sexta-feira, 29 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4434: História do BCAÇ 4612/72 (Jorge Canhão) (4): Biologia das Populações



b. População 

(1) Aspecto histórico 

(a) Existem no Sector 04 dois "Chãos" tradicionais, ocupados há longos decénios, ou até mesmo séculos, por duas etnias com características e organizações diferentes: 
 
O "Chão" Balanta, na parte Sul, correspondendo à zona do Concelho de MANSOA que pertence ao Sector; 
 
O "Chão" Mandinga, na parte Norte, abrangendo a área do Posto Administrativo de MANSABÁ que fica dentro do Sector.  

Em qualquer dos "Chãos" predominam as populações da etnia que lhes dá o nome; ambos se prolongam para os Sectores vizinhos. 

(b) Os Balantas, ao que se julga, resultaram do cruzamento de homens Beafadas e mulheres Papeis, na povoação de DUGAL, donde irradiaram para as vastas áreas que actualmente ocupam nas quais predominam as bolanhas. Há notícias de que já no século XIX se encontravam nas áreas pertencentes ao actual Sector 04. Politicamente constituem uma sociedade acéfala, sem máquina administrativa nem instituições judiciais constituídas. O chefe político é o chefe da família; o chefe da povoação tem funções limitadas, não podendo decidir sobre qualquer assunto sem que haja um total consentimento dos chefes de família. Na sua sociedade não existem grandes diferenças de classes sociais ou de riquezas. 

Dada a sua organização político-social, dificilmente aceitaram os Régulos que lhes foram impostos pelas nossas autoridades e que por vezes pertenciam a etnia diferente, do qual resultaram ressentimentos por parte dos Balantas e pouco prestigio para o Régulo que era encarado pelas populações como um funcionário da Administração do que como um chefe natural. 

Constituem a etnia da Província com maiores qualidades de trabalho, mas praticam o roubo de gado - o que entre eles não constitui desonra, mas motivo de orgulho - e por tal facto as outras etnias tem relutância em aceitar os Balantas, visto recearem serem por eles roubados. Esta prática do roubo levou-os a serem considerados, no passado, como sendo possuidores de um elevado espírito guerreiro. Também são considerados como a etnia que mais entraves levantou á penetração portuguesa. Todavia as campanhas contra eles levadas a efeito principalmente nos dois decénios do século XX, por TEIXEIRA PINTO, enquadram-se no plano geral da pacificação da Província não havendo conhecimento de qualquer acção militar em que os Balantas sobressaíssem de forma especial. 

O seu deficiente enquadramento tradicional, antes da eclosão do terrorismo, levou-os a uma dependência económica, política e social de populações de outras etnias, sobretudo os Fulas e Mandingas. Assim as promessas, feitas pelo PAIGC, de libertação dos povos que os subjugavam, induziu os Balantas a facilmente aderirem à subversão; todavia a inclusão sistemática de Balantas nos grupos de guerrilheiros e a contribuição obrigatória de géneros alimentícios aos mesmos grupos levaram-nos a verificar que se tinham libertado duma dependência para caírem noutra; por tal facto deu-se já uma viragem na atitude dos Balantas, face ao PAIGC, nalgumas regiões da província. 

Nos dois CONGRESSOS DO POVO DA GUINE, realizados em 1971 e 1972 nos quais colaboraram todas as etnias, foram abordados alguns dos problemas específicos dos Balantas, podendo a sua solução alterar o panorama da luta que se trava na Província. 

(c) Os Mandingas habitavam já a GUINE antes da nossa chegada; possuidores de vastas tradições e de uma cultura própria, constituíram grandes impérios, dos quais o maior foi o do MALI que durou até ao Século XVII. Distribuíam-se irregularmente por toda a Província e em meados do Século XIX tiveram grandes disputas com os Fulas acabando por ficarem vencidos. 

A sociedade Mandinga, outrora fortemente hierarquizada apresenta-se hoje dividida em dois grupos: a classe dirigente e a classe dirigida; pertencem à primeira os chefes religiosos e políticos; a classe dirigida engloba três ramos de corporações de ofícios: a dos ferreiros, a dos sapateiros e a dos cultivadores de terras e comerciantes ambulantes (Djilas). 
A estrutura judicial andou sempre ligada ao poder político; o chefe da família é o juiz que resolve as desavenças surgidas na família extensa; quando as questões ultrapassam o âmbito familiar, mas se resumem a pequenos delitos, cabe ao chefe da Tabanca com o conselho dos grandes resolvê-los; antigamente só os Régulos julgavam os crimes, mas como os Régulos passaram a ser quase todos Fulas, surgiu uma procura para efeitos de julgamento, junto das autoridades administrativas. 
“O Chão”Mandinga abrangido pelo Sector C4 pertence todo ao Regulado do OIO, cujas populações, por tal facto, tomaram a designação de OINCAS. Os Oincas são considerados pelos outros Mandingas como menos puros, visto terem muitos antepassados Balantas a quem outrora se ligaram por casamentos. A sua organização familiar, social e económica pouco difere da dos outros Mandingas da Província; as maiores diferenças dizem respeito a organização política e religiosa. Assim, a organização política limita-se aos chefes de tabanca, cujos poderes são muito limitados, pois os Oincas sempre recearam estar sujeitos a um só Régulo. Têm o gosto do mando e tendências guerreiras que os levaram muitas vezes a insurgir-se contra a nossa soberania. Salientam-se as campanhas levadas a efeito por TEIXEIRA PINTO, que em 1913 derrotou os Oincas. Desde 1919 que o OIO não tem Régulo, mas os Oincas não se mostram interessados em ter um chefe único. 

Com início do terrorismo, calcula-se que um quinto dos Oincas se refugiou no CASAMANÇA (Senegal), onde mantinham estreitos laços familiares. Dos restantes, grande parte aderiu à subversão, ou por convicção, ou porque a tal foram obrigados, em consequência de as terras onde viviam terem sido envolvidas pela subversão, ou por terem sido acusados muitas vezes de terroristas, o que os obrigou a fugir. A atitude dos que aderiram convictamente à subversão, em grande parte foi devido ao desejo de reaverem a sua independência política e vingar as pressões e prepotências a que foram sujeitos. É de salientar que têm sido raros os casos de apresentação às nossas autoridades de elementos Oincas - população ou combatentes sob controlo IN. 

(d) Merecem uma referencia especial os MANSOANCAS, MANSOANCAS ou CUNANTES, que se localizam na Vila de MANSOA e povoações vizinhas a Norte e Leste, bem como o Regulado do CUBONGE. 

Inicialmente os Mansoancas resultaram do cruzamento de Mandingas e Oincas com Balantas do Norte da Vila de MANSOA; presentemente já se consideram Mansoancas muitos dos indivíduos nascidos em MANSOA, embora filhos de pais de etnia diferente. 


Originou-se assim uma mestiçagem cultural, que faz com que OS Mansoancas não se identifiquem com os Mandingas nem com os Balantas, pois até a sua língua é totalmente diferente. Todavia para alguns autores e em vários documentos, os Mansoancas continuam a ser considerados um subgrupo dos Balantas. 

Revelam uma organização política herdada dos Mandingas, embora rudimentar; estão quase totalmente islamizados, mas não desprezam os antigos ritos animistas. 

Os Mansoancas, principalmente os do Regulado do SANSANTO, aderiram com facilidade ao terrorismo, seguindo as pisadas dos Oincas.  

(e) As populações das restantes etnias existentes no Sector 04 não têm na região um passado histórico que mereça especial destaque. São minorias que vieram mais tarde e embora conservem os seus usos, religião e língua, estão enquadrados na organização político-administrativa local. Faz-se contudo uma referência aos Fulas e Mandingas que habitam em MANSOA, não só pelos seus quantitativos, como também por muitos deles exercerem actividades que os leva a estabelecer frequentes contactos com as outras populações locais (chefes ou dirigentes religiosos, pequenos comerciantes, artífices, cipaios, etc). 

(2) Aspecto humano 

(a) População 

Segundo os elementos colhidos nas administrações do Concelho de MANSOA e do Posto Administrativo de MANSABÁ relativos ao recenseamento de 1972, a população sob controlo das nossas autoridades no Sector 04 totaliza 17117 habitantes. 

Dada a área do Sector - cerca de 1350 Km2 - a densidade da população é de 13 habitantes/quilómetro quadrado. Verifica-se, porém, que cerca de 84% da população habita na região Sudoeste do Sector, na qual se situam 7 das suas 11 povoações (todas menos BISSÁ, PORTOGOLE, CUTIA e MANSABÁ), ocupando uma área de cerca de 25% do total; assim, nesta região, a densidade populacional é da ordem dos 40 habitantes/quilómetro quadrado. Em contra-partida há vastas zonas - principalmente a Leste do ROLOM - que antes do terrorismo já eram fracamente povoadas e no presente se encontram despovoadas. Embora se não disponha de dados concretos, estima-se que haja no Sector cerca de 2.500 elementos da população sob controlo de IN, dispersos pela região de CUBONGE - MORÉS (2.000) e a Norte da estrada MANSABÁ - MANHAU - BANJARA (500).  

(b) Grupos étnicos 

Predomina no Sector a etnia Balanta que totaliza perto de 11.000 indivíduos e constituiu cerca de 63% da população existente. Praticamente, nas povoações situadas no "Chão Balanta" (excepto MANSOA) apenas há populações desta etnia; no Regulado do CUBONGE (a N do RMANSOA) pertencem ao ramo dos Balantas CUNTOI, ou BRAVOS; nos Regulados de JUGUDUL e ENXALE, pertencem ao ramo dos Balantas de FORA. 

MANSOA, tem uma população heterogénea, mas perto de 50% e são Mansoancas (2.583) que, conforme se indicou já, resultaram do cruzamento de Balantas com Mandingas, mas no presente não se identificam com uns nem com outros. 

Segue-se, quantitativamente, OS Oincas e outros Mandingas que constituem a maioria nas povoações de MANSABÁ e CUTIA e cujo total dentro do Sector deve ultrapassar os 2.000 indivíduos. 

As restantes etnias são minorias, que estão deslocadas do seu "Chão" tradicional; de entre elas, são os Fulas que maior influência faz sentir, não só pela sua cultura e modo de vida, como também pela sua expressão numérica e dispersão (por MANSOA, MANSABÁ e CUTIA). 

