segunda-feira, 28 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13055: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte III :vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos



Capa da brochura, s/d, usada no EPI, Mafra, no COM - Curso de Oficiais Milicianos












Reprodução da terceira parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em Mafra (*): vi - Serviço interno; vii -Dispensas, pretensões; viii- Fardamento; ix - Uniformes, equipamento e armamento; x- Revista de saúde e curativos (Estes pontos não foram, por lapso, incluídos na parte II

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à esquerda.

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, documento que nos chegou por mão da parelha Fernando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que estamos agora a publicar. Comparando os dois guias, há claramente um tratamento mais "classista", de maior deferência, em relação ao instruendo do COM, futuro "oficial e cavalheiro"...

Não encontramos este documento na Biblioteca do Exército nem sabemos de que data será.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE). As páginas que faltavam (4) foram agora disponibilizadas pelo Mário Vasconcelos a quem agradecemos a generosidade.



Mafra, EPI > Refeitório > 6 de janeiro de 2010 > 40 anos depois, o Paulo Santiago voltou lá, não para "matar saudades", mas para desatar os nós da memória...


(...) "Há o 6 de Janeiro de 1970, fiz vinte e dois anos, e entrei na EPI [, Escola Prática de Infantaria, em Mafra]... E hoje [, 6 de Janeiro de 2010, voltei a Mafra, voltei a entrar no Calhau, passados que foram 40 anos. Não sei como me apareceu a ideia, mas a verdade é que me sentei ao computador, há dias atrás e lá estava a enviar um mail ao Comandante, pedindo autorização para uma visita para este 6 de Janeiro de 2010. Visita autorizada por mail enviado pelo Major Álvaro Campeão com a concordância do Coronel Ormonde Mendes, Comandante da Escola.

(...) "Passei em Pombal, levei o Vítor Junqueira, e a seguir ao almoço estávamos a entrar pela Porta de Armas. Fomos amávelmente recebidos, fomos a alguns locais (ex. Gabinete do Comandante) onde quando Cadetes, nem sabia onde ficavam, e acompanhados pelo Srgt. Ajudante Janelas percorremos aqueles imensos corredores, onde já começava a ficar desorientado, o Refeitório, o Salão de Honra, as paradas, terminando no Bar de Oficiais. Como curiosidade fomos à Sala das Bicas, fica na extremidade dos refeitórios, nem eu nem o Vítor a conhecíamos, e recebe água vinda da Tapada (potável). Visitámos também uma sala com uma arquitetura notável : a Casa do Capítulo, também conhecida por Sala Elíptica." (...)

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2010). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2014 > Guiné 63774 - P13041: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte II: Averbamentos; Serviço interno; (...); Salas de estudo; Comportamento; Saídas do quartel; Passaporte de dispensas ou licenças; Cartas de recomendação, pedidos feitos por interpostas pessoas, etc.. etc., [vulgo, "cunhas"].

domingo, 27 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13054: Aqueles que nem no caixão regressaram (8): Terão morrido, no CTIG, entre 1963 e 1974, 143 combatentes nossos, por afogamento (6,9% do total de mortos) (José Martins)





Fonte: CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8º Volume -Mortos em campanha, Tomo II, Guiné - Livro 2. Lisboa: Estado Maior do Exército, 2001, p. 265.


1.  Pedido ao José Martins, nosso colaborador permanente [, foto à esquerda], com data de 22 do corrente:

Zé: Vê se tens alguma ideia sobre isto, números ou lista de desaparecidos na Guiné ... (Já não falo do resto). Vou vasculhar o blogue...

Precisavamos disto com urgência... Vê os postes sobre o José Mateus Henriques, da minha terra, Lourinhã... O Jaime Silva está a organizar uma homenagem no própximo dia 11 e a preprarar uma pequena brochura ou folheto... 

Um abração. Luis


2. Pronta resposta, no mesmo dia (!),  do José Martins:

Luís: Aqui vai o mais rápido que me foi possivel.  Não há uma estatística acerca dos desaparecidos por afogamento. 

Nas estatísticas que anexo das três frentes, não se “vislumbra” onde foram incluídos estes camaradas.

Baseio esta opinião no facto de, em 1969, ter havido, num único afogamento, 47 mortes [, no desastre do Cheche, Rio Corubal, 6/2/1969, Op Mabecos Bravios].

Se observarmos, na Guiné, no ano de 1969,  temos [, vd. quadro acima]:

Mortes em combate > 119
Acidente com arma de fogo  > 31
Acidente de viação > 14
Outras causas > 43

Só poderiam “caber” em combate, mas nota-se que o nº de mortos em combate (119) “está em linha com os anos anteriores” e “não difere muito" dos anos seguintes.

Segue estatística anual dos afogamentos na Guiné (1963-1974):





Fonte: José Martins (2014)


A percentagem dos afogados no total de mortes Guiné seria, pois, de  6,9 % .

Se mantivermos a mesma percentagem para outros teatros de operações  teremos:

Angola  > Total mortes > 3258 >  Por afogamento:  224

Moçambique > Total mortes >  2962  > Por afogamento: 204

Total dos 3 teatros seriam cerca de 571 afogamentos





Fonte: CECA e José Martins (2014)
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Guiné 63/74 - P13053: Aqueles que nem no caixão regressaram (7): Certidão de óbito de Manuel Salgado Antunes, sold, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74), desaparecido, com mais dois camaradas, no Rio Geba, em 10 de agosto de 1972... Era natural de Quimbres, São Silvestre, Coimbra.







