segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (89): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)


Guiné > Região do Oio >  Jumbembem > CART 730 e CCAÇ 1565 (1966/68) >  Em primeiro plano, de costas, e quico na mão, o 1.º cabo operador cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre, que foi, com o Artur Conceição, sold trms, uma das primeiras testemunhas das circunstâncias trágicas em que morreu o cap mil inf Rui Anónio Nuno Romero, comandante da CCAÇ 1565, de 32 anos, casado, pai de 2 filhas (a Isabel, com 7; a Ana, com 1), natural de Portalegre, residente em Lisboa, filho de pai militar,  desenhador de construção civil a frequentar o curso de arquitetura quando foi chamado para o curso de capitães.

O Artur Conceição estava a 2 metros do local da tragédia. Embora já cadáver, o corpo do malogrado oficial foi levado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau (presume-se), e o funeral realizou-se um mês e tal depois em Lisboa, no cemitério do Alto de São João. A enfermeira na foto parece ser a Rosa Exposto, do curso de 1964, segundo apurámos junto do nosso camarada Miguel Pessoa e das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas Giselda Pessoa e Maria Arminda.

A CCAÇ 1565 foi mobilizada pelo RI 1, partiu para o TO da Guiné em 20/4/1966, e regressou a 22/1/1968. Esteve em Bissau, Jumbembem, Canjambari e Bissau. Comandantes, além do cap mil inf Rui António Nuno Romero:  cap inf  José Lopes e cap mil inf José Alberto de Sá Barros e Silva, que vive atualmente em Lisboa.

Por sua vez, a CART 730 / BART 733, foi mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 8/10/1964, e regressou a 14/8/1966.  Pasou por Bironque, Biossorã, Jumbembem e Farim, Foi seu comandante o cap art  Amaro Rodrigues Garcia. O BART 733 esteve em Bissau e Farim.

Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Mensagem da nossa leitora Ana Paula T. Romero, com data de 8 do corrente:

Olá! Peço desculpa por estar a incomodar, mas talvez me possa fornecer algumas respostas que ainda não encontrei.

O meu nome é Ana Paula Teixeira Romero Serranito, tenho 49 anos e sou a filha mais nova do Capitão Rui António Nuno Romero, falecido na Guiné (Farim), a 10/07/1966.

Na altura eu tinha 1 ano, 5 meses e 9 dias, a minha irmã mais velha, Isabel, tinha acabado de fazer 7 anos (a 04/07) e a nossa mãe,Rosária, tinha 31 anos.

Acabei de ler a informação sobre a morte do meu pai (*)  e a curiosidade voltou.

A minha mãe felizmente ainda se encontra viva, mantem-se viúva, a minha irmã também se encontra viva, divorciada, com uma filha (35 anos) e com um neto (9 anos), e eu, casada e com uma filha de 19 anos. Os avós paternos já faleceram (avó em 1989 e avô em 2005), mas o avô, que também era militar (Sargento Ajudante), nunca comentou a morte do meu pai.

A minha mãe, pela tristeza ou pela minha tenra idade na altura do acontecido, também nunca comentou e eu confesso que cresci sempre a pensar o que tinha sucedido ao meu pai, mas também evitei perguntar pormenores à minha mãe, pois não queria colocar “o dedo na ferida”.

Se me puder dar alguns detalhes, contatos de colegas que tenham sido próximos do meu pai, agradeço.

Deixo os meus contatos [...]

Até breve e obrigada por ter criado o blog. (**)


2. Novo mail enviado no dia seguinte, 9 do corrente:

Caros Camaradas Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Ribeiro,

Peço desculpa por vos incomodar com este assunto, por tomar a liberdade de vos tratar, com todo o respeito, por Camaradas, mas gostaria de pedir a vossa ajuda.

Tal como informei ontem no mail que enviei ao Camarada Luis Graçam o meu nome é Ana Paula, e sou a filha mais nova do capitão miliciano Rui Romero, falecido na Guiné, a 10/07/1966.

Depois de ter enviado ontem o email, estive a ler com mais atenção o texto escrito pelo Artur Conceição (Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros por Artur Conceição)(*)  em que o Artur menciona; “…A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado” e pelo seu [, de Luís Graça,]comentário, que transcrevo abaixo, e confesso que fiquei confusa…chocada, pois nunca tive consciência que o meu pai pudesse ter cometido suicídio.

(...) “Foste corajoso ao trazer, até nós, este trágico episódio da morte do capitão Romero... Mas sejamos francos, vamos chamar as coisas pelos seus nomes: o Cap Mil Romero cometeu suicídio, em plena parada, na hora da distribuição do correio... É isso que eu leio nas entrelinhas... Por pudor, por razões culturais, para poupar a família e os amigos, nunca falamos de sucídio... A p+alavra é tabu. Por outro lado, como se o suicídio fosse desonroso, hipocriticamente o exército atribuiu a morte do Cap Mil Romero a um acidente com arma de fogo... O exército (colonial) nunca quis assumir que alguns de nós, militares, milicianos, do quadro ou do contingente geral, puseram (ou tentaram pôr) termo à vida, ou se automutilaram, por que a guerra, aquela guerra, os perturbou intensamente... Sabemos que em muitos casos houve erros de 'casting': os oficiais milicianos ou do QP eram mal seleccionados, mail treinados e formados, não estavam preparados para comandar homens no TO da Guiné... Para muitos foi uma aprendizagem dolorosa. Por outro lado, o exército não tinha especialistas para dar apoio a militares em sofrimento psíquico" (...) (*)

Afinal ocorreu na parada ou no gabinete ao lado? Foi mesmo suicídio?

Gostava tanto de saber um pouco mais daquilo que nada sei…

Um grande bem haja a todos,
Ana Romero

3.  No dia 10, o Artur Conceição, contactado por mim,  mandou-me a seguinte mensagem e texto anexo:

[, foto á esquerda, o Artur Conceição, ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1964/66; por lapso, o nome deste camarada aparece sistematicamente no nosso blogue como sendo de 1965/67,,,]

 Meu caro  caro Luís Graça

(...) Escrevi mais um pequeno texto que junto em anexo, que penso possa clarificar alguns pontos, e que se achares por bem poderás enviar à Ana Paula. Podes também corrigir algo que esteja menos explicito se assim o entenderes, bem como eliminar aspectos que aches que não são relevantes .

O Capitão Rui Romero não estava na parada mas sim nos aposentos que lhe estavam reservados, e estava sozinho. Quem estava na parada eram apenas os Cabos e os Soldados. A correspondência de Oficiais e Sargentos era retirada e entregue antes da distribuição geral.

Estou ao inteiro dispor para mais esclarecimentos.

Um grande abraço
Artur António da Conceição
Damaia / Amadora



Guiné > Região do Oio > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 >  Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo  (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


MEMÓRIA, por Artur Conceição

Para quem conhece o local dos acontecimentos [, Jembembem,] entende mais facilmente o que em tempos [escrevi] (*). Para quem não conhece torna-se um pouco mais difícil, pelo que assim sendo importa fazer mais alguns esclarecimentos.

Quando se sai da estrada que vai para Cuntima para se entrar no destacamento de Jumbembem,   depara-se um espaço a que vulgarmente se chamava de parada.

Ao fundo desse espaço existia uma casa com apenas rés do chão, que tinha uma pequena escada de madeira que dava acesso a uma varanda que dava entrada do lado direito para a secretaria e para o lado esquerdo ao posto de enfermagem.

Do lado oposto e por detrás do posto de enfermagem ficava o espaço reservado aos aposentos do Comandante da Companhia, servia de escritório, gabinete e quarto de dormir. Mesmo ao lado e por detrás da secretaria ficava o posto de rádio.

As praças da CCAC 1565 [, a que o cap mil inf Rui Romero pertencia,] estavam a receber o seu correio, que estava a ser distribuído de um dos degraus da escada que já foi referida.

O espaço reservado para dormitório do Comandante da CART 730 estava a ser partilhado com o Senhor Capitão Rui Romero que dormia com a cabeceira para o lado do posto de rádio, enquanto o Comandante da CART 730 dormia com a cabeceira para o lado contrário.

O senhor Capitão Rui Romero estaria sentado na sua cama a ler a sua correspondência, quando ocorreu a triste tentação.

Ao ouvir um disparo ali tão perto, acorri de imediato à porta, (ou melhor dizendo, ao espaço para entrada naquela área, porque porta propriamente dita não existia), deparei com o senhor Capitão Rui Romero caído no chão,   com algumas fotos de duas meninas bastante jovens, espalhadas em seu redor e algumas cartas em cima da cama. A arma também estava no chão.

Naquele espaço não havia mais ninguém, atendendo a que se estava próximo da hora de almoço.

Nesta foto [, vd. acima,] pode ver-se em primeiro plano com o quico na mão direita o 1º Cabo Operador Cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre,  e que como pode ver-se também assistiu a uma parte do acontecimento.

[Artur Conceição, Damaia, Amadora, 10/10/2014]

4.  No mesmo dia deu conhecimento À Ana Romero deste último texto do Artur Conceição:

 Ana: Aqui ten os contactos do Artur Conceição e um pequeno texto com uma versão mais recente sobre as circunstãncias da morte do seu pai... No meu comentário [ao poste P2335, de 8/12/2007] (*), por lapso meu, fiz referência despropositada à "parada"... Não, tudo se passou à hora da distribuição do correio, e no seu quarto e gabinete... A Ana pode tentar juntar as pontas e perguntar: porquê ?... Quando se tem acesso (fácil) a armas, há mais risco de ocorrerem tragédias destas... Oficialmente, foi um acidente com arma de fogo...

Disponha sempre. Mandei-lhe esta manhã um outro mail, do meu endereço profissional.
Bom fim de semana.
Luís Graça

5. Mail enviado por L.G., na manhã de 10 do corrente, à Ana Romero [, foto à esquerda, da sua página do Facebook]:

Querida: Lamento muito que só agora saiba das circunstâncias trágicas em que morreu o pai. Mas o nosso blogue tem esse dever (doloroso) também de falar dos nossos queridos camaradas mortos, em combate, por doença, acidente ou outros motivos. Nalguns casos, temos ajudado as famílias a fazer o lutto (até agora patológico). O exército (e o Estado) tratou mal estes bravos que deram tudo pela Pátria.

Posso pô-la em conctacto com o Artur Conceição, soldado de transmissões que estava a 2 metros do gabinete onde tudo ocorreu... Ele vive aqui perto na Amadora. Mas a Ana pode primeiro falar comigo. Tem aqui o meu telemóvel (...). Ou se preferir,  eu ligo-lhe, se me mandar o seu nº de telemóvel.

Eu não conheci o seu pai. Sou mais novo na Guiné (1969/71). Mas sou o fundador deste blogue coletivo (que vai a caminho dos 700 membros e dos 7 milhões de visualizações). Como costumamos dizer, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Convido-a inclusive a integrar a nossa Tabanca Grande (comunidade virtual, à volta do blogue, que tem mais de 10 anos), honrando desse modo a memória do seu pai.

Se quiser. mande-nos uma foto dele e outra sua. E escreva-nos duas linhas. Ou autorize-nos a publicar a sua mensagem anterior, ou parte dela. Sente-se à sombra retemperadora e fraterna do nosso mágico poillão, a árvore sagrada da Guiné. Somos uma espécie em vias de extinção, mas partilhamos memórias e afetos.

Um beijo com ternura.
Luís Graça

6. Feedback imediato da Ana Romero:

Olá, Luís!

Foi com enorme alegria que recebi o seu mail, bem como aquele que encaminhou para o Artur.

Já enviei o pedido de amizade para a Tabanca Grande Luís Graça [, página do Facebook,] e também aderi ao blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

É claro que autorizo a publicação da minha mensagem.

Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha.

Muito obrigada pelo seu feedback.

Bjo. Ana [telemóvel...]

Guiné 63/74 - P13728: (Ex)citações (238): Água da Bolanha... quem a não bebeu ?! (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

1. Mensagem do Mário Pinto [ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71]

Data: 12 de Outubro de 2014 às 15:46

Assunto: Água da Bolanha quem a não bebeu (*)

Caro Luís Graça

O tema "água da bolanha quem a não bebeu?"  remete para  mais um dos sacrifícios que nós, os ex-combatentes, estávamos sujeitos nas nossas muitas missões pelas matas e bolanhas da Guiné.

No meu sector não era a falta de água que nos afligia, pois existia muita e felizmente em quantidade. o problema é que a maioria dos poços existentes a sul de Mampatá estavam todos minados ou inquinados pelo PAIGC o que limitava o nosso abastecimento quando das nossas deslocações. Era preciso uma atenção redobrada e uma picagem maciça do terreno quando era necessário o seu abastecimento nas nossas missões a sul de Mampatá e não nos podemos esquecer dos famosos comprimidos que nos eram distribuídos para colocar na água inquinada das bolanhas e poços.

Tivemos alguns dissabores na procura do precioso líquido, lembro-me de uma vez o 1.º Cabo Enf Alves que seguia no 4.º Grupo de Combate e que regressava do corredor de Missirã, depois de lá ter permanecido 24 horas ter caído numa mina A/P na nascente de Iroel, já perto de Mampatá, quando procurava abastecer-se devido à sede que apertava.

Eram muitos os perigos que assolavam as NT à procura de saciar a sede, porque dois cantis de água que levávamos à cintura para 24 horas era muito pouco para quem com o calor tórrido da Guiné se desidratava a cada minuto que caminhava sob aquela temperatura de 45º e de uma hostilidade sem piedade para quem não estava habituado àquela intempérie. Nem a rudeza da maioria dos nossos soldados, oriundos do Alentejo e habituados ao sol e ás temperaturas elevadas da sua terra em pleno verão, aguentavam tamanha contrariedade que era a sede.

No mato que eu me lembre fomos sempre deficitários quanto a água excepto no período das chuvas, aí sim havia com fartura ás vezes até em demasia. Existia outra situação que não ajudava nada a nossa necessidade de matar a sede era a ração de combate que nos distribuíam quando saíamos, derivado à sua constituição à base de salgados e doces, o que não admirava a maioria optar por a deixar no aquartelamento e não se alimentar durante a saída.

Uns mais outros nem tanto, mas o certo é que nós todos tivemos a nossa cota parte nas águas das bolanhas.

Um abraço
Mário Pinto (**)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P13727: Notas de leitura (641): “Para um conhecimento do teatro africano”, por Carlos Vaz, Ulmeiro, 1978 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2014:

Queridos amigos,
Trata-se de um livro que não fez história mas que tem mérito de ajuntar os dados sobre as manifestações teatrais na Guiné, antes da independência, fazendo uma leitura de que o teatro africano é um compósito de instrumentos musicais, dança, representação e narrativa.
Escrito por Carlos Vaz aos 24 anos, é um manifesto de pendor revolucionário, tem a candura de fazer propostas de impossível execução como a criação Teatro Nacional Popular da Guiné-Bissau, uma ferramenta básica para a cultura guineense e para a didática revolucionária.
Para que conste, pois é matéria que merece registo.

Um abraço do
Mário


O teatro na Guiné-Bissau: Antes e depois da independência

Beja Santos

“Para um conhecimento do teatro africano”, por Carlos Vaz, Ulmeiro, 1978, é um título de apresentação das manifestações teatrais sobretudo na chamada África Ocidental, debruçando-se, à guisa de proposta, para a organização de um Teatro Nacional Popular da Guiné-Bissau. O autor é Carlos Vaz que viveu até aos 16 anos em Bissau, veio para Portugal e foi bolseiro da fundação Gulbenkian. Fez o Curso de Formação de Actores na Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa. Frequentou ainda cursos de cinema e de interpretação dramática das canções de Brecht. Remete-se os interessados para os elementos constantes no Google onde Carlos Vaz é referido como ator, argumentista, realizador e produtor.

Trata-se de um livro da juventude, carregado de jargão revolucionário, cheio de propostas generosas para a profissionalização na área teatral na jovem Guiné-Bissau. Em traços grossos, recorda-nos que as primeiras manifestações de caráter teatral em África têm a sua origem no animismo e na magia, e numa estreita associação com ritos, cerimónias e cultos. Não surpreende que a expressão teatral envolva a dança, a narrativa oral e a música instrumentada. Não esquecer também que os artistas tradicionais, os djidius, e os narradores-atores ou griots, são cantadores de histórias, autênticos menestréis, daí ser possível a música (de corda ou percussão), o bailado e narrativa gerarem uma atmosfera canalizada para a criação artística de pendor teatral.

Carlos Vaz resume o teatro da época colonial francesa e centra-se depois na Guiné. Observa que em meados de 1930 se instalou o teatro à maneira italiana sob a direção de Henrique de Oliveira (este teatro teve lugar em Bissau no barracão da Casa Gouveia). Mais tarde, veio a aparecer outro grupo sob o impulso de António José Flamengo, subgerente da Casa Guedes, e que trabalhara já em Portugal como ator na área da revista. Era um teatro ao agrado da elite urbana, como se pode ver da canção utilizada na revista “Chega-lhes qu’inda mexem!...”

E a Guiné progride, 
Torna-se mimosa, 
É entre as colónias, 
Um botão de rosa.

Pequenina e fértil, 
Linda sem igual, 
É título de orgulho 
Para Portugal.

Os temas dos espetáculos eram extraídos do quotidiano: crítica social dos que iam buscar mercadorias aos comerciantes e ficavam a dever, sátiras alusivas à falta de arroz, do “flit” (produto para combater os mosquitos), à falta das careiras aéreas, etc. O autor refere mesmo denúncias a missões de estudos que não cumpriam as tarefas que lhe eram confiadas, limitando-se apenas a gastar o dinheiro da Guiné portuguesa. O ator encenador Flamengo classificou este teatro de “revista africana de fantasia e crítica social”. Para além do teatro-revista houve ainda a realização de teatro infantil com temas baseados nos contos tradicionais da Guiné. Havia igualmente saraus de arte, representação de comédias como D. Ramon de Capichuela, de Júlio Dantas. Eram representações no museu da Guiné que depois transitaram para o salão de festas do Sport Lisboa e Bissau. Há ainda uma referência a um grupo de teatro de Bolama que ganhou notoriedade entre 1959 a 1961, tinha a direção de Porfírio Costa, mais conhecido por Alansó. Faz-se igualmente menção ao bailado dos Bijagós, apresentado em terreiros em que os bailarinos ao som dos tambores se apresentam caraterizados com as faces pintalgadas de alvaiade e de zarcão, vestidos com saiotes de ráfia, ostentando na cabeça caraças de boi ou capacetes multicolores.


Carlos Vaz descreve o magnífico teatro de S. Tomé que os seus textos de autores clássicos como o “Auto da Floripes” e a “Tragédia do Marquês de Mântua e o Imperador Carloto Mangano”, notabilizados pelo reputadíssimo “Tchilôni”. Depois de uma breve incursão pelo teatro angolano, dá-nos uma visão sumária do teatro contemporâneo nos países africanos de língua francesa. Por fim, com algum detalhe, esmiuça a sua proposta para um teatro didático africano ao serviço da revolução. Contraia a noção de que o teatro popular seja vulgar enquanto o teatro puro é sempre elitista, justificando que cabe aos artistas restaurar a verdadeira personalidade africana numa perspetiva revolucionária. Sugere o seguinte: organizar os grupos dispersos, ainda sem técnica do teatro moderno, mas com técnica tradicional herdada dos antepassados, num grupo devidamente especializada em técnica de teatro, que permita aproveitar as formas tradicionais desenvolvendo-as de uma forma nova e científica. Para Carlos Vaz, este teatro revolucionário seria um instrumento poderoso para as massas populares, uma frente de combate contra o obscurantismo. Haveria assim uma oficina de teatro orientado para a cultural popular, aglutinando todas as artes, seria imperioso condicionar o funcionamento do Teatro Nacional Popular a Centro Cultural da Guiné-Bissau. Graças a esta interligação, o ator estaria apto a fazer a escolha do seu estilo e dos objetivos que pretende atingir através do teatro. Apresenta mesmo um organograma pormenorizado para um teatro popular da Guiné-Bissau, com centro cultural de investigação e pesquisa, programa pedagógico, listas de colóquios ou seminários, uma direção teatral comportando atividades artísticas e atividades administrativas. Espraia-se, repete-se obcessivamente, sob o que deve ser um estilo revolucionário e popular, sob o teatro de esclarecimento como embrião de ampla cultura patriótica, científica e de massas, e postula mesmo: “Todos os artistas da Guiné-Bissau devem ir ao seio das massas, ir à fonte única, riquíssima, a fim de observar, estudar e analisar todos os tipos de indivíduos, todas as classes de massas. Atualmente o nosso povo encontra-se a baixo nível cultural, em consequência dos longos anos de dominação colonialista e por isso exige-se que a frente cultural seja um instrumento que lhes satisfaça as necessidades urgentes”. Tem também curiosidade ler os documentos em apêndice, uma análise do texto de Aimé Césaire e a descrição de uma experiência de teatro africano em Lisboa com o grupo 12 de Setembro, grupo de atores cabo-verdianos, trata-se de uma dramaturgia à volta da história da fome de 1947 em Cabo Verde.

Este livro de Carlos Vaz deve ser obviamente encarado como um momento de entusiasmo de alguém com então 24 anos que apostava na criação de uma escola de teatro para desfrute didático das massas, isto quando a República da Guiné-Bissau balbuciar as primeiras letras.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13716: Notas de leitura (640): “Guiné, a cobardia ali não tinha lugar”, por José Silveira da Rosa, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13726: Parabéns a você (800): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Reformado, da Marinha (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13720: Parabéns a você (799): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

domingo, 12 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13725: Convívios (635): XX Encontro do pessoal da CART 566 (Cabo Verde e Guiné, 1963/65), dia 18 de Outubro de 2014 em Vila Nova de Gaia (José Augusto Miranda Ribeiro)


XX CONVÍVIO DO PESSOAL DA CART 566

DIA 18 DE OUTUBRO DE 2014 EM VILA NOVA DE GAIA


1. Mensagem do nosso camarada José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal,  Outubro de 1963 a Julho de 1964) e Guiné (Olossato, Julho de 1964 a Outubro de 1965), com data de hoje 12 de Outubro de 2014, dando conta do convívio da sua Unidade.


No dia 18 de Outubro de 2014 (sábado) a CART 566, vai mais uma vez, ter a oportunidade de se reunir para recordar os bons e maus momentos passados em Cabo Verde e na Guiné.

É o 20.º Encontro da Companhia para comemorar o 49.º aniversário do do seu regresso a Portugal.

O local, como ultimamente tem acontecido, é no Regimento de Artilharia 5 (EX-RAP2) em Vila Nova de Gaia.

PROGRAMA:
10:00 - Concentração dos ex-militares, familiares e amigos.
11:30 - Missa na capela da Unidade.
12:15 - Cerimónia aos mortos da Companhia.

13:00 - Início do almoço/convívio
NO RESTAURANTE BOUCINHA:
(EN 222 - Av. Vasco da Gama, 4430 Vila Nova de Gaia -
Telef. 918 047 508)


Preço do almoço para adultos - 26 €

As inscrições serão feitas pelo telefone do Sr. TCoronel Manuel Ferreira de Carvalho, 225 507 038 (das 18h às 24) e 917 783 820 (a qualquer hora).

Camaradas da Tabanca Grande, compareçam para conhecerem os sobreviventes da CAART 566, que continuam ainda "BRAVOS E SEMPRE LEAIS"

Um abraço do vosso camarada
José Augusto Miranda Ribeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13704: Convívios (634): 22 ex-militares e 42 familiares da CART 1802 (Nova Sintra, 1987/69)... No passado dia 27, em Vila Velha de Rodão, terra natal do "nosso primeiro" Silvério Dias, o "poeta todos os dias", antigo locutor do PFA

Guiné 63/74 - P13724: Fotos à procura de... uma legenda (39): Cátia Félix e a sua amiga Cidália Ferreira, viúva do António Ferreira, 1º cabo trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo




Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial > Campa do nosso camarada António Ferreira, 1º Cabo Trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo.



Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial >  Ao centro, a Cidália Ferreira e, à sua direita, o António Batista, também natural da Maia (e que já teve, até 1974,  jazigo com o seu nome e data de falecimento). No lado direito, de perfil, a filha do António Ferreira que ele nunca chegou a conhecer.


Fotos:  Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados


1. Recorde-se que a Cátia é amiga da Cidália, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, camarada do António Baptista (o "morto-vivo"). O Ferreira foi um dos 11 mortos (militares) da emboscada do Quirafo, em 17/4/1972,  e o Baptista o único sobrevivente, aprisionado pelo PAIGC e levado para Conacri. (Só regressou, a casa, na Maia, em setembro de 1974).

A Cidália é mãe da filha que que o António nunca chegou a conhecer. A Cátia ajudou a Cidália a fazer o luto... 40 anos depois! Uma história extraordinária de solidariedade humana e de amizade que, na altura,  nos comoveu a todos!

Na primeira foto de cima, em primeiro plano, a Cátia, e atrás a Cidália e alguns camaradas nossos: o Álvaro Bastos, o Zé Teixeira, o António Pimentel, o António Baptista - o "morto-vivo do Quirafo"-, o Paulo Santiago e outros (o António Barbosa, o Santos Oliveira).

Esta(s) foto(s) da Maria Luís, filha do Paulo, merece(m) uma melhor legenda. E a Cátia, que hoje faz anos e é farmacêutica, merece um miminho especial da Tabanca Grande.  (LG).

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P13723: Memórias de Gabú (José Saúde) (42): Baga-bagas, castelos de liberdade e de defesa


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

As arquitetónicas fortalezas das formigas na Guiné

Baga-bagas, castelos de liberdade e de defesa

O tema não é original e já foi tratado aqui no nosso blogue por camaradas que, tal como eu, atreveram-se traze-lo à rama de um catálogo de conformidades onde proliferam histórias transversais e sempre encantadoras. Recentemente, ocorreu-me à memória os imponentes “castelos”, em “cimento armado”, que sobressaíam em zonas limítrofes aos brejos guineenses com os quais a rapaziada se deparava numa incursão ao mato: os baga-bagas.

Numa investida subtil à zoologia da Guiné-Bissau, recorro à originalidade do crioulo, idioma nativo que interligava as diversas estirpes genéticas que, não obstante os seus dialetos tribais, compõem as etnias guineenses, sendo que os baga-bagas são esplêndidas construções feitas pelas formigas cuja “raça” específica não me atrevo a pronunciar.

Havia quem dissesse que se tratava de formigas brancas, outros aplicavam-lhe o nome de formigas baga-baga, enfim, zeloso da minha ignorância numa matéria zootécnica que considero específica, não ouso atrever-me a lançar a “graça” sobre os referidos bicharocos.

Todos nós, antigos combatentes na Guiné, conhecemos as virtualidades desses retumbantes “monumentos” que nem uma rajada de arma ligeira, ou pesada, ou uma eficaz granada de bazuca, tentavam destruir. A sua construção, bem como o conteúdo de toda a sua estruturação, era simplesmente soberba.

Comentava-se, na época da guerrilha, que os baga-bagas eram eloquentes amparos aquando os confrontos com o IN no terreno. Falava-se nos quartéis, fluentemente, que houve camaradas que, refugiados atrás de um baga-baga, terão evitado o pior para o seu estado físico. Aquele muro inquebrável era um estilo dos velhos castelos que permanecem, ainda hoje, intocáveis pelas agruras do tempo.

Felizmente, jamais me vi confrontado com tal necessidade, restava porém as trocas de impressões tidas no mato com camaradas que, obviamente, viam naquele fabuloso “monumento” um hino à força da mãe Natureza.

Como e porquê aqueles pequenos seres vivos se envolvem em tamanhos trabalhos? Ficava a interrogação. A seguir vinha a incerteza que envolvia o trabalho familiar que levava aquele exército guerreiro, compactado em secções, pelotões, companhias e batalhões, a envolverem-se em fainas intensas donde resultavam arquitetónicas fortalezas. 

Admitindo que a saliva daquele grupo de formigas é uma espécie de supercola “três” orientado para diversos fins, seguiam-se outras dúvidas: a inquebrável textura que compunha o contexto geral da obra e a sua efetiva planta.

Este tema, que considero interessante, surge constantemente à flor das minhas paixões absorvidas na guerra da Guiné. Lembro-me, perfeitamente, da azáfama permanente daqueles pequenos bicharocos. O seu constante vai e vem era motivo interessante para se consumirem mais uns minutos ao tempo de comissão.

Na minha aprendizagem sobre diversas temáticas em tempo de guerra, a figura, não de estilo mas real, é a constatação de diversos baga-bagas que conheci na região de Gabu. A sua arquitetura e simultaneamente a minuciosidade impostas por aquele tipo de formigas, conduziam-me, melhor, conduziam-nos a pressupostas interrogações sobre a vida animal naquele cantão de terra africano.

África, no seu melhor, é tão-só uma porção de território onde a imprevisibilidade do momento corteja um forasteiro cioso de conhecimentos que a história vagarosamente nos contempla.

A guerra na Guiné expôs-se, também, a atribuir-nos dados novos nos nossos estéreis conhecimentos acerca de uma guerrilha que não dava tréguas, sendo os baga-bagas – castelos de liberdade e de defesa - exemplos acabados da nossa estadia em território guineense.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Guiné > Zona leste > Estrada Nova Lamego- Bafatá > Maio de 1970 > CART 11 (1969/70) > 'Fomos à àgua: água das Pedras ou água da Bolanha'?


Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Texto e foto enviados hoje pelo Valdemar 
Valdemar Queiroz
Queiroz [ou Valdemar Silva][, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]:


Ora viva, caro Luís Graça.


Esta fotografia foi tirada, em Maio  de 1970, no percurso de Nova Lamego/Bafatá, numa coluna civil, com a segurança do 4º. Pelotão da CART 11, na paragem para 'arrefecimento' junto dum poço de água fresca (??!!).

O poço era de 'água da bolanha' (seca).: água fresca, barrenta, como se fosse água leitosa, sem bicharada, com abelhas a sobrevoarem, com os nossos soldados a dizer 'podi beber' e nós 'quero lá saber',  vai de bebermos uma água refrescante a caminho de Bafatá.

Lembro-me de, nos anos 62/63/64, ir acampar para Troia. Campismo selvagem, campismo de liberdade.(A PIDE andava por lá). Lembro-me de haver poços escavados no chão para tirarmos água, água leitosa, água sem bicharada, água com abelhas a sobrevoarem, mas água fresca e para beber.
Quem me dera estar acampado, em Troia, e a ouvir os Beatles nuns bailaricos de fim de semana. Quem me dera.

Nesta fotografia, 'Fomos á água', mais parece uma representação teatral, mas não é:

(i)   o ex-Fur Mil Macias,  o primeiro da esquerda,  com a arma à caçador, está admirado; ele, exímio caçador, alentejano, da Aldeia Nova de S. Bento [, concelho de Serpa,], não podia ter outra postura.

(ii) a seguir o ex-1º Cabo Silva também está espantado;

(iii)  e a seguir estou EU, quero lá saber 'com mais um copo' ;

(iv) depois o Fur Mil Arm Pes Canatário, de Alpalhão [, concelho de Nisa], de tronco nu, também a interrogar que água é esta;

(v) atrás está o Demba Jau, o nosso homem da Bazuca, do nosso Pelotão [, o 4º];

(vi) depois um militar que ia, de certeza a caminha da 'peluda';

(vii) mais atrás, à esquerda um condutor civil duma viatura empanada,  a precisar de água para o radiador .
E, então, do poço ninguém fala ? Este era um grande poço, antigo, para abastecer por quem lá passava.

Guiné 63/74 - P13721: Agenda cultural (340): Tributo ao pintor lourinhanense Estêvão Soares (1914-1992): uma belíssima homenanagem dos seus filhos e da terra que o viu nascer, há 100 anos... Um notável aguarelista, um apaixonado por África, suas paisagens, suas gentes


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira > "Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 14. Angola, Luganbo, aguarela, 1956


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 16. Moçambique, aguarela, 1959



Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 18. República Democrática do Congo, Jadotville (atual Likasi), aguarela, 1957


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 19. Rodésia, Salisbúria (atual, Zimbabué, Harare), aguarela, 1957


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 16. Moçambique, aguarela, 1959


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 17. África do Sul, aguarela, s/d

Uma belíssima e terna homenagem dos seus filhos Pedro,  Andrea e Lígia Soares
e do município onde nasceu, há 100.  No catálogo os filhos escreveram:
"Para nós, os filhos, só podemos agradecer o privilégio que é herdar este legado
e a alegria de o poder partilhar com vocês".
Fotos de Luís Graça (2014).  Cortesia dos filhos do pintor, Pedro, Andrea e Lígia Soares


1. Está a decorrer, até ao fim deste mês, na Lourinhã, na sua terra natal, a exposição do pintor Estêvão Soares (Marteleira, Lourinhã, 1914-Lisboa, 1992), comemorativa dos 100 anos do seu nascimento.


A exposição, na Lourinhã, tem 2 núcleos: (i) Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, com uma amostra de aguarelas e óleos (mais de meia centena de quadros, na posse dos filhos, Lígia, Andresa e Pedro Soares); e (ii) Biblioteca Municipal, com um acervo maios pessoal, mostrando a relação do pintor com a sua arte, o "making of" da sua obra, e o seu percurso por diferentes circuitos artísticos.

Agradecemos aos filhos a autorização para fotografar e divulgra, no nosso blogue, alguns dos quadros de temática africana.

2. O pintor tem uma entrada na Wikipédia, de que recolhemos os seguintes elementos, completados com a brochura editada, para o efeito, pela Câmara Municipal da Lourinhã

(i)  Estêvão Soares nasceu na Marteleira, Lourinhã, em 1914, e morreu em Lisboa, em 1992, aos 77 anos;

(ii) " A sua obra, tanto a óleo quanto a aguarela, constrói-se sobre alicerces figurativos e tem sido diversas vezes enquadrada na corrente naturalista. A extensa produção do artista ao longo de cinco décadas, principalmente em Portugal e nas ex-colónias de África, espelha as transformações por que passou o território continental e ultramarino durante a segunda metade do século XX";

(iii) Foi residir para Lisboa, ainda na infância; faz uma aprendizam, como autodidata, de desenho e pintura; trrabalha nas áreas da publicidade e decoração;

(iv) A partir dos 30 anos de idade, começa a desenvolver uma carreira de pintor; participa no "Salão dos Excluídos" (1944), acima chamado por integrar os artistas que haviam sido excluídos da pré-selecção para o “1° Salão de Arte Moderna" do Secretariado da Propaganda Nacional (mais tarde, SNI);

(v) Realiza a primeira exposição individual de pintura, em 1945, no átrio do Diário de Notícias;

(vi) Torna-se a partir de então presença regular nos “Salões de Inverno” da Sociedade Nacional de Belas-Artes (de que passa a ser sócio) e nos próprios “Salões de Arte Moderna” do SNI;

(vii) Nos dez anos seguintes, sucedem-se as exposições individuais e colectivas, "pondo em evidência uma obra de cariz essencialmente naturalista que retrata, com preciosos elementos de valor etnográfico, aspectos de um país onde a ruralidade era a norma e o próprio meio urbano resistia ao progresso e à industrialização";

(viii) Em 1955 faz um périplo por África, e nomeadamente pela África Austral, incluindo Angola, Moçambique, regressando só em 1961, à metrópole; é deste período que reproduzimos algumas aguarelas, com a devida a autorização do filho Pedro Soares);

(ix) Depois de uma exposição antológicaq de 101 aguarelas e óleos no Palácio do Comércio de Luanda, em 1955, "viaja, pinta e expõe em diversos territórios ultramarinos, tanto portugueses (Angola, Moçambique) quanto de outras potências coloniais europeias (Congo Belga, África Equatorial Francesa, Rodésia do Sul e Niassalândia), passando ainda pela República da África do Sul" (...);

(x) Nesta longa viagem por África, "retrata as cidades e as grandes obras públicas surgidas na última década, mas sobretudo as paisagens naturais e os povos que encontrava nas suas viagens fora dos centros urbanos, muitas vezes a regiões pouco frequentadas pelos colonos. Durante esses anos, reune um grande acervo de trabalhos que dão um valioso retrato das colónias portuguesas nos anos que precederam o eclodir das guerras de libertação" (,,,)

(xi) De regresso a Lisboa, em 1961, frequenta as tertúlias do café A Brasileira do Chiado,  relacionando-se com várias figuras do mundo artístico e intelectual da época (Abel Manta, Almada Negreiros, Arthur Duarte, e outros);

(xii) É um cidadão e um artista que acolhe com entusiasmo e esperança o 25 de abril de 194; funda, com outros artistas, o grupo Paralelo 12;

(xiii) Manterá  sempre uma forte ligação à sua terra e à Estremadura: nas décadas de 1970 e 80, expõe em diversas localidades da região oeste, incluindo a Lourinhã;

(xiv) Morreu em Lisboa, aos 77 anos, em 1992; faria 100 anos em 5 de outubro de 2014, se fosse vivo.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13679: Agenda cultural (339): Apresentação do livro "Guerra Colonial na Revista Notícia", tese de Mestrado da jornalista Dra. Sílvia Torres, dia 9 de Outubro de 2014, na Messe dos Oficiais, Praça da Batalha, Porto

Guiné 63/74 - P13720: Parabéns a você (799): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13717: Parabéns a você (798): Benito Neves, ex-Fur Mil CAV 1484 (Guiné, 1965/67) e Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)+6

sábado, 11 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13719: Bom ou mau tempo na bolanha (70): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (10) (Tony Borié)

Sexagésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Resumo do décimo dia

Já nos encontrávamos no estado do Alaska, que é uma gigantesca península, que se limita a norte com o Oceano Ártico, a oeste com o estreito de Bering, que o separa do país europeu Rússia, na área das províncias de Chukotka Autonomous Okrug e Kamchatka Krai, ao sul com o mar de Bering e, a leste, com o Canada, nas províncias de Yukon e British Columbia. Tem 1 723 336,57 km², dos quais 1 477 953,12 km² são terra firme, sendo o resto coberto por água, tornando-o o maior estado dos USA.

Apesar deste território ter sido habitado, milhares de anos, por povos indígenas, a partir do século XVIII, algumas potências europeias consideraram o território do Alasca, bom para exploração. Assim, o nome “Alaska", foi introduzido no período colonial russo, que lhe chamava, “Аляска”, quando foi usado para se referir a esta gigantesca península, derivado de uma expressão do idioma esquimo-aleutiano, “Aleut”, ainda hoje falado em diversas partes deste território, quando se referem ao território do Alasca, mais propriamente ao estreito de Bering, querendo dizer mais ou menos, “para onde a corrente da acção da água do mar é dirigida”. Também é conhecido como “Alyeska”, a "Grande Terra", uma palavra também “Aleut”.


Era manhã, no nosso relógio, pois a luz do dia já nos iluminava há muitas horas, estávamos no que chamam a cidade de Delta Junction, que está localizada a pequena distância da confluência do rio Delta com o rio Tanana, onde existe a povoação de Big Delta e, onde também viviam os primeiros habitantes que eram os “Tanana Athabaskan” e, além destes rios, o território do Alasca é cortado pelo rio Yukon, um dos rios mais longos da América do Norte, com os seus 3185 km de comprimento, possui milhares de pequenos lagos, alguns com algumas dezenas de quilómetros de largura, com grande quantidade de peixes, em especial salmão, além de tudo isto, cerca de 35% do Alasca é coberto por florestas, principalmente, no sul do estado, além de abrigar milhares de “Glaciares”, que são as tais espessas massas de gelo formadas em camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada, durante várias épocas, em regiões onde a acumulação de neve é superior ao degelo, cujo tamanho varia entre algumas centenas de metros, até 80 km de comprimento, chegando até aos 300 metros de espessura.

Creio que já chega de história, mas perdoem acrescentar mais um pormenor, se o território do Alasca, fosse um país independente, seria o 17.° maior do mundo em extensão territorial e, ainda existe outro pormenor, é que o governo americano comprou todo o território do que é hoje o Alasca ao Império Russo, em 1867, por 7,2 milhões de dólares, mais ou menos, dois cêntimos por “acre”, ou seja ($4.74/km²), mas só no ano de 1959 o elevou à categoria de estado, tornando-se assim no 49.º estado americano.

Vamos continuar, pois o que mais deve de interessar aos nossos companheiros são pequenos pormenores da viajem, como vivem por aqui as pessoas, o que os nossos olhos viram e, o que faltava em facilidades no dia a dia, era abundante em animais na estrada, pelo menos por aqui em Delta Junction, pois por volta do ano de 1928, o governo dos USA trouxe uma manada de 23 búfalos do “National Bison Range”, no estado de Montana, para esta povoação de Big Delta, para ajudarem os seus habitantes na caça. Em poucos anos reproduziram-se de tal maneira, que já eram problema para as pequenas culturas, onde teve que haver controle, abrindo a época de caça, com mais frequência, existindo agora um controle, que mantém uma manada de apenas umas centenas.

Nesta cidade de Delta Junction, oficialmente termina o “Alaska Highway” e, começa o “Richardson Highway”, que para norte, nos leva à cidade de Fairbanks, e para sul à cidade de Valdez, onde existe o terminal do célebre “Alaska Pipe Line”, que é aquele oleaduto gigante que transporta o óleo em bruto por uma distância de aproximadamente 800 milhas, extraído do fundo do mar, lá no norte do Alaska, em Prudhoe Bay, onde o clima já é polar.


Existem por aqui poucas pessoas, está muito desabitado, as estradas resumem-se a 4 ou 5 a que chamam “Highways”, mas, só junto às principais cidades têm 2 vias, o resto é só uma via onde passam as viaturas umas pelas outras. Para nós, era bom, era tranquilidade, era paisagem, era natureza pura, era ar puro que se respirava, todas as dificuldades para nós eram normais e aceitavam-se com muito agrado, pois quando jovens, tal como os nossos companheiros, tínhamos sobrevivido sem quase nenhumas facilidades, a uma passagem por um período de anos, num maldito cenário de guerra, lá na África.

Havia por aqui diferentes facilidades, como por exemplo, existem com frequência, junto às estações de serviço, as lojas de conveniência, muito melhores que a loja do “Libanês” lá em Mansoa, que vendem desde uma “aspirina” até um “par de pneus todo o terreno”, locais com bombas de água, com sabão ou sem sabão, de muita ou pouca pressão, próprias para lavagem de viaturas pequenas ou grandes, que os proprietários dessas viaturas usam, lavando ou simplesmente tirando alguma terra, lama, pó ou mosquitos já mortos dos vidros da frente, dos faróis ou das manetes que abrem as portas e, é o que fazemos com muita frequência.

Era ainda manhã, visitamos o Centro de Turismo, uma pessoa, saindo de um luxuoso autocarro, que possivelmente vinha dos portos das cidades de Valez ou Anchorage, desviando-se de uma poça de água, dizia: “isto parece o terceiro mundo”. Para nós era exagero, mesmo muito exagero, devia de ser do tipo de uma daquelas pessoas que nós, quando prestávamos serviço militar em Lisboa, esperando o embarque para a então província da Guiné, víamos na zona do Mosteiro dos Jerónimos, vestidas com aquelas roupas garridas, falavam inglês, passeando-se com ar de pessoas importantes, mas depois de emigrar, viemos a saber que eram uns remediados, com o mínimo de escolaridade, que abriam uma conta no banco, descontando uma importância por semana do seu ordenado para virem à Europa mostrarem-se e, um nosso companheiro de então, nos dizia: ”olha ali, um cáa...mone”.

Porra, estou a fazer muitas interrupções, vamos mas é continuar. No Centro de Turismo, a funcionária, uma simpática senhora, descendente de emigrantes alemães, dizia-nos que já tinha visitado por mais que uma vez Portugal, gostava de “vinho do Porto” e “pastéis de nata”, e sabendo que a nossa origem era Portugal, logo se desfez em amabilidades e informações muito úteis, tentando falar algumas palavras em português, o que nos fazia rir, ajudou-nos a tirar algumas fotos no “marco histórico”, onde oficialmente termina o “Alaska Highway”.


Tomando o rumo do norte, ou seja, seguimos pelo “Richardson Highway”, para a cidade de Fairbanks. Chovia aquela “chuva miudinha”, o Jeep e a caravana, já lavados, seguiam com alguma segurança, parámos na cidade de “North Pole”, sim, aquela povoação onde dizem que vive o “Pai Natal”, que se localiza entre o rio Chena e o rio Tanana, dizem que vive do turismo e de duas grandes refinarias de petróleo, o que pudemos constatar pelo tráfico de grandes camiões/tanques que entram e saiem constantemente da cidade, entrando na única estrada que a atravessa, que é o “Richardson Highway”.

Visitámos um grande estabelecimento de decorações de Natal e não só, que é frequentado por pessoas chegadas em viaturas como nós, ou vindas em autocarros, que constantemente chegam das cidades de Fairbanks, Anchorage e até de Valdez. Existe aqui uma grande imagem que dizem que é a maior do mundo, do “Santa Claus”, feita em fiberglass. As luzes que iluminam as ruas estão decoradas com motivos de Natal, têm nomes como, Santa Claus Lane, St. Nicholas Drive ou Snowman Lane. Os carros da polícia têm a cor de verde e branco, os carros dos bombeiros e as ambulâncias são vermelhas, tal como a roupa do “Pai Natal” e o posto do correio da cidade de North Pole recebe por ano centenas de milhares de cartas dirigidas ao “Pai Natal”.


Para nós era Alaska puro, com muito “folclore”, muita paisagem, em algumas zonas, neve antiga nas ribanceiras, chuva e nevoeiro, o tal clima polar, estrada perigosa, paragens constantes para dar espaço aos longos camiões que por nós passavam, quando nos surgia uma qualquer habitação, um pouco retirado da estrada, normalmente, na sua frente, além de um ou dois pick-up, um ou dois barcos pequenos com motor fora de bordo, já antigos, também lá estava uma avioneta com rodas ou flutuadores, que possivelmente usava a estrada ou o lago mais próximo para deslocar. Continuando sempre rumo ao norte, rumo à “latitude 66° 33’, seguindo para a cidade de Fairbanks, que um tal capitão E. T. Barnette fundou no ano de 1901 enquanto tentava criar um ponto comercial em Tanacross, onde o rio Tanana atravessava a trilha Valdez-Eagle. O barco em que Barnette e uns jovens seguiam encalhou 11 km após o rio Chena, onde a fumaça do motor atraiu alguns garimpeiros, que logo acorreram ao local, encontrando o capitão que ali desembarcou. Os garimpeiros convenceram Barnette a estabelecer seu ponto comercial ali, onde mais tarde a cidade recebeu seu nome em homenagem a Charles W. Fairbanks, um senador republicano de Indiana, mais tarde o 26.º vice-presidente dos USA.


Transitávamos com algum cuidado por uma via da cidade, com o Jeep e a caravana um pouco sujos, na procura do Centro de Turismo, ao nosso lado ia um veículo da emissora de televisão local, que na paragem do sinal de trânsito, vendo a matrícula do veículo da Florida, nos perguntou se tudo nos tinha corrido bem e há quanto tempo andávamos na estrada. Já tinham ouvido falar em nós, que nos desejavam boa sorte, e mais umas outras perguntas de circunstância, nós perguntámos qual o itinerário mais perto para chegar ao Centro de Turismo, e eles logo disseram para os seguir. Ali tivemos alguma informação, percorremos a cidade, como chovia procurámos hotel, a empregada, sabendo a nossa proveniência, para surpresa nossa, disse que já tinha ouvido falar na nossa “aventura”, tinha muito gosto em receber-nos, não só fazendo um preço “de amigos”, recomendando-nos para outros hotéis da mesma rede, o que muito agradecemos.


Já eram seis horas da tarde quando por recomendação de uma pessoa que aqui vive, que é professor na Universidade, aqui, em Fairbanks, mas com familiares na cidade onde vivemos, no estado da Florida, fomos a um famoso restaurante, próximo de onde passa o “Alaska Pipe Line”, um pouco ao norte da cidade, comer bifes de búfalo, onde servem doses para gigantes, a que chamam “bife para homem do óleo, grande”, “bife para homem do óleo, médio” ou “bife para homem do óleo, pequeno”. O prato do dia era “hamburgueres”. Havia um grande “braseiro”, as pessoas, com o pão na mão, tiravam um hamburguer, colocavam uma grande “rodela” de tomate, cebola e outros temperos. Nós comemos um bife de búfalo, pedimos a dose média, deu para dois e cresceu para trazermos para o lanche do próximo dia. Tudo regado com cerveja local, à temperatura normal, que parecia vinho branco.


Neste dia andámos pouco, percorremos somente 319 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $4.10 e $4. 22 o galão, que são aproximadamente 4 litros.

Tony Borie, Agosto de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13690: Bom ou mau tempo na bolanha (68): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (9) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13718: Recuerdos de uma infância: a Nha Maria Barba, a avó Barba, cantadeira de mornas, da Boavista, minha viziinha de Bissau (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso amigo guineense, Nelson Herbert, hoje a viver nos EUA,  onde trabalha na VOA - Voice of America, Voz da América

Assunto: Recuerdos de uma infancia !

Luis Graca, linda homenagem/referência essa a Nha Maria Barba . ou avó Barba, minha vizinha em Bissau (*)...

Nha Maria Barba viveu na Guiné, na então Rua Engenheiro Sá Carneiro, a rua dos Serviços Meteorológicos, numa casa...de três moradias (nasci e cresci numa das moradias adstritas) , mesmo defronte a Messe dos Sargentos da Forca Aérea .(Com a independência, foi a primeira chancelaria da embaixada da China) .

Sobre esta senhora postei há uns anos, na minha página do Facebook,. um pequeno texto de homenagem..que aqui partilho...

Clicar: Bana / Maria Barba > http://youtu.be/bTwZ-x-7DAw

Arquipélago de Cabo Verde, Barlavento. Posição rekativa
da ilha da  Boa Vista, a que fica mais a leste, a e menos
de 500 km da costa  africana. Fonte: Cortesia de Wikipédia.
"...aqui a homenagem a esta cantadeira de mornas...que na década de 30/40, brilhou na interpretação e divulgação da morna, estilo musical ilhéu (**)... a partir sobretudo da então Guine portuguesa, onde viveu [, de 1940 a 1974,] toda uma vida e deixou descendentes...

Nha Maria Barba ou avó Barba, minha vizinha de soleira de porta geminada, na Guine dé minha infância e adolescência...

Os restos mortais desta senhora, natural da ilha da Boavista, Cabo Verde, repousam hoje no cemitério municipal de Bissau !

Uma das relíquias da música de Cabo Verde é da autoria de Nha Maria Barba, aqui na voz do rei na Morna, Bana !

Até à  independencia da Guiné Bissau, a então Emissora Oficial da Guiné Portuguesa conservava registos, da voz desta senhora na interpretação de algumas das mais antigas mornas de Cabo Verde."

Para quem frequentava a Messe dos Sargentos da Força Aérea, esporadicamente era natural, nos serões da noite da nossa/minha rua de infância, ver Nha Maria Barba, com Zezinho "Caxote" ao violão (este um caboverdiano amante das serenatas que emigrou para a Guiné)  interpretar algumas das lindas mornas de Cabo Verde...

Em jeito de rodapé, recordo-me entretanto, e perfeitamente, apesar da magistral interpretacão da morna em questão  pela voz do Bana, de Nha Maria Barba queixar-se da 'adulteração" de algumas estrofes da composição original de sua autoria (*)...


"Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto
Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto"

Negava, por exemplo, que no original da composicão, tenha se referido ao pai, nos termos em que a versão interpretada pelo Bana o faz: "Nha Pai e Malandre"  ( Meu pai e um malandro)-

Apenas tenho vivas-recordaçõees de uma mulher...da avó Barbara, figura que marcou a minha infância e adolescência em Bissau.

Nelson Herbert
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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série >  9 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13713: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (6): Homenagem a Mário Lima e Aguinaldo de Almeida, já falecidos, meus colegas do BNU, em Bissau (António Medina, ex-fur mil inf, CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65; natural de Santo Antão, Cabo Verde, vive hoje nos EUA)

(*ª) A morna é agora candidata a Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO.  E eu apoio, de todo o coração, essa candidatura. (LG)

Guiné 63/74 - P13717: Parabéns a você (798): Benito Neves, ex-Fur Mil CAV 1484 (Guiné, 1965/67) e Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13714: Parabéns a você (797): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13716: Notas de leitura (640): “Guiné, a cobardia ali não tinha lugar”, por José Silveira da Rosa, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Por mim, preferiria que se usasse de uma absoluta descrição sobre este livro. Trata-se de alguém em estado de grande sofrimento, com os seus sonhos por terra, alguém que esteve no Terreiro do Paço no dia 10 de Junho de 1968 a receber uma condecoração para a CART 1688, que passou um largo período de tempo a combater em Biambi, e que descreve situações terríveis, desde uma inacreditável execução de capturados até várias violações.
É tudo demasiado excessivo e doloroso e o que se deixa escrito é apresentado como um alívio da consciência.
Tudo quanto se escreveu naquela nossa guerra não pode ser ignorado, para isso procuro trabalhar com as regras de escrúpulo porque pauto a minha vida.
Constrange-me ler certos relatos, fica-se perplexo, nem sempre dá para acreditar. Por isso registo e sigo em frente.

Um abraço do
Mário


Um jogador de Os Belenenses em Biambi

Beja Santos

“Guiné, a cobardia ali não tinha lugar”, por José Silveira da Rosa, edição de autor, 2003, relata a história de um furriel que embarcou para a Guiné em Abril de 1967, de Bissau partiram para Bula, após o treino operacional coube à CART 1688 o destacamento de Biambi, no Oeste do Oio. Vai falar de rotina na montagem de emboscadas, nas operações de grande porte, nos patrulhamentos de reconhecimento e das nomadizações, escoltas com picagem das estradas e a outra rotina da segurança à fonte, das limpezas ao aquartelamento, dos serviços de capinação bem como a construção da pista de aterragem. Enumera as zonas que percorrem, nomes como Encheia, Biambezinho, Estrada de Bissorã, Estrada de Binar. Livro profusamente ilustrado, nunca encontrei álbum fotográfico como este: com diferentes armas e em posse para o fotógrafo, na messe, na fonte, a jogar à bola, junto de viaturas atascadas, com diferentes camaradas, disfarçado de autóctone, a simular que vai trabalhar com morteiro 81, no aquartelamento, ao pé do abrigo, em cima dos morros de baga-baga, a simular que está a trabalhar no arrozal, a pilar arroz, a colher mangos… E socorre-se de alguns depoimentos de camaradas, a seu pedido.

Tece acusações gravíssimas. O furriel Silveira Rosa pertencia ao 2.º pelotão da CART 1688, denominado “Os Diabólicos”, explicando que fora opção do seu irreverente alferes, “sempre na vanguarda em assuntos de guerra, oferecendo por vezes o seu e nosso pelotão para algumas missões voluntárias, sem perguntar se aceitávamos ou não”. Em Biambi, estimulou as orações noturnas. Aliás, reza sempre enquanto vai na picada, como escreve: “Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tem recorrido à vossa assistência e reclamado o vosso socorro, fosse por vós desamparado”.

Biambi conheceu várias flagelações, que ele pormenoriza. Um ataque de paludismo, nos finais de Agosto de 1968, estava ele com mais de 39º de febre, não impediu que o comandante da companhia recuasse na ordem de ele ir para uma emboscada, regressou com mais dores, deram-lhe uma injeção que o levou ao hospital de Bissau, onde surgiu uma tromboflebite, nunca mais se recompôs, foi evacuado para Lisboa, ao fim de quatro meses de internamento, a sua guerra acabou aqui. Em Maio de 1969 regressou, à sua terra-natal, o Faial. A partir daí, potenciaram-se os sofrimentos. É deficiente militar, sofre de stress pós-traumático de guerra, é inapto para o trabalho desde o final de 2000. Escreve que tendo sido futebolista profissional, depois da vida militar sujeitou-se a ser caixeiro, empregado de escritório durante 24 anos e nos últimos anos da sua carreira profissional foi caixeiro/encarregado.

A região de Biambi tinha naturalmente diferentes tabancas submetidas a duplo controlo, o que gerava, nalguns casos, situações terríveis. Estamos já nas confissões que ele entende fazer, e que são assumidas como um desabafo e um grito da consciência. Numa emboscada para os lados do Alto do Tama apanharam uma jovem. Na presença do alferes, a jovem terá sido violada, o Silveira da Rosa recusou colaborar na violação coletiva. Segue-se o que ele intitula de “descrição macabra”, algo que aconteceu no dia 5 de Agosto de 1967. Houve uma operação de grande porte, coube à unidade do furriel Rosa efetuar um golpe de mão. A CART 1688 terá sido intercetada pelos guerrilheiros do PAIGC e seguiu-se uma emboscada terrível que meteu abelhas. Entretanto, houvera captura de prisioneiros. O comandante de companhia teria entregue os ditos prisioneiros (os nove nesse dia apanhados, e o autor acrescenta mais oito que já lá estavam há algum tempo, não se percebe quando nem porquê) ao linchamento. O furriel Rosa a tudo assiste em cima da caserna-abrigo, viu uma multidão enfurecida primeiro a distribuir pontapés, bolachadas e cotoveladas; um furriel pegou num barril vazio e dava com ele nas costas dos prisioneiros. E seguiu-se a execução, os prisioneiros foram levados de olhos vendados e mortos tiro a tiro, um outro furriel tirava uma orelha… Este foi o “massacre-genocídio” que ele presenciou. E escreve: “Sei que vou pagar por esta denúncia, mas enfrentá-lo-ei com coragem e teimosia, alivio o fardo que carrego há uns 35 anos. Que Deus me dê forças para enfrentar as consequências”.

Dá-nos uma descrição minuciosa do aquartelamento do Biambi, ilustrando mesmo com uma fotografia aérea, as instalações estão numeradas e ficamos a saber onde é a secretaria, a cantina, o centro-cripto, o balneário, as instalações onde viviam os militares da companhia e as milícias. A CART 1688 foi condecorada com a “Flâmula de Ouro”, bem como a Cruz de Guerra 1.ª Classe, o furriel Rosa participou nas cerimónias do Dia de Portugal, em 1968, no Terreiro do Paço.

O texto prossegue em ziguezague e temos mais violações ao desbarato, desta vez o alferes do 2.º pelotão vão buscar mulheres para um género de orgia, voltaram a insistir com ele, volta a pedir perdão a Deus. O furriel Rosa escreveu os seus desabafos no jornal Correio da Horta, logo foi interpolado por outros militares, encorajando-o. O presidente da Apoiar – Associação de Apoio aos Ex-combatentes Vítimas do Stress da Guerra, Mário Gaspar, também participa com o seu depoimento, descreve uma operação que se realizou em 14 e 15 de Julho de 1967 no Corredor de Guileje, na região de Famora, e conta a odisseia de um soldado que andou perdido onze dias ao fim dos quais foi ter ao aquartelamento de Guileje, o soldado António Fernandes da Silva, de Carregal do Sal.

Publicita os seus gritos de revolta, queixa-se das mentiras dos políticos, da falta de contagem de tempo, elogia o médico que o tem tratado.

O relato do furriel José Silveira da Rosa tem o aspeto incomum de publicar dezenas e dezenas de fotografias, de um modo geral em posições de lazer e recreio, onde não faltam poses a jogar futebol, o seu sonho danificado pelo acidente que modificou a sua vida. Relata um massacre de 17 pessoas, que me parece inacreditável, se acaso um comandante de companhia tivesse decretado um linchamento havia seguramente consequências, alguém teria participado para Bissau a carnificina. Acresce as descrições das violações, uma delas, como escreve inequivocamente, a mando do alferes do 2.º pelotão, com nome e tudo. Pode entender-se que haja problemas de consciência com o furriel Rosa e que ele está dentro da clara certidão da verdade, não se deixa de refletir como a liberdade de expressão pode ser desviada para excessos, para assassinatos de caráter, para o opróbrio de gente desta CART 1688 que seguramente nada teve a ver com alegados desmandos.

O que aqui se escreve em recensão deve ser tomado à letra, o que os autores escrevem, em memorial ou em ficção, ficarão como testemunhos, serão um dia filtrados, e nalguns casos alvo de condenação ou exaltação.
Sem mais comentários.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13696: Notas de leitura (639): “Do Outro Lado das Coisas", do Embaixador João Rosa Lã (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/734 - P13715: Fotos à procura de... uma legenda (37): D. Idalina Carvalho Pereira Martins, esposa do cmdt do BART 3873, ten cor Tiago Martins, no almoço de Natal de 1972, no Xime, o quartel do setor L1 mais atacado e flagelado (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)



Foto: © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados

1. Afinal, houve mais mulheres que foram à guerra...

Uma foto rara e insólita (*)... a precisar de uma boa legenda (**).

Jorge Araújo [ ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74) comentou o seguinte, no poste P13645 (***):

 (...) Pretendo, com o presente, dar conta de que o mês de Dezembro de 1972 [01Dec] iniciou-se com uma nova emboscada na Ponta Coli [estrada Xime-Bambandica] - a segunda da CART 3494 - conforme narrativa divulgada nos P9802 e P12232.

Aliás, no 9.º Fascículo da História do Batalhão - Dezembro/72 - refere-se a este facto no Ponto 61; alínea d), pp 37/38.

Quanto à quadra natalícia desse ano, realizou-se no Xime um almoço de Natal, com rancho melhorado, no qual esteve presente o CMDT do BART 3873, Ten Cor. António Tiago Martins (já falecido) [, mais a esposa, também já falecida].

Por correio interno seguem algumas fotos do evento. (...)

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(**) 4 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13688: Fotos à procura de uma legenda (36): Uma vacada... no Cachil (Victor Neto / José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)

(ªªª) Vd. poste de 24 de setembro de 2014 >  Guiné 63/74 - P13645: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XI: dezembro de 1972: (i) talvez a primeira quadra festiva do Natal e Ano Novo passada, no setor L1, sem ataques nem flagelações do IN; (ii) por outro lado, o comandante 'Nino' Vieira vem pessoalmente à frente Bafatá-Xitole para censurar e punir maus tratos infligidos às populações locais pelos seus guerrilheiros

Guiné 63/74 - P13714: Parabéns a você (797): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13710: Parabéns a você (796): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 2868 (Guiné, 1969/71)