domingo, 3 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7075: Recortes de imprensa (33): A guerra do Alberto José dos Santos Antunes, ex-Fur Mil da CCaç 5 (Correio da Manhã)


1. O nosso Camarada José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos - Canjadude -, 1969/71), enviou-nos em 30 de Setembro de 2010 uma mensagem, com a apresentação e o depoimento do nosso Camarada Alberto José dos Santos Antunes, que foi Furriel Miliciano na sua Companhia, a CCAÇ 5 “Gatos Pretos” e também da sua especialidade – Transmissões de Infantaria.

Camaradas,

Estou a enviar para o Blogue, o depoimento do Gato Preto, Alberto Antunes, que vai ser publicado na revista ”Domingo” que vem anexa no Jornal Correio da Manhã (edições dos Domingos).
O Alberto Antunes quer fazer parte da nossa Tertúlia e vem solicitar que seja aceite na Tabanca Grande como membro, comprometendo-se a cumprir e respeitar as normas do blogue e a enviar a sua história de guerra.
Um abraço
José Corceiro
1.º Cabo TRMS da CCaç 5

Alberto José dos Santos Antunes, 63 anos de idade, natural de Coimbra a residir actualmente em Ançã, Concelho de Cantanhede, Distrito de Coimbra, casado, dois filhos duas netas, Ex Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria, actualmente Engenheiro aposentado do Departamento de Física Universidade de Coimbra.

Eu na recruta em Santarém > Janeiro de 1969

Em 8 de Janeiro de 1969 fui forçado a abandonar os estudos em Coimbra, para frequentar o 1º ciclo do Curso de Sargentos Milicianos, na Escola Prática de Cavalaria em Santarém.

Após tirar a Especialidade de Transmissões de Infantaria em Tavira fui colocado RAL 2 em Coimbra, mas por razões que até hoje não consegui apurar (fui parar) ao RI 8 em Braga para dar instrução a recrutas do contingente geral.

Fui mobilizado para a Guiné, sem destino definido, quando ainda me encontrava no RI 8 em Braga.

Navio Mercante Arraiolos > Utilizado no meu transporte para a Guiné

Marcado o embarque para antes do Natal de 1969, adiado para depois do Natal desse ano, embarquei no Navio Mercante Arraiolos que dispunha de sete camarotes e transportava material de guerra, tendo sido promovido a Furriel Miliciano à data de embarque, fiz a viagem com mais seis elementos da classe de sargentos.

A chegada à Guiné não foi muito surpreendente pois nunca tive ideia de encontrar uma província desenvolvida.

Tinha um lema que era “viver um dia de cada vez e pensar que o dia seguinte seria melhor que o anterior ” o que me ajudou a passar o melhor possível os 2 anos e seis dias de comissão.

Partida para o Olossato

Ao fim de vários dias a tentar saber no Comando Chefe qual era a Companhia onde iria ser colocado, recebi finalmente informação que me deveria deslocar para o Olossato, onde se encontrava a Companhia de Caçadores 2402. Informaram-me também no Comando Chefe que de madrugada sairia da Companhia de Transportes uma coluna de abastecimentos destinada a Bissorâ, lá fui de madrugada com a bagagem que tinha trazido do Continente, para o local onde partiria a coluna, apresentei-me ao Oficial Comandante da coluna e embarquei, segui para Safim seguidamente para Mansôa e depois de muitos saltos e muito pó cheguei finalmente a Bissorã, segui em coluna da Companhia, onde tinha sido colocado, que andava a fazer protecção à estrada Olossato Bissorã.

Aplicou-se aqui aquela máxima “ a tropa manda desenrascar”porque quem ia para a Guiné em rendição individual ou se desenrascava ou perdia-se.

Emblema da CCAÇ 2402

Chegado ao Olossato deparei com uma Companhia em fim de Comissão e próximo da mata do Morês local muito perigoso. Um periquito no meio dos velhinhos.

Não encontrei o Furriel de Transmissões que ia substituir, (até hoje ainda não consegui saber quem fui substituir e porquê), só encontrei o Cabo Cripto e o já falecido Cabo Ferro de Transmissões que era de Coimbra, além de outros elementos de transmissões de que não me recordo os nomes.

Mostraram-me a Secção de Transmissões e os seus elementos, depois de estar inteirado de tudo, fiz a pergunta que achava mais pertinente, para onde vamos se formos atacados? Essa sim era a minha grande preocupação no momento.

Eu em cima do abrigo destinado às transmissões > Olossato

Foi me indicado qual o abrigo destinado aos elementos de Transmissões em caso de ataque.

No dia 6 de Fevereiro de 1970, às 18,50 tive o meu baptismo de fogo, quando um grupo inimigo estimado, entre 10 a 15 elementos flagelou com morteiro 82 e armas ligeiras automáticas a povoação e o quartel do Olossato , deste ataque não resultou nenhum ferido militar, tendo a povoação de etnia balanta que realizava um casamento, sofrido 7 mortos, 36 feridos graves e 55 feridos ligeiros.

Evacuação de civis após o ataque ao Olossato

Após a contagem dos feridos a precisarem de evacuação, foi enviada uma mensagem para o Comando Chefe em Bissau que disponibilizou para o dia seguinte um avião Dakota (Douglas C-47 Skytrain) para transportar os feridos graves do Olossato para Bissau.

A minha estadia na Companhia foi curta, pois ao conferir a carga do material de transmissões verifiquei que havia muitas faltas e ao dar conhecimento ao Comandante da Companhia, o mesmo disse-me que esse material deveria estar no destacamento de Có em Teixeira Pinto ou em outros locais onde a Companhia tinha estado, que o melhor seria eu ir lá buscá-lo.

Lá vim de regresso a Bissau cumprindo ordens, pois alguém não soube guardar convenientemente o material.

Desloquei-me ao aeroporto de Bissalanca onde de vez em quando se conseguiam arranjar uns transportes mais rápidos e assim foi, um Major Piloto ia fazer um revis numa DO 27 (Dornier 27), para a zona de Teixeira Pinto e cedeu-me um lugar, mas como verificou que era eu novo por aquelas paragens resolveu pregar-me uns sustos, pois sabia onde se encontravam os poços de ar que fazem estes frágeis aviões descer uns metros e como quem pede não escolhe lá tive que segurar o meu estômago.

Chegado a Teixeira Pinto com os números de série do material, só com a boa vontade dos elementos das Companhias no locais foi possível recuperar o material na totalidade, tendo mesmo sido necessário deslocar-me sozinho com um motorista num jipe a Jolmete local onde em 20 de Abril de 1970 seriam degolados os 3 Majores e um Alferes, de regresso passei por Có onde recuperei o resto do material que era na maior parte constituído por componentes do emissor receptor ANGRC-9 , como emissores, receptores, geradores de campanha e elementos de antenas verticais entre outros.

Com o material em caixotes apanhei coluna de Có para Mansôa tendo de atravessar no Ferry no Rio Mansoa, local onde se encontra agora construída a ponte Amílcar Cabral, chegado a Bissau entreguei o material ao Alferes Brito que chefiava a Comissão liquidatária e segui para o Olossato, para fazer as malas e regressar a Bissau.

Nestas andanças consegui passar o dia do Pai 19 de Março que também é o dia dos meus anos, em Bissau.
Durante o tempo que permaneci no Olossato fui professor nas escolas regimentais que ministravam o ensino primário.

Em 24 de Abril de 1970 regressei a Bissau em coluna com dois grupos de combate da Companhia de Caçadores 2402 em fim de comissão, coluna essa comandada pelo então Capitão Vargas Cardoso.