Manuel Salgado Antunes. Cortesia do blogue CART 3494
& Camaradas da Guiné
Certidão de óbito do sold Manuel Salgado Antunes, da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), desaparecido no Rio Geba em 10 de agosto de 1972 (*).  [Foto à esquerda]

Com ele pereceram os sold Abraão Moreira Rosa (desaparecido) e José Maria da Silva e Sousa (sepultado no cemitério de Bambadinca


A certidão foi emitida pela Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné em 13 de março de 1973. 

O exército tinha processos expeditos de resolver estes casos  de "morte presumida" ), neste caso por afogamento,) que, na metrópole, poderiam levar anos e anos: veja-se o caso dos pescadores desaparecidos em naufrágios ao largo da nossa costa... 

Casos de camaradas nossos, presumivelmente afogados nas águas lodosas e traiçoeiras dos rios e braços de mar Guiné como o Manuel Salgado Antunes, natural do concelho de Coimbra, ou do José Henriques Mateus, natural do concelho da Lourinhã, eram "despachados" no prazo de um ano ou menos...  São apenas dois dos muitos camaradas nossos que "nem no caixão regressaram" (**)

Imagens: cortesia do blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné, criado e mantido pelo nosso grã-tabanqueiro, o nº 2, Sousa de Castro.
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Notas do editor:


(*) Vd, postes do blogue CART 34994 & Camaradas da Guiné:

14 de junho de 2013 > P180 - O Nosso camarada desaparecido no Rio Geba em 10AGO1972, Manuel Salgado Antunes não era efectivamente da Póvoa de Varzim, mas sim do Lugar de Quimbres da Freguesia de S. Silvestre do Concelho de Coimbra, conforme certidão de óbito que seu sobrinho nos facultou.

9 de agosto de 2012 > P-159 (III) O RIO GEBA E O MACARÉU - O NAUFRÁGIO NO DIA 10AGO1972 (Guiné, Xime - CART 3494) por: Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Milº. Op. Esp./RANGER


(**) Vd. postes anteriores da série:

13 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2837: Aqueles que nem no caixão regressaram (6): O infeliz António da Purificação Marques, morto no Cantanhez (Mário Fitas)

12 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2836: Aqueles que nem no caixão regressaram (5): Alguns casos da minha unidade, a CART 1690 (Geba, 1967/68) (A. Marques Lopes)

10 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2830: Aqueles que nem no caixão regressaram (4): O Açoriano, da CCAÇ 1439, desintegrado por uma mina (Henrique Matos)

9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2829: Aqueles que nem no caixão regressaram (3): Os oito esquecidos de Guidaje (Albano Costa)

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2821: Aqueles que nem no caixão regressaram (2): O caso do José Henriques Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)

9 de maio de 2008 >  Guiné 63/74 - P2820: Aqueles que nem no caixão regressaram (1): O Sold António Alves Maria da Silva, campa nº 247, Bissau (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P13052: Memórias de Gabú (José Saúde) (39): A guerra de além-mar 40 depois… Calar é resignar!



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

A guerra em além-mar 40 depois…
Calar é resignar

Sou, pressupostamente, um homem livre numa sociedade que paulatinamente me tem vilipendiado direitos conquistados e extorquido hirtos compromissos atempadamente assumidos! Há 40 anos era apenas mais um dos cerca de 40 mil militares oriundos dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Marinha e Força Aérea – que prestavam serviço militar obrigatório na Guiné.

A guerra era, para mim, uma matéria desconhecida. Sei, e afirmo com convicção, que o medo instalado no ego de uma juventude que ambiciona alcançar um mundo de sonhos, foi, nalguns casos, irremediavelmente interrompido para jovens soldados que tombaram nas frentes de combate, ou em situações adversas.

Revolta-me, tal como sempre, o velho slogan que esses célebres camaradas morreram “em defesa da Pátria”. Não! Morreram porque enquanto jovens foram atirados para uma peleja onde os interesses individuas se sobrepunham a um coletivo que se arrastava num adensado mato, ou numa inusitada picada, assim como em ataques aos quartéis, sendo que a imprevisibilidade do momento seguinte era, irreversivelmente, uma incógnita acrescida.

Em Nova Lamego, região de Gabu, conheci, pessoalmente, os horrores da guerra. Conheci, e vive, situações que roçaram o desespero. Imagens que farão eternamente parte do álbum de uma guerra que jamais deu tréguas a jovens entregues à inclemência do imprevisível destino.

Relembro que a guerra da Guiné cruzou gerações. Onze anos de guerrilha. Onze anos em que muitos camaradas morreram e outros ficaram estropiados. Uma comissão militar que originou, também, futuros incertos. Camaradas que jamais se dissociaram do stress pós traumático de guerra. Muitos outros camaradas vivem hoje na rua, outros existem que ainda se envolvem em pontuais conflitualidades familiares, ou sociais.