A população europeia do Sector - metropolitanos e libaneses – é constituída por funcionários e comerciantes com as respectivas famílias e reside em MANSOA, com excepção de 01 comerciante europeu de MANSABÁ, leva uma vida normal, desloca-se com frequência a BISSAU e não há conhecimento de que favoreça deliberadamente ou esteja ligada à subversão. 

DISTRIBUIÇÃO POR ÉTNIAS DA POPULAÇÃO DE MANSOA 

ETNIA ou RAÇA            -               Nº de HABITANTES 

BALANTAS 836 
FULAS 752 
MANDINGAS 485 
MANSOANCAS 2583 
PAPEIS 147 
MANJACOS 68 
BEAFADAS 145 
JACANCAS 61 
SOSSOS 42 
TILIBONCAS 50 
SARACOLÉS 33 
BIJAGÓS 02 
CABOVERDEANOS 29 
BRANCOS > METROPOLITANOS 11 
BRANCOS > LIBANESES 19 

POVOAÇÕES E NÚMERO DE HABITANTES SEGUNDO O RECENSEAMENTO DE 1972

POVOAÇÕES - TABANCAS QUE ACTUALMENTE ENGLOBAM - NÚMERO DE HABITANTES POR TABANCA - NÚMERO DE HABITANTES TOTAL 

MANSOA MANSOA (VILA) 249 5263
LUANDA 2104 
S.TOMÉ                                    984 
ARRIA                                     585 
MANCALÃ 795 
CUSSANÁ                                 286 
MANTEFA 260 
JUGUDUL CUSSANTCHE 55 1525
JUGUDUL 849 
SUGUME 230 
BINIBAQUE     391 
ROSSUM ENCHUGAL 395 1217
BISSORÃ 481 
GAMBIA 142 
ROSSUM                                 199 
UAQUE UAQUE 235 662
CUBOI                                    427 
BINDORO BINDORO           738 1384
DANA 103 
DATE 159 
BARÁ 227 
QUIBIR 51 
POLIBAQUE                            64 
ANSONHE 42 
BRAIA BRAIA 861 1414
QUENHAQUE 351 
CLAQUE-ISMA 75 
INJASSE 127 

POVOAÇÕES - TABANCAS QUE ACTUALMENTE ENGLOBAM - NÚMERO DE HABITANTES POR TABANCA - NÚMERO DE HABITANTES TOTAL 

INFANDRE INFANDRE 376 2909 
CONTUBO 499 
ENCOME 460 
ENCHAQUE 336 
NHENQUE 225 
CLAQUEIALA 151 
INRUIDA 169  
NHAÉ 38  
UANQUELIM 117  
INJASSE 50  
NIMANE I 193  
NIMANE II 295  
BISSÁ BISSÁ 826 826 
PORTO GOLE PORTO GOLE 113 113 
CUTIA CUTIA 137 137 
MANSABÁ  MANSABÁ 1766 1766 
TOTAL 17217 

(c) Modos de vida 

A população autóctone dedica-se quase exclusivamente à agricultura, com especial interesse pelo arroz; há outras culturas – mancarra(amendoim), milho, fundo e mandioca - mas em escala reduzida. O gado, especialmente o bovino, tem também muita importância para os Balantas, não pelo seu interesse comercial, mas porque está ligado às suas cerimónias tradicionais e confere prestígio; daí a sua relutância na sua venda e uma crescente dificuldade no abastecimento de carne. As culturas metropolitanas, mormente os produtos hortícolas, têm fraca expansão e pouca aceitação no nativo, talvez pela dificuldade de obtenção de água para rega. MANSOA constitui o principal centro comercial do Sector; além dos estabelecimentos comerciais dirigidos pelos Brancos e Cabo-verdianos, existem principalmente no mercado local e imediações pequenos "lugares" de venda de panos e bugigangas (quase todos explorados por Fulas e Mandingas) e produtos alimentares. 

Nalgumas povoações existem caçadores e pescadores profissionais; os primeiros são em regra, Fulas. Não havendo cidades no Sector, a população nativa pode considerar-se toda rural. Verifica-se, porém, que BISSAU constitui Um pólo de atracção e que muitos autóctones - sobretudo os mais evoluídos - procuram arranjar empregos ou modo de vida na capital da Província, abandonando as suas povoações. 

(d) Línguas e dialectos 

Cada etnia fala a língua ou dialecto que lhe é própria; os Balantas Cuntoi e os Balantas de Fora compreendem-se, visto que as maiores diferenças linguísticas são na pronúncia. Os autóctones que estão mais em contacto com outras etnias falam frequentemente mais de uma língua ou dialecto. O crioulo - vínculo comum na Província - é compreendido por elevado número de nativos, principalmente pelos mais evoluídos

(e) Religiões, Crenças e Seitas 

Os Balantas, pouco dados à contemplação religiosa, são um povo animista, praticando o culto dos mortos e dos IRÃS. A eles oferecem o melhor que têm: o arroz e o sacrifício dos animais domésticos. Não há, entre os Balantas, qualquer classe sacerdotal, pois o ritualista é na maior parte das vezes o chefe da família. Os Oincas e restantes Mandingas estão islamizados, se bem que o islamismo por eles praticado seja do tipo africano, revelando resíduos do antigo animismo. Os Mansoancas estão quase totalmente islamizados, embora não desprezem os antigos ritos animistas (choros, culto dos antepassados, etc.). Também os Fulas seguem a religião islâmica, com práticas de fundo animistas, como por exemplo, o uso de amuletos, o culto dos mortos e a prática da circuncisão. Nas povoações em que há populações islamizadas há uma mesquita - por vezes rudimentar - e chefes religiosos que presidem as cerimónias. Os chefes religiosos muçulmanos de maior prestígio na região são os Chernos ALAJE INJAI (Futa-Fula), MAMADU DJALÓ (Fula) e MAMADU CASSAMÁ (Jacanca), todos residentes em MANSOA. Por seu turno a população Branca, muitos Cabo-verdianos e alguns nativos são católicos. Há em MANSOA a Missão Católica dirigida por 01 sacerdote, realizando-se actos de culto numa igreja, construída para tal fim na vila.  

(3) Aspecto económico 

A economia do nativo, no Sector, assenta fundamentalmente na agricultura, em especial na do arroz. Embora alguns se dediquem também à pesca, à caça e ao pequeno comércio, a sua influência no aspecto económico, pouco se faz sentir no contexto geral. 

Os comerciantes de MANSOA e de MANSABÁ dedicam-se ao comércio geral, mas raramente dispõem de víveres para alimentação da população europeia; as sucursais da casa Gouveia abastecem de combustível as Unidades e particulares.

Em MANSOA existe uma estação dos CTT, com serviço postal (incluindo encomendas), telegráfico e telefónico. Não há no Sector grandes proprietários nem fazendas que tenham explorações agrícolas ou pecuária. 

As actividades industriais limitam-se, praticamente, ao corte e serração de madeiras feitas por 01 europeu em MANSABÁ. Dada a escassa ocupação europeia e a reduzida actividade industrial, a influência da população Branca no desenvolvimento económico do Sector tem sido pequena. 

Nalgumas povoações existem caçadores e pescadores profissionais; os primeiros são em regra, Fulas. Não havendo cidades no Sector, a população nativa pode con-siderar-se toda rural. 

Verifica-se, porém, que BISSAU constitui Um pólo de atracção e que muitos autóctones - sobretudo os mais evoluídos - procuram arranjar empregos ou modo de vida na capital da Província, abandonando as suas povoações.

(d) Línguas e dialectos 

Cada etnia fala a língua ou dialecto que lhe é própria; os Balantas Cuntoi e os Balantas de Fora compreendem-se, visto que as maiores diferenças linguísticas são na pronúncia. Os autóctones que estão mais em contacto com outras etnias falam frequentemente mais de uma língua ou dialecto. 

O crioulo - vínculo comum na Província - é compreendido por elevado número de nativos, principalmente pelos mais evoluídos (e) Religiões, Crenças e Seitas Os Balantas, pouco dados à contemplação religiosa, são um povo animista, praticando o culto dos mortos e dos IRÃS. A eles oferecem o melhor que têm: o arroz e o sacrifício dos animais domésticos. 

Não há, entre os Balantas, qualquer classe sacerdotal, pois o ritualista é na maior parte das vezes o chefe da família. Os Oincas e restantes Mandingas estão islamizados, se bem que o islamismo por eles praticado seja do tipo africano, revelando resíduos do antigo animismo. 

Os Mansoancas estão quase totalmente islamizados, embora não desprezem os antigos ritos animistas (choros, culto dos an-tepassados, etc.). Também os Fulas seguem a religião islâmica, com práticas de fundo animistas, como por exemplo, o uso de amuletos, o culto dos mortos e a prática da circuncisão. 

Nas povoações em que há populações islamizadas há uma mesquita - por vezes rudimentar - e chefes religiosos que presidem as cerimónias. Os chefes religiosos muçulmanos de maior prestígio na região são os Chernos ALAJE INJAI (Futa-Fula), MAMADU DJALÓ (Fula) e MAMADU CASSAMÁ (Jacanca), todos residentes em MANSOA. 

Por seu turno a população Branca, muitos Cabo-verdianos e alguns nativos são católicos. Há em MANSOA a Missão Católica dirigida por 01 sacerdote, realizando-se actos de culto numa igreja, construída para tal fim na vila. (3) Aspecto económico A economia do nativo, no Sector, assenta fundamentalmente na agricultura, em especial na do arroz. Embora alguns se dediquem também à pesca, à caça e ao pequeno comércio, a sua influência no aspecto económico, pouco se faz sentir no contexto geral. 

Os comerciantes de MANSOA e de MANSABÁ dedicam-se ao comércio geral, mas raramente dispõem de víveres para alimentação da população europeia; as sucursais da casa Gouveia abastecem de combustível as Unidades e particulares. 

Em MANSOA existe uma estação dos CTT, com serviço postal (incluindo encomendas), telegráfico e telefónico. Não há no Sector grandes proprietários nem fazendas que tenham explorações agrícolas ou pecuária.

As actividades industriais limitam-se, praticamente, ao corte e serração de madeiras feitas por 01 europeu em MANSABÁ. Dada a escassa ocupação europeia e a reduzida actividade industrial, a influência da população Branca no desenvolvimento económico do Sector tem sido pequena. 