Acompanhei o Comandante da Companhia de Caçadores 2402 ao Comando Chefe onde foi entregar a informação sobre a minha pessoa, que posteriormente consegui saber não ter abonado nada a meu favor pois em termos gerais, dizia: - “Devido ao pouco tempo da minha permanência na companhia, não tinha elementos suficientes para me classificar”, claro que não teve em conta quem andou pela Guiné a correr perigos, à procura dos rádios e outro material e transmissões perdidos.

O comandante de Companhia tinha conhecimento da gravidade da perda desse material.

Esta informação valeu-me o passaporte para outro lugar perigoso Canjadude Companhia de Caçadores 5.

Antes de partir para Canjadude fui ao Cais de Bissau onde ainda se encontrava fundeado o navio Carvalho Araújo com os elementos da C.Caç 2402 entre outros, com a finalidade de conhecimento ao Comandante da Companhia do resultado da informação que tinha prestado sobre a minha pessoa.

Não vou relatar aqui o meu encontro com o Comandante de Companhia, no navio Carvalho Araújo, por achar a conversa pouco curial.

Emblema da CCAÇ 5

A C.Caç 5 era uma companhia de guarnição normal do comando territorial Independente da Guiné (C.T.I.G.), constituída uma maioria de militares africanos, sendo os quadro dos pelotões e dos restantes serviços, prestados por militares do Continente.

A C. Caç 5 era a Companhia que se encontrava mais próxima de Madina do Boé, depois da retirada de Madina e do Ché-Ché.

Partida para Canjadude

Indicaram-me no Comando Chefe que nessa noite partia uma lancha civil do cais de Bissau com destino a Bambadinca.

No cais encontrei alguns elementos da companhia que se encontrava em Bambadinca que me foram dando algumas instruções, lá embarcamos navegamos rio Geba acima, durante a noite e a certa altura do percurso foi dito pelo comandante da lancha que os militares que se encontravam no barco, deveriam esconder-se debaixo dos oleados existentes, assim procedemos e só depois soubemos que o barulho que ouvimos quando estávamos escondidos debaixo do oleado era resultante da descarga de mantimentos para o P.A.I.G.C., pois o barco tinha encostado para descarregar .

Seguimos viagem desta vez já fora do asfixiante oleado, sentindo a certa altura o casco do barco a tocar no chão, pois a maré estava a descer.

Chegado a Bambadinca consegui transporte para Nova Lamego numa coluna de Pára-quedistas que fez o trajecto tão rápido que quase não dava para ver a estrada.

Pernoitei em Nova Lamego na delegação da companhia C.Caç 5, consegui mais uma vez transporte aéreo, desta vez porque a companhia se encontrava em operações e não podia organizar coluna a Nova Lamego, então aproveitando mais uma vez um DO 27 que ia fazer uma revisão lá segui eu de Nova Lamego para Canjadude, onde cheguei no dia 24 de Maio de 1970.

Quando cheguei à C. Caç 5 Companhia dos Gatos Pretos (Justos e Valorosos), estava a proceder-se à substituição do Comando, estando presentes dois Capitães o Capitão Borges que estava de saída e o Capitão Costeira que iria ficar a comandar a Companhia, por essa razão os meu contactos foram sempre com o Capitão Costeira que seria o Comandante da Companhia durante os 19 meses da minhas da minha comissão.

Considero o Capitão Costeira como um bom comandante, sempre atento a todos os seus homens, com que mantinha contacto constante, mantive durante toda a minha comissão um excelente relacionamento com Capitão Arnaldo Costeira.

Chegado a Canjadude estava à minha espera o Furriel Martins de Transmissões a quem eu ia substituir (José Marcelino Martins, que elaborou artigo que foi publicado nas páginas 34 e35 da revista domingo do Correio da Manhã de 11/7/10).

Foram-me apresentado os elementos da Secção de transmissões que se encontravam naquele momento na unidade bem como as instalações da secção.

Os elementos da Secção de transmissões eram intitulados os “Barões das Transmissões”.

A secção de transmissões era constituída por um Furriel de Transmissões, Cabos Telegrafistas, Cabos Transmissões e um ou dois Soldados de Transmissões, um ou dois cabos Operadores Cripto, que perfaziam um total de 10 a 15 elementos, este número de elementos estava constantemente a variar, visto a C.Caç 5 ser um Companhia constituída por elementos de rendição individual.

Dispunha a Secção de Transmissões de um posto rádio onde eram enviadas e recebidas as mensagens vindas de vários locais onde o alcance dos emissores - receptores permitiam, chegando por vezes e devido à qualidade dos nossos serviços, servir de contacto entre outras companhias e o Batalhão.

Um Centro Cripto onde se encontrava um operador cripto que encriptava e desencriptava as mensagens que lhe eram entregues.

Um Gabinete de apoio a toda a Secção onde me encontrava e onde era feita toda a logística da Secção de Transmissões.

A logística era feita por mim e pelo Cabo de trms. Armando Pinto, que me substituía na minha ausência.

Preparação da viatura de transmissões para coluna a Nova Lamego > Eu estou ao volante. Atrás do lado esquerdo 1º Cabo Trms Corceiro. Do lado direito está o condutor da viatura

Estava destinada à Secção de Transmissões uma viatura Mercedes de Caixa aberta onde no cavalete era colocado um suporte para fixação através de correias o emissor receptor AN/GRC-9 , mais ao lado era afixado o suporte de antena vertical, no lastro da viatura eram colocadas duas baterias que alimentavam o referido rádio, o operador rádio sentado num caixote comunicava com a Companhia durante os trajectos.

Como não poderia deixar de ser devido à importância que as Transmissões têm em palco de guerra a organização desta secção tinha que ser irrepreensível.

Comandei a Secção de transmissões durante cerca de 19 meses tentando durante todo esse tempo, manter um bom relacionamento, com todos os elementos.

Não posso considerar que tive muitas saídas em operações, pois devido ao meu posto só saia para o mato a nível de companhia, e essas sim eram operações de alto risco.

Posso considerar que dispunha de um grupo de homem muito bons no que faziam, reunia com eles sempre que possível, para transmitir informações, não interferia em escalas de serviço, eles organizavam as referidas escalas davam-me conhecimento.

A Secção de Transmissões da C.Caç 5 era considerada das melhores Secção de Transmissões do Batalhão sediado em Nova Lamego.

No campo de promoção cultural como professor colaborei nas escolas regimentais da 3ª classe, para permitir aos soldados a obtenção de uma melhoria das suas condições socioeconómicas.

1º Cabo Radt Alex junto à viatura acidentada na mina de 3 de Agosto de 1970

Em 3 de Agosto de 1970 preparou-se uma coluna a Nova Lamego, nesse dia também eu iria a Nova Lamego local onde se podia comer uma bifana, pela manhã viaturas perfiladas, eu já de camuflado vestido e G3 ao lado, quando surge o Cabo Armando Pinto com um ar infeliz que me diz: “ Meu Furriel desculpe mas, eu passei uma noite horrível com dor de dentes, tenho que ir a Nova Lamego ao médico” ao irmos os dois poríamos em causa a logística da Secção de Transmissões, por essa razão foi o Cabo Pinto e fiquei eu.

Fiquei como é habito a ver sair a coluna, seguidamente sai da parada fui ao Posto Rádio para saber se havia comunicações da coluna com a Companhia estava tudo normal sai do posto rádio.

Estava a sair do Posto rádio quando ouvi um forte rebentamento, barulho vindo do lado da estrada de Nova Lamego, vi logo o que se tinha passado, não sabíamos pormenores pois a mina tinha rebentado , debaixo da roda da viatura de transmissões, preparou-se nova coluna para ir ao encontro da coluna acidentada.

De Nova Lamego foi preparada uma coluna com reboque para trazer a viatura destruída, pela mina.