Para todos os camaradas que conviveram com os tormentos da guerrilha da Guiné, fica a minha singela homenagem a estes notáveis combatentes que expuseram os seus corpos às balas e a certeza de que calar é resignar, subentendendo-se de antemão que a doutrina dos Capitães de Abril impôs alterações políticas e militares ao velho regime, entregando aos movimentos de libertação a condição de países independentes.

No limbo do esquecimento sobre a guerra de além-mar cujo fim leva, apenas, 40 anos, leva-me a supor que neste País de Abril residem cavaleiros andantes que tendem “esconder” uma verdade assumida, nem sempre contada, e que se refugiam em meros pressupostos ditos evasivamente, olvidando quase por completo os combatentes no antigo Ultramar português.

Como nota de rodapé fica a minha apreensão futura sobre a Liberdade conquistada há 40 anos com a Revolução dos Cravos! Resta, porém, a veracidade que a história não apagará das suas páginas a mais recente guerra armada deste povo lusitano que desbravou a impetuosidade de "mares nunca dantes navegados" e os "medos" sentidos em solo guineense, designadamente.

Nós, militares que conhecemos as agruras da guerra da Guiné, afirmamos bem alto que fomos meros peões no xadrez de um puzzle que ditou inalteráveis destinos.



No mato, junto a uma tabanca

Um abraço, camaradas

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

15 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12589: Memórias de Gabú (José Saúde) (38): Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento.


Guiné 63/74 - P13051: Parabéns a você (725): Hugo Guerra, Cor DFA Ref, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13029: Parabéns a você (724): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

sábado, 26 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13050: Convívios (587): XIX Encontro do pessoal do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), dia 17 de Maio de 2014 em Ançâ - Cantanhede (César Dias)

Aquartelamento de Mansoa, sede do BCAÇ 2885 (1969/71)


1. Mensagem de César Dias (ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71), com data de 26 de Abril de 2014:

Amigo Carlos
Venho mais uma vez pedir-te, que se assim o entenderes publiques o convívio do BCAÇ 2885, que terá lugar mais uma vez na Quinta Do Pingão em Ançã - Cantanhede, em 17 de Maio, data que mais se aproxima da nossa chegada à Guiné.
Envio-te o o folheto que me foi facultado pelo Ventura da organização, e duas fotos de Mansoa.
Mais uma vez grato pela atenção

Um forte abraço
César Dias


Mansoa - Ponte sobre o rio Mansoa na longa estrada alcatroada que ia de Bissau até ao Rio Geba, fronte a Farim

Fotos: © César Dias. Todos os direitos reservados
Edição e legendas: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13037: Convívios (586): VIII Encontro/Convívio do pessoal da CCS do BART 2917, dia 24 de Maio de 2014 em Torreira (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P13049: Blogpoesia (379): A morte passou por mim (José Teixeira)



1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2014:

Como este tema tem dado que falar, eu resolvi escrever um pouco.

Votos de Boa Páscoa para todos os camaradas e familiares
J.Teixeira



A morte passou por mim

Perguntaste-me um dia: Pai tiveste medo?
Filho, eu tive medo. Sim!
Sempre que a morte passou por mim,
Naqueles longos anos em que não vivi
O tempo para que nasci.
E mil vezes eu morri de saudade,
Perdido numa guerra que nunca entendi,
E foram apenas dois anos, uma eternidade –
Mil vezes eu morri quando as balas passavam a meu lado a assobiar,
Mil vezes eu morri, quando os canhões cantavam a canção da morte,
E quantos camaradas partiram, talvez por má sorte -
Mil vezes eu morri com as crianças a chorar
E as granadas a rebentar, mesmo a seu lado.
Mil vezes eu morri com as mulheres a fugir
Com o filho às costas, amarrado,
E se escondiam num buraco, na terra vermelha, escavado.
Mil vezes eu morri com os camaradas em sofrimento e dor.
Mil vezes eu morri nas lágrimas da mãe que viu sua filha morrer
No meio daquele horror.
Mil vezes eu morri na vida jovem que se perdeu a meu lado
Sem lhe poder valer, quando era tão cedo para partir –
Mil vezes eu morri quando o sopro da mina me projetou,
Longos segundos de espectativa –
Mas ainda não tinha chegado ao fim, a minha vida.
Mil vezes eu morri, no silêncio que me enchia a alma
À sombra do frondoso poilão,
E me perguntava, sem esperança de resposta
De que lado estava a razão.
Como se fosse possível uma justificação,
Para a guerra.

José Teixeira

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13038: Blogpoesia (378): Em Abril... (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P13048: Bom ou mau tempo na bolanha (53): "Cristo", o Carpinteiro (Tony Borié)

Quinquagésimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.



Mansoa, aquartelamento, arroz e peixe da bolanha, o cheiro da terra vermelha em algumas madrugadas quentes e húmidas, e o companheiro Manuel Cristo, que era habilidoso, mesmo muito habilidoso, “rapava o cabelo” a alguns, fazia aquelas tatuagens a quem lhe pedia, com aquelas legendas “Amor de Mãe”“Guiné - 1964”, “Guiné - Bat. Art. 645”, ou “Guiné - Comp. Caçad. 654”, mas o nome por que era mais conhecido era “Cristo”.