(Enviado por Jorge Canhão – Ex-Fur. Milº da 3ª Cia do BCAÇ 4612/72) 

________

Nota de MR:

Vd. último poste desta série em:

21 de Maio de 2009 > 
Guiné 63/74 - P4398: História do BCAÇ 4612/72 (Jorge Canhão) (3): Área de intervenção do Comando Chefe 

Guiné 63/74 - P4433: Efemérides: Cerimónia de Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar, em Leça da Palmeira, no dia 10 de Junho de 2009 (Carlos Vinhal)


HOMENAGEM AOS COMBATENTES DA GUERRA DO ULTRAMAR EM LEÇA DA PALMEIRA

Venho dar conhecimento, especialmente aos camaradas combatentes da guerra do ultramar do Grande Porto, da cerimónia de homenagem aos camaradas falecidos em campanha, que se vai realizar no Cemitério n.º 1 de Leça da Palmeira, no próximo dia 10 de Junho, pelas 11 horas da manhã, junto ao Memorial dos Combatentes.

Como nos anos anteriores, esta cerimónia é uma organização da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira (Dr. Pedro Andrezo-Tabuada e senhor Eduardo Pereira) e de um grupo de combatentes.

Temos, entretanto, a promessa do Edil de Matosinhos da construção de um Memorial dedicado aos Combatentes da Guerra do Ultramar do Concelho de Matosinhos mortos em campanha, que será erigido no complexo do futuro Tanatório de Matosinhos, anexo ao Cemitério n.º 2 de Sendim.

Se este projecto se concretizar, futuramente, esta cerimónia será mais abrangente, pois no Memorial estarão inscritos os 69 nomes dos filhos de Matosinhos que deixaram as suas jovens vidas por terras de África.

Convite emitido pela Junta de Freguesia de Leça da Palmeira, dirigido à população de Leça da Palmeira



Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art/MA
CART 2732
Mansabá
1970/72

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4432: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (7): 4 dias de inferno em Junho de 1969


Amigos e camaradas, 

QUARENTA ANOS estão passados. 

Vou tentar descrever o melhor possível como foram os 4 dias de Inferno (7, 8, 9 e 10 de Junho de 69) no Hospital Militar. 

Em Março, tentei obter algum apoio para que a história tivesse melhor composição, para ter nas datas as zonas de onde vieram as evacuações, mas como tal não foi possível, vou descreve-la da melhor forma que poder. 

Dia 07 (sábado) 

Começava o dia com manhã calma e serena, como já muitas anteriores, que nos levava por momentos a pensar que a Guerra tinha acabado. Haviam duas semanas passadas que as evacuações eram escassas, tanto por hélios como pela base, passavam dias e dias sem uma evacuação, a calma tornava-se surpreendente. 

Tinha por hábito passar as manhãs de sábado no hospital, só depois de almoço ia até á cidade, os que não estavam de serviço, na maioria, piravam-se logo de manhã. Almocei, fui lavar a camisa que queria vestir, cortei a barba, tomei banho, enfiei-a no corpo e dirigi-me para a entrada principal para ir na carrinha que nos levava para a cidade, atrasei-me, já tinha saído, fiquei a aguardar pelo próximo transporte. 

Passado pouco tempo sinto a meu lado o médico dia, que me pergunta: 

- Para onde vais? 

Em tom de brincadeira, lhe respondo: 

- Vou ás putas! 

- Ias ! E os que lá estão têm de vir, vamos ter muito trabalho. 

Pensei que ele estava a brincar, não sei como ele soube, mas era verdade. 

Talvez não tivessem passado 5 minutos, ás 13h e 17mn, vejo vir em direcção ao Hospital 2 hélios, sem que o tivéssemos previsto… ia começar o INFERNO. 

Começam as corridas desenfreadas das viaturas do hospital para a cidade, tinha-se de ir buscar médicos, enfermeiros e todo o pessoal que fizesse parte do HM. 

A paga dos dias de calma surpreendente tinha chegado. 

Começavam as perguntas sem resposta, pensamentos sem sentido, tudo isto tínhamos de deixar para mais tarde e dar ao cérebro a liberdade de ocupar-se com as orientações necessárias para o trabalho que íamos ter pela frente, tinha de ser feito. 

Não fui dos que corri á cidade por me encontrar á civil, mas desde o primeiro momento fazia a retirada dos feridos dos helicópteros para dentro do hospital. 

Pelas 3 e tantas da tarde, tenho que mudar de roupa para puder dar apoio á ambulância que está de serviço á base, pois para lá, também já tinha começado a corrida. A tarde não tinha começado bem, mas ia ficar pior, saí do hospital com destino á base onde já se encontrava o outro condutor o B (só ponho a inicial de seu nome) lá nos encontrámos e ao mesmo tempo recolhemos os feridos com destino ao hospital, eu saí pala ultima rua da base, ele pela do meio que vinha de frente á porta de armas, chegados ali, ele sai primeiro e lá fui a trás dele directos ao hospital, como devem calcular a boa velocidade, passado os Adidos, em frente á Engenharia dá-se o azar, o B atropela 7 africanos que se encontravam á beira da estrada, não parámos nem ele nem eu, teríamos que desocupar primeiro as ambulâncias, para os vir recolher, quando lá chegamos já tinham seguido num Unimog da Engenharia, se não me engano 5 morreram. A partir desse momento o HM fica com menos um condutor, quando mais falta fazia. 

Resto do dia, trabalho em força, começa o posto de socorros a não ter capacidade para tantos feridos, começasse a pôr macas em fila no corredor com os feridos menos graves, que prontamente ali são assistidos com os cuidados necessários, deixando assim um espaço maior no P S para os casos mais graves que posteriormente iam chegando, que não foram poucos, pudessem ser encaminhados com mais rapidez ao local adequado ao seu tratamento e recuperação, quero com isto dizer, SO, CI (cuidados intensivos), PC (pequena cirurgia) e BOs (blocos operatórios), aqui sim se terá instaurado o caos, não havia mãos a medir, nem médicos, nem enfermeiros tiveram o mínimo descanso pela noite dentro e restante pessoal tinha muito trabalho pela frente e ajudas a prestar. 

Posso dizer que, até dentro do posto de socorros, foram feitas massagens cardíacas (peito aberto) directas ao coração. 

Por muito que me custe, não posso fugir á verdade, alguns tiveram como destino a ultima morada. 

Cama, nem vê-la. 

Estava aberta a sala da messe de sargentos, durante a noite, para se ir petiscando qualquer coisa, mais que não fosse, pão com manteiga e copos de café com leite. 

Dia 08 (Domingo) 
 
Porra, mas que está a acontecer? 

Rompe o dia, sem termos tempo para um bocadinho de merecido descanso e a casa ainda um pouco desarrumada, com o som característico de hélices em rotação, tinha começado mais um dia sangrento não sei se pior ou igual ao anterior, mas melhor não foi. 

Chegada e partida de helicópteros todo o dia, corrida de ambulâncias para cima e para baixo, mas desta vez, com PM no percurso. 

Spínola, chega de manhã ao Hospital para se inteirar da situação. 

É levantada a ideia de se ter de montar um Hospital de Campanha. 

Não se concretiza. 

Corrida de dois Unimogues 404, durante o dia, para a cidade e Brá a fim de recolher militares para dar sangue. 

Entramos uma vez mais pela noite dentro com o mesmo esquema da anterior. 

Cama, nem vê-la! 

Talvez dada a circunstância de só termos entre 20 e 22 anos, pela força de vontade, com a ajuda de algumas chuveiradas que íamos tomando de tempos a tempos, conseguíamos levar a cruz ao Altar, com dignidade e respeito, mantendo a cabeça bem equilibrada no sitio para não haver nenhum descontrolo. 

A sala do copo de café com leite, continuou aberta toda a noite 

Há!... não posso esquecer que os médicos também precisavam, e bem, de serem tratados. 

Quando tinham a possibilidade de descansar um bocadinho, lá o íamos levar a casa para tomar um bom banho e mudar de roupa, era só esperar e traze-lo de volta, fosse de dia ou de noite, alguns médicos, num bocadinho que tinham durante a noite, vinham ao bar encostarem-se um pouco no sofá para descansar a pestana, mas o tempo era pouco até ao reinicio da próxima viagem. 

Éramos uma grande equipa, talvez possa mesmo dizer… que família! 

Dia 09 (2ª. Feira) 

A manhã surgiu mais calma, que alivio, mas a noite uma vez mais se tinha tornado bastante cansativa, ao encarar a claridade os olhos pediam uma boa chapinhada de água, lá os levei para baixo do chuveiro com corpo cabeça e tudo, pois o dia ainda prometia muito trabalho, não com tanta intensidade, mais compassado tanto por ar como por terra. 

Spínola chega de manhã para se inteirar novamente da situação. 

Chegou a ser posta a ideia de serem substituídos os condutores do Hospital por condutores dos Adidos ou da PM. 

Não foi aceite, nem tão pouco para um serviço daqueles faria sentido. 

O Hospital, se não me engano e creio que não, estava com 15 condutores, no mínimo. 

Alguns já tinham começado a descansar pela manhã. 

Cegada a noite, a 3ª foi de vez, fui para a cama, dormi que nem um anjo, nem o diabo me acordaria. 

Dia 10 (3ª. Feira) 

Levantei-me ás 7, a manhã estava calma no exterior. 

Mas o interior do Hospital continuava com bastante trabalho. 

Durante o dia ainda houveram muitas evacuações, mas nada comparado com os dias anteriores. 

Mas como o azar não podia ser só para os de fora, também teria de tocar uma vez mais a nós… não falhou!  

E calhou ao mesmo. 

Como algum pessoal estava a descansar, isto referindo-me a condutores, e os que não estávamos andávamos atarefados, e bem, com os trabalhos em curso, o B, ao ouvir dizer que era preciso ir arranjar mais malta para dar sangue, se ofereceu para ser ele a fazê-lo. 

Todos sabíamos e ele também que não podia conduzir, motivado pelo acidente de sábado atrás, mas tanto pediu e de boa forma o fez que o Tenente deixou. È claro, filho pede…pai cede! 

E lá foi. 

Levou o Unimog Grande com a parte de trás coberta com a capota. 

De regresso ao Hospital, onde só podia trazer 18, trazia 23, quando já estava perto do hospital, em frente ao Bairro da Ajuda, pelo que disseram, um cão aparece-lhe á frente ele guina para o lado da berma falha e tomba, capotando para a vala. Não podia ser pior. 

Se o trabalho no Hospital ainda andava bastante complicado, pior ficamos. 

Deu mortos, feridos e amputados. 

O 1º a socorrer foi um condutor da Base, vinha a passar e levou dois ou três, ao entrar com o autocarro bateu com o mesmo no ferro que levantava na entrada principal que o virou para o outro lado. 

Mais uma noite entrada por ai dentro. 