Momento de lazer com alguns elementos de transmissões no posto de rádio. Da esquerda para a direita: 1º Cabo Tms Pimenta, 1º Cabo Cripo Albino, 1º Cabo Trms Gaspar, Eu, 1º Cabo Trms Esteireiro, 1º Cabo Trms Pinto e 1º Cabo Radt Faria

A viatura acidentada era a Mercedes caixa aberta destinada à Secção de Transmissões, que com a roda direita accionou uma mina anti –carro.

Daqui resultou a morte imediata do Furriel Atirador Cecílio que ia de pé ao lado condutor no lugar que me era destinado, sempre que eu me deslocava na viatura, visto ser esta a viatura de transmissões.

Faleceu também neste acidente da mina o 1º Cabo Aux. Enf. Carlos Diniz que seguia na viatura de transmissões acidentada.

O rebentamento foi de tal intensidade que o rádio que se encontrava fixado à viatura foi projectado a 50 metros de distância o mesmo acontecendo às baterias de alimentação que ficaram completamente destruídas.

Ao chegar ao aquartelamento o Cabo Pinto muito assustado, ainda teve tempo para me dizer Furriel se tivesse ido nesta coluna estava agora como o Furriel Cecílio.

Felizmente aquela mina não me estava destinada “Pois a dor de dentes do Cabo Armando Pinto tinha evitado a minha ida a Nova Lamego no lugar onde ia o malogrado Furriel Cecílio ”.

Momento de lazer junto à secretaria da companhia. Em 2º plano (ao volante) Cap Costeira, atrás (pernas pendentes) Eu. Em 3º plano (da esquerda para a direita) Fur Mil Penha, Fur Mil Aman. Perestrelo. Desconheço o nome dos africanos do 1º e 4º planos

Em todas as operação em que que estive presente a que considero mais complicada foi a operação “Duas Quinas” em 11 de Fevereiro de 1971 quando a C. Caç 5 retomou o destacamento do Ché-Ché, com mais dois pelotões da C. Art. 3332, a operação teve inicio em Canjadude era composta por 4 pelotões da C. Caç 5 e dois pelotões da C. Art 3332, o deslocamento até ao destacamento do Ché-Ché fez-se muito devagar pois teve que ser picada toda a estrada, chegados ao Ché-Ché retiraram-se todas as armadilhas existentes no Cavalo de Frisa (porta móvel constituída por arame farpado e madeira) a única viatura que entrou dentro do destacamento foi a Mercedes Benz ( viatura de Transmissões).

Estava a começar a escurecer ainda se encontrava o Cabo Silva e Cabo Viriato em cima das árvores a fixar as antena ( mencionado em louvor do Comandante de Companhia que segue em anexo)para o emissor-receptor AN/GR-C9 que iria ser o nosso meio de comunicação com Canjadude, quando se ouviram rajadas de metralhadora, rapidamente desceram e protegemo-nos, verificamos que o fogo vinha da margem esquerda do Rio Corubal, ou seja do lado da já abandonada Madina do Boé, respondemos ao fogo com tiro de morteiro, tudo voltou à normalidade, mas passadas 2 horas novo ataque desta feita com armamento mais pesado, cerca de duas em duas horas até ao nascer do sol fomos atacados, cada vez o armamento era mais pesado, por fim já se ouviam viaturas de transporte do outro lado do rio.

Ainda me lembro do Capitão Costeira de ter dito antes do ataque “Antunes guarde um lugar na viatura pois eu vou ai dormir “, mas a verdade é que ninguém dormiu.

Todos desejávamos o nascer do sol pois ai surgiria o apoio aéreo já pedido durante a noite, logo que o dia começou a clarear começou a ouvir-se o regresso das viaturas do outro lado do rio, deslocamento talvez para a Guiné Conakry.

Quando o dia nasceu tivemos a triste noticia que o soldado atirador João Alberto Lopes Vilela da Companhia de Artilharia 3332 que nos acompanhava nesta operação tinha morrido com um estilhaço.

Pela manhã não surgiram os fiat’s, para bombardear o local mas sim dois T6 , destinados a proteger o helicóptero onde se deslocava o Sr. General Spínola, mais o seu ajudante de Campo Almeida Bruno, que logo que saiu do helicóptero a primeira pergunta que foi feita... (onde está o Furriel de Transmissões), feitas as apresentações e depois de se inteirarem da situação pelo Cap. Costeira, O Ajudante de Campo solicitou-me que comunicasse com os T6 que faziam protecção, que bombardeassem a margem esquerda ao que os Pilotos dos T6 responderam de imediato lançando dois rockets para o local indicado.

De regresso a Canjadude a secção de Transmissões transportou e velou na viatura que lhe estava destinada o malogrado João Alberto.

Final de operação. Em 1º plano (da esquerda para a direita) Eu, com o rádio AVP-1, Fur Mil Alves com uma metralhadora. Não me recordo do nome dos restantes elementos

Fiz outras operações na companhia mas felizmente sem contactos.

Em 22 de Julho de 1971, próximo da hora de Jantar o grupo inimigo emboscado, junto à pista de aviação fez fogo com 3 canhões sem recuo sobre o aquartelamento direccionando o seu fogo para a parte central da companhia e para as pedras uma das granadas rebentou e destruiu completamente o abrigo de metralhadora que se encontrava junto ao abrigo de Sargentos perto da pista outra entrou na enfermaria a terceira rebentou nas pedras, e a partir dos três primeiros tiros todas as granadas rebentaram nos mangueiros cortando completamente todas as antenas horizontais existentes que se encontravam fixadas nos mesmos.

As transmissões da companhia passaram-se a fazer a partir desse momento e enquanto não eram repostas as antenas destruídas, pelo rádio PRC-10 que comunicava através de uma antena vertical que felizmente só foi afectada nas espias de suporte.

Foram disparadas cerca de 60 granadas de canhão sem recuo ou sejam cerca de 20 por canhão, só se verificaram as mortes de dois soldados africanos que se encontravam de sentinela no posto por cima do abrigo dos sargentos, talvez a sua morte se deva a estilhaços resultantes rebentamento da granada que destruiu o abrigo de metralhadora.

Operação Duas Quinas > Em 1º plano deitado estou Eu. Em 2º plano (sentados da esquerda para a direita): Fur Mil Moreira e Cap Costeira. Em 2º plano (da esquerda para a direita) Fur Mil Ramos (já falecido) e 1º Cabo Trms Silva. De pé (do lado esquerdo) Alf Mil Sousa e Silva e do lado direito 1º Cabo Trms Lúcio

Durante o tempo que estive em Canjadude tentei e consegui manter-me máximo de tempo ocupado, à noite depois de jantar era a hora da bica que era tomada num bar de oficiais e sargento e cuja decoração esteve a cargo dos mesmos, e cujo nome era CHAT NOIR CLUB, pela noite fora se cantavam as canções do cancioneiro da C. Caç 5.

Tertúlia no Chat Noir Clube > Em 1º Plano (da esquerda para a direita sentados) Fur Mil Germano (já falecido), Fur Mil Vag. Agostinho, Alf Martins, de pé estou Eu e de costas o Fur Mil Caetano. Atrás do Balcão (da esquerda para a direita) Fur Mil Moreira e Fur Mil Ramos (já falecido)

Para quem gostava de jornalismo ou de escrever alguns artigos foi criado pelo o Capitão Costeira o Jornal O Gato Preto.

Eu junto à placa toponímica de Canjadude

Saí de Canjadude em fim de comissão e depois de pagar o Leitão (da praxe) assado à moda da Bairrada, no dia 4 de Dezembro de 1971, por deferência do Capitão Costeira, pois o meu substituto já se encontrava em Bissau a estagiar (o que não me foi concedido a mim quando cheguei à Guiné) e porque a Secção trabalhava quase automaticamente.