Recebeu este nome de guerra, porque além de todas aquelas habilidades também gostava de trabalhar na madeira e, de uma certa vez, de um tronco pequeno e seco de uma árvore, que o avanço das obras do aquartelamento mataram, com um canivete, que por acaso tinha num dos lados uma legenda dizendo qualquer coisa como “Recordação de Fátima”, fez uma imagem que se parecia com Jesus Cristo.

A sua tarefa e o seu posto na guerra era soldado com a especialidade de “atirador”, não sei se havia outra designação, mas era o que se dizia de alguém que carregava a G3 às costas e, lá ia para as patrulhas e emboscadas. Era magro, caminhava com as pernas tortas, em arco, como alguns jogadores de futebol, gostava de tudo o que envolvesse madeira e, quando segurava uma tábua que tinha tirado de uma caixa de munições, passava com a palma da mão pela sua superfície, como que a acariciá-la e, com um serrote, um martelo e alguns pregos, que às vezes aproveitava, já tortos, mas com algum cuidado endireitava, fazia as gaiolas para os macacos e piriquitos, mesas de cabeceira, bancos, algumas caixas de diversos formatos, a que nós chamávamos armários e algum equipamento para a cozinha do Arroz com Pão, que era o cabo do rancho. Como habilitações literárias tinha a segunda classe, que depois de receber um questionário, vindo de Portugal, que completou, com a ajuda e algumas instruções do furriel miliciano que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão, e que comprovou e assinou diversos documentos, em como lhe tinha dado classes e, por fim recebeu um diploma oficial da quarta classe, que orgulhoso guardou, dizendo:
- Quando regressar à minha aldeia, se regressar, já não sou o Manuel, filho do Zé Lavoura, sou o senhor Manuel, que sabe ler e escrever, com diploma e tudo, e quer um emprego à altura.


O “Cristo” era “pau para toda a obra”, ou seja era habilidoso e ajudava em tudo o que fosse madeira e não só. Como lá no aquartelamento, assim que algumas paredes estavam erguidas e cobertas com telhado, eram logo “ocupadas”, precisava-se de tudo, aproveitava-se tudo. Roubavam-se as tábuas que tinham servido de molde para o cimento da base dos pavilhões, sujas de cimento seco e com pregos, que o “Cristo” nos dizia para limpar e tirar os pregos e para depois o chamar. Enfim, em pouco tempo o “Cristo” já não chegava para as encomendas, como é costume dizer-se.

O comandante, numa visita de rotina ao centro cripto, perguntou se não havia uma mesinha a mais, pois precisava de uma nos seus aposentos, que não eram aposentos nenhuns, aquilo parecia mais uma “toca”, para os seus livros que andavam pelo chão. O Cifra logo lhe disse para falar ao “Cristo”, que lhe faria uma, sem qualquer problema e, bem feita. O comandante, depois de ver a mesinha, com uma pequena gaveta e tudo, mas improvisada, com muita imaginação e, como se estava a improvisar tudo no aquartelamento, retira-o do seu lugar de soldado atirador, manda vir da capital da província algumas ferramentas de carpinteiro, uma pequena banca em madeira, e num pequeno espaço do aquartelamento, que o mesmo “Cristo” construiu, monta uma pequena carpintaria, onde o “Cristo” era o carpinteiro.
Passou a receber um prémio monetário mensal, e não tinha tempo para mais nada. Ia à capital buscar tábuas, pregos, cola e outros materiais com as quais fazia pequenas obras: arranjava portas que fechavam mal, fazia mesas, cadeiras e vasos dos barris de vinho, alguns bancos para o refeitório, etc. Em resumo, depois da sua promoção a carpinteiro, o aquartelamento passou a ter outro aspecto, e o “Cristo” era das pessoas mais apreciadas no aquartelamento. Quando via o Cifra dizia:
- Tens que vir ver a mesa secretária que estou a fazer para o sargento da messe, que tu talvez vás usar para fazer as suas contas, porque ele é burro. Mas o Cifra não queria saber de nada, pois só pensava em vir embora daquele inferno, pensava em Portugal, na sua aldeia e, talvez na menina Teresa, que era uma “solteirona”, que escrevia as cartas à mãe Joana, que lhe tinha mandado numa dessas cartas, uma nota de vinte escudos, para lhe trazer da Guiné, um “Falo”, ou seja um “Phallus”, ou mais propriamente um “Pénis” em madeira de pau preto, talvez de ébano, para lhe dar sorte na vida, e até explicava o tamanho e alguns pormenores!

Tony Borie, Abril de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12971: Bom ou mau tempo na bolanha (52): Pelo Arizona e Nevada - Grand Canyon (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13047: 10º aniversário do nosso blogue (22): Mensagens de parabéns (Parte I): Virgílio Valente (Macau, China), Albano Costa (Guifões, Matosinhos), Joaquim Luís Fernandes (Maceira, Leiria) e Felismina Costa (Agualva, Sintra)

1. Seleção de mensagens enviadas para a caixa do correio da Tabanca Grande ou comentários a postes anteriores (*):

(i) Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], Macau [ ex- alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74.] [, foto atual à esquerda]

Parabéns à Tabanca Grande pelo 10.º Aniversário.

Parabéns também aos seus mentores e um grande abraço pelo trabalho que vêm fazendo.

É de facto uma Tabanca Grande onde cabem todos os que vêm por bem.