O condutor B, ficou bastante mal, teve de ser operado á cabeça e evacuado para Lisboa. 

Não sei se se salvou ou não, não soube mais nada dele. Por esse motivo só ponho a inicial de seu nome. 

NOTA: Se tivesse comigo os apontamentos que trouxe, estariam também aqui os nomes dos soldados evacuados e as zonas de onde vieram. 

Tivemos também o apoio da ambulância da base, a esposa de um médico do Hospital, que também era médica, esteve presente. 

Pelo que se falava, todos que eram médicos em Bissau, para lá foram encaminhados. 

Não foi montado Hospital de campanha, mas foram fretados á TAP aviões para fazerem as evacuações para Lisboa naqueles dias. 

As Nossas Queridas Enfermeira Pára-quedistas, não me lembro bem, depois de um dia bem estafadas, á noite ainda lá iam dar uma mãozinha. 

Houveram evacuações nocturnas. 

Fico por aqui. 

Um abraço para todos, 
António Paiva 

________ 

Nota de MR: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P4431: Blogoterapia (104): Não façamos deste Blogue um muro de lamentações (António G. Matos)

1. Mensagem de António G. Matos (*), ex-Alf Mil MA da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, com data de 21 de Maio de 2009:

Meus caros camaradas ex-combatentes da guerra do ultramar,
Temo sinceramente que muitos de nós tenhamos feito deste blog um verdadeiro muro de lamentações do qual não já não conseguimos libertar o espírito e tenhamos transformado um hobby que se pretendia salutar, numa doentia carpideira que em nada contribuirá para amenizar esta etapa final das nossas vidas.

É certo que temos histórias que nos fazem sorrir, umas, e rir a bandeiras despregadas, outras;

É certo que temos bons momentos vividos e relatados que nos enchem a alma;
Mas as angústias, os medos, os desgostos, as saudades, as lutas, a morte enfim, ressaltam como o leit motive das nossas mensagens de África.

Apercebi-me que temos que ter consciência disso sob pena de nos estarmos a infernizar e a infernizar a vida de outros...

Acho que temos de nos consciencializar que aquela época que todos nós vivemos é algo que, tendo deixado marcas incontornáveis nos nossos corpos e nas nossas almas, não podem ser as que comandam o resto das nossas vidas, sob pena de nos declararmos vencidos perante a enormidade que na altura vencemos!

Força malta! Arrebitemos para a vida e deixemos que uma reflexão do Picasso nos sirva de alibi para sabermos dar a volta POR CIMA!

Um abração,
António Matos


Receita de jovialidade de Pablo Picasso… (?)

Deita fora todos os números não essenciais à tua sobrevivência. Isso inclui idade, peso e altura. Deixa o médico preocupar-se com eles. É para isso que ele é pago. Frequenta, de preferência, amigos alegres. Os de "baixo astral" põem-te em baixo. Continua aprendendo...

Aprende mais sobre artesanato, jardinagem, qualquer coisa. Não deixes o teu cérebro desocupado. Uma mente sem uso é a oficina do diabo. E o nome do diabo é Alzheimer.

Curte coisas simples. Ri sempre, muito e alto. Ri até perder o fôlego. Lágrimas acontecem. Aguenta, sofre e segue em frente. A única pessoa que te acompanha a vida toda és tu mesmo.

Mantém-te vivo, enquanto vives! Rodeia-te daquilo de que gostas: família, animais, lembranças, música, plantas, um hobby, o que for. O teu lar é o teu refúgio.

Aproveita a tua saúde; Se for boa, preserva-a. Se está instável, melhora-a. Se está abaixo desse nível, pede ajuda. Não faças viagens de remorso. Viaja para o Shopping, para a cidade vizinha, para um país estrangeiro, mas não faças viagens ao passado.

Diz a quem amas, que realmente os amas, em todas as oportunidades. E lembra-te sempre de que: A vida não é medida pelo número de vezes que respiraste, mas pelos momentos em que perdeste o fôlego: de tanto rir... de surpresa... de êxtase... de felicidade...

"Há pessoas que transformam o Sol numa simples mancha amarela, mas há também as que fazem de uma simples mancha amarela o próprio Sol".



2. Comentário de CV:

Oportuna esta mensagem, com mensagem, do nosso camarada António Matos.

Criamos, por vezes, questiúnculas que exaltam os ânimos de maneira menos própria entre camaradas, com palavras ou frases acutilantes, desnecessárias, às quais o melhor destino é a indiferença.

Recentemente dois camaradas (?) dirigiram-se aos editores, de modo tão pouco cordial, por razões tão mesquinhas, que nos deixou sem palavras. Replicar para quê?

Por outro lado, não façamos da guerra que vivemos há tantos anos, um drama permanente da nossa vida. Ao longo da existência, todo e qualquer ser humano sofre perdas irreparáveis, mas o subconsciente tem defesas próprias para as colmatar. A família e os amigos precisam de nós sãos, física e mentalmente. Façamos um esforço para nos darmos a eles.

Quanto à receita atribuída a Picasso, enviada pelo camarada António, é bom que a sigamos à letra. Gozemos a vida em pleno, cada um a seu modo, deixemos de implicar com os que nos são mais chegados, família e amigos, porque estes são o nosso maior tesouro. Cuidemos da saúde e tratemos da azia que não nos deixa ver com clarividência os problemas do dia-a-dia.

Digamos frontalmente ao nosso interlocutor que discordamos dele, mas respeitêmo-lo. Se ele estiver errado, chamêmo-lo à atenção, cordialmente. É tão bonita a cortesia.

Termino com:

"Há pessoas que transformam o Sol numa simples mancha amarela, mas há também as que fazem de uma simples mancha amarela o próprio Sol".

Um grande e sentido abraço para todos os camaradas e amigos tertulianos, assim como para os milhares de leitores do nosso Blogue, em nome dos editores que tudo fazem para agradar.

Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4427: "Restolhada", uma Operação da CCAÇ 2790 no Choquemone (António G. Matos)

Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4392: Blogoterapia (103): Coisas lindas de Guileje / que guardo num cantinho do meu coração (J. Casimiro Carvalho)

Em tempo
Nota às 20 horas e 45 minutos.

Como os leitores devem ter reparado, durante a edição deste poste, aconteceu uma publicação intempestiva. A mesma saiu sem número, sem autor, com o título incompleto, com o texto empastado, etc.
Do facto peço desculpa. Acrescentei todos os elementos identificativos do autor e um pequeno comentário meu, que estava já feito noutro rascunho criado em duplicado pelo sistema.

Guiné 63/74 - P4430: Estórias Jorge Picado (6): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (II): Reunião com o Secretário Geral - Agricultura

1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72, Engenheiro Agrónomo, com data de 22 de Maio de 2009:

Caros amigos, Luís, Carlos, Briote e MRibeiro
Na continuação da transcrição de papeis dos tempos de Teixeira Pinto, envio mais um para apreciarem e darem o encaminhamento que julgarem melhor (*).

Abraços para todos vós para todo o pessoal da Tabanca.
Jorge Picado

PS: Vai seguir dentro em pouco uma nota sobre a "Ponte" e as "estradas", prometo.


2. Na continuação da minha comunicação anterior segue agora a transcrição duma cópia, duma reunião, que fiz à mão intitulado “Agricultura”, reunião essa realizada no final de 1970 ou nos primeiros dias de 71, provavelmente em TEIXEIRA PINTO, portanto, quando ainda me encontrava algures por terras de MANSOA.

Agricultura

1. Cultura do Arroz.

Bolanha de Churobrique: Aproveitaram-se só 72kg. (Só a sementeira). Num Ano Bom poderia dar 6.000kg.
Arroz filipino – Foi dado à POP em todos os Reordenamentos
Vai começar a recolha da sementeira em Bajope – Capol a partir da 2.ª quinzena de Janeiro de 71. (reaver as sementes que o SAF deu para a sementeira). Depois seguir-se-ão os outros Reordenamentos.

2. Palmeiras.
Em Dezembro havia 170 sementes germinadas para irem para o viveiro. Depois sai para o lugar definitivo. Pretende-se com estas sementes aumentar os Palmares dos Reordenamentos

3. Árvores de Fruto e Outras Árvores.
Daqui a 2 meses já há novas Plantas para distribuir à população.

4. Granja de Teixeira Pinto.
A ideia do Regente Agrícola é que a Granja de Teixeira Pinto ficasse só com o Palmar. Abrir uma nova Granja, talvez em Calequisse ou Cajegute (depois de Bugulha->Fancate). Primeiro era preciso abrir uma estrada (eram precisos 1 D7 + 3 motosserras). O problema foi levantado em Fev70.

5. Granja de Calequisse.
Desenvolver ou a Granja de Fancate ou de Calequisse. Para desenvolver a de Calequisse, é o mesmo problema -> maquinaria (D7 + 3 motosserras).

6. Granja de Caió.
Só reservada a árvores de fruto. Desde que tivessem 1 tractor já poderiam começar os trabalhos.

7. Ensino à população de novas técnicas.

8. A verba para o ensino na Granja de Teixeira Pinto foi posta ao SAF. Já foi accionada?

9. Recuperação de Bolanhas.
Dar pelo menos 1 Ha.
A divisão ser feita de acordo com o escoamento das águas (-> obriga a que o Sr. Dias faça um estudo).

10. Reparação das cercas dos Reordenamentos (dizem que a população não colabora).

11. Palmar de Balombi. São precisas 3 motosserras + tractor.
Perguntar ao SAF:
verba para alimentação na Granja de Teixeira Pinto
3 motosserras
1 tractor
1 debulhadora-enfardadeira
1 autotanque
Pedir o maior número possível de novas Britadeiras
Pedir o maior número possível de Prensas para o óleo (a prensa pode ser acopulada à Britadeira)

12. Britadeira.
Para quebrar o quenoque. Falar com o Soldado José Carlos (do CAOP).
A população de BARÁ +

13. Palmar de PELUNDO.
O Palmar foi feito pelo Estado, pelos SAF. A exploração feita através dos SAF e em proveito da população do Pelundo.

Ressalta do rascunho, pois era escrito a lápis e esferográfica, que se tratou duma reunião para balanço da actividade desenvolvida no sector da actividade agrícola e no esboço duma programação para novas etapas a desenvolver, na zona de acção do BCaç 2905, pois todas aquelas povoações mencionadas pertenciam à área do Posto Administrativo cuja sede era TEIXEIRA PINTO e aos Regulados de: CHURO; COSTA DE BAIXO; CALEQUISSE; CAJEGUTE; BUGULHA; CAIÓ e PELUNDO.

