Rui António Nuno Romero (Portalegre, 1934- Jumbebem, Guiné, 1966)
1. Mensagem de 11 do corrente, da nossa leitora e, a partir de agora, nossa grã-tabanqueira, n.º 669, Ana Romero, filha do saudoso cap mil inf Rui Romero (1934-1966):
Luís:
Desculpe, mas acabei por ser apanhada na emoção pelas vossas palavras (*), que nem deixei mais informações sobre mim.
Moro em Telheiras, Lisboa (...). Sou engenheira electrotécnica, pelo IST - Instituto Superior Técnico, e trabalho numa multinacional.
Tal como mencionei anteriormente, sou casada há 24 anos, tenho uma filha - Joana, de 19 anos, solteira, estudante do 2.°ano de Ciências Forenses e Criminais no ISCSEM.
Já falei à minha irmã Isabel sobre esta troca de mails que temos feito e, se me autorizar, ceder-lhe-ei os seus contatos pois também ela tenta perceber os fatos poucos claros na época.
Mais uma vez muito obrigada pelas prontas respostas. Tal como ontem solicitou, envio umas fotos do pai e da família na altura. Envio também uma minha atual. Envio em 3 mails devido ao tamanho das fotos.
Já transmiti, pessoalmente, à Ana Romero o nosso pesar e a nossa solidariedade pela tragédia que atingiu a família, há 48 anos. O cap mil inf Rui Romero, 1.º comandante da CCAÇ 1565, com 4 meses de Guiné, deixou duas filhas menores. A Ana tinha 1 ano. E hoje, passados 48 anos, ela quis saber a verdade sobre as circunstâncias da morte do seu pai e nosso camarada. Recorda que "o avô era militar (sargento-ajudante), nunca comentou a morte do meu pai"...
Na época, os jornais noticiaram, de acordo com o comunicado do Serviço de Informação Pública das Forças Armadas [, vd. recorte, à esquerda], que o cap Nuno Romero morrera "por desastre" no TO da Guiné. "Acidente com arma de fogo" é a causa oficial da morte. Talvez até para proteger a família, acrescenta a Ana.
Até à data, o único testemunho, escrito e oral, que temos é o do nosso camarada Artur Conceição, ex-sold trms, da CART 730 (1964/66), unidade de quadrícula em Jumbembem, e que o pessoal da CCAÇ 1565 (1966/68) ia render.
Para que não haja quaisquer dúvidas sobre a natureza e as circunstâncias da tragédia, o Artur Conceição, técnico ide nformático reformado da Direção-Geral de Viação, de 71 anos, residente na Damaia, Amadora, e membro de longa data da nossa Tabanca Grande, confirmou-me, mais uma vez, e com novos detalhes a sua versão. A Ana Romero mostrou interesse em falar com ele um dia destes. Da parte do Artur, ela tem toda a liberdade de lhe telefonar quando o entender.
Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
Segundo a última conversa que tive com o Artur, em Jumbembem não havia pista de aviação. O correio era largado às quintas-feiras, de avioneta. Acabada de chegar a Jumbembem, a CCÇ 1556 só recebeu o primeiro correio, no domingo, 10 de julho de 1966. Veio diretamente de Farim, por coluna auto.
O correio dos oficiais era separado dos restantes. Daí o cap mil Romero estar a abrir e a ler o correio no seu gabinete e quarto que partilhava com o comandante da CART 730, o cap art Amaro Rodrigues Garcia, hoje cor art ref, residente em Benfica, Lisboa. Os militares da CCAÇ 1565, os "periquitos", estavam a ler o seu correio na parada. E o Artur Conceição estava, a 2 metros, no gabinete de transmissões, de cerca de 15 metros quadrados, que era partilhado com o centro cripto. O 1.º cabo cripto era o "Fininho", o alentejano de Portalegre (por sinal, conterrâneo do cap mil Romero), de seu nome completo Florival Fernandes Pires.
Na altura em que se ouviu o disparo, o "Fininho" não estava no centro cripto. A 6/7 metros de distância ficava o bar/messe de oficiais. O Artur foi primeiro a correr e a ver o cadáver do capitão, ensanguentado, estendido no chão, de lado, com a cabeça virada para os pés da cama, fardado com as calças por dentro das botas. Essa imagem ficou-lhe para o resto da vida, bem como as cartas e as fotografias das filhas pequenas, espalhadas pelo chão.
Segundo o Artur, o capitão terá sacado da pistola Walther, que estava em cima da cabeceira, e disparou um único tiro na testa. Imediatamente a seguir, apareceu o cap art Garcia. Foi mandada uma mensagem para Bissau, encriptada, a pedir uma evacuação Ypsilon. Na foto acima, o malogrado capitão Romero é transferido da maca do quartel para a maca do helicóptero, um Alouette II. A enfermeira era a alf Maria Rosa Exposto. O corpo foi levado para Bissau. O funeral realizou-se em Lisboa, no dia 13 de agosto, do Hospital Militar Principal para o Alto de São João.