Diariamente acedo ao blogue e diariamente me culpo por ainda não ter contribuído com algo.

Mas tudo virá a seu tempo.

Daqui, de Macau, do longe Oriente, vai um abraço muito especial, neste 10.º Aniversário da Tabanca Grande, para todos os que diariamente constroem e mantém vivo este ponto de encontro.

Para todos os que passaram, viveram e sentiram a Guiné-Bissau um grande abraço.

Para os camaradas da minha CCaç 4142, que estiveram em Gampará, de 1972 a 1974, que lá viveram o 25 de Abril e o primeiro 1.º de Maio, que lá tiveram os primeiros encontros, em paz, com os camaradas do PAIGC e para aqueles que sendo da Guiné se lembram ou estiveram também nesses momentos, um grande Abraço.

Força, ainda há muito para escrever nesse blogue.

Obrigado Luís Graça e restantes Camaradas.
Virgílio Valente
Macau, China.

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(ii) Albano Costa [ ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74] [., foto à direita  no nosso II Encontro Nacional, Pombal, 2007]

Caros amigos

Não queria deixar passar este dia sem vos agradecer a todos o prazer que me têm dado de vos acompanhar ao longo destes anos todos.

Parece fácil mas não o é, só com pessoas empenhadas como todos os que fazem mover este blogue, desde já os meus agradecimentos, e que Deus vos dê saúde e paciência para continuarem nesta luta que tem feito muitos bem aos ex-combatentes, que os aproximou e fez com que nós todos tenhamos sacudido o pó e que ainda possamos continuar a fazer despertar as nossas mentes para mais estórias.

Um bem haja para todos,
Albano Costa

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(iii) Joaquim Luís Fernandes, Maceira, Leiria [ex-alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974] [, foto à direita]

Caro Luis Graça, Caros Camarigos

24 de abril de 2014; De manhã visitei o blogue e deparei-me com este Post 13030. Apressado li o poema (que já tinha lido noutro post) "Hoje tenho pena de nunca ter escrito a uma madrinha de guerra". Então, senti um tremor e comovi-me até às lágrimas. Senti o impulso de logo comentar e enviar o meu abraço fraterno e os parabéns ao Luís, mas as obrigações profissionais exigiam de mim que saísse do blogue e adiasse o comentário, como tantas vezes acontece.

Foi um dia intenso, exigente. A minha sensibilidade esteve à flor da pele, pelo poema, pelo que me fez sentir, pelo dia em que estava, no muito que me recordava e me fazia reviver em fortes emoções.

Agora já é dia 25, 40 anos depois desse outro dia 25 de abril que me apanhou na Guiné. Apetecia-me escrever muito, exteriorizar os meus sentimentos, registar os meus pensamentos e reflexões sobre esta data e o que ela encerra e me diz, neste confronto de esperanças e desilusões, de interrogações e conclusões, mas não é este o lugar apropriado e também já estou cansado, pelo que vou ser breve.

Quero dizer-te Luís, que gostei muito deste teu poema, em que dizes tanto, naquilo que sentes e expressas e de que comungo. Nesta confissão, vejo a grandeza da tua alma e o teu grande talento. Mas permite-me que te diga: Não tenhas medo do Sagrado. Ele está perto de ti. Ele está em ti e nada te rouba, apenas te engrandece e te devolve em ti, a plenitude do teu Ser.

Postal de aniversário. Autor: Miguel Pessoa
Eu também nunca tive uma madrinha de guerra, mas tinha uma namorada/noiva/mulher. Tinha deixado também a rezar por mim, mãe, pai, futura sogra, irmãs, irmãos. Escrevi e recebi centenas de cartas e aerogramas. Eles foram para mim um bálsamo. Ler e escrever era o meu momento de encontro comigo próprio, livrando-me da alienação da guerra. Momento de interiorização e de equilíbrio emocional.

Por fim quero manifestar mais uma vez o meu apreço pelo Blogue. Endereçar-te os parabéns pelo seu 10º aniversário, que torno extensivos aos camaradas co-editores a a todos os camarigos de tertúlia. Peço compreensão pela minha parca participação. Quando tiver mais tempo disponível, escreverei mais. Há muitas reflexões e vivências que gostaria de partilhar e perguntas a fazer. Há enormes hiatos na minha compreensão do que foi aquela guerra, que gostaria de esclarecer. Haja tempo para isso.

E por aqui me fico por hoje.

Um forte abraço
JLFernandes

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(iv) Da nossa amiga tertuliana Felismina Costa de Agualva, Sintra

Ao seu criador Luís Graça,
Aos Editores Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães Ribeiro, e à tertúlia em geral.

É com muita amizade que saúdo o Décimo Aniversário da existência deste Blogue, seu criador e editores, e bem assim quantos que, com o seu testemunho, fazem com que o propósito da sua criação tenha atingido um nível tão alto e tão diverso, tal como foram as vivências aqui relatadas, suas ideias, suas convicções, suas dores, mágoas e alegrias...

Ele, é a página que relata, treze anos de vida da Juventude Portuguesa, perdida numa luta sem sentido, por terras da Guiné entre 1961/1974, e onde os participantes sobreviventes dão testemunho da sua experiência, do seu crescimento e amadurecimento, e o palco do reencontro de velhos camaradas e amigos!

