em baixo, junto ao Castelo de Almourol, me pediram atenciosamente para experimentar um pedaço de massa explosiva, a que chamavam farinheira. Colocada que foi, debaixo dum pedregulho de todo o tamanho, a que juntei depois um detonador, mais um cabo eléctrico com 50 metros que trouxe até cá ao alto e liguei a uma caixinha com alavanca que pressionei.
O estardalhaço do rebentamento foi impressionante, levantei a cabeçorra e é nessa altura que vejo no ar aquele monstro redondo a dirigir-se a jacto, precisamente para o local onde me encontrava e a quem eu disse:
-Trá-la-rai, la-rai, la-rai... falhaste pá... paciência.
Acabara sim, por derrubar uma pobre e velha árvore centenária.
Castelo de Almourol
Foto: Imagens de locais onde já estive, com a devida vénia
Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Avenida de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê. E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo-Miliciano condutor e mandam-me um atirador? Mas... - continuou ele: Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.
E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.
Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, às vezes, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi.
Turismei... Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...;
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria... Madragoa...;
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... comboios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao Jardim Zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...;
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...;
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...
Lisboa - Cinema S. Jorge
Foto: Expressões Lusitanas, com a devida vénia
Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.
Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou... E fui.
Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou.
Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.
Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.
Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique:
Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante, (pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria) e nós próprios, os Furriéis Milicianos e toda a restante e valorosa CCAÇ 1422 claro.
A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer... ordens não se discutem... cumpri.
Correu lindamente, marchámos com garbo. Depois? Bom... depois a vinte e tal de Agosto de 1965 chegámos a Bissau... para ganhar a guerra e preparar zonas de turismo para que os vindouros ali passassem férias descansadas.
Não precisam agradecer.
Disse.
Veríssimo Ferreira
Abrantes
Foto: Região do Médio Tejo, com a devida vénia
____________Nota do editor
(*) Vd. poste de 21 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12617: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (7): As localidades por onde passei, sofri e amei (Veríssimo Ferreira)
Último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)