Chegada o Bissau era altura de procurar transporte para a metrópole, não havia barco, mas disseram que se quisesse poderia aproveitar o transporte em avião militar um quadrimotor Douglas C-54 Skymaster, que sairia dentro de dias.

Foi uma correria a arranjar caixote para despachar o que tinha por barco pois o avião tinha limite de bagagem.

E finalmente em 6 de Janeiro de 1972 de noite aterrei no aeroporto do Figo Maduro depois de ter feito uma escala técnica em Cabo Verde.

Não pretendo dizer que sou melhor ou pior que os outros pois cada um tem a sua maneira de sentir as situações, e perante certas situações uns choram outros riem e outros ainda não choram nem riem.

Considero que fiz amizades que ainda hoje perduram, e quando se fala com alguém que já não se vê à quase 40 anos e se consegue manter um diálogo e dar um abraço, é porque algo existe entre essas pessoas.

Nunca iria voluntário para uma guerra destas, mas depois de lá estar teria que fazer o meu melhor, pois de mim dependia muita gente.

Claro que tinha um grupo de homens bons, de que muitos não se podem orgulhar, mas esses homem tem que ter confiança em quem o chefia, tentei e tenho a certeza que consegui.

Louvor

Um abraço
Alberto Antunes
Fur Mil Trms da CCAÇ 5

__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7069: Recortes de imprensa (32): A guerra do José Casimiro Carvalho, CCAV8350 e CCAÇ 11, 1972/74 (Correio da Manhã)

Guiné 63/74 - P7074: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (12): Tempo presente, A honra aos que lutaram

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 30 de Setembro de 2010:

Caros camarigos editores
Prossigo, para vossa "tortura" na insistência de escrever em verso o que vou sentindo, neste reviver "terapêutico" das memórias de Guiné.

Quase acredito que a rima me acalma, me tranquiliza me devolve uma Guiné de paz e entendimento.

Mas para isso é preciso fazermos as pazes com o passado, para no presente conseguirmos aceitar o passado mais recente, que colocou de lado o que nós fomos, o que nós somos, o que nós sempre seremos.

Enviados fomos, mas poucos quiseram saber de nós.
Regressados chegámos, mas fomos olhados de lado.
Resolvido o conflito, mais desprezados acabámos por ser.
E vamos morrendo aos poucos, porque a hora se vai chegando.

Que ao menos nesta Tabanca Grande fique aquilo que sentimos e com verdade contamos, para que os vindouros pela nossas bocas saibam, o que nós passámos, o que vivemos, o que sem vergonha contamos, homens cansados, mas vivos, que nas nossas memórias, vamos fazendo história.

Um abraço camarigo do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

O TEMPO PRESENTE (2)

A HONRA AOS QUE LUTARAM

Tanto para recordar
nada para esquecer
que a vida é feita do tudo,
do passado e do futuro
e do presente a viver.

Contei-vos tudo,
ou talvez não,
o que vivi em tempos,
ou mesmo o que vivo agora.
Contei-vos das esperanças,
das dores do coração,
das angústias,
das revoltas,
das alegrias fugazes,
das memórias,
das saudades,
de tudo o que não fizemos
e de tudo
o que fomos ou não capazes.

Ganhou-se,
ou perdeu-se a guerra,
viveu-se um povo,
fez-se terra,
ou apenas e afinal,
de nada serviu tanta vida,
porque se por cá ainda há fome,
por lá um povo se consome
e daqueles que tombaram,
quer de um ou outro lado,
apenas se ouve a voz,
que pergunta em tom fechado:
Nós que somos só memória,
somos derrota ou vitória?

Pensava, pobre de mim,
que ao dar a conhecer,
as letras que quis escrever,
para me retratar e expor,
tudo chegaria ao fim.
Mas coitado,
sonhador,
há memórias agarradas,
que mesmo muito contadas,
não se libertam da dor,
e permanecem assim,
fundidas no coração,
que chora e se lamenta,
que se entristece e alegra,
cada vez que as recorda,
como uma parte de mim.

E penso na tal homenagem
a fazer pelo meu país,
àqueles que combateram
e se sentem desprezados.
Mas o amor ou existe,
desde a mais tenra idade,
entre os pais e os filhos,
ou não é pela força,
nem pela persuasão,
que ele se torna real,
mais verdadeiro e concreto,
mas apenas um arremedo,
uma hipocrisia ensaiada,
apenas uma imitação.

Não quero homenagens falsas,
que apenas se servem de nós,
quero que nos ouçam,
que tenhamos voz,
que saibam que demos a vida,
de vontade,
ou “empurrados”,
que fomos todos soldados,
somos filhos da Nação.

Vai-se o tempo,
vão-se os anos,
e a cada ano que passa,
somos menos “problema”.

Que importa àqueles que dormem,
o sono despreocupado,
o sono dos que não dormem,
sob a ignomínia do desprezado.

Pensei que já tinha a paz,
pensei que já nada importava,
mas levantam-se dentro de mim,
os muitos milhares de vozes,
que gritam cada vez mais alto,
pela dignidade,
pela honra,
dos muitos que então tombaram,
lá longe,
naquele calor,
e aqueles que por aqui,
vão tombando todos os dias,
porque se lhes esgota a vida,
cansada, esgotada, lutada,
à espera que um dia lhes digam:

Somos uma Nação grata,
a todos os que lutaram,
em África,terra passada.
Vinde que fazeis parte
da história deste País,
que vos chora e recorda,
juntos com os demais,
que nos tempos,
e em tempos,
de peito feito,
levantado,
e o medo feito coragem,
honraram os nossos Pais.

Monte Real, 10 de Agosto de 2010
__________

Notas de CV.

(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7030: Estórias avulsas (96): O dia em que o RAP2 esteve sob ameaça terrorista (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver

Guiné 63/74 - P7073: Notas de leitura (153): Memórias e Reflexões, de Juvenal Cabral (II) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Setembro de 2010:

Queridos amigos,
Quem, como eu tantas vezes ouviu falar em Infali Soncó, fica desvanecido pelas recordações de Juvenal Cabral. O pai do mais renomado dos fundadores do PAIGC guardou um sem número de memórias dos seus tempos de Bafatá, ao tempo em que Amílcar Cabral aqui nasceu.
Como já observou o nosso confrade Leopoldo Amado, é indispensável ter em conta os valores por que se regiam homens como Juvenal Cabral, crédulos da sua civilização e até da sua superioridade cultural.

Um abraço do
Mário


Juvenal Cabral e as suas memórias de Bafatá (2)

Beja Santos

O pai de Amílcar Cabral é uma figura típica do intelectual cabo-verdiano que estudou em Portugal, que se motivou pelas letras pátrias e que se lançou, no espírito do tempo, na defesa pública dos interesses da população cabo-verdiana, entre os anos 30 e 50. O seu livro “Memórias e Reflexões” é um depoimento do maior interesse para conhecer a têmpera de um homem culto que enaltecia a pátria portuguesa como nação colonizadora e que simultaneamente assumia a sua identidade africana e denunciava, dentro dos limites que o salazarismo consentia, os infortúnios desses ilhéus açoitados pela fome.

Já se escreveu como ele apareceu na Guiné, um quase adolescente, se atirou ao trabalho no funcionalismo em Bolama e depois como professor primário, percorrendo Cacine, Buba, Bambadinca e Bafatá. É aqui que vai nascer Amílcar Cabral. Desse período, Juvenal Cabral oferece-nos alguns dos seus melhores textos antes de regressar à ilha de Santiago. Oiçamo-lo a descrever a vila de Bafatá: “Centro comercial de primeira ordem, ergue-se em anfiteatro, risonha e próspera, no ponto em que o pequeno rio Colufi junta as suas águas às do volumoso Geba, cujas sinuosas margens foram testemunhas de interessantes acontecimentos históricos. Foi nas margens do imponente rio Geba que Infali Soncó mandou colocar arame farpado, na tentativa de impedir a passagem de embarcações e cortar todas as comunicações comerciais entre Bissau e Bafatá. Foi nas pitorescas margens desse caudaloso rio que filhos de Geba se reuniram em 1852 para planearem a revolta por meio da qual manifestaram o seu descontentamento e o seu protesto contra os prejuízos resultantes do privilégio concedido a Nicolau Monteiro de Macedo de, em exclusivo, explorar todo o comércio e navegação do rio Corubal. Foi ainda naquelas aprazíveis margens, à sombra de frondosas árvores, que a Fidalga de Fá – negra biafada, sedenta de civilização e doidamente apaixonada – se lançou nos braços do cabo-verdiano José Valério com quem, num idílio verdadeiramente rústico, celebrou o seu romance de namoro, cujo interessante epílogo foi a cedência aos portugueses de todo o território de Fá!”

A admiração de Juvenal Cabral pelo administrador Calvet de Magalhães era quase ilimitada. Exalta-o nas suas memórias como trabalhador incasável, homem de sociedade e acção que sobrepunha o interesse do serviço público ao seu próprio bem-estar. Calvet lançou-se em obras de fomento como a construção da ponte sobre o rio Colufi, e depois o mercado em estilo árabe, ao gosto dos muçulmanos. Juvenal Cabral confessa que Bafatá foi uma verdadeira escola para ele. Era professor oficial e subdelegado do Procurador da República. Recorda ainda outros administradores como Alberto Pimentel e mesmo João Barreto, autor da primeira história de Guiné. Depois espraia-se em histórias da sua vivência. É o caso de um homem que teria sido assassinado para as bandas de Selho, hoje em território do Casamansa. O administrador Saavedra Temes dirigiu-se ao local acompanhado por Juvenal, o chefe de posto aduaneiro, um amanuense e um escrivão foram de cavalo e seguiu também a filha de um régulo que vivia com o administrador. Lá foram à frente numa grande comitiva, com muitos fulas a pé, passaram por Contubo-El até chegarem a Sama Irondim. Ele escreve: não me cansei de admirar a paradisíaca beleza de alguns pontos do território da Guiné, onde jamais entrou uma enxada de lavrador para explorar, pela agricultura, as riquezas que o seu solo abençoado promete. Se toda a Guiné fosse cultivada, produziria géneros alimentícios excedentes das necessidades da metrópole, com a óptima vantagem de que Cabo Verde não teria necessidade de recorrer a Angola, quando acossados pela crise”. A chegada a Sama Irondim foi uma verdadeira apoteose. O cozinheiro levado de Bafatá preparou uma canja deliciosa. Bebido o primeiro garrafão de cinco litros, a comitiva mostrou-se ruidosa e festiva, com algumas imprecações de permeio, com os fulas a escutar tudo em silêncio. Depois o régulo pediu licença para fazer a sua festa, começou um batuque infernal. Seguiram-se alguns episódios brejeiros, como o súbito desaparecimento do administrador na companhia da filha do régulo. No dia seguinte, procedeu-se à identificação do corpo e o administrador mandou enterrar o cadáver.

O relato de uma batucada é feito com todo o fulgor: “Chegam os homens do tambor e, atrás deles, o dançarino, rapaz negro mas de formas correctas e gentis. Vem quase completamente nu mas no pescoço e nos braços ostenta argolas de metal; nos tornozelos, além de argolas, qualquer coisa de madeira cujo som, semelhando castanholas, nitidamente sobressai, a cada passo da dança, a cada passada do dançarino. Centenas de raparigas formam uma espécie de circunferência, cujo centro é o palco, onde o esbelto mancebo, num ritmo que seduz, numa agilidade que assombra, vai conquistar ovações estrondosas da plateia… ao matraquear ensurdecedor do tambor, das tábuas e das palmas, o dançarino, sobre quem incidem todos os olhares, salta de um lado para o outro, dá voltas ao recinto e baila sapateando com rapidez e perfeição… entretanto, um grupo de raparigas, num gesto que não pode dizer-se selvagem, porque foi realmente sublime e encantador, aproximam-se do seu Adónis, rodeiam-no como a um ídolo e ao mesmo tempo que dão palmas entoam uma canção, um hino de mística harmonia. Arte indígena? – Arte primitiva? Arte oriunda dos primeiros habitantes do Egipto? – Da Arábia? – Do Industão? Eu não sei…”. Esta colectânea de memórias termina com uma exaltação dos heróis da Guiné, onde aparecem nomes como Teixeira Pinto e Júdice Bicker.

As recordações cabo-verdianas são igualmente palpitantes, fazem hoje o deleite de qualquer etnógrafo ou etnólogo. Como nos parecem igualmente tocantes todos os seus textos sobre as crises e as fomes e os seus apelos para que o povo flagelado visse mitigado todo o sofrimento.

Também por isso se compreende o orgulho dos cabo-verdianos que reeditaram Juvenal Cabral para o mostrar como exemplo às gerações mais jovens, exibindo textos com importantes informações socioculturais e políticas que têm de ser lidas à luz do contexto em que foram formuladas.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7064: Notas de leitura (152): Memórias e Reflexões, de Juvenal Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 – P7072: FAP (52): Estatística das minhas missões em DO-27 e FIAT G-91 (António Martins de Matos)




1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen PilAv Res), enviou-nos, em 30 de Setembro último, a seguinte mensagem:


Caros amigos,


Deixem-me dizer-vos que fiquei deveras surpreendido com o acolhimento do meu último texto, não esperava tantas e tão amáveis palavras.


Uma coisa é certa, com os meus cabelos grisalhos, já tinha constatado que o pragmatismo por vezes tem que ser temperado com uma dose de sorrisos, caso contrário acabam por matar o mensageiro.


É verdade que o texto tinha uma tantas “armadilhas”, mas até se deu o caso de descobrirem mais “indirectas” daquelas a que me tinha proposto.


Aproveitando a oportunidade:


- Ao Manuel Marinho, as Berliets que falei faziam parte da coluna de Binta para Guidage e, ao serem abandonadas, acabaram por ser destruídas pela FAP;
- À Filomena, obrigado pelo seu comentário, foi mais que suficiente;
- Ao Hélder Valério e em relação à questão de moral levantada a propósito do napalm, ponho-lhe a seguinte questão:
Imagine-se a levar morteirada da grossa e, em desespero de causa a pedir a ajuda da FAP.
Agora imagine que eu estou à vertical do seu quartel e que, como armamento só tenho napalm.
No seu entender, que acha que deveria ser feito, onde começa e termina a moral?
- Ao Mário Pinto, manda quem tem mais qualificações, ou não é assim no dia-a-dia?
- Também constatei que não posso dizer aquela palavra começada por G, caem-me logo em cima, e no entanto desta vez só repeti o que vem descrito naquele livro que já foi apresentado numas quatro ou cinco vezes.
Que escusam de ficar descansados, eu que estive lá, ainda que por cima, que até tenho um dos meus relatórios de missão escarrapachado no tal livro (página 415), falarei do tema tantas as vezes quantas achar que devo falar.
E que fique claro, não tenho nada contra ninguém, até me prezo de ser amigo do Manuel Reis.


Mas a razão pela qual volto a escrever é outra.
AS MISSÕES DE DO-27 E FIAT G-91, E AS MISSÕES DE FIAT G91, POR SUA VEZ, DIVIDIDAS EM PLANEADAS E EM APOIO URGENTE, AO LONGO DOS MESES DA MINHA COMISSÃO
Ao consultar a minha Caderneta de Voo do tempo da Guiné e dado que uma imagem vale mais que mil palavras, achei interessante dar-lhe uma forma gráfica.


Claro que estes gráficos não mostram o esforço da FAP, apenas a minha pequena contribuição na guerra em que todos nós participámos.


Quem quiser analisar os gráficos, a algumas conclusões chegará.


Posto isto, apresento os meus dois “bonecos”:


O primeiro contem o número das minhas missões de DO-27 e Fiat G-91 ao longo dos meses de comissão;


O segundo apenas regista as missões de Fiat G91, por sua vez divididas em Planeadas e em Apoio Urgente.


Algumas dicas em relação ao primeiro gráfico:


- A laranja estão as minhas missões em Fiat-G91 e a azul as de DO-27.
- Nos meses de Nov72 e Ago73 estive de férias;
- Os mísseis Strela apareceram em Abr73;


Dicas para o segundo gráfico:

- As missões a verde eram pré-planeadas de véspera (ex. Ida a Cumbamori);
- As missões a laranja eram as solicitadas pela rede do Exército para apoio urgente;
- Em termos práticos representam o número de quartéis a quem fui dar apoio imediato;
- Quanto mais “laranja” apresentar o quadro tanto mais violenta estaria a guerra;
- Em Maio73 o apoio foi maioritariamente a Guidage e Guileje;
- Em Janeiro74 a Canquelifá e Copá.
E já agora algumas curiosidades tiradas da leitura da Caderneta de Voo:

- Os primeiros voos de DO-27 em Maio de 72 serviram para a qualificação na aeronave, aterragem em Bula, Binar e Biambe e “já estás pronto para operações”;
- 10 Junho72, primeiro transporte de pessoal, Tite, Fulacunda, Tite, os 4 passageiros viram um Tenente Periquito e ainda por cima maçarico na avioneta, iam morrendo de susto;
- 17 Junho, a minha primeira evacuação na Guiné, a Bissorã;
- 21 Junho, a primeira missão mista, estando aterrado em Guileje a descarregar material, pediram apoio urgente para um ferido em Gadamael;
- 23 Junho, piloto de longo curso, Bissau-Pirada-Bissau;
- 7 Julho, a primeira aterragem em Guidage, porcaria de pista com vacas e arame farpado;
- 8 Julho, o primeiro posto aéreo de comando, em Teixeira Pinto, para a zona da Caboiana;
- 16 Julho, dia em que andei a fazer de “fuzileiro” pelos afluentes do rio Cacheu (é uma outra história);
- 31 Julho, o meu primeiro destacamento de 1 semana em Nova Lamego.

E pronto, tenho outros gráficos que mostram a evolução diária da guerra, mas já seria abusar da vossa paciência.

Um Abraço,
António Martins de Matos
Ten PilAv da BA12
____________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7071: Parabéns a você (159): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72) (Tertúlia / Editores)

Dia 3 de Outubro de 2010. Aniversário do nosso tertuliano Hélder Valério Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), um dos camaradas que com os seus comentários nos postes, incentiva os seus autores à contínua colaboração neste Blogue de todos nós.

Tem também uma missão de consciência dos editores, sempre atento, intervindo a propósito, quando algo corre menos bem, antes mesmo de a ele recorrermos, numa antecipação oportuna e sem esperar agradecimentos. O nosso muito obrigado ao Hélder.


Seguem-se as homenagens merecidas, que alguns dos camaradas justamente lhe quiseram fazer.

1 -Postal de aniversário do casal Giselda e Miguel Pessoa




2- Assim diz
Zé Dinis


Aqui há tempos telefonou-me um gajo que eu pensava que já tinha morrido há muitos anos e estava a residir num túmulo de um monumento manuelino. De inicio não tinha qualquer esperança. Depois, o gajo convidou-me para uma viagem. Isto passou-se, vai para dois anos. O tal gajo marcou-me como ponto de encontro aquela terra de pescadores que dá pelo nome de Peniche. Desconfiado da amizade, voltei a ter Esperança.

Entretanto, de Setúbal, um gajo que lá mora, dava sinais de querer conhecer-me, porque num blogue contemporâneo temos manifestado opiniões quase coincidentes. Referi-lhe o estranho convite do famigerado navegador, embora intrigado pelo inusitado convite, ao que este outro gajo de Setúbal anuiu invejosamente: também quero ir!

Dessa forma, metem-se três mânfios a caminho de um encontro, anunciado como importante, mas de conteúdo mais ou menos reservado até chegarmos à fala.

Enquanto bolinava, lembro-me, ia a pensar em especiarias, sândalos e outras riquezas que me subsidiassem a viagem e garantissem mais-valias, desejo que se aliava ao encontro das belíssimas mulheres indianas, misteriosas, mas sorridentes e sedutoras.

Bem. Melhor: mal, pagámos um dinheirão pelo almoço que o histórico da iniciativa, através de um parente, tinha sido informado da existência de uma feitoria para o necessário repasto. Antes, porém, para garantir a autenticidade histórica, o velho marinheiro engatou duas moçoilas, lindas e provocantes, que andavam por aquelas terras marginais a ver se arranjavam teca para nos levar com elas, e solicitou-lhes que registassem o momento, através de uma máquina esquisita, que trouxe de contrabando de uma viagem ao Japão que, não se percebe porquê, a História não refere. A imagem desse momento está aí para mostrar a verdade, com os três peixinhos. Enquanto a menina se aventurava em artes de testemunhar a História, dizia o almirante de Buarcos: oh Zé, olha que a menina não tira os olhos de ti.

Tive então que chamar a atenção àquela personalidade, de que a menina sendo vesga, olhava para mim, mas só o via a ele. O que era lógico: o que andaria o Vasco da Gama a fazer em Peniche?

Decidimos juntar esforços com outros cavalheiros, para levarmos de vencida uma horrorosa carne que sobrara da última viagem ao Oriente. Foram eles: o Belarmino que, meio inexperiente ofereceu a casa no Cadaval; o Zé Brás, conhecido de várias touradas e que, com laureado prestígio mete o arado na literatura, promovendo lindas colheitas e, finalmente, mas não menos precioso, aquele que veio a guindar-se ao posto de comandante, no que se pode considerar o mais recente milagre conhecido, pois nunca fez nada, nem justificou tamanha honra, Don Jorge Y Rosalez, um conhecido traidor, que fintou a coroa espanhola para se bronzear na costa do Estoril, e brilhar no choupal conimbricence. Aqui foi decidido, por ordem de nossas excelências, que o Maia havia de escrever uns versos animadores da causa lusitana, e nós mandaríamos imprimir em doses relativamente acessíveis.

Surgiu o Grupo do Cadaval, cuja exponência já atravessa mares e oceanos através da navegação virtual. E como somos muito amigos, hoje, comunicamos ao mundo, que o tal gajo de Setúbal, o Valério, faz anos e paga a despesa.
PARABÉNS !!
JMMD



3- Vasco da Gama
Declama


Conversas esparsas num dos encontros da nossa Tabanca Grande, contactos posteriores com troca de mails sem significado especial, consultas mais profundas que íamos trocando, análise de ideias sobre a (má) governação do mundo, projectos que iam germinando até aparecerem os primeiros rebentos, obrigaram-nos a juntar ao vivo.

Assim aconteceu e em Peniche, terra de bons amigos, e lá me encontrei com o Zé Dinis e com o Hélder, o nosso querido aniversariante de hoje.