Ele, o Blogue, reuniu uma grande família, que cresceu e se multiplicou nos anos de ausência, na análise do passado, do vivido e aprendido, nos valores da fraternidade que toda a vivência produz!

Aqui, eu mesma, reencontro o tempo, a ligação ao passado, a amizade coexistente num tempo em que também fui "espectadora" ausente e preocupada. Com ele, julgo, também tenho crescido um pouco na compreensão do tema uno.

Ganhei amigos que fazem parte do meu presente, que preenchem as minhas horas, que são tema das minhas referências, com quem partilho vivências, ideias, alegrias e tristezas, pois que é de tudo isso que a vida se faz!

Felicito o tempo de vida desta Página, a Grande Obra, onde se regista muito do vivido "Naquele Tempo"! 

Felicito o seu Criador na Pessoa do Dr. Luís Graça.

Felicito os seus editores, nas Pessoas de Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães Ribeiro.

Todos os seus Colaboradores, todos os que participam com o testemunho da sua vivência e da sua amizade e suas respectivas famílias. Eu, sou-vos devedora, da vossa amizade e do orgulho que sinto por tudo o que atrás refiro.

Desejo a continuação deste Diário, desta Obra-Prima de Organização e testemunho, por muitos anos, que é o relato em primeira mão de uma grande página da História dos Povos.

Bem-hajam Amigos! Obrigada!
Felismina Mealha

Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

1. Mensagem, com data de ontem, de Vasco Pires (ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72; membro da Tabanca Grande, a viver na diáspora, Brasil]


Assunto: Raspando o fundo do baú..

Caríssimos,

Quando li o desafio do Luis, para "raspar o fundo do baú", nada me ocrreu, contudo, há dias, fazendo um comentário num post, "veio à memória":


O ATO MAIS IRRESPONSÁVELDOS MEUS DOIS ANOS DE SERVIÇO COMO SOLDADO DE ARTILHARIA!

Decorria o ano de 1970, quando cheguei a Bissau, no BAC1  (ou já seria GA7?), que era Comandado por um controverso Oficial Superior de Artilharia, a quem a caserna dera o codinome de "Paizinho", entre outros, que vou me abster de mencionar.

Circulavam "estórias" por Bissau, algumas falsas, outras verdadeiras, como o facto de ter "saído no Braço" com o Segundo Comandante, o que acarretou a ruína da carreira do desdito Oficial. Esse comportamento do Comandante, digamos errático para ser generosos, contaminou as relações dos Oficiais do Comando, e consequentemente, se foi alargando (como as pragas).

Após a chegada, foi feita uma apresentação ao material em operação nos Pelotões (10,5,  11,4, e 14); já quanto á situação operacional do TO, apesar de desde a recruta, vermos cartazes "gritando", "O boato fere que nem uma lâmina", as "infomações" vinham mais do "Jornal da Caserna", que propriamente um "briefing" consistente.

Alguns dias após a chegada, mandaram-me, por um curto período, para um Pelotão no Bachile, acredito, que para cobrir férias do Comandante.

Lembro bem, que no entusiasmo de "periquito", aceitei o convite do Comandante de uma patrulha, para ter uma ideia, de como seria um pedido de apoio; errado, porque a ordem expressa do Comando do BAC1, era de que o Pelotão (material e militares), só poderia sair dos quartéis, com uma ordem escrita do Comando do Aquartelamento.

A ativadade operacional do Pelotão era nula. Deslocava-me a Teixeira Pinto com alguma regularidade, um dia no Bar do CAOP1, fui abordado pelo Major de Operações, que, após se certificar da minha identidade de soldado de Artilharia, desferiu:
- Amanhã, terá uma grande operação, forças especiais e tropa regular vão atacar uma base IN na Mata X [da qual não lembro o nome, e que na altura, como recém-chegado, pouco ou nada dizia para mim]. Nós ( eu e ele) vamos regular o tiro. Amanhã às Y horas, esteja no lugar Z!!!

No auge da minha "periquitice", sem nada perguntar, limitei-me a dizer:
- Sim, senhor, meu Major!

Na minha fantasia, iríamos regular o tiro, a bordo de um helicóptero; na hora e local determinado, como não poderia deixar de ser, me apresentei devidamente "armado" com a minha tabela de tiro. Qual não foi a minha surpresa, quando subimos numa Dornier!

Por lá andamos ás voltas, ele identificando os alvos, e eu,  tabela de tiro no colo, calculando, e transmitindo a ordem de fogo para o Pelotão!!! Felizmente nada ocorreu de anormal.

Quando descemos, me faltaram as palavras e a coragem, para transmitir o meu espanto do ato que tínhamos acabado de cometer.

Ainda hoje, mesmo que tenha cometido outros erros, considero este como o ato mais irresponsável, dos meus dois anos de serviço na Guiné, como soldado de Artilharia.

E siga a Artilharia...