Pelos vistos a cultura do arroz em CHUROBRIQUE (ponto 1) falhou. Teria sido bom procurar as causas, mas nada se diz.

Tinham sido criadas várias unidades para adaptação e demonstração de novas variedades de árvores de fruto e outras designadas por “GRANJA” e tentava-se criar ainda outras, para as quais seriam necessárias mais máquinas, incluindo Prensas para extracção do óleo de palma, e o que designavam por Britadeiras, para quebrar o quenoque. Note-se que para esta finalidade referem um soldado do CAOP, José Carlos. Seria o encarregado de trabalhar com as Britadeiras?

No ponto 11 refere-se o Palmar de BALOMBI, mas a grafia deve estar incorrecta, uma vez que julgo não existisse este nome, mas sim BALOMBE, a Sul da estrada TEIXEIRA PINTO – CALEQUISSE, mais próximo desta última e no Regulado de CATI.

Quando se fala num Sr. Dias, para fazer um estudo tendo em vista a divisão das bolanhas recuperadas, de acordo com o escoamento das águas, só se podem referir ao Regente Agrícola que, salvo erro, era o responsável pelo sector das bolanhas dos SAF (Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné), que conheci depois no decorrer da minha actividade no CAOP 1.

Aproveito para juntar duas fotografias obtidas numa das muitas visitas que efectuei às Granjas.

Numa sobressaem várias Papaieiras, num dos talhões, que eram de variedade melhorada, para comparação e divulgação, tendo em vista a sua aceitação pela população. Na outra o pormenor do fruto duma palmeira de variedade melhorada em cultura numa das Granjas, para adaptação e demonstração da diferença, para melhor, relativamente às variedades nativas.

Todos as povoações mencionadas e as Granjas visitei-as mais do que uma vez, durante aqueles 8 meses em que percorri a região.

Jorge Picado

Papaieiras

Cacho de palmeira
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 20 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4385: Estórias de Jorge Picado (5): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (I Parte)

Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 27 de Maio de 2009:

Caro Carlos:
[...]
Assim procurando respeitar o intervalo de uma semana, junto em anexo a continuação da estória sobre Madina Xaquili - parte 4, para a série A Guerra Vista de Bafatá.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

5 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - parte 4

Preâmbulo

Como tenho referido, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No meu Poste anterior – 4395 (4.º; 5.º e 6.º dias dessa minha experiência), referi que a minha principal preocupação era o problema da falta de segurança. Descrevi como para isso utilizei canas de milho e como pensei dar destino às granadas M/44, atrás dos troncos dos poilões. Tomei também a primeira decisão considerada controversa.

Relato do 7.º dia – 18JUN69:

Manhã cedo lá saí com um GCOMB, rumo a Cantacunda, conforme as ordens recebidas. Como íamos para uma zona calma nem sequer levei o nosso cano de morteiro.

A caminho de Cantacunda

Deu-se instrução de fogo com G3 embora lá só dispusessem de Mausers, mas ordens são ordens.

Debaixo de um mangueiro, no centro da tabanca, tirei uma foto onde se podem ver o João Vieira e o chefe da tabanca de Cantacunda.

Em Cantacunda. O João, eu e o chefe da tabanca, entre outros

No regresso a Madina, surpresa das surpresas… O Capitão Jerónimo (soube o seu nome no último almoço da Tabanca de Matosinhos) mandou-nos, além de novos géneros, mais sete Praças e um Furriel, passando assim para o dobro, as NT metropolitanas em Madina Xaquili. Deve ter ficado com remorsos por anteriormente só me ter fornecido o cano de um morteiro

A chegada a Madina Xaquili vindos de Cantacunda

Almoçámos mais uma vez a habitual comida enlatada.

Preparávamo-nos para reiniciar os trabalhos quando se ouve um tiro para os lados do sentinela instalado na mata. Tocou-se o alarme. Toda a gente, civil e militar, foi para os abrigos conforme o combinado. Fui acariciar o nosso cano de morteiro. O silêncio era total. Nada acontecia. Pedi ao João para mandar um grupo saber o que se tinha passado. Teria sido o IN?

Em pouco tempo veio a resposta. Tendo passado ao alcance do sentinela um porco do mato, aquele abateu-o.

Com pleno acordo do João, o milícia teria que ser castigado, e foi: Deu metade do porco aos metropolitanos e ficou escalado para os próximos serviços. Tirámos assim a barriga de misérias.

Como íamos outra vez ficar sem pão, decidi fazer um forno. Um grupo arranjou barro logo ali e eu próprio o construí. No dia seguinte, já seco, estava a fazer pão. Uma delícia naquele mato. Quando da sua construção, logo um milícia, o Sajuma, sempre com os seus óculos espelhados, veio ter comigo pedir se podia ser ajudante do padeiro. Para ele iria ser uma altíssima promoção.

À noitinha mais uma vez me inteirava dos problemas da tabanca. Fiquei a saber que a razão de estar atrasada a escavação do abrigo para a população se devia em grande parte ao facto de os milícias terem que fazer a lavra para a plantação de mancarra do João, sim, só do João: Mordomias de chefe. Cabe aqui referir que cavavam a terra com umas enxadas de madeira em tudo idênticas a umas que vi mais tarde no Museu Britânico em Londres, datadas de 1.500 a.C.

A lavra do João feita pelos milícias com enxadas de madeira

A enxada que trouxe de lá (JUN69)

As enxadas, no Museu Britânico em Londres, datadas de 1500 anos a.C.

Relato do 8º dia – 19JUN69:

Penso que foi o primeiro dia em que comecei a ficar descontraído, até porque tinha duplicado os efectivos metropolitanos e o Furriel me dava ajuda a nível de comando. Dei uma volta pela tabanca e o que previa aconteceu. Ouve-se o ruído de um héli. O Coronel Felgas chegava. Inteirou-se da nossa situação e de relevante só me disse, muito secamente como era costume:

- Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos. Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou.

Antes da noite, nova mensagem. Decifrada dizia: Fazer operação (passados dois dias) até à antiga tabanca de Padada onde se reunirão a um grupo de combate que partirá de …(não recordo) e montar emboscada nessa zona se forem detectados vestígios IN.

Relato do 9º dia – 20JUN69:

Ao café comecei a pensar quem iria comigo no dia seguinte. Quanto ao armamento não tinha dúvidas: Todo, ou seja, o cano do morteiro. À noitinha, na reunião debaixo do mangueiro abriria o jogo.

Em determinada altura, a 1.ª mulher do João veio falar comigo e expôs-me o seguinte:

- Alferes (falava relativamente bem português) venho pedir desculpa mas tenho que ir embora da tabanca pois o João nunca está comigo nem come a comida que eu faço; só está com a outra mulher, a Mariema (2.ª mulher, mais nova); estou à espera que o Bonco faça dois anos para ir embora e me juntar com outro homem.

Fiquei a saber que as mulheres para poderem amamentar os filhos estavam dois anos sem ter relações sexuais. Lá tive que falar com o João mas julgo que ficou tudo na mesma.

Nessa noite aprendia mais sobre os costumes locais e mais preocupado ficava com esta população naquela situação de pré-guerra e de isolamento caso o nosso destacamento de 16 homens viesse a abandonar a tabanca.

Claro que o tema principal dessa noite foi combinar a Operação do dia seguinte.
No próximo dia faremos a Operação programada, com um ataque de abelhas e cruzando muitos trilhos IN. No próximo Poste descreverei tudo isso.

Até para a semana camaradas.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________

Nota de CV:

Vd. último episódio da série de 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4428: O Nosso Livro de Visitas (64): Carlos Valentim, 1.º Tenente da Armada Portuguesa

1. Mensagem de Carlos Valentim, 1.º Tenente da Armada Portuguesa, com data de 25 de Maio de 2009:

Ex.mºs Senhores,
Antes de mais nada, apresento-me:
Carlos Manuel Valentim, 41 anos, 1.º Tenente da Armada, Professor Efectivo da Escola Naval e Director da Biblioteca, 24 anos de serviço; entre outros interesses, sou um estudioso da vida e da obra do Almirante Avelino Teixeira da Mota: publiquei um livro em finais de 2007 "O Trabalho de uma vida. Biobliografia de A. Teixeira da Mota (1920-1982)", Edições Culturais da Marinha.

Não posso deixar de felicitar V. Ex.as pelo excelente blog que mantém ao longos de anos, e congratular-me, em particular, por ver que há passagens referentes a Teixeira da Mota. Inclusive, grande parte de uma artigo que publiquei na Revista da Armada em 2002, o que é uma grande honra para mim. Refira-se que tive acesso, já há alguns anos, a correspondência interessantíssima, trocada entre Teixeira da Mota e alguns dos participantes do Blog, nomeadamente com o Dr. Beja Santos, quando Teixeira da Mota se encontrava na Guiné, na sua segunda comissão(1969-1970).

Por último, peço perdão pela ousadia, mas gostava de saber se o encontro que V. Ex.as estão a organizar, a ter lugar na Qta. do Paúl, é exclusivamente para os membros do Blog e/ou quem prestou serviço na Guiné, ou também se estende a outras pessoas.

Seria deveras interessante, trocar impressões, recolher testemunhos, e comungar alguns pontos-de-vista sobre Teixeira da Mota; pessoa que não conheci pessoalmente - homem algo reservado mas que teve um lugar de relevo no panorama cultural no século XX.

Desde já, muito obrigado pela atenção!

Subscrevendo-me com elevada consideração e estima,
Carlos Manuel Valentim


2. No mesmo dia era enviada esta mensagem ao 1.º Tenente Carlos Valentim:

Caro Camarada
Permita que o trate assim.
Muito obrigado por nos ter contactado.
Começo por lhe dizer que temos muito prazer em tê-lo connosco em Ortigosa no dia 20 de Junho. Terá que confirmar a sua inscrição e dizer se vai acompanhado.

O nosso Blogue não é de modo nenhum uma sociedade fechada. Temos connosco, não só ex-combatentes, mas também pessoas civis que de alguma maneira se sentem ligadas à Guiné do nosso tempo e à actual Guiné-Bissau. Estão ainda atabancados na nossa Caserna virtual ex-combatentes de Angola e ex-militares que nem sequer são do tempo da guerra colonial. Como vê somos uma panóplia diversificada.

Aproveito a oportunidade para convidá-lo, caso queira, a fazer parte da nossa família. Para tal mande uma foto tipo passe e faça um pequeno texto de apresentação para que o fiquemos a conhecer.

Leia por favor o lado esquerdo da nossa página, onde poderá encontrar as nossas normas de conduta e aquilo que nós (não) somos.

Os camaradas e amigos, neste blogue, em paridade absoluta, tratam-se por tu, independentemente dos seus postos actuais ou antigos e grau de instrução.

Aguardamos as suas próximas notícias.

Em nome dos editores e da tertúlia em geral, deixo-lhe um abraço.

Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


3. No dia 26 de Maio recebemos esta mensagem:

Muito obrigado pela pronta resposta, e pela atenção dispensada.

É claro que pode tratar-me por camarada. Tal como referi na anterior mensagem, é para mim um privilégio conviver com pessoas que têm tanto para contar, das suas vivências e experiências.

Sinto-me desconcertado com o acolhimento que me deram. Bem-hajam! Muito Obrigado!
Quanto à inscrição, quero faze-la já, se for possível.
São duas pessoas com refeição e lanche, eu: Carlos Manuel Valentim; e a minha companheira: Margarida Almeida. Se for preciso depositar dinheiro antecipadamente em alguma conta, faça o favor de informar, porque não há problema absolutamente nenhum.

Como vamos viajar da Beira Baixa para Ortigosa, tenciono reservar uma dormida, de Sábado para Domingo - quarto para duas pessoas. Teremos de ser nós a faze-lo
Isto será uma aventura para mim, e para a minha compenheira, mas estou com muita vontade de participar neste IV encontro.

Caro Carlos, só não faço já a inscrição no blog, porque ainda não digitalizei uma fotografia tipo passe, mas garanto-lhe que o farei logo que possível.

Confirme-me por favor a minha inscrição, ou se é necessário alguma coisa.

Deixo aqui um abraço fraterno, para o Carlos e para a tertúlia do blogue,
Carlos Manuel Valentim


4. Comentário de CV

Era bem pequenino o Carlos Valentim quando a guerra colonial e o drama da mobilização forçada chegou ao fim, resultado da Revolução dos Capitães.

É para nós gratificante que gerações pós-guerra queira saber de nós e do nosso passado como combatentes. O interesse manifestado pelo Carlos Valentim em querer confraternizar com estes velhinhos apanhados, mas não caducos, ex-combatentes da Guiné, é notável.
Para quem ainda não reparou, vamos também ter connosco o nosso tertuliano João Carlos Silva (*), ex-Cabo Especialista da Força Aérea, curiosamente com a idade aproximada deste nosso novo amigo.

Jovens amigos, até ao dia 20 de Junho para um abraço.
__________

Notas de CV

(*) Vd. poste de 22 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3923: Tabanca Grande (122): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4386: O Nosso Livro de Visitas (63): B. Parreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 16 (1972/73)

Guiné 63/74 - P4427: "Restolhada", uma Operação da CCAÇ 2790 no Choquemone (António G. Matos)

1. Em mensagem do dia 19 de Maio de 2009, recebemos de António G. Matos (*), ex-Alf Mil MA da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, este texto referente à Operação Restolhada efectuada no Choquemone:

Há nomes que, só de se ouvirem pronunciar, causam náuseas e mal estar.

Exemplos são, Hitler, Alzheimer, Parkinson, e, mais recentemente um tal de AB que no entanto não tem a categoria dos anteriores que o catapulte para a notoriedade.
Ficará rasteiro, ao nível do chão em terra batida, emporcalhado com um mergulho que o obrigaram a dar na caca que ele próprio largou, mal cheiroso e envergonhado com uns óculos de marca cujas lentes teriam já caído.
Perdeu completamente o estatuto de tio AB e deixou-nos o terreno livre para falarmos dos outros.

Desses, Hitler personifica o Mal;
Alzheimer e Parkinson ligam-se à medicina e às doenças do foro neurológico como sabemos.

Não me sinto minimamente habilitado a dissertar sobre tais figuras, mas são conhecidas as maleitas das doenças que são catalogadas pelos seus nomes; esquecimento, falta de controlo de movimentos, apatia crescente, tudo em crescente e, finalmente a morte.

Ora, enquanto somos poupados a tal diagnóstico, vamos brincando com uma ou outra dificuldade que se nos vai deparando, tentando com isso justificar a falta de ideias para escrever mais posts para o blog.

Seviu toda esta divagação para dizer que tenho apreciado a memória que muitos dos camaradas demonstram ter ao referirem nomes de operações, datas, pormenores, etc., quando comigo não se passa isso.

É claro que recordo as cenas de pancadria, fogachada, acidentes, mas os nomes e as datas, vai lá vai, até a barraca abana !!!...
Por outro lado sempre achei muita piada aos nomes com que se baptizavam as ditas operações e a mim calharam-me algumas cuja designação não associo ao objectivo.

Uma delas foi a "Restolhada" que teve variadíssimas sub-empreitadas uma das quais ao Choquemone.
Se não foi, não vem daí mal ao mundo, mas vamos admitir que foi, ok?

Essa operação tinha como objectivo travar-nos de razões com os lindinhos (agora parece mal dizer nharro, turra, ou escarumba, mas na altura era assim mesmo que eram conhecidos os nossos irmãos e, por outro lado, não parecem nada mal os nomes com que eles nos mimavam, claro, mas isso agora não interessa nada) e depois de os desalojar da toca, apareceriam as tropas especiais (?!) para os apanhar à mão. Manga de ronco!

Mas a estória pretende relatar a aproximação final ao objectivo e tentar dar uma ideia, pálida que seja, às pessoas que não tendo passado por experiência semelhante, tenham a curiosidade de entender o contexto.

Depois de várias horas de progressão durante a noite, fez-se a pausa final, não tanto para descansar, mas para tornar o dispositivo controlável e eficaz.
Uma das artes da guerra era baralhar o inimigo e surpreendê-lo na sua própria casa.
Os nossos handicaps para além de não conhecermos o terreno era a circunstância de não abandonarmos os feridos nem os mortos no local da contenda enquanto essa era a metodologia deles.
Havia, pois, que usar da astúcia considerada mais adequada às circunstâncias e nesse dia (ou melhor, nessa noite), nos momentos anteriores ao assalto final, foi pedido o apoio dos obuses de Bula numa táctica parecida com os miúdos da aldeia que mijam para as tocas dos grilos para eles saírem, sabem?
O problema foi localizar o objectivo do tiro.

Às perguntas do artilheiro de Bula, demos-lhe o que entendemos ser a melhor mira possível mas, pelo sim pelo não, pedimos alguma folga não fosse a canhoada caír-nos na cabeça!
A coisa foi arriscada!
A primeira fogachada caíu entre nós e os lindinhos!
Porra que isto está muito perto!
Eh pá, alarga o tiro senão ninguém chega hoje ao quartel!
De alarga-o-tiro-encolhe-o-tiro, conseguimos desalojá-los e pô-los em debandada.

Não nos coube a missão de correr atrás deles e considerámos isso a cereja no topo do bolo que oferecemos aos especiais.

Havia agora que sair dali antes que o prego torcesse o bico.

Chegados a Bula, houve abraços e uma sensação extremamente agradável de estarmos vivos!

O dia já ia alto e havia que recuperar forças pois a restolhada ia prolongar-se ...
Ainda hoje há muita restolhada por aí .....

António Matos
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)

Guiné 63/74 - P4426: Convívios (138): Pessoal da CCAÇ 2367 (Vampiros), dia 23 de Maio de 2009 (Albino Silva)

1. Mensagem de Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Guiné, 1968/70, com data de 26 de Maio de 2009:

Caro Carlos Vinhal
Cá estou de novo para te dar mais trabalho, e desta vez com mais um blog sobre o Convívio da CCAÇ 2367 Vampiros.

Como estes camaradas frequentam a nossa Tabanca, vão ficar de certeza satisfeitos em ver aquilo que com prazer fiz para eles, e que merecem pois são excelentes camaradas.

O endereço do Blog é o mesmo ou seja: batcac2845guineteixeirapinto.blogspot.com

Mais uma vez obrigado, e breve enviarei coisas novas para todos os Tertulianos e a quem mando um abraço, a todos desde já, e em especial para todos os Chefes desta Tabanca.

Albino Silva
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Nota de CV:

Vd. último poste sa série de 26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4419: Convívios (134): O pessoal da CART 3331 (Cuntima, 1970/72), convive em Vila Nova de Famalicão, dia 6 de Junho (Manuel Correia)

Guiné 63/74 - P4425: No 25 de Abril eu estava em... (11): No Xitole, a guerra não acabou no dia 25 de Abril de 1974 (Joaquim Macau)

1. Mensagem de Joaquim Macau, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, Xitole, 1973/74, com data de 25 de Maio de 2009:

Camarada Carlos vinhal

É com satisfação que vou responder às questões que me colocavas, mas antes, gostaria de fazer umas pequenas correcções.

Eu e outros camaradas só chegamos à Guiné no último dia do ano de 1973, houve outros que foram chegando até 5 de Janeiro de 1974, se o ingresso na vida militar foi para todos em 1973, alguns de nós só abalaram de Portugal já em 1974. Portanto nós, 2.ª CCAÇ só fomos para Xitole já em 1974.

A entrega do Xitole, não foi feita um mês depois da emboscada, foi muito tempo depois.

A 15 de Junho de 74 foi o primeiro contacto entre (forças inimigas), disso já o Zeferino fez referência anteriormente.

No mesmo dia, um GCOMB já tinha saído do quartel para ir buscar a correspondência, algures, ao rio Corubal, eu, nesse dia, fui com o Grupo como acontecia frequentemente para aquele lugar, onde nunca se consta que tenha havido algum encontro entre as forças inimigas.

Chegados ao local, como era normal, entrei em contacto com o quartel, para anunciar que tínhamos chegado ao destino, sem qualquer problema, foi quando, do quartel, o camarada que comigo trocou de serviço, me informou que o Capitão tinha saído para um encontro com elementos do PAIGC. 

Como devem calcular quando informei o Grupo do que se estava a passar, a alegria e a satisfação de todos era enorme. Assim que recebemos o correio, partimos em festa para o quartel e, quando chegamos, ainda o grupo do Capitão não tinha chegado. Os camaradas que estavam no quartel, também eles estavam em festa. Quando ia a caminho do posto de transmissões, atirei 2 ou 3 tiros de pistola para o ar, eram os foguetes festivos, logo criticados por um sargento do quadro que não me recordo o nome, pensava ele que tinha sido um acidente e não uma comemoração.

Pouco depois chegou o Comandante e seus acompanhantes que nos descreveu como tinha corrido o encontro e que a guerra felizmente tinha acabado.

Nos dias seguintes começamos a receber visitas e a conviver com os, outrora, inimigos. Na altura receava-se que pudesse haver alguma tentativa de aproveitamento por parte de elementos de um grupo há muito inactivo, mas o tempo mostrou que de facto só o PAIGC existia como organização.

Pelo menos uma vez formamos uma equipa de futebol que foi a Bambadinca disputar um encontro na sede do BCAÇ 4616. Na picada onde aconteceu a tragédia de 15 de Maio de 74, combinado com as nossas tropas, estavam os elementos do PAIGC, a fazer segurança para que nada de mal acontecesse.

O convívio com eles foi sempre cordial, nunca houve qualquer tipo de problemas. A única vez que existiu uma situação quase complicada, foi uma tentativa de assalto ao armazém de géneros alimentícios por parte de um grupo de milícias que eram parte integrante das nossas tropas. As nossas forças conseguiram dominar a situação sem incidentes.

Na nossa zona, o primeiro quartel a ser entregue ao PAIGC, foi o do Saltinho. Uma parte significativa do nosso equipamento, ficou nos quartéis, os meios de transmissões ficaram todos, eles, no inicio, tiveram dificuldade em conseguirem utilizá-lo convenientemente. Já depois do Saltinho estar entregue, as baterias dos rádios não recarregavam, as frequências utilizadas não eram as mesmas e logicamente os rádios não funcionavam, foi então enviada uma equipa do Xitole, em missão solidária, ajudar a resolver os problemas que entretanto surgiram. Corrigidas as deficiências, falámos àcerca da guerra já terminada, trocamos peças de fardamentos e fomos ao rio. Terminada a visita, os cumprimentos de despedida e os desejos de felicidade recíprocos, partida de regresso ao Xitole onde chegamos já ao escurecer. Foi uma viagem agradável e a única vez que visitei aquele sítio maravilhoso.

No Xitole tudo corria calmamente, os contactos e o convívio continuavam sem problemas e os acontecimentos menos bons faziam parte do passado, estávamos ansiosos pela nossa vez de partirmos a caminho de Bissau.

A data de partida do Xitole não me recordo, talvez o Zeferino no trabalho que está a preparar, me consiga complementar, mas foi muito tempo depois de 15 de Junho. Estivemos algum tempo em Bambadinca, depois fomos para Bissau, onde estivemos mais alguns dias a aguardar a nossa vez de embarque, o que aconteceu a 12 de Setembro de 74.

Por agora é tudo, se entenderem que alguma parte merece divulgação estejam à vontade.
Gostaria imenso que divulgassem o meu e-mail: joaquimmacau@gmail.com, para possíveis contactos com camaradas da 2.ª CCAÇ 4616, os quais, aguardo esperançado.

Para todos, um grande abraço, até logo.
Joaquim Augusto Pombinho Macau
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4354: Tabanca Grande (142): Joaquim Macau, camarada do último morto em emboscada do PAIGC (2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, Xitole, 1973)

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4311: No 25 de Abril eu estava em... (8): Chugué, num buraco com um tecto de quatro toros (José Pedrosa)

Guiné 63/74 - P4424: (Ex)citações (30): O meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou (José da Câmara)

1. José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73 (*), deixou este comentário no Poste "Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camar..."(**):

Olá António,
Julgo que sei o que sentes quando, magistralmente, te referes ao amor de pai. O mesmo se passa comigo, mas por motives diferentes. Durante a minha comissão na Guiné eu nunca recebi uma carta de meu pai nem ele leu uma escrita por mim.

Sabes António, o meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou. Nunca se sentou numa carteira de escola, mas aprendeu o alfabeto que as lições da vida lhe ensinava todos os dias. Naquele tempo não era obrigatório ir à escola.

Um dia ele decidiu sair da sua ilha, as Flores, para que no Faial os seus filhos pudessem ter acesso ao liceu. Para que pudessem ter uma vida melhor e diferente do que a dele.

Já nos E.U.A. para onde emigrara continuou a incemtivar e ajudar os filhos a melhorarem os seus conhecimentos escolares. De cursos médios a mestrados foram cinco os rebentos que graduaram das universidades americanas.

Muitas foram as vezes que tentamos que ele aprendesse o ABC. Nunca quis aprender. Sempre respondeu com alguma graça:

- Se eu souber tanto como vocês não terei alegria.

Nós bem compreendemos o que ele nos quer dizer. Por amor ele se sacrificou. Por amor ele deu-nos tudo o que tinha para nos dar.

Hoje, com oitenta e dois anos de idade e regressado ao Faial, ele espera a minha visita anual. Ao fim e ao cabo eu ainda sou a carta que ele nunca leu. Dele sempre recebi uma grande lição de amor

Procuro não defraudá-lo.
José Câmara


2. Comentário de CV

Comovente, este comentário do nosso camarada José da Câmara.

Se no Continente, onde tudo era mais perto, as dificuldades para ir à Escola eram imensas, até porque não interessava que o povo soubesse muito, bastando uma elite facilmente manobrada que não queria perder privilégios, para manter o regime à tona, que fará nas ilhas onde o horizonte terrestre quase acabava ao fim da rua.

Lembro-me de o meu pai fazer a 3.ª classe no regime de adultos. A 4.ª fê-la quase a par comigo a fim de manter um miserável emprego na Função Pública.

Tempos difíceis que não obstaram a que eles fizessem sacrifícios para que os filhos tivessem mais do que eles, por pouco que fosse, já que eles não tinham nada.
__________

(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4421: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (2): O IAO em Santa Margarida

(**) Vd. poste de 24 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)

Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4415: (Ex)citações (29): A Guiné que todos temos um pouco na alma (João Lourenço)

Guiné 63/74 - P4423: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (2): Parte II

Guiné > Bissalanca > Base Aéreas nº 12 > 1969 > Linha da Frente dos Heli Al III. Foto de António Silva Vieira, Ex-Esp MMA 2ª/67, Guiné (BA12, 1968/70). (O nosso camarada Vieira, de 61 anos, alistou-se na Força Aérea na BA-2, no 2º turno de 1967, como recruta para especialista, jurou bandeira em 25/08/1968, ficou na BA-2 para tirar a especialidade de MMA, foi mobilizado para a Guiné, para prestar serviço na BA-12, embarcou em 02/10/1968, foi integrado na Esquadrilha de manutenção dos Allouette III, teve como Comandante da Base o Cor Tir Pilav Manuel Diogo Neto, ficou no CTIG até 17/05/70, coincidinmdo portanto a sua comissão com o Gen Spínola, enquanto Com-Chefe e Governador Geral).

Foto: Cortesia do blogue do Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 1965/74


Continuação da publicação das versões, em português e em inglês, do paper que o Matt Hurley, Ten Cor da USAF (na foto, à esquerda), teve a gentileza de nos enviar, com o resumo da sua tese de doutoramento, a decorrer na Universidade do Estado de Ohio, EUA. Tradução do nosso camarada e amigo Miguel Pessoa (na foto, à direita), antigo Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, Guiné (1972/74).

O nosso reconhecimento também aos membros do nosso blogue Alberto Branquinho, João Seabra e Vasco da Gama que puseram à nossa disposição as suas competências linguísticas e deram uma ajudinha ao Miguel, com sugestões de melhoria do texto, em português (*):

Súmula da tese de doutoramento de Matthew M. Hurley,Ten Cor da Força Aérea dos EUA:Departamento de HistóriaUniversidade do Estado de Ohio
Data: 23 de Fevereiro de 2009
Orientador: Prof Guilmartin John F., Jr.

Título do Trabalho:

"O ímpio Grail: O Poder Aéreo do Governo e a Defesa Aérea dos revoltosos na Guiné Portuguesa, 1963-1974". (**)


(...) 4. Questões para orientar a investigação.


A primeira questão que pretendo abordar diz respeito ao valor do Poder Aéreo numa campanha de contra-insurreição. Para atingir este objectivo, irei primeiro analisar os papéis e as missões da FAP na Guiné-Bissau, bem como as provas relativas ao sucesso ou insucesso das operações aéreas.

Talvez mais importante ainda, deve ser considerada a percepção do Poder Aéreo que existia por parte das forças terrestres, especificamente até que ponto elas contavam com o apoio da FAP, e o impacto subsequente, quando esse apoio foi retirado ou reduzido.

Correspondentemente, deve ser também considerada a importância da defesa aérea para os insurrectos. A percepção que o PAIGC tinha do Poder Aéreo Português - e a sua reacção a ele - pode dar-nos a bitola o proporcionar-nos talvez o melhor meio de medir a eficácia das operações da FAP.

Claramente, o PAIGC atribuía uma importância considerável à necessidade de defesa aérea, o que irei esforçar-me por demonstrar na dissertação. A título de exemplo, o PAIGC e o seu líder, Amílcar Cabral, investiram um capital diplomático considerável na aquisição de armas de defesa aérea.

Por conseguinte, também pretendo explorar o impacto do apoio externo aos movimentos insurrectos, bem como as razões que motivaram nações como a União Soviética a fornecer armas cada vez mais sofisticados a grupos de guerrilheiros no território de um membro da NATO.

De uma forma mais crítica, pretendo tentar avaliar a forma como a perda de um punhado de aviões da FAP provocou um impacto tão profundo nas operações aéreas dos portugueses, na guerra na Guiné-Bissau, e em toda a estrutura do império.

Esta questão torna-se ainda mais embaraçosa se se tiver em conta o número muito maior de perdas sofridas pela aviação americana devido ao SA-7, no Vietnam durante o ano de 1972, mas sem qualquer efeito apreciável no seu comportamento global na guerra naquele país.

Algo provocou este impacto diferente nos dois casos, suspeitando eu que envolve uma complexa interacção entre a política nacional, a vontade militar, considerações tácticas, a tecnologia do armamento, a rivalidade das superpotências, a motivação dos insurrectos.

A guerra na Guiné-Bissau, tal como qualquer outra insurreição, foi ricamente complexa, porém cada insurreição é complexa à sua própria maneira. Ao desvendar alguma dessa complexidade, pretendo demonstrar a ligação entre o emprego de um míssil portátil de defesa aérea e o colapso de um império.


5. Esboço dos Capítulos.

Os dois primeiros capítulos de fundo irão explorar as motivações e os objectivos dos antagonistas a um nível global, institucional. No que diz respeito ao lado Português, vou basear-me fortemente na apresentação que escrevi para o mais recente seminário de História 801.2, do Prof Beyerchen, intitulado "A Metáfora do Império: Fazer Identidade, Guerra, e Revolução durante o período do Estado Novo em Portugal".

Este capítulo irá examinar as razões que levaram Portugal a combater para manter o seu Império Africano, com a convicção aparente do Estado Novo de que a futura sobrevivência de uma política portuguesa independente passava pela manutenção da estrutura do império.

Um capítulo idêntico, explorando as motivações do PAIGC, irá analisar o desenvolvimento dos seus programas político e militar, a sua campanha para mobilizar o apoio das populações, e o deliberado desenvolvimento de um nacionalismo inter-étnico para unir etnias antagónicas guineenses contra o inimigo comum colonialista.

Usando o programa do PAIGC como um trampolim, o terceiro capítulo de fundo analisará o início e a condução da guerra a partir de uma perspectiva macro. Em particular, este capítulo analisará as estratégias políticas e militares das forças Portuguesas e do PAIGC, detalhando a forma como as estratégias em conflito se influenciaram mutuamente ao longo do conflito.

O capítulo seguinte irá fazer o mesmo numa perspectiva centrada no campo aéreo. Com base nos trabalhos em curso para o seminário de História 767 do Prof. Mansoor, este capítulo analisará a evolução das operações aéreas da FAP e as actividades de defesa aérea do PAIGC. Requisitos operacionais e estratégicos fluidos, e a resposta do inimigo, todos eles condicionaram as actividades aéreas, com cada lado tentando obter ou manter um controlo suficiente do ar para permitir alcançar os seus objectivos estratégicos mais importantes.

O quinto capítulo irá divergir ligeiramente da narrativa global e examinar a guerra a partir da perspectiva das potências exteriores, sobretudo no que diz respeito ao Poder Aéreo.

Para os portugueses, este foi principalmente um estudo das limitações, dadas as restrições impostas pelos E.U.A. e NATO quanto ao material que a FAP podia desviar para a luta na Guiné.

Para o PAIGC, por outro lado, é essencialmente um avolumar de oportunidades à medida que Amílcar Cabral e os seus sucessores travavam uma cada vez mais bem sucedida campanha pela ajuda militar por parte do bloco comunista.

Este capítulo analisará também o desenvolvimento de sistemas específicos de defesa aérea que foram mais tarde usados na Guiné-Bissau, incidindo sobre a sua adequação à guerra de guerrilha e o seu uso em conflitos anteriores, a fim de fornecer uma perspectiva para o seu posterior emprego pelo PAIGC.

Esta utilização final é objecto do sexto capítulo, que vai analisar a guerra aérea na Guiné-Bissau de 1973 a 1974. Este foi o período em que o PAIGC usou pela primeira vez o míssil portátil soviético ZPRK Strela-2M (Código NATO SA-7 Grail), que inicialmente reduziu a eficácia da FAP; embora as tácticas usadas mais tarde limitassem a eficiência dos mísseis, as perdas sofridas inicialmente e o seu impacto na eficácia da FAP continuaram a limitar as operações aéreas dos portugueses até ao fim da guerra.

Também durante este período, Portugal recebeu relatos de que a União Soviética estaria a treinar pilotos do PAIGC para pilotar MiGs baseados na vizinha Guiné-Conakri, um programa que teria neutralizado definitivamente a superioridade aérea dos portugueses se fosse implementada (a FAP não dispunha de aviões específicos para o combate ar-ar).

O capítulo seguinte, que é o capítulo de fundo final, irá explorar o impacto desses acontecimentos no moral dos militares portugueses, na estabilidade política e no golpe de estado de Abril de 1974 que praticamente trouxe um fim à guerra.

Um capítulo conclusivo tentará retirar lições relevantes para o actuais desafios de insurreição com que se defrontam hoje os Estados Unidos e os seus aliados.

6. Bibliografia corrente.

Por favor, veja o apêndice em anexo, "Bibliografia Provisória."

APROVADO:

O professor John F. Guilmartin, Jr. Professor Alan Beyerchen (...)

[A continuar - Parte III]
______

[Versão original, em inglês. Continuação]

Dissertation Prospectus for Matthew M. Hurley, Department of History, The Ohio State UniversityDate: 23 February 2009. Advisor: Prof. John F. Guilmartin, Jr.

Working Title: The “Unholy GRAIL: Government Airpower and Insurgent Air Defense in Portuguese Guinea, 1963-1974.”

(...) 4. Questions to Guide Research.

The first question I intend to address regards the value of airpower in a counterinsurgency campaign. In order to assess this, I will first examine the FAP’s roles and missions in Guinea-Bissau, as well as evidence pertaining to the success or failure of air operations. Perhaps most importantly, the Portuguese ground forces’ perception of airpower must be considered, specifically the degree to which they relied on FAP support, and the subsequent impact when that support was withdrawn or curtailed. Correspondingly, the importance of air defense to the insurgents must also be considered. The PAIGC’s perception of Portuguese airpower—and their reaction to it—provide perhaps the most persuasive metric by which to measure the effectiveness of FAP operations.

Clearly, the PAIGC attached considerable importance to the requirements of air defense, which I will endeavor to demonstrate in the dissertation. By way of example, the PAIGC and its leader, Amílcar Cabral, invested considerable diplomatic capital in the acquisition of air defense weaponry. Consequently, I also intend to explore the impact of external support to insurgent movements, as well as the factors that motivated nations such as the Soviet Union to provide increasingly-sophisticated arms to guerrilla bands in a NATO member’s territory.

Most critically, I intend to try to assess how the loss of a handful of FAP aircraft exerted such a profound impact on Portuguese air operations, the war in Guinea-Bissau, and the entire imperial enterprise. This question becomes more perplexing in light of the fact that US air arms suffered far more losses to the SA-7 system in Vietnam during 1972, but without any appreciable effect on its overall conduct of the war there. Something accounts for this difference in impact, and I suspect it involves a complex interplay between national policy, military will, tactical considerations, weapons technology, superpower rivalry, and insurgent motivation. The war in Guinea-Bissau, like any other insurgency, was richly complex; however, like Tolstoy’s unhappy families, each insurgency is complex in its own way. By unraveling some of that complexity, I intend to demonstrate the link between the employment of a shoulder-fired air defense missile and the collapse of an empire.

5. Chapter Outline.

The first two substantive chapters will explore the motives and objectives of the antagonists from a macro, institutional level. Regarding the Portuguese side, I will draw heavily from the paper I wrote for Prof. Beyerchen’s latest History 801.2 seminar, entitled “The Empire Metaphor: Making Identity, War, and Rebellion during Portugal’s Estado Novo Era.” This chapter will examine Portugal’s rationale for fighting to maintain its African Empire, including the Estado Novo’s apparent conviction that the future survival of an independent Portuguese polity necessitated the maintenance of imperial stature.

A similar chapter exploring the PAIGC’s motives will examine the development of its political and military programs, its campaign to mobilize peasant support, and its deliberate development of an inter-ethnic nationalism to unite antagonistic Guinean ethnicities against a common colonialist foe.

Using the PAIGC program as a springboard, the third substantive chapter will examine the initiation and conduct of the war from a macro perspective. In particular, this chapter will consider the evolving military and political strategies of the Portuguese forces and the PAIGC, detailing how the contending strategies influenced each other over the course of the conflict.

The following chapter will do much the same from an air-centric perspective. Drawing on work currently in progress for Prof. Mansoor’s History 767 seminar, this chapter will examine the evolution of FAP air operations and PAIGC air defense activities. Available equipment, fluid operational and strategic requirements, and enemy response all conditioned these aerial activities as each side attempted to gain or maintain sufficient control of the air to enable the attainment of their larger strategic aims.

The fifth substantive chapter will diverge slightly from the overall narrative and examine the war from the perspective of outside powers, particularly where airpower was concerned. For the Portuguese, this was largely a study in constraints, given US and NATO restrictions on what the FAP was able to bring to the Guinean fight. For the PAIGC, on the other hand, it is primarily a tale of expanding opportunities as Amílcar Cabral and his successors waged an increasingly successful campaign for military aid from the Communist bloc. This chapter will also examine the development of specific air defense systems that were later used in Guinea-Bissau, focusing on their suitability to guerrilla warfare and their use in earlier conflicts in order to provide context to their later employment by the PAIGC.

That later employment provides the sixth substantive chapter, which will examine the air war in Guinea Bissau from 1973 to 1974. This was the period when the PAIGC first used the Soviet ZPRK Strela-2M (NATO SA-7 GRAIL) shoulder-fired missile, which initially hindered the FAP’s effectiveness; although subsequent Portuguese counter-tactics later curtailed the missile’s efficiency, the initial spate of losses and their impact on FAP effectiveness continued to limit Portuguese air operations for the remainder of the war.

Also during this period, Portugal received reports that the Soviet Union was training PAIGC MiG pilots to be based in neighboring Guinea-Conakry, a program which would have definitively neutralized Portuguese air superiority if implemented (the FAP had no dedicated air-to-air fighters in Guinea-Bissau). The following chapter, the final substantive one, will explore the impact of these events on Portuguese military morale, political stability, and the April 1974 coup d’etat that for all intents and purposes brought the war to an end. A concluding chapter will attempt to distill lessons relevant to the current insurgent challenges facing the United States and its allies today.

6. Current Bibliography.

Please see the attached appendix, “Provisional Bibliography.”

APPROVED:

Professor John F. Guilmartin, Jr. Professor Alan Beyerchen

ADVISOR COMMITTEE MEMBER

[To be continued - Part III]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste 26 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4418: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (1): Parte I

Vd. também poste de 16 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4197: FAP (23): O poder aéreo no CTIG, 'case study' numa tese de doutoramento nos EUA (Matt Hurley / Luís Graça)

(**) Em inglês, "unholy Grail" também poderia ser traduzido por "ímpio Graal", por oposição a Santo Graal... O autor faz aqui uso de um trocadilho: Grail, nome de código do Strela soviético no campo da Nato, é também Graal... Nas lendas e na literatura da Idade Média, o Santo Graal pode designar várias coisas, mas normalmente refere-se ao cálice usado na Última Ceia por Jesus Cristo. Nas lendas do Rei Artur, cabe aos Cavaleiros da Távola Redonda encontrar o Santo Graal, talismã que vai permitir devolver a paz às terras do Rei... No caso da Guiné, para os portugueses o Graal (o Strela) não é santo mas ímpio, porque traz com ele não a paz, mas a escalada da guerra...