A Ana Romero, aceitando de pronto e de bom grado o meu convite, passa a integrar a nossa Tabanca Grande (**). É uma forma, nobre, e um grande exemplo de amor filial, de homenagear o seu pai e nosso camarada. Seja bem vinda, Ana, apesar das tristes circunstâncias que a levaram a chegar até nós.
Como já tive ocasião de lhe dizer, pessoalmente, ao telefone, em casos como este, o nosso único móbil ou motivação é a busca e a partilha da verdade a que têm direito as famílas dos nossos camaradas que morreram na Guiné, no cumprimento do seu dever... As famílias, e nós próprios, seus camaradas... partilhamos memórias e afetos. E temos, de resto, contribuído para levar algum conforto e paz de espírito a diversas familias que não souberam, na realidade, como morreram os seus entes queridos: esposo, pai, avô... E alguns não voltaram à pátria, nem mesmo num caixão de chumbo.
Segundo a última conversa que tive com o Artur, em Jumbembem não havia pista de aviação. O correio era largado às quintas-feiras, de avioneta. Acabada de chegar a Jumbembem, a CCÇ 1556 só recebeu o primeiro correio, no domingo, 10 de julho de 1966. Veio diretamente de Farim, por coluna auto.
O correio dos oficiais era separado dos restantes. Daí o cap mil Romero estar a abrir e a ler o correio no seu gabinete e quarto que partilhava com o comandante da CART 730, o cap art Amaro Rodrigues Garcia, hoje cor art ref, residente em Benfica, Lisboa. Os militares da CCAÇ 1565, os "periquitos", estavam a ler o seu correio na parada. E o Artur Conceição estava, a 2 metros, no gabinete de transmissões, de cerca de 15 metros quadrados, que era partilhado com o centro cripto. O 1.º cabo cripto era o "Fininho", o alentejano de Portalegre (por sinal, conterrâneo do cap mil Romero), de seu nome completo Florival Fernandes Pires.
Na altura em que se ouviu o disparo, o "Fininho" não estava no centro cripto. A 6/7 metros de distância ficava o bar/messe de oficiais. O Artur foi primeiro a correr e a ver o cadáver do capitão, ensanguentado, estendido no chão, de lado, com a cabeça virada para os pés da cama, fardado com as calças por dentro das botas. Essa imagem ficou-lhe para o resto da vida, bem como as cartas e as fotografias das filhas pequenas, espalhadas pelo chão.
Segundo o Artur, o capitão terá sacado da pistola Walther, que estava em cima da cabeceira, e disparou um único tiro na testa. Imediatamente a seguir, apareceu o cap art Garcia. Foi mandada uma mensagem para Bissau, encriptada, a pedir uma evacuação Ypsilon. Na foto acima, o malogrado capitão Romero é transferido da maca do quartel para a maca do helicóptero, um Alouette II. A enfermeira era a alf Maria Rosa Exposto. O corpo foi levado para Bissau. O funeral realizou-se em Lisboa, no dia 13 de agosto, do Hospital Militar Principal para o Alto de São João.
A Ana Romero, aceitando de pronto e de bom grado o meu convite, passa a integrar a nossa Tabanca Grande (**). É uma forma, nobre, e um grande exemplo de amor filial, de homenagear o seu pai e nosso camarada. Seja bem vinda, Ana, apesar das tristes circunstâncias que a levaram a chegar até nós.
Como já tive ocasião de lhe dizer, pessoalmente, ao telefone, em casos como este, o nosso único móbil ou motivação é a busca e a partilha da verdade a que têm direito as famílas dos nossos camaradas que morreram na Guiné, no cumprimento do seu dever... As famílias, e nós próprios, seus camaradas... partilhamos memórias e afetos. E temos, de resto, contribuído para levar algum conforto e paz de espírito a diversas familias que não souberam, na realidade, como morreram os seus entes queridos: esposo, pai, avô... E alguns não voltaram à pátria, nem mesmo num caixão de chumbo.
Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, na IAO (presume-se) antes de embarcar para o CTIG
Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, a caminho do TO da Guiné. T/T Uíge, 24 de abril de 1966.
Fotos do álbum de família: Em casa, 1/3/1965, a esposa do cap mil inf Rui Romero com as duas filhas, a Isabel e a Ana (com 1 mês de idade)
Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, com a esposa e a filha mais nova, na praia, o verão de 1965 (presume-se)
Fotos do álbum de família: A Ana com a mana Isabel (seis anos mais velha),. A família vivia (e vive) em Lisboa.
Fotos: © Ana Romero (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 13 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (88): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)
É claro que autorizo a publicação da minha mensagem. Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha. (...)
(**) Último poste da série > 24 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13644: Tabanca Grande (447): Egídio Avelino Lopes, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Bissalanca, 1966/67)... É o nosso grã-tabanqueiro n.º 668