Forte abraço a todos

Vasco Pires

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Guiné 63/74 - P13045: Homenagem póstuma, na sua terra natal, Areia Branca, Lourinhã, 11 de maio próximo, ao sold at cav José Henriques Mateus, da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido em 10/9/1966, no Rio Tompar, no decurso da op Pirilampo. Parte III: A certidão de óbito nº 594/967, da Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

1. Mensagem de ontem, do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques 
da Silva [, natural de Seixal, Lourinhã, e residente em Fafe, onde foi professor de educação física e autarca (com o pelouro da cultura, e onde é mais conhecido como Jaime Silva), ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), membro da nossa Tabanca Grande]:

Caro Luís

Estive a ler a Certidão de óbito do Mateus., Diz que vai ser sepultado mas não se percebe a palavra porque a fotocópia está em muito mau estado. Vou tentar voltar ao Arquivo do Exército.

No entanto lê e passa ao pessoal para ver se sabem explicar a sua existência!


Eu não a vou divulgar nos cartazes da exposição
Jaime


2. Reprodução da certidão de óbito nº 594/967, referente ao sold at cav José Henriques Mateus,  CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido no Rio Tompar, em 10/9/1966, no decurso da Op Pirilampo, e cujo corpo nunca foi encontrado.

Recorde-se que em Novembro de 1966 fora já abatido ao efetivo do Regimento  [ RC 7] e da Companhia de Cavalaria n.º 1484 e um ano depois, em novembro de 1967, "por despacho de 24.10.67 foi confirmado como ocorrido em e por motivos de serviço o acidente referido, e de que lhe resultou a morte. (O.S. 265)." (*)


CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL DA COMARCA DA GUINÉ
CERTIDÃO N.º 594/967
------- PEDRO GOMES DIAS, TERCEIRO AJUDANTE INTERINO, DA CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL DA COMARCA DA GUINÉ,  EM BISSAU, E COMO TAL SUBSTITUTO LEGAL DO CONSEVADOR, EM EXERCÍCIO: -------------------------------------------------------------------------------------------------------
------ CERTIFICO que as folhas sessenta e cinco verso do livro do registo de óbito arquivado nesta Conservatória, e referente aos anos de mil novecentos e sessenta e seis a mil novecentos e sessenta e sete, se encontra um registo de teor seguinte: ----------------------------------------------
À MARGEM.- Averbamentos. – Registo número setenta e cinco “HENRIQUES MATEUS” (JOSÉ). Certificado de óbito nos termos do artigo duzentos e oitenta e um e duzentos e oitenta e dois do Código do Registo Civil. – NO TEXTO. -  Registo de óbito.  No mês de Janeiro do ano de mil novecentos e sessenta e sete, nesta Província, faleceu em combate um indivíduo do sexo masculino  de nome José Henriques Mateus, de vinte e três anos de idade, de profissão soldado do Exército, natural da freguesia de Lourinhã, Concelho do mesmo nome, domiciliado nesta [_____________], filho de Joaquim Mateus Júnior, e de Maria Rosa Mateus. O falecido era solteiro. O falecido ignora-se deixou descendentes menores, ignora-se deixou bens, não deixou testamento e o seu cadáver vai ser transladado, digo, sepultado no cemitério do [_____________].
A declaração de óbito foi feita de conformidade com o ofício número sessenta e quatro traço sessenta e sete, Processo número sete traço sessenta e sete do tribunal Judicial da Comarca da Guiné que acompanhou a certidão de sentença proferida pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz [?], em Bissau, digo em vinte e três de Janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. Depois deste registo ser lido e conferido com o seu extrato vai ser assinado por mim Carlos Dinis de Figueiredo Júnior,  conservador do Registo Civil. Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné em Bissau, aos trinta dias do mês de Janeiro  de mil novecentos e sessenta e sete. (Assinado) Carlos Dinis de Figueiredo Júnior.----------------------------------------------------------------------------- Por ser verdade mandei passar apresente certidão que vai por mim assinada e autenticada com o selo branco em uso nesta Conservatória, depois de revista e conferida.-----------------Isenta de selos e emolumentos por se destinar única e (?) (?) (?) militares (?) (?) (?). (**)-------------- Conservatório do Registo da Comarca da Guiné (não se percebe a data, escrita por extenso, nem a assinatura)

ESTÁ CONFORME
O CHEFE DA 1.ª REPARTIÇÃO
SOUSA MONTENY

Guiné 63/74 - P13044: (Ex)citações (227): A guerra vista de Bafatá. O edifício-sede do batalhão (António Bernardo, CCS / BART 2920, Bafatá, 1970/72)

1. A propósito da mensagem: Guiné 63/74 - P13034: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (88): O senhor Camilo da Bafatá, da autoria do nosso Camarada Fernando Gouveia, que foi Alf Mil Rec e Inf, em Bafatá, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2014, recebemos do Sr. António Bernardo a seguinte mensagem:


Caro Fernando,

Permite-me emendar-te na legenda das fotos. O edifício-sede do batalhão é o assinalado na foto que envio em anexo e defronte do qual, situava-se a casa do Sr. Camilo. De estilo colonial, composta de dois pisos. No rés-do-chão, o estabelecimento comercial; no piso superior, a residência.

Era do conhecimento geral, os "lautos jantares à oficialidade lá do sítio", tanto assim, que foi no lauto almoço do domingo de Páscoa de 1972 (2 de abril) que o cmdt do BART 2920, tomou conhecimento do acontecido na CART 2742 em Fajonquito e relatado no poste 5932. 