Ali nos aceitámos de imediato, em prolongadíssimo repasto, aceitando todas as nossas diferenças e comungando também de tanta coisa…

Um trio de bons camaradas: Hélder Sousa, Vasco da Gama  e José Manuel Dinis

Lá demos o pontapé de saída para a execução do primeiro projecto, reforçando-nos com mais três pesos pesados, o Belarmino, o Zé Brás e o Rosales, em reuniões e trocas de opiniões que nos conduziram ao lançamento de um livro de um nosso camarada e dando à luz o auto denominado Bando do Cadaval.

Grupo do Cadaval: Zé Dinis, Belarmino Sardinha, Vasco da Gama, Jorge Rosales, Hélder Sousa e Zé Brás

O nosso Hélder é, na minha sincera opinião, o paradigma, a norma, o exemplo do Homem bom, utilizando sempre a sinceridade e a lhaneza no trato com todos nós e levando à letra os mandamentos da nossa Tabanca Grande sobretudo no que diz respeito ao equilíbrio das suas análises, à busca de consensos no saber ouvir e no bem opinar.

Que bom é ter-te como amigo Hélder Valério de Sousa.

Do meu Buarcos lindo segue um grande abraço de parabéns e conta sempre comigo e com o restante bando, como nós contamos contigo.
Vasco A.R. da Gama




4- José Brás
Não ficou para trás


O Helder parece-me tão bom carácter que às vezes, eu que também não sou mau de todo, me espanto.
E já ia perder esta oportunidade de mais uma abraço apertado e com palmadas nas costas.
Agora as fotos. Acho que estávamos já um pouco desiquilibrados e que o Vasco ao colocá-las assim na digitalização quis dizer isso mesmo.
E não fiquem a chorar porque quando um de nós abraça outro (de nós), abraça todos no tempo e na emoção.
José Brás


5- Belarmino Sardinha
De dizer também tinha

Depois de ler os escritos, do comandante ou navegador principal VG, do trabalhador de palavras JB e do mestre de cerimónias JD, fiquei sem palavras para ilustrar o meu apreço por aquele ser amigo que hoje faz mais um risco no calendário da comissão da vida. É pois para ele que envio um grande e forte abraço de parabéns, com o desejo de um bom milenium para ajudar a superar a crise anunciada.
BS



6 - Os Editores
Esses... folgaram


Caros amigos G e MP, JMMD, VG, JB e BS, a vossa colaboração no poste de aniversário do Hélder é um exemplo a seguir por outros camaradas que queiram, à sua maneira, homenagear um aniversariante que de algum modo lhe seja mais próximo.

Para ti Hélder, um abraço da Tertúlia e um especial dos Editores, e muito obrigado por nos aturares e pela tua disponibilidade.

Os nossos desejos são de que este domingo de aniversário seja um dia feliz para ti, passado com alegria junto dos teus familiares e amigos, e que esta data seja comemorada sempre com saúde e alegria, nas próximas décadas.

Pelos Editores
CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd, poste de 3 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5046: Parabéns a você (31): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF, Piche e Bissau (1970/72) (Editores)

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7052: Parabéns a você (158): Agradecimentos à tertúlia de Coutinho e Lima e Luís Borrega

sábado, 2 de outubro de 2010

Guiné 63/74 – P7070: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (22): A morte no final da comissão, Bissau, em 3 de Outubro de 1969


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Álbum fotográfico do Albano Gomes > Foto nº 10 > "O Obus 10.5, virado à fonte, que, conjuntamente com outro instalado do lado contrário do Aquartelamento, e quando manuseados pelo Pelotão de Artilharia ali instalado, faziam Manga de Ronco" (AG). 

Fotos (e legendas): © Albano Gomes (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os  direitos reservados.


1. Mensagem de Torcato Mendonça, de 28 de Setembro último:

Assunto: Destinos


Meu Caro Camarada e Amigo [Carlos Vinhal]: 


Antes que o mês acabe vou fazer paragem na sabática. Ou seja, envio um texto lamechas na leitura apressada. O 3 de Outubro está perto. Sabes,  aquele escrito e outros estão "aquietados". Mas li este e fiquei a pensar, a recordar. São coisas que só um homem sabe bem e, se for lido em linhas e entrelinhas ou se vai lá ou, em gente de certo passado como nós, estabelecemos analogias.

Tenho ultimamente lido mais ao correr do rato. Outros paro e consumo devagar. Concordo, discordo e,  como anteriormente disse,  não comento. É pior e fica-se a remoer. Há concepções...bem não adianto mais ou... delete. A pluralidade opinativa é um valor adquirido e tem toda a razão, Felismina, de existir. Mas será extensível a tudo o que aqui aparece. O "aqui" é o blogue.

Eu nem sei se estás ao serviço ou de serviço. Parto do princípio que sim e, como quase sempre peço,  diz se chegou...basta um Ok. Quanto ao anexo é vosso e dele fazem o que quiserem.

Ainda vou tratar de uns assuntos e já é 28 de Setembro

Abraço a ti e extensível aos Editores e a Todos claro está.
Torcato

PS- Esta Bolha pode ser a uma por semana. Serei capaz? Sem compromisso,  como sempre. 

 
2.  Estórias de Mansambo II > Logo Ali, o Vazio…
por Torcato Mendonça (**)

Alegre, sorriso fácil, normal gosto por festas e bailaricos. Cresceu na planície com horizonte largo, a cidade lá muito ao fundo, e, á noite, sentado no portal da casa, olhava as luzes da cidade a tremerem devido ao calor a sair lento, lentamente da terra quente.
Planície de terra negra, fértil, terra de barros e terra mãe a dar sustento a ranchos de homens e mulheres que nela trabalhavam.
Ele trabalhava-a com carinho, mesmo com jorna magra e quando o sol se começava a querer esconder no horizonte a casa voltava.
Recebeu, através da Junta de Freguesia, a carta a dizer que teria que ir para um quartel. Carta curta, simples e a partir daquele momento estava incorporado como militar. Assim, poucos dias depois beijou a mulher, tocou-lhe ao de leve na cara a desviar a lágrima que descia.
Partiu então e por lá andou, correu, saltou, aturou berros e gritos. Nada disse, quase nada sentia a não ser o desejo de voltar. Voltar para junto da mulher, da terra negra, afagar ambas e á tardinha olhar a planície sem fim.
Um dia disseram que teria que ir para África. Onde? África e Guiné.
Ficou triste. Voltou a casa por breves dias, olhava ternamente a planície, o horizonte e com a mulher ao lado sem nada dizerem. Sentia quanto aquela aproximação seria breve. Sentiam, ele e ela, de modo diferente tudo o que os rodeava. Guiné? África? Porquê?
Voltou a despedir-se da mulher, fez-lhe uma festa no ventre e sorriu. Sorriram ambos na angústia de um destino desconhecido.
Meteram-no num barco, barco enorme, barco prenhe de militares companheiros de viagem em porão mal cheiroso e, cada vez mais nauseabundo á medida que os dias passavam. Sulcavam mares como o seu povo há séculos fazia mas, ele e outros, certamente também de pronto dispensavam. Passaram os dias, lentos e numa manhã ouviram o grito de que estava terra á vista.
Olhou e ao longe viu a neblina a levantar-se da terra. Lembrou a sua planície e rápido desviou o pensamento.
Horas depois aí estava o barco parado, a azáfama do desembarque, o calor a encharcar o corpo, a humidade a fazer-se sentir. Olhava e sentia ser tudo diferente, tudo a nada lhe dizer, tudo a levar a questionar-se o que ali fazia.
Não o deixaram gastar muito tempo, em visitas, olhares ou pensamentos. Não tardou a ser metido num batelão de nome esquisito. Ele, viaturas, caixotes enormes e, claro, os seus e outros companheiros, que aqui eram camaradas, lá seguiram viagem. Desta vez, não por mar, mas por um rio enorme acima.
Foi parar a um quartel. Chamavam àquele amontoado de casas desgastadas, barracões e buracos enormes tapados por troncos e com valas, no chão abertas, quartel. Seria um quartel ou um aquartelamento. Tudo bem para ele.
Tudo diferente, tudo estranho, onde o horizonte era já ali baço e verde, com a floresta num verde-escuro a sobressair da terra vermelha e quente.
Os amigos eram os camaradas do grupo e da Companhia. Falavam, riam, tentavam adaptar-se e afugentar para longe as recordações do seu Pais.
O tempo passava lento, tão lento que, sem por isso dar, veio a carta e nela a nova de que era pai de uma menina.
Se até aí as saídas para o mato em operações, as colunas com muitas viaturas, os tiros e rebentamentos eram a normalidade daquele estúpido viver e até a vontade de rir ou sorrir iam desaparecendo, naquele momento ficou parado, quieto, olhar vazio. Não soube o tempo que assim passou. Despertou com o vozear dos camaradas e sentiu que as forças lhe fugiam corpo abaixo, a cara a ficar molhada, os cheiros a serem os da planície, da mulher, da terra negra. Sentiu-se só, demasiado só. Sentou-se e o corpo ali e ele lá, ele a lá voltar, não sabia quem já era, que fazia ali, que tinham feito dele, porque, em tão pouco tempo, vira tanta desgraça e tanta miséria. Sentiu medo, mais medo, medo de tudo e dele também.
A partir daquele dia sentiu-se outro, mais temeroso e a desgastar-se no tempo. Tempo a passar cada vez mais lento, tão lento.
Andava cabisbaixo, diferente e fazia contas ao tempo que faltava. Quanto? Um ano, seis meses, três?
Se saía para o mato sentia-se mais fraco, sentia mais o medo, os medos que todos sentem e mais os dele.
Recebeu a notícia com certa indiferença. Ia para Bissau para tratar e cuidar de teres e haveres dos seus Camaradas da Companhia. Tinha tantos meses de comissão e nunca vira Bissau, excepto, brevemente, ao desembarcar e nem dera para ver nada. Vida de soldado era difícil.
Passados dias aí estava Bissau. Habituou-se rapidamente e reaprendeu a sorrir. Os pensamentos continuavam caminhando para a sua planície, família e os seus camaradas no mato. Como a guerra ali era diferente. Guerra só de nome e gente com risos e vidas a correrem rápidas e alegres. Muito deles em passagem para voltarem ao mato, aos medos, á vida que dispensavam.

Naquela manhã saiu alegre. Entrou no jeep, o amigo a conduzir, Bissalanca logo ali. Estrada fora ele a dizer que teria o embarque daí a dois meses. Seria?

A hiena apareceu, o jeep guinou, saiu célere da estrada, o baga-baga parou-o. Da testa escorria-lhe um ligeiro fio de sangue. Talvez o seu último pensamento tivesse chegado á planície, á terra mãe, á mulher e a sua filha…talvez…

Nenhures ou entre o Alentejo e Bissau aos 3 de Outubro de 1969
_____________

Nota de L.G.:

18 de Maio de 2010

Guiné 63/74 – P6423: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (21): Zumbidos em noite de Verão


(**) 

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/05/guine-6374-p6423-estorias-de-mansambo.html

(***) Na lista dos Mortos do Ultramar, organizada pelo portal Guerra do Ultramar, consta, no concelho de Beja, o nome de  José Francisco Gaié Casadinho, natural da freguesia de São Matias, sold da CART 2339, vítima de acidente de viação em 2 (e não 3) de Outubro de 1969. 

Guiné 63/74 - P7069: Recortes de imprensa (32): A guerra do José Casimiro Carvalho, CCAV8350 e CCAÇ 11, 1972/74 (Correio da Manhã)


1. O nosso Camarada José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 - 1972/74 -, e dos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11) - Gadamael, Guileje, Nhacra, Paúnca, enviou-nos a história da sua guerra, tal e qual foi publicada no jornal “Correio da Manhã” (edição do dia 14 de Dezembro de 2008):









Um abraço,
José Carvalho
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 e CCAÇ 11
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
27 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7042: Recortes de imprensa (31): A guerra do José Martins, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70 (Correio da Manhã)

Guiné 63/74 - P7068: In Memoriam (56): Cap Art Victor Manuel Ponte da Silva Marques (CART 3494, Xime, Agosto/Novembro de 1969) (Sousa de Castro)




O Cap Art Victor Manuel da Ponte da Silva Marques, em Quicua.Angola 1967/69, preparando-se para um jogo de futebol supostamente, vendo-se atrás o Tozé Santos.

Foto: Tozé Santos (2010) (Cortesia de Sousa de Castro)


1. Mensagem do Sousa de Castro, o nosso tertuliano mais antigo, a seguir ao Luís Graça, daí ter como  registo de matrícula, na Tabanca Grande, o nº 2...


Prezados editores,

Recebi de um nosso camarada d'armas,  Tozé Santos, que cumpriu serviço em Angola entre 1967/69,  fazendo parte da CART 1770, uma foto reproduzida em cima,  com a devida vénia, do primeiro Cmdt  (foram três) da CART 3494.

O Victor Manuel da Ponte S. Marques, que infelizmente já não se encontra no mundo dos vivos, usava muito a expressão "salta-me a cabeça"...

O Cap Art N Mº 51322811, Victor Manuel Ponte da Silva Marques, para além de ter sido o primeiro de três comandantes que passaram pela Cart 3494,  no Xime, Guiné, entre Dezembro 1971 a Agosto de 1972 tinha sido também Cmdt da CART 1770 do BART 1926 em 1967/69 em Quicua - Angola (Este batalhão, para além da CART 1770,  era composto pela CCS, CART 1769 e CART 1771).

Os outros Cmdt da Cart 3494 foram: de Agosto de 1972 a Novembro de 1972, o  Cap Art 04309164 - António José Pereira da Costa  [, nosso camarada na Tabanca ]; de Novembro de 1972 até ao final, Abril de 1974,  Cap Mil N mº 06383765 - Luciano Carvalho da Costa.


Ver aqui mais detalhes do BART 1926 (Batalhão de Artilharia 1926).

_______________

Nota de L.G.:

(*)  Último poste desta série: 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7067: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (34): Em Teixeira Pinto, círculo quase fatal

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 29 de Setembro de 2010:

Caro Amigo Carlos
Mais uma passagem de “Viagem…” que por certo não aconteceu a muitos.
Hoje, quando recordada dá vontade de rir… mas à época, foi um susto do “caraças”!!
Aqui vai e quem ler, se se imaginar no contexto, também talvez consiga pelo menos sorrir, que é do que quase todos andamos a precisar.

Um abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (34)

Teixeira Pinto - Círculo quase fatal

Nas bastantes operações que fazíamos na zona Oeste da estrada Teixeira Pinto - Cacheu (que denomino por inclusão, Balanguerês), as coisas nunca eram fáceis e por vezes tornavam-se bastante complicadas, desde logo pelo tipo de matas onde a dada altura éramos forçados a nos embrenhar, na tentativa de atingirmos os objectivos que nos tinham sido determinados e depois, por ser território de constantes movimentações inimigas.

Numa dessas ocasiões, o nosso objectivo era uma bolanha, onde o Comando supunha (sabia?) haver cultivo IN e como tal presença de população, guardada por elementos armados e nas proximidades eventualmente um acampamento.

Em Teixeira Pinto, como normalmente acontecia nessas ocasiões consideradas mais problemáticas, estavam meios aéreos de prevenção e Comando.

Depois de apeados, avançamos, os 1.º e 2.º GRCOMB, embrenhando-nos nