quinta-feira, 20 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6437: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (2): O Fula, a sua lealdade,o seu preço (José Armando F. de Almeida / Luís Graça)





Infogravura: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Direitos reservados


[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, segundo versão policopiada gentilmente ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande]


3. População (…)

c. Modo de vida

A população do Sector pratica na sua maioria uma agricultura de subsistência (arroz e milho) e “cava” a importa agricultando mancarra (Fulas e Mandingas) [,frase ininteligível].

Os Balantas produzem arroz para além das suas necessidades.

Como complemento desta actividade praticam ao longo do ano, e quando livres das culturas de subsistência, a exploração do coconote (Regulados do Corubal, Xime e Badora), artesanato (Regulados de Badora e Xime) e banana (Regulado do Xime), produtos que exportam para Bissau.

Dedicam-se também à caça e à pesca mas quase só em regime de subsistência.

É importante a quantidade de pessoal empregado na estiva dos Portos de Bambadinca e Xime.

É muito importante, especialmente respeitada entre os Fulas, a instituição Homem Grande, para quem a única ocupação digna é a meditação do Corão ou a guerra. Como o homem ascende à situação de Homem Grande na maior parte dos casos na plenitude das suas possibilidades físicas, passa a constituir um pesado encargo para o seu agregado social, obrigando as mulheres e as crianças a um trabalho intenso nas bolanhas para a sua subsistência.


d. Línguas e dialectos


Apenas uma pequena percentagem fala portguês; o idioma veicular mais comum é o crioulo, adoptando cada grupo étnico a sua língua. Sendo portanto predominante em cada área a língua do grupo Fula, Mandinga, Balanta, etc.


e. Aspecto político


(i) Fula


Sob esta designação incluimos todo o grupo Saheliano – Ramo Fula.

Constituindo o grupo étnico, dominante no Sector, o último invasor, ocupando antes do desencadeamento da subervsão quase exclusivamente todos os lugares do baixo funcionalismo (cipaios e intérpretes, etc. ), desenvolveu contra si o intenso ódio do Beafada, e a dissimulada aversão dos vencidos Mandingas.

Islamizados, despoticamente paternalistas, com o culto da velhice (Homens Grandes) e das posições de privilégio, considerando como únicas ocupações dignas do homem a meditação religiosa ou a guerra, desprezando os que trabalham ou que denunciam vontade de progresso, os Fulas alimentaram com o seu procedimento a aversão do Balanta, individualista e trabalhador, a quem o Fula explora como dono da terra.

Por sua vez, o Fula odeia o Caboverdiano que com ele compete na ocupação dos diversos lugares do funcionalismo.

Aproveitando-se dos ódios e aversões expostas pôde, o PAIGC, com facilidade desencadear a guerra racial contra os Fulas a quem identificou com os Portugueses. Tal circunstância impermeabilizou os Fulas contra o terroismo actual, e a sua necessidade de sobrevivência tornou-os nossos aliados, levando-os a um contacto íntimo e prolongado cujas consequências não podemos ignorar.

Praticando uma agricultura de subsistência e angariando recursos para as demais necessidades imediatas pela prestação de serviços às guarnições militares locais (soldados, milícias, lavadeiras, etc.) , as inúmeras necessidades que o maior contacto com o Europeu lhe foi criando e a quase nula existência de infraestruturas do Sector, agravada para mais pela situação da guerra, habituaram o Fula a pedir tudo às unidades militares: pede dinheiro, pede transportes, pede alimentação, pede materiais para a sua casa, pede assistência sanitária, pede água, pede luz, pede, etc., etc.

Em troca dá a sua lealdade à luta em que estamos envolvidos e não dá absolutamente mais nada, pois até recusa a mão de obra para o trabalho em seu único proveito.

Apesar de muitos procedimentos tradicionais chocarem e até ferirem a nossa sensibilidade [ poligamia ? fanado ?, infanticídio ?], temos que condescender com eles porque a manutenção da sua lealdade depende da colaboração dos seus chefes e a destes é função da nossa aceitação dos seus privilégios e da satisfação das necessidades imediatas do grupo.

As facilidades de transporte, o contacto íntimo com o militar europeu começa a desenvolver na juventude fula (os nossos milícias, os nossos soldados) uma certa atitude de contestação contra a sua situação de subalternidades no grupo social, apesar de constituir a principal fonte de recursos desse mesmo grupo social. E, na medida em que, por conveniência, apoiamos as suas estruturas, pode tal juventude de hoje, seus dirigentes de amanhã, acusar-nos de travar o seu progresso, apoiando o despotismo a que as estruturas a sujeitam, e criando assim uma brecha potencial por onde o PAIGC pode penetrar na lealdade Fula.


(Continua: b. Os Mandingas)

[Revisão / fixação de texto / bold a cor / título: L.G.]

Fonte: BART 2917: História da Unidade. [Bambadinca, 1972]. XCap II, pp. 13/14.


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Nota de L.G.:

17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6413: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (1): Populações controladas pelas NT e pelo PAIGC, ao tempo do BART 2917 (1970/72) (José Armando F. de Almeida / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6436: Bibliografia de uma guerra (56): Vindimas no Capim, de José Brás - Maneira mais cómoda para obter esta obra

1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim"*, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

Carlos
Caro camarada

Quando do convívio dos blogue em 2009, vários camaradas me abordaram no sentido da aquisição do "Vindimas no Capim" sem que eu pudesse acorrer senão a quatro ou cinco solicitações.

No primeiro almoço da Tabanca do Centro a cena repetiu-se e, tendo apenas meia dúzia de exemplares, voltei a não poder satisfazer o desejo de aquisição demonstrado pelos camaradas.

No sentido de remediar isto e na perspectiva de que no próximo dia 26 de Junho, continue a solicitação do livro, coisa que, naturalmente, a mim me agrada, tenho necessidade de conhecer aproximadamente quantos exemplares terei de levar comigo para solicitar o seu fornecimento atempado.

Assim, lembrei-me de pedir através do blogue ao conjunto dos camaradas que irão estar presentes no convívio que, se interessados me façam chegar notícia do interesse com alguma urgência.

O preço do livro através do autor é de 14,00€ e no livreiro ou em loja, penso que é de 17,00€.

Por outro lado, a quem não tenha planeado estar (de corpo) no convívio, se me contactar através do endereço jasbras1@sapo.pt, ou pelo telefone 266891748, fornecendo-me o seu endereço, poderei enviar-lhe o livro, contra transferência bancária para NIB que fornecerei, acrescentando aos 14,00€, apenas a despesa de correio que andará na casa do 1,50€.

Agradecido, abraços a todos
José Brás


2. Comentário de CV:

De acordo com a mensagem do camarada José Brás, quem for ao Encontro de Monte Real, deverá atempadamente manifestar o seu desejo de aquisição do livro Vindimas no Capim para que ele possa ir munido dos exemplares necessários.

Os camaradas que não se vão deslocar a Monte Real poderão pedir o livro para o endereço do nosso camarada Brás.

A mensagem aqui publicada vai ser reencaminhada para a tertúlia, para que ninguém fique sem a informação do modo como pode obter a esta obra.
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6268: Bibliografia de uma guerra (56): A Propósito de Até Hoje (Memória de Cão) (José Brás)

8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6347: Notas de leitura (103): Vindimas no Capim, do nosso camarada e tertuliano José Brás (1) (Mário Beja Santos)
e
9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6353: Notas de leitura (104): Vindimas no Capim, do nosso camarada e tertuliano José Brás (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5646: Bibliografia de uma guerra (55): Armados Para a Paz, de Albino Silva

Guiné 63/74 - P6435: Agenda cultural (77): Lançamento do livro Nha Carlota, de António Estácio, dia 21 de Maio de 2010 em Lisboa






Lançamento do livro Nha Carlota**, de António Estácio, edição de autor: Djubi dé, si bu pudi, budi ta tchómam um alguim más, má si bu cá pudi, djanti bu lébal um livro bó - Se puderes, chama mais alguém, mas se não puderes, apressa-te a levar-lhe um livro.

Amanhã dia 21 de Maio de 2010, pelas 18 horas, em Lisboa, no Palácio da Independência, n.º 11, do Largo de S. Domingos.



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, sinólogo, amigo do Zé Neto, do Mário Dias, do Pepito e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota

(**) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6390: Agenda cultural (76): Memória do Campo de Concentração - Tarrafal, até 27 de Agosto no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2010:

Luís,
Nem a propósito! Este livrinho da Nha Carlota bem podia abrir as portas a várias histórias de gente que nos tratava bem à mesa.
Gostei muito da ideia do António Estácio em trazer para a ribalta esta senhora cuja memória perdura em muitos corações da Guiné.
É bom vê-la elogiada, num tempo em que fazer bem e oferecer a mesa não é norma comum.

Um abraço do
Mário


“Nha Carlota”: Saudades de uma Mindjer Garandi de Nhacra

por Beja Santos

O que pode levar um guineense da nossa idade, um regente agrícola que passou a maior parte da sua vida profissional a trabalhar em Macau, a escrever um livrinho sobre uma gentil senhora cabo-verdiana que deixou saudades a muita gente depois de 60 anos a viver na região de Nhacra?

O António Estácio de vez em quando vem ao nosso blogue e clarifica acertadamente algumas matérias. Nasceu no “Chão Papel”, frequentou o liceu Honório Barreto, preparou-se para regente agrícola em Coimbra, trabalhou em Malange no Instituto do Algodão em Angola, onde cumpriu o serviço militar de 1970 a 1972, depois seguiu para Macau. Decidiu agora investigar esta figura ímpar da Guiné, “Nha” Carlota, que deixou saudosa recordação em muita gente, pela sua forte personalidade, pelo seu proverbial acolhimento, quem lhe batia à porta tinha sempre refeição.

O livro do António Estácio foi lançado recentemente, quem quiser contactá-lo para qualquer esclarecimento, pode fazê-lo através dos telefones 219229058 ou 96269655.

Chamava-se Carlota Lima Leite Pires, não se sabe exactamente em que ilha nasceu em Cabo Verde, nem em que ano, morreu no hospital de Sant’ Ana em 1970. Viveu seis décadas na Guiné, foi uma comerciante muito bem sucedida, casada com João José Pires que durante anos foi seu empregado. Terá chegado à Guiné entre 1906 e 1907. Por essa data, ainda conheceu a muralha que cercava a ilha de Bissau, considerada muito importante para a segurança da povoação, ao tempo sempre ameaçada pelas populações circunvizinhas.

Reza a lenda que terá combatido e apoiado o capitão Teixeira Pinto, mas não há documentos que comprovem tal temeridade. O importante é que se tornou numa pessoa de grande influência, uma conselheira permanentemente procurada, a proprietária de uma casa comercial onde ela recebia e preparava comida variada e petiscos.

Dos depoimentos colhidos, Estácio ouviu os suficientes para confirmar que era tratada como “a mãe dos pobres de Nhacra”. Falava fluentemente crioulo e balanta, as suas lojas estavam sediadas no Cumeré e em Nhacra, mas os seus negócios eram diversificados. Nha Carlota comprava aos agricultores da região a mancarra e, ao que parece, os seus preços eram justos.

António Estácio obteve depoimentos elogiosos de quem frequentava a mesa da Mulher Grande de Nahcra, desde Elysée Turpin (fundador do PAIGC), o alferes Sebastião Alves (da CCaç 564) até ao coronel Nuno Rubim, nosso confrade.

O que ninguém esqueceu foi mesmo a instituição da comida: sobretudo aos fins-de-semana, as pessoas punham-se a caminho para almoçar no alpendre da Nha Carlota. Alguém descreveu que nada havia de comum naquela sala da Nha Carlota com um restaurante convencional, as pessoas comiam mesmo na sala de jantar da dona de casa ou na parte sombria da varanda.

Combinava-se com antecedência a ementa (cabrito assado, chabéu ou cachupa), tudo começava com ostras ou camarão e a refeição terminava com a fruta disponível. Frequentemente, Nha Carlota sentava-se à mesa e conversava com toda a gente.

Um aspecto curioso que alguém registou é que havia nesta sala de jantar, dependurado do tecto, sobre a mesa, um grande pano enfiado num pau que uma corda, passando por uma roldana fazia oscilar proporcionando uma suave brisa. Quem puxava essa corda era um pequenito que toda a gente tratava por “Ventoinha”, que no final do repasto recebia uma gratificação. Os negócios sucederam-lhe bem, para além dos estabelecimentos do Cumeré e Nhacra, adquiriu prédios em várias localidades.

Uma das singularidades da Nha Carlota foi o seu salazarismo indefectível, proibia que se falasse mal de Salazar. Fez sociedade com um dos filhos do antigo Presidente da República António José de Almeida, Manuel Alexandre Toscano de Almeida (confesso que de algum modo me baseei nesta personagem para criar o primeiro marido da Benedita, Albano Toscano, do meu livro “Mindjer Garandi”).

Este Manuel Toscano era opositor ao regime de Salazar, participou na sublevação da Guiné de 17 de Abril de 1931, foi demitido da função pública e depois enveredou pelos negócios. Viajou várias vezes a Portugal, numa delas, já perto do final da sua vida, foi recebida por Salazar. Nessa audiência ofereceu ao ditador um retrato dele próprio feito a carvão com a seguinte dedicatória: “Um homem tão grande para um país tão pequeno”.

O seu altruísmo permanece na memória de muitos, bem como a simplicidade no convívio e hospitalidade. É muito bonito dedicar um livrinho a uma mulher que fez bem às suas gentes e seguramente aos nossos camaradas que beneficiaram do seu aprazível acolhimento.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6427: Notas de leitura (108): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6433: Parabéns a você (115): Completa hoje 65 anos o nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto (ex-Fur Mil da CART 2519)

1. Completa hoje 65 anos o nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71, que se apresentou nesta Tabanca Grande em 24 de Julho de 2009, poste P4735.

Postal de aniversário da autoria do Miguel Pessoa dedicado ao Mário Pinto, que veio acompanhado de um sério aviso à navegação (não é à aérea, é à bloguista claro): “Mas não se habituem mal, que eu só vou fazendo isto para uns tantos que vou contactando - para os restantes não tenho suficiente conhecimento pessoal, nem sapiência, nem paciência...”. Por isso Camaradas, quem quiser um “paparico” destes no seu aniversário já sabe o que tem que fazer, ok!

O seu primeiro contacto está registado no poste P4673, datado de 12JUL2009, onde o Pinto deixou o seguinte comentário:

Caro José Teixeira,

Tenho seguido com atenção as tuas recordações da Guine.

Também estive em Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, em 1969/71.

Pertenci á CART 2519 - Os morcegos de Mampatá, por isso vivo com intensidade as tuas recordações.

Já agora se estiveres interessado em saber algo mais sobre a minha companhia, vai ao Blogue: http://www.cart2519osmorcegosdemampata.blogspot.com/

Um abraço,
Mário Pinto

2. O Mário tem sido um dos nossos Camaradas mais interventivos no blogue, tendo-me já por diversas vezes dirigido mensagens a demonstrar o seu espanto com o grau de agressividade e intolerância demonstrado por alguns dos críticos habituais.

Outro motivo controverso que o tem admirado é a exaltação e os inúmeros elogios dirigidos a determinados tipos de textos e de redacção escrita (não que eles não sejam merecidos… mas), em detrimento dos restantes, o que na sua opinião apenas afasta aqueles que pensando não atingir tal nível se auto-excluem de nos enviar qualquer palavra e consequentemente qualquer imagem que possuam dos nossos tempos da Guiné.

Que cada um tire as suas ilações!

3. Mas hoje é para se falar de festa e alegria pois não é todos os dias que festeja mais um aniversário e, independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca que por vários motivos não puderem enviar as suas mensagens, dirigir-te os melhores PARABÉNS.

Mais acrescentamos que o nosso maior desejo, neste dia, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

E mais te desejamos, que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.

Com manga de abraços fraternos... manga deles mesmo!
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6399: Parabéns a você (114): Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAÇ 8351, Cumbijã, 1972/74 (Carlos Vinhal / Belarmino Sardinha / Giselda e Miguel Pessoa / JERO / Manuel Maia)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, amigo do Pepito, do Zé Neto, do Mário Dias e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota




Aos 17 anos, em 1964, em Bissau, na Guiné, onde nasceu, de pais transmontanos, e fez o Liceu Honório Barreto (onde foi condiscípulo do Pepito).



Em 1964 Nhacra, na Guiné, com 17 anos, quando foi visitar um militar, um alferes, natural da terra dos seus pais... 




Em 1967 em Coimbra, na Escola Agrícola da Bencanta, onde tirou o Curso de Regente Agrícola (hoje, Engenheiro Técnico Agrícola), tendo tido como colega o Paulo Santiago.


O António Estácio, agora membro do Clube dos SEXAS... Casado, 63 anos, pai de duas filhas.  

Fotos: © António Estácio (2010). Direitos reservados


1. António Estácio > Curriculum vitae

António Júlio Emerenciano Estácio:

(i) nasceu em Bissau, a 3 de Maio de 1947, no tchom de Papel; em miúdo, nos anos qinquenta, viveu em Bolama, com os pais;

(ii) estudou no Liceu Honório Barreto, onde foi condiscípulo do nosso amigo Pepito;

(iii) conheceu, ainda na Guiné, o nosso camarada Mário Dias.

(iv) de 1964 a 67 estudou, em Coimbra, na ex-Escola Nacional de Agricultura, onde tirou o Curso de Regente Agrícola, posto que estagiou no extinto Instituto de Algodão de Angola (IAA).

(v) de Janeiro de 1969 a Abril de 1972 cumpriu o serviço militar obrigatório, tendo, a partir de Março de 1970 a Maio de 1972, prestado comissão de serviço na Região Militar de Angola (R.M.A.), como alferes miliciano,  e estado aquartelado nas povoações de Luquembo, Sautar e Bessa Monteiro.

(vi) em 28.09.1972 chegou a Macau, a fim de desempenhar funções técnicas na, então, Brigada da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (M.E.A.U.); neste território, conviveu com o Mário Dias e com o José Neto, de quem ficou grande amigo.

(vii) de 28 Setembro de 1972 a 2 Dezembro de 1998 viveu em Macau, onde exerceu vários cargos e funções, como:

- Técnico e Técnico Chefe dos Serviços Florestais e Agrícolas de Macau (SFAM); 

- Criador e Coordenador da “Semana Verde”, campanha de sensibilização, nomeadamente dos jovens em idades escolar, sobre a manutenção, defesa e valorização das Zonas Verdes de Macau;

- Membro da Comissão de Educação da União Internacional para a Conservação da Natureza; 

- Vogal a Tempo Inteiro da Comissão Administrativa da Câmara Municipal das Ilhas (CMI); 

- Vogal do Conselho Consultivo do Governador; 

- Secretário-Geral e, posteriormente, vogal do Conselho do Ambiente (Macau); 

- Vice-Presidente da Câmara Municipal das Ilhas; 

- Colaborador da Editora Verbo; 

- Coordenador científico da Exposição “A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses”, promovida em 1995 pela Comissão Territorial de Macau para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 

- Colaborador no Projecto Garcia de Orta, da “Expo 98”; 

- Colaborador do Museu de Macau; 

- Membro fundador (30.04.1974) e dirigente do Centro Democrático de Macau; 

- Sócio e, em 2 mandatos não sequenciais, membro da Direcção do Clube Militar (Macau); 

- Vogal do Conselho Fiscal da Associação de Xadrez de Macau; 

- Presidente da Direcção e Vice-Presidente da A.G. da Associação de Patinagem de Macau; 

- Segundo Secretário da A. G. da Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses, 

Em 03.07.1997 aposentou-se da, então, Câmara Municipal das Ilhas (Macau).

- Foi Vogal da Direcção da Casa de Macau (2003-2005); 

(viii) está ligado a diversas  instituições nacionais, desempenhando funções como: 

- Sócio da Sociedade de Geografia,  sendo e Secretário da sua Comissão de Heráldica; 

- Observatório da China, em cujo Conselho Fiscal, foi Vogal; 

- Membro da Associação Lusitana da Heráldica; 

- Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS), sendo 1º Secretário da Direcção. 

- Sócio n.º 456 da 223ª Casa do Benfica em Algueirão Mem Martins, fundada em 28.02.2008.

(ix) tem participado na Semana Cultural da China e no Fórum Internacional de Sinologia. 

(x) louvores e distinções:

Foi louvado pelo Despacho n.º 19/SASAS/91 e pela Deliberação n.º 268/26/CMI/97;

Foi agraciado, em 1995, pelo Governador de Macau, com a Medalha de Mérito Profissional ; 

Em Março de 2006, foi distinguido com a Moeda Comemorativa, pelo Instituto para os Assuntos Cívicos de Macau, aquando da 25ª edição da “Semana Verde de Macau”. 

Em 8 de Fevereiro de 2007, distinguido com Medalha de Honra atribuída pela ONG “Acção para o Desenvolvimento” (AD), da República da Guiné-Bissau.

(xi) É autor, co-autor e coordenador de diversas publicações, na sua maioria de carácter técnico e referentes a Macau tendo apresentado comunicações, artigos, folhetos, brochuras e sido res-ponsável pela edição de Boletins Informativos da Casa de Macau, da respectiva Folha In-formativa não periódica “Qui Nova?!...” que criou e, bem assim, responsável pela edição do Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade e Sintra (ACTIS). 


Trabalhos publicados > É autor de vários folhetos, brochuras e das seguintes publicações:

Publicações de índole técnica:

- Flora da Ilha da Taipa, Monografia e Carta Temática (M. E. Cartográficos) 1978; 

- Flora da Ilha de Coloane (S.F.A. Macau) 1982; 

- Dinâmica das Zonas Verdes na cidade de Macau (S.F.A.M.) 1982;

- Arborização de Macau. Intervenção de Tancredo Caldeira do Casal Ribeiro (1883-1885) (S.F.A.M.) 1985;

- Jardins e Parques de Macau  (Macau) 1993 (Em colaboração com o Eng.º Agrónomo e Arq. Paisagista António Manuel Paula Saraiva); 

- Zonas Verdes. Particularidades da Flora de Macau (Macau) 1994 – Ed. do B.C.M.;

- Guia do Parque de Seac Pai Van (C. M. das Ilhas - Macau) 1995;

- Evolução das Zonas Verdes das Ilhas  (C. M. das Ilhas -Macau) 1999 (Em colaboração com o Eng.º Técnico Agrário Carlos Daniel de Carvalho Batalha);

- As Árvores no Brasões Municipais – Ed. da C. M. de Freixo de Espada à Cinta 2001;

- Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense (Portugal) 2002 – Ed. do autor. 



Publicações de índole não técnica: 


- Em Memória de Sá Nogueira (S.F.A.M.) 1984;

- Passadas – Ed. do autor (Macau) 1992;

- Na Roda de Amigos – Ed. do autor (Macau) 1973;

- Para lá do Rasgar da Ganga ...– Ed. do autor (Macau) 1997;

- Histórias Vividas e Contadas – Ed. “Livros do Oriente” (Macau) 1997.

- Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense – Ed. do autor (Portugal) 2010

Coordenador as seguintes publicações técnicas:

- Árvores de Macau, Vol. I, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1997;

- Árvores de Macau, Vol. II, de autoria do Prof. Wang Zhu Hao (Ed. C. M. Ilhas) 1999.

Foi editor do:

- Boletim do Rotary Club Amagao (Macau);

- Boletim da Casa de Macau (Lisboa) (2004-2006);

É editor do:

- Boletim da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS).


Algueirão, aos 19 de Maio de 2010 

António Júlio Emerenciano Estácio
Morada - Av. Prof. Bento de Jesus Caraça n.º 59
2725 – 032 Algueirão – Mem Martins
Telefone - 21-9229058  / Tm 96-2696155
E-mail - citassi@yahoo.com.br

2. Comentário de L.G.:

Para além do falecido Zé Neto, o Estácio é amigo do Mário Dias e do António Graça de Abreu, por afinidades com Macau e a China... E do Pepito, pois claro. Já há muito tinha ouvido falar dele, tanto por parte do Pepito como do Zé Neto. Esteve ligado ao projecto Guileje.

Por exemplo, em 21 de Novembro de 2005, o Pepito mandou-me, em anexo, "um quadro que um amigo meu português, António Estácio, me ajudou a fazer, listando todas as companhias que passaram por Guiledje, onde estão os nomes de algumas pessoas que nos têm disponibilizado documentos (fotografias, memórias e informações) [, uma lista ainda] muito limitada, a necessitar de identificar mais pessoas interessadas em colaborar e a precisar algumas das datas em dúvida".

Conheci-o, há dias, pessoalmente na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, "Guineense, Comando, Português"... E hoje, de manhã, estive a falar com ele ao telefone. É um apaixonado pela sua terra. E é dotado de um finíssimo humor. É uma pessoa encantadora. Convidei-o a (e ele aceitou em) fazer parte do nosso blogue. Fiz questão de sublinhar que não é apenas um blogue de camaradas que fizeram a guerra colonial na Guiné (1963/74) mas um espaço de diálogo entre todos aqueles que são naturais da Guiné ou são  estudiosos da história e da cultura da Guiné, e nomeadamente que se interessam pela historiografia da presença portuguesa. E sobretudo daqueles que amam a Guiné e o seu povo.

No dia 21, 6ª feira, às 18h00, no Palácio da Independência, no Largo de S. Domingos, em Lisboa, o novo membro da nossa Tabanca Grande vai lançar o seu livro Nha Carlota - uma popular e notável Mulher Grande no seu tempo (1889-1970)  mas hoje desconhecida das novas gerações - para a qual contamos com a presença dos amigos e camaradas da Guiné que quiserem e puderem comparecer.

O António tem em curso a elaboração de um outro livro sobre a sua terra, neste caso sobrte outra Mulher Grande (Nha Bijagó, de seu nome Leopoldina Ferreira Crato). E prometeu contar-nos histórias sobre   o seu país de origem,  que por certo nos irão prender a atenção (como, por exemplo, o nascimento de Catió ou o desenvolvimento da cultura do arroz no sul da Guiné, graças a um chinês de Macau, desterrado no princípio do Séc. XX, por "dívidas de jogo").

Para já, formalizamos a entrada do António Estácio na nossa Tabanca Grande, a tal que não tem portas nem janelas, damos-lhe as boas vindas e fazemos votos para que se sinta em casa, debaixo do nosso frondoso poilão, entre amigos e camaradas. L.G.

Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I




1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 17 de Maio de 2010:

Meu caros camarigos
Mais um para a série


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (3)

SEM TÍTULO 1

Em que luz me banhei
Que tanto brilho deu
Aos meus olhos.
Em que ar puro voei
Que abriu tanto
O meu sorriso.
Em que água me lavei
Que cresceu tanto
O meu abraço.
Em que rio mergulhei
Que soa mais limpo
O meu riso.
Porque é agora tão fácil
Definir a letra
O traço.
Porque é agora tão simples
Caminhar calmo e em paz
Tão prenhe de liberdade
E de um tanto se me faz.
Porque regressou a vontade
De andar sempre em frente
Sem nunca olhar para trás
Sem nunca olhar para a gente
Que vive a gritar saudade
Cheia de amargura e tristeza
Sem nunca ter sentido
Que a saudade é um momento
Que merece ser vivido
Na mais pura das alegrias
Como quem voa c’o vento
Nas asas só da verdade
Por entre jardins de flores
Que renascem todos os dias.
Porque regressou o sorriso
Que faz brilhar o olhar
Que cura todas as dores
E que é um nunca acabar de rir
Sem poder conter o riso.
Onde estão as luzes e vozes
Que vinham não sei de onde
Para me incomodar o sono
E encher os pesadelos.
Que é feito desse fantasma
Que só a mim aparecia
Envolto sempre em novelos
De nuvens cinza douradas
Correndo num céu de chumbo
Uma corrida sem fim.
Onde está essa prisão
De barras grossas e frias
De sonhos nunca acabados
De desejos aprisionados
Em forma de coração.
Eu digo-te se não contares
A ninguém ou coisa nenhuma.
Esqueci-os nos meus cantares
Peguei em todos à uma
E fazendo no céu um furo
Apaguei-lhes os esgares
E rindo de satisfação
Enterrei-os no futuro.


91.11.06

Um abraço do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6362: Convívios (151): Tabanca do Centro, dia 26 de Maio de 2010, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida

Guiné 63/74 - P6430: Contraponto (Alberto Branquinho) (9): Eutanásia?

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 16 de Maio de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Agora que o Papa já regressou e portanto, não há o risco de referir um tema que, também, pode causar "rupturas" no tecido social português, junto vai o texto do CONTRAPONTO (9), que intitulei "EUTANÀSIA ?".

Um abraço e, como sempre se despede o meu Tio que por aí reside, SAÚDE e SORTE.
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (9)

EUTANÁSIA?


Foi no fim da época das chuvas.

O pelotão foi destacado para fazer “psico” em chão balanta, percorrendo duas ou três tabancas próximas da sede do Batalhão, acompanhando os enfermeiros – um furriel e dois cabos.

O pessoal estava instalado discretamente nas entradas da aldeia, acompanhado pelos respectivos furriéis e outros postados em posições de segurança (não fosse surgir alguma surpresa). O alferes circulava por entre as moranças acompanhado de um cabo e de um soldado. Seguiam de perto as movimentações dos enfermeiros.

Chegou-se um homem já idoso, solícito e nervoso, perguntando por “aquele qui na manda”. O alferes perguntou-lhe. “Q’é qui bô misste?"

O homem começou a arengar um palavreado nervoso e confuso, misturando crioulo talvez com balanta, sempre de olhos no chão.

O alferes só entendeu que falava da “mãe” e de “dor”. Passado algum tempo olhou o alferes com uns olhos tímidos e brilhantes e, fazendo repetidas vénias, apontou numa direcção e disse: “Bô bem… bem”. E começou a andar devagar, olhando para o alferes, que fez sinal ao soldado para o seguir e ao cabo para continuar a acompanhar os enfermeiros.

O homem colocou-se ao lado do alferes e dizia repetidas vezes: “Dói perna… dói… dói braço, dói… dói…” e batia com a palma da mão direita na perna direita, na perna esquerda, no outro braço, no pescoço, nos ombros, nas costas e terminava dizendo com expressão triste: “Cá pude… cá pude muri...”.

Chegaram junto de uma palhota isolada. O homem empurrou a porta e entrou. Fez o gesto convidando o alferes a entrar. Este disse para o soldado:

- Fica aqui. Só entras se eu chamar.

- Ó meu alferes, bocê bai lá p’ra dentro?

- Aguenta aí.

Quando entrou ouviu uns gemidos agudos e contínuos, mas nada conseguia ver na penumbra interior. O ambiente estava quente, abafado, húmido. Num repente os gemidos passaram a uns guinchos agudos, penetrantes. Viu, então, que o homem estava debruçado sobre um catre muito baixo, atrás da porta e que nele estava deitada uma velhota de idade muito avançada, que, ao mesmo tempo que emitia aqueles guinchos, tentava levantar os braços para ele. O soldado chegou à soleira:

- Ó meu alferes, que merda é essa?

- Nada. Vai lá para fora.

O alferes pôs a arma em bandoleira, aproximou-se, fixou a mulher, tentando ver melhor. Notou, então que, por baixo da cama, estavam espalhadas brasas ainda bem incandescentes. O homem postou-se entre o alferes e a mulher, que não parava de guinchar e, curvado e choroso, repetia, repetia: ”Dói… dói… dói… dói…”, ao mesmo tempo que, com a mão indicava os pés, os joelhos, braços, cotovelos, ombros e as costas. “Cá pude… cá pude…”.

O alferes chamou o soldado e disse-lhe para chamar o furriel enfermeiro.

- Mim parti mèzinha cum bô. Mèzinha bêm lá.”.

O homem calou-se, agarrou um braço da velhota e falou-lhe ao ouvido. A velhota parou de guinchar, embora soltasse gemidos baixos.

O alferes foi à porta esperar o furriel enfermeiro. Quando chegou explicou-lhe o que se passava. Entraram ambos. O alferes ficou afastado a observar o braseiro debaixo da cama, que se estendia da cabeça ate aos pés. O enfermeiro falou com o homem, tentando fazer-se entender e entregou-lhe uma pequena caixa.

Saíram ambos, entre muitos agradecimentos e vénias do homem.

- Que é que você lhe deu?

- Comprimidos LM. Que é que havia de ser?

O alferes pensou: “Aspirina? Reumatismo ou coisa assim… Pode ser que resulte.”

Nesse mesmo dia, quando contava ao médico o sucedido, alguém interrompeu: “Você sabe que os balantas praticam a eutanásia ?”

Não respondeu e ficou a pensar na conversa do homem e na atitude (desesperada?) da velhota.

Desejou voltar à aldeia e perguntar pelo filho e pela mãe, mas não teve oportunidade, porque, mais uma vez, a Companhia foi transferida para outra zona de intervenção.

Alberto Branquinho
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6187: Contraponto (Alberto Branquinho) (8): Desertores? - A tertúlia anda pouca activa, porquê?

Guiné 63/74 - P6429: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (21): As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu

1. Mais uma Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem de 16 de Maio de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (21)

As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu


Estávamos em 1964, BISSORÃ tinha na altura duas Companhias operacionais, a CART 643, a "residente" e a CART 730. As operações eram em catadupa, operações em áreas complicadas, como ao célebre Morés e casas de mato circundantes, uma espécie de flôr, Morés a coroa e as pétalas as casas de mato envolventes, tudo muito complicado. Para oeste a dificil casa de mato denominada Biambi, lá para os lados de Bula e Binar, diga-se de passagem com um chefe guerrilheiro de muito respeito, todo o cuidado era pouco, quando havia necessidade de o enfrentar.

O pessoal "maçarico" não podia ser lançado para aquelas zonas sem ser acompanhado de pessoal experiente.

Lembro-me de um 2.º Sargento do QP, açoriano, não querendo receber conselhos dos "velhos", dizendo que tinha vindo de Angola, para ele aquilo era "canja", mas ficou em grandes dificuldades numa emboscada, que durou muito tempo, foi em seu socorro um Pelotão da Cart 643, para os tirar daquela embrulhada.

Os feitos destas Companhias eram deveras considerados pelas chefias militares, tenho ideia de uma operação, salvo erro em Cambaju, em que as NT capturaram uma quantidade apreciável de material de guerra, houve grande ronco no regresso a Bissorã, tendo o ComChefe Gen. Arnaldo Shultz enviado uma mensagem, que pela importância operacional daquele dia, queria a todo o custo, dar um abraço às Cart 643 e 730, e que apareceria a qualquer momento.

Os Capitães, sabendo da visita, ordenaram que todos se apresentassem devidamente ataviados, porque o nosso General iria chegar dentro em pouco.

Eram talvez 14 horas, todos a olhar para o céu, para ver quando despontava o héli. O tempo corria, 15,00 h., 16,00 h., até que o sol começa a desaparecer no horizonte. Houve a chamada desilusão generalizada, todos se interrogavam, esta malta não nos liga nenhuma, aplicando-se o velho slogan "a retaguarda está firme que nem uma rocha" e era verdade.

Nesta altura que tanto se fala da actuação do Gen Spinola, quando ComChefe do CTIG, tenho a certeza, que pelo que contam, não fazia uma acção deste género.

Havia uma grande distância entre os militares do mato, os operacionais, e alguns da cidade de Bissau. A própria PM perseguia por assim dizer, aqueles pobres militares, que às vezes se excediam, quando apanhavam 2 ou 3 dias de folga, como prémio pela sua actuação em combate, portanto não era de admirar a não comparência do ComChefe no mato, ter de se expôr a algum perigo no vôo, a retaguarda era quase sempre assim.

E para terminar, posso contar mais uma cena, esta comigo.

Em Outubro de 1965, mais precisamente a 27, fui ferido, sendo evacuado para o HM241. O meu ferimento, fractura exposta do femur esquerdo e outras complicações, não podia ser tratado ali, como era uma recuperação que demoraria mais de 6o dias, tinha que ser evacuado, o mais rápidamente possível.

Começou a haver complicações, como infecções constantes, de que resultou uma ostaíte crónica de que continuo a padecer.

Não havia lugar no avião militar para Lisboa, sabendo eu que nesses aviões, além dos feridos a embarcar, também seguiam militares de férias, prémios Governador, esposas de oficiais superiores e até acompanhantes, para ajudarem nas suas compras em Lisboa.

Eu sentia-me cada vez pior no meu estado geral de saúde. No dia 16 de Novembro, fui visitado pelo meu Comandante Cor.Braancamp Sobral, para saber do meu estado. Nesse momento perdi a cabeça, disse-lhe o que pensava dos chamados SENHORES DA GUERRA. Sem me dizer nada saiu. Passadas cerca de duas horas, segui para o bloco do hospital, fui engessado e na manhã
do dia seguinte, 17 de Novembro, embarquei para o HMP, onde estive internado 7 meses, 2 nas urgências e o restante no anexo, mais vulgarmente conhecido pelo TEXAS.

Como nota final, tenho a certeza que se fosse evecuado de imediato, talvez não ficasse marcado para sempre.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
CART 643 - Águias Negras
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6349: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (20): Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda

Guine 63/74 - P6428: Estórias cabralianas (60): O manifesto do nosso alfero (Jorge Cabral)

 1. Este texto do ex-Alf Mil Art Jorge Cabral,  comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) já foi publicado há mais de quatro anos, na I Série do nosso blogue, sob a forma de um carta aberta. Um texto, portanto, desconhecido da maioria dos nossos leitores. Na altura comentei (*):

"Esta carta (aberta), dirigida à minha pessoa, honra-me e sensibiliza-me. Prendem-me, ao Jorge, laços de amizade e de cumplicidade. Orgulha-me tê-lo cá, nesta tertúlia, entre amigos e camaradas. Obrigado, Jorge, pela tua (corrosiva) lucidez e sobretudo pela tua (generosa) abertura de espírito à aventura humana e à descoberta do outro bem como pelo teu arreigado anti-etnocentrismo. Poupa-me as palavras. Por mim, disseste tudo"...

Eu, que gostaria de ver publicadas este ano, em livro, as  Estórias Cabralianas, e estou indigitado como prefaciador-mor das ditas, acho que este naco de prosa (ou de poesia, como queiram) tem de ser recuperado, lido, divulgado, debatido e se possível inserido na mesma publicação como posfácio. É um texto descomplexado, de um homem a corpo inteiro, sem alibis nem subterfúgios, onde muitos de nós reconhecem...  Foi revisto por mim, nesta data, recuperei-lhe o ritmo discursivo. É dirigido, através de mim, às centenas de camaradas que nos lêem, e que em Fevereiro de 2006 ainda eram umas escassas de dezenas. É um texto que eu gostaria de ter conseguido escrever. Vou chamar-lhe simplesmente "O Manifesto do Nosso Alfero". Que o Jorge me perdoe a ousadia,  os atropelos e os abusos.

Caro Luís,
nunca será demais enaltecer o teu blogue,
o qual nos tem permitido, principalmente recordar.

Como tu dizes,
fui um tropa desalinhado,
marginal
e quase sempre provocador,
características que mantive ao longo da vida.

Sempre procurei realçar os aspectos ridículos das pessoas e situações,
gozando e criticando,
às vezes com um humor demasiado ácido…

Sobre a Guerra Colonial na Guiné,
sei que lá estive,
e procurei ver.

Não sinto nem orgulho, nem vergonha.
Não fui herói, nem cobarde,
limitei-me a garantir a minha sobrevivência,
bem como a dos que comigo se encontravam.

Tratava-se obviamente de uma guerra absurda
e previsível,
logo evitável,
para a qual nos mandavam mal preparados,
num estado de absoluta ignorância
sobre o país, sua gente e cultura
(contei-te daquele soldado periquito,
que apresentado em Missirá,
me pediu para ir ver o jogo do Sporting
que dava na televisão naquela noite,
na Tasca da Muda,
ali mesmo à esquina…).

Se alguma qualidade intelectual possuo
é a curiosidade,
que me leva a tentar compreender tudo e todos,
ciente que as diferentes formas de estar e ser
são legítimas e sempre explicáveis.

Assim, na Guiné,
quer em Fá, quer em Missirá,
procurei entender,
e através de longas conversas com Homens e Mulheres Grandes
aprendi alguma coisa.

Dessa forma me inteirei da excisão
(a qual depois presenciei)
e do infanticídio ritual,
dois temas de que, há mais de vinte anos,
falo nas minhas aulas.

Percebi que uma Guiné idílica e pacífica,
de negros portuguesismos,
nunca existira…
Todo o território ao longo dos séculos
foi palco de imensas guerras,
sangrentas repressões
e alguns desastres das nossas tropas.

Perante o meu espanto,
indicaram-me em Fá,
o local onde no tempo, dos avós, dos avós deles,
havia sido aprisionado o Governador,
que teve de pagar resgate aos beafadas (#).

E em Missirá levaram-me a conhecer o campo
onde as forças portuguesas e seus ajudantes
estiveram longo tempo entrincheirados,
preparando a conquista de Madina/Belel,
na luta contra o grande guerreiro Unfali Soncó,
no princípio do século XX (##).

Foram também os velhos que me falaram de Abdul Injai,
régulo do Cuor e do Oio,
companheiro de Teixeira Pinto,
herói tão amado quanto odiado,
caído em desgraça no fim da vida,
e degredado para Cabo Verde.

Chegado a Lisboa,
e desde então tenho tentado estudar,
convicto que é impossível compreender a guerra colonial
e o que se seguiu,
sem reflectir na história do país
e nas múltiplas acções de resistência armada contra os Portugueses.

Claro que o PAIGC,
ao iniciar a Luta Armada,
pretendeu aglutinar todas essas resistências sectoriais,
num projecto global de Libertação,
que simultaneamente edificasse o Estado Nação.
Pelo menos a Libertação foi conseguida…

Tendo estado sempre com tropa africana e milícias,
não fiquei indiferente ao que aconteceu aos meus soldados,
uns obrigados a fugir
 e outros fuzilados.

Alguns ainda hoje lutam por uma pensão,
e há poucos anos,
tive de confirmar,  por escrito,
que um servira no exército português.

Discutir agora quem foi o responsável pelos fuzilamentos,
se foi o Nino ou o Luís Cabral,
parece-me supérfulo.

A responsabilidade cabe por inteiro aos Portugueses,
que não souberam garantir a segurança dos militares africanos.
Procederam como os seus antepassados,
pois o destino dos aliados dos portugueses
foi sempre o mesmo.
Abandonados à sua sorte,
vitimas das represálias dos vencedores…

Ás autoridades negociadoras competia proteger
todos os que lutaram integrados no Exercito Português
e mesmo assegurar,  aos que quisessem,
a nacionalidade portuguesa.

Isso sim, teria sido uma atitude revolucionária.
Foram conservadores.
Contradições características
de uma descolonização tardia e apressada…

Desculpa a seriedade deste arrazoado,
mas considero importante contribuir
para a destruição de certos mitos e equívocos,
naturalmente persistentes numa ex-potência colonial.

Um grande abraço

Jorge

(#) Ocorreu em 1861 no âmbito de uma “campanha” contra os Beafadas de Badora, os quais prenderam o Major Correia Pinto, encarregado da Administração da Província na ausência do Governador. Também nessa altura foram hasteadas bandeiras britânicas, em Bambadinca, Fá e Ganjara.

(##)  Tratou-se de uma das mais importantes "operações" ocorridas antes da Guerra Colonial. Os efectivos das NT eram para a época impressionantes. Estando 50 marinheiros destacados em Bambadinca, a coluna comandada pelo Governador Muzanty, compreendia:

- 7 oficais do estado maior,
- uma companhia da marinha (4 oficiais e 132 marinheiros),
- uma companhia de infantaria metropolitana (5 oficiais e 251 sargentos e soldados),
- uma companhia mista de infantaria (3 oficiais e 101 atiradores),
- uma bateria de artilharia (3 oficiais e 69 sargentos e soldados),
- mais sete oficiais (médicos veterinários e de intendência),
- a que é preciso acrescentar o “exército” de Abdul Injai (2 oficiais, 2 chefes e 100 cavaleiros) e
- ainda a nona companhia indígena de Moçambique.

Pois toda esta tropa  atravessou o rio frente a Bambadinca, tendo conquistado todas as tabancas, até junto de Missirá, onde em Carenquecunda acampou, cavando trincheiras, e preparando a conquista de Madina, que veio a ser tomada em 9 de Abril de 1908, tendo tido papel determinante Abdul Injai e os seus 100 cavaleiros.

Também eu entrei em Madina em 1971, sem cavaleiros, mas à custa de um decisivo apoio aéreo.

P.S. – O desastre do Cheche, tem um antecedente histórico,  ocorrido em 30 de Dezembro de 1878 na Ponta de Bolor, entre os Felupes. Porém deste, em que morreram mais de 50 militares, conhecem-se os que pela sua incompetência, foram responsáveis: o Governador António José Cabral Vieira e o Tenente Calisto ~
dos Santos.

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2006 Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P6427: Notas de leitura (108): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Maio de 2010:

Queridos amigos,
Afinal eu não sou a voz que clama no deserto e fica sem resposta.
Já aqui tenho o livro do Rui de Azevedo Teixeira “A Guerra Colonial e o Romance Português”.
O José Brás prometeu-me enviar um livro do madeirense António Loja. Esteve cá o António Estácio e deixou-me a “Nha Carlota”.
E já li 100 páginas do “Rumo a Fulacunda” do Rui Alexandrino Ferreira.

Aproveito para voltar a pedir ajuda de todos sobre os livros que foram publicados nos anos 90.
Li cheio de comoção este livro do Manel Mesquita. Não venham agora dizer que os soldados não escrevem livros.

Um abraço do
Mário


O soldado que guardou toda a vida Nhala no coração

por Beja Santos

O que surpreende no belíssimo relato do Manel Mesquita é o acordo que ele, mesmo antes de chegar ao teatro de guerra, estabeleceu com a vida, a sua pauta de heroísmo é o convívio sadio, a solicitude permanente, a não resignação, o profundo respeito pela condição humana. 

Deixará uma galeria de depoimentos no seu livrinho “Os Resistentes de Nhala”, são pessoas que podíamos ter conhecido, com quem seguramente convivemos ou, de quem ouvimos falar: aquele que se afundou no álcool, incapaz de cerrar os dentes e dar a volta à corrediça da vida; o capitão miliciano que organizou um torneio de futebol lá em Nhala e que levantou o moral da malta; os ocasos da vida que impediram o Manel de desertar quando veio de férias à metrópole, em meados de 1970, mas há também o Rosa, o Carinhas, o Victor, o Maiato...

Vamos por partes, o Manel volta de férias, uma LDM larga-o no areal de Buba. Trouxe comida para todos. Foi procurar o Carinhas para se juntar ao banquete, encontrou-o a cantar o fado. Segue-se uma rajada de tiros, são rajadas de costureirinhas e roquetadas. É uma grande flagelação, há gritos, a noite transformou-se momentaneamente em dia. Depois, o silêncio. Descobre-se que há um morto, era o faxina conhecido pelo Foda-se, tem vários buracos na frente do corpo. O grupo atacante chegara a abrir o portão para entrar em Nhala. Logo que descoberto, atacou à morteirada, morreram civis e também o chefe da milícia, o sargento Marcelino. Alguém recorda que durante as emboscadas e as flagelações na estrada nova de Uane os guerrilheiros gritavam que um dia iriam entrar e arrasar Nhala. O Manel aproveita para falar com Deus, pede-Lhe que não o abandone, não os abandone. Segue-se o enterramento dos civis:

“Estava a tomar o pequeno-almoço quando recebo ordens do furriel para tratarmos dos cadáveres. Três colegas vão abrir as covas ali fora dos arames, por coincidência onde horas antes estiveram os inimigos a atacar-nos. A mim calha-me fazer guarda de honra ao militar da milícia. Vou vestir-me com farda completa e limpa. Os defuntos civis são embrulhados em lençóis brancos e lavados, e assim baixam à terra. Dois colegas cobrem com pés e arrasam o terreno. Reparei que todos guardámos respeito e dignidade ao acto.

Por fim trazem o corpo do sargento numa maca embrulhado num lençol, mas coberto com a bandeira nacional. Morreu em combate. Tudo fez para defender Nhala... É uma cerimónia digna, mas arrepiante. Qualquer combatente ou caído ao serviço da Pátria merece-a”.

Segue-se uma operação ao Saltinho. Descobrem duas canoas. A força fica de atalaia, há um soldado africano que conta ao Manel que naquele local, poucos anos antes, se tinha voltado uma jangada com cerca de vinte soldados que foram abocanhados pelos crocodilos. O inimigo não apareceu, melhor o inimigo foi em enxame de abelhas que provocou inúmero sofrimento. 

O Manel passa em revista pessoas, situações e locais que permanecem indeléveis na sua memória. Primeiro o Bento. Numa operação levou um tiro no pulso esquerdo. O guerrilheiro estava numa frondosa árvore, foi abatido. A força inimiga foge em debandada. O Bento está sereno, prescinde da evacuação, o enfermeiro faz-lhe um penso, mas entretanto chegou o helicóptero. O Bento estava mais preocupado em que se transportasse o material de guerra capturado. Há ainda pessoas capazes de prescindir da dor. 

Chega o segundo Natal passado na Guiné. O Manel recorda uma conversa com o Deus menino: “E eu, nesta terra, nesta missão, que tenho para dar? Já sei, tenho uma prenda muito valiosa e importante para dar. Vou fazer um negócio invisível com as tropas do PAIGC, eu não irei disparar contra eles. Eu estou aqui a lutar para impedir que eles tenham direito à guerra que é deles, mas não é minha, não a quero. Nós negamos-lhes o direito que eles têm de possuir a sua terra”. O espírito de improvisação musical também vem ao de cima. Em Aldeia Formosa o pessoal, para esquecer a saudade, pegou numa melodia da marcha do Bairro Alto e passou a cantar a toda a hora:

Aldeia e as colunas a seguir
Para Buba com a malta
Sujeitos a ir para não vir
Com aquilo que nos faz falta.

São emboscadas e minas,
Bolanhas e covazinhas
Viaturas rebocadas.
Deitaram-nos isto à sorte
De procurarmos a morte
Nestas tão reles estradas


Refrão:

Viaturas velhas mesmo a cair
E, mesmo assim, a malta tem que seguir
São tristes chaços, em procissão
Andam mecânicos com as chaves de mão em mão.

Há muito mais a dizer sobre estes personagens que marcaram o Manel. Fiquemos com o Mário de Fontelas, seu conterrâneo, que apareceu em Aldeia Formosa. Já tinha cumprido 21 meses em rendição individual na CCaç 2478. A companhia embarcou, o Mário ficou no cais a ver os companheiros. O Mário foi colocado no segundo pelotão da CCaç 2614. 

O Manel convenceu o Mário que deveria apresentar o seu caso ao Spínola quando este viesse despedir-se do batalhão. Spínola discursou e preparava-se para se retirar quando o Mário pediu para falar, explicou-lhe que já levava 24 meses em teatro de operações. O general diz ao seu ajudante de campo para tomar nota do pedido, informando que não irá com a CCaç 2614, mas seguirá para Lisboa no próximo barco. Fizera-se justiça. O Manel nunca mais esqueceu aquele homem que soubera reclamar os seus direitos.

O leitor irá apreciar o João Vasques, o Fugitivo, o Bráulio. Não deixará de se comover com o sonho do Manel na sua última semana de comissão, já em Aldeia Formosa. A povoação já não era quartel, tudo se transformara: as casernas em escolas, infantários e cresces; a cozinha e o refeitório eram locais onde se preparavam refeições as refeições para as criança e jovens; o posto de socorros era agora um centro de saúde; os morteiros eram agora charruas e arados; e os campos de batalha estavam todos transformados em arrozais.

Manel nunca mais esqueceu Nhala, os abrigos que construiu, as aulas que deu, as lições de camaradagem. É impensável que alguém possa ficar indiferente a este depoimento tão singelo. Convido-vos a telefonar ao Manel (22 762 07 36 / 96 35 25 912) mais não seja para ter acesso a este livrinho maravilhoso, verdadeiro, corajoso. O Manel é um homem de fé e transmite-a. A pretexto de uma guerra de onde ele regressou há cerca de 40 anos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6419: Notas de leitura (107): Os Resistentes de Nhala, de Manel Mesquita (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6426: Convívios (241): 3º Encontro da Companhia de Caçadores 1589, 15 de Maio de 2010 (Armandino Alves)


1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 17 de Maio, sobre a confraternização anual da sua Companhia que a seguir publicamos:

Foto de família tendo o Comandante ao centro

Camaradas,

Realizou-se no passado dia 15 de Maio, o 3º Convívio da Companhia de Caçadores 1589, que contou pela 1º vez com a presença do seu Comandante, hoje Coronel Reformado do QP, Henrique Victor Guimarães Perez Brandão, o qual nos muito nos honrou com a sua presença.

Informou-nos o mesmo que não lhe foi possível comparecer às 2 anteriores festas devido aos deveres inerentes do seu cargo e à sua sobrecarregada agenda para os dias em que elas se realizaram.

Cada ano vai comparecendo mais malta e as respectivas famílias, o que nos vai dando alento para continuarmos a fomentar estes eventos.

O nosso Comandante fez um discurso deveras comovente, notando-se que este convívio e a maneira efusiva com que todos o receberam, caiu bem fundo no seu coração.

No seu discurso referiu-se a uma entrevista que deu ao Joaquim Furtado, que esteve a ouvi-lo durante 2 horas e que, posteriormente, só passou no ecrã 10 minutos da gravação (a parte que lhe convinha), descontextualizando-a completamente.

A finalizar realçou o nosso espírito de grupo e entreajuda, realçando o sentir do dever cumprido.

Concentração do Pessoal na Alameda das Antas
O Comandante de Companhia discursando antes do almoço
Alf Mil Daniel Velêda (esq.) Coronel Henrique Brandão (centro) e Alf Mil Leitão (dir.)
O meu reencontro com o comandante passados 42 anos
E assim terminou o nosso 3º Convívio. Para o ano haverá mais.

Um Abraço,
Armandino Alves (Dr. Jivago)
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589
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Nota de M.R.:

terça-feira, 18 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6425: (Ex)citações (73): A tropa e a criançada nas belíssimas crónicas do Cherno Baldé (Alberto Branquinho)

1. Comentário do Alberto Branquinho ao poste de  18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6417: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15): Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida!Caro Cherno

Este texto (e outros já aqui publicados) é uma beleza. Neste a análise do meio social nativo - a avó, as velhotas, as mulheres mais novas e até os homens e as suas análises sobre a "abundância" verificada no aquartelamento e a injustiça de Alá na distribiução, são facetas de uma realidade que nós (os militares) não conseguimos aperceber-nos. 



Por outro lado, as relações da criançada com o ambiente militar e com cada um dos militares são, aqui, mais uma vez abordadas com mestria... e do lado e do ponto de vista da criançada.

Cherno, se me leres, queria fazer-te um desafio, que é, afinal, um pedido. É sobre um aspecto que já tentei escrever. É isto: de que modo a presença da tropa, o convívio com a tropa, o conseguimento de uma certa auto-suficiência por parte dos garotos na frequência dos aquartelamentos (alimentação, algum vestuário, etc) pôs em causa a sociedade guineense (autoridade familiar, poder patriarcal,etc.).

Se o que quer que escrevesses fosse ilustrado com duas ou três histórias, seria óptimo.

Um abraço e fico agradecido,

Alberto Branquinho (*)
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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6408: (Ex)citações (57): A dolce vita de Bambadinca: Os lagostins do Zé Maria, pescados pelo barqueiro do Enxalé em "zona vermelha"... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6424: E as Nossas Palmas Vão Para... (4): O Município de Vila Nova de Famalicão no Dia Internacional dos Museus, a que se associaram dez museus, públicos e privados, incluindo o Museu da Guerra Colonial

1. Excerto de notícia publicada no Portal do Município de Vila Nova de Famalicão: 

Cultura > Dez museus celebram Dia Internacional com programa diversificado
13-05-2009

Dez espaços museológicos públicos e privados do concelho de Vila Nova de Famalicão uniram-se para celebrar o Dia Internacional dos Museus, que se assinala no próximo dia 18 de Maio, sob o lema “Museus e Turismo”.

“É o programa de comemorações do Dia Internacional dos Museus mais diversificado de sempre e também aquele que regista a maior participação dos museus de Famalicão”, conforme salientou o presidente da Câmara Municipal de Famalicão, Armindo Costa, na apresentação do programa.

As comemorações, que arrancam já no próximo sábado, dia 16, e decorrem até dia 30, incluem diversas iniciativas como visitas guiadas aos espaços em roteiros de autocarro (serviço gratuito assegurado pelo município), peças de teatro, workshops, recitais de poesia, oficinas de escrita criativa e ateliês para crianças, entre outras.
Para Armindo Costa, “a grandeza e a qualidade das iniciativas previstas não acontecem por acaso”. E explicou: “Acontecem porque os museus famalicenses são espaços de memória viva, com actividade permanente, que fazem de Famalicão um exemplo nacional na preservação e dinamização dos seus espaços museológicos”.

Neste âmbito, segundo o autarca, hoje, Famalicão afirma-se no panorama cultural nacional através do trabalho desenvolvido na Casa-Museu de Camilo, que foi eleito “Melhor Museu Português”, em 2006, mas também através das actividades promovidas no Museu Bernardino Machado, dedicado ao antigo Presidente da República, no Museu do Surrealismo, no Museu da Indústria Têxtil e no Museu dos Caminhos-de-Ferro, entre outros.

“Estamos a falar de espaços de memória viva.” “Espaços que fazem de Famalicão uma terra das artes e da cultura” referiu o edil, salientando o “trabalho realizado pela Câmara Municipal, mas também a capacidade de iniciativa dos agentes culturais locais, de que os responsáveis pelos museus particulares são um bom exemplo”. (...)
 
Esta iniciativa  merece o nosso aplauso (*). Os museus do concelho de Famalicão que participam nas comemorações do Dia Internacional são os seguintes: 

Casa-Museu Camilo Castelo Branco; 
Museu Bernardino Machado; 
Museu Ferroviário; 
Museu da Indústria Têxtil; 
Museu da Fundação Cupertino de Miranda; 
Museu de Cerâmica da Fundação Castro Alves; 
Museu de Arte Sacra de S. Tiago de Antas; 
Museu de Arte Sacra da Capela da Lapa; 
Museu do Automóvel Antigo; 
Casa-Museu Soledade Malvar; 
Museu Cívico, Cultural e Religioso de Mouquim.

2. Museu Guerra Colonial > Delegação local da ADFA

A história deste museu remonta ao ano lectivo de 1989/90, quando três dezenas de alunos,  oriundos de várias freguesias dos concelhos de Vila Nova de Famalicão, Barcelos e Braga,  participaram no projecto pedagógico-didáctico  "Guerra Colonial, uma história por contar". 

Através da metodologia da história de vida oral,  os alunos recolheram o espólio dos combatentes das suas áreas de residência. Surgiram então vários documentos como processos por morte e ferimentos em combate,  correspondência (cartas e aerogramas), histórias de unidades, diários pessoais, diários de acção social e psicológica, relatos e processos confidenciais, objectos de arte, fotografias, bibliografias, objectos religiosos, fardamento, armamento, etc. enfim todo um rico e diversificado manancial de fontes que permitiu, entre outras coisas, organizar uma exposição e nela reconstruir as "peugadas" do combatente português na guerra colonial (1961/74)

Em 1992, iniciou-se um trabalho de colaboração com a Delegação da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) de Vila Nova de Famalicão.Foram efectuados novos estudos regionais com base nos arquivos e membros desta organização. Foi ampliada a exposição com a integração de nova documentação e  materiais.   A exposição integrou diversos eventos culturais e percorreu várias localidades.
Por fim,  em Maio de 1998, foi celebrado um protocolo de colaboração entre a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Delegação da ADFA de Famalicão e Externato D. Henrique de Ruilhe de Braga, formalizando a criação do Museu da Guerra Colonial.

"O Museu rege-se pela recolha, preservação e divulgação de fontes e estudos, reformulação técnica da exposição permanente, constituição de um centro documental e o alargamento de novos estudos na região".

Localização: 
Centro Coordenador de Transportes, 
Sala 1, 
Rua Henriques Nogueira, 
4760-038 Vila Nova de Famalicão

Ingresso: Entrada Livre 
Horário: De 2ª a 6ª feira,  09h30 - 12h00 e 14h00 - 19h00
(Sábado, só com marcação prévia)
Contactos: Tel. 252 322848 e 252 376323
E-mail: info@adfa-famalicao.rcts.pt 
Sítio: Delegação local da ADFA 

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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5005: E as Nossas Palmas Vão Para... (3): Medalha de Prata de Serviços Distintos, com Palma (José Martins)