Cumprimentos.


António Bernardo

[ CCS / BART 2920, Bafatá, 1970/72]



___________

Nota de M.R.: 

Vd. Também o poste em referência: 


Vd. último poste desta série em: 


sexta-feira, 25 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13043: No 25 de abril eu estava em... (22): Cafal Balanta, Cantanhez... (António A. Quintela, ex-alf mil, CCAÇ 4544/73, 1973/74)




Lisboa > Av Berna > Muro da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH / NOVA)> Destaque para a figura do cap cav Salgueiro Maia (comandante da CCAV 3420, Bula, 1971/73), nosso camarada da Guiné e que eu conheci pessoalmente no ano letivo de 1975/76 no então ISCPS - Instituto Superior de Ciências Políticas e Sociais, na Rua da Junqueira, onde fomos colegas, por um ano, no curso de licenciatura em Ciências Sociais e Políticas, embora sem qualquer relacionamento pessoal [, tendo eu seguido depois, em 1976/77 para o ISEG e, no ano seguinte, para o ISCTE, onde terminei o cruso de Sociologia, em 1980; o Salgueiro Maia tinha duas licenciaturas pelo ISCSP, Ciências Políticas e Sociais (1979) e Ciências Antropológicas e Etnológicas (1980)]. Tamto quanto me recordo dele, as vezes que nos cruzámos, era um típico militar, distante, reservado, e equidistante dos diferentes grupos estudantis de esquerda e extrema-esquerda que imperavam no ISCSP.



"Cinco artistas mostram a sua visão sobre o passado, o presente e o futuro da Revolução de 74 através da pintura do muro da FCSH. A iniciativa enquadra-se no 40.º aniversário do 25 de Abril. Vhils, co-fundador da plataforma Underdogs, respondeu ao desafio lançado pelo Instituto de História Contemporânea (IHC), unidade de investigação da FCSH/NOVA, e convidou Miguel Januário, Frederico Draw, Diogo Machado e Gonçalo Ribeiro para, em conjunto, pintarem o muro da Faculdade. O objectivo é “mostrar como esta nova geração de artistas interpreta o 25 de Abril e como esta data influenciou as suas vidas”, afirma Vhils, também conhecido por Alexandre Farto. " 

(Fonte: FCSH/UNL Vd. mais fotos na página do Facebook).


Fotos: © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) António A Quintela cm data de hoje:

Assunto: Uma estória do 25 de Abril na Guiné

Caro Amigo


Ainda não me associei à Tabanca Grande mas em breve irei formalizar essa situação.

Fui alferes de infantaria da CCAÇ 4544 em Cafal Balanta desde outubro 73.

Lá passei o 25 de Abril e lembrei-me de contar uma estória talvez curiosa mas que relata o sentimento então já vivido sobre a queda iminente do regime de então.

Esta estória antecede o relato já feito pelo António Agreira sobre a maneira como soube do que se passava em Lisboa.

Um abraço para ti e para todos os camaradas da Tabanca Grande.

António Quintela



2. Uma pequena estória do 25 de Abril de 74 em terras da Guiné

por António Quintela


Antes de mais ressalvo desde já alguns lapsos de memória que a 40 anos de distância se entenderão.

Estava então em Cafal Balanta na CCAÇ 4544 desde Outubro de 1973.

Poucos dias antes do 25 de Abril e após termos ouvido, como era hábito, o noticiário em português da BBC, o comandante da companhia, Cap Salgado Martins e os alferes ficamos a conversar sobre a situação que, pelo menos desde o 16 de março.  estava instável, situação de instabilidade essa que a BBC retratara.

A conversa desenvolveu-se e de repente estávamos a planear uma tomada do poder em Lisboa com as tropas estacionadas na Guiné.

Definiram-se objectivos estratégicos e foi necessário mandar manter o gerador em funcionamento mais horas para que o "planeamento" fosse concluído.

No dia 25 logo de manhã soubemos o que se passava em Lisboa,  graças ao [fur mil António] Agreira das transmissões (**) que tinha apanhado a informação via rádio, nomeadamente, da "Maria Turra", que a partir desse momento passou a transmitir música portuguesa do Zeca e de outros oposicionistas ao regime até então vigente, pese embora referir a necessidade de se confirmar a orientação política da acção revolucionária. Temia-se de facto que pudesse ser a facção Kaulza [de Arriaga] a actuar.

O Capitão Salgado Martins que se tinha deslocado à sede do batalhão em Cadique, não acreditou de imediato na informação que lhe foi transmitida, referindo depois que pensara ser gozo na sequência da noite do "planeamento" da acção. Só regressado ao aquartelamento pôde confirmar a verdade e o sentido político do golpe de Lisboa.

Nessa noite contudo e ao contrário de todas as anteriores, não se ouviu um único disparo de armamento pesado do PAIGC.

António A Quintela

3. Comentário de L.G.:

António, camarada, és bem vindo à Tabanca Grande. Manda as duas fotos da ordem, que a história, essa,  já contaste. Depois do Carlos Prata,  do António Agreira e do João Nunes, passarás a ser o quarto  representante dos bravos da CCAÇ 4544/73. Julgo que vivas nos Açores, não ? Um alfabravo. Luís Graça

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Notas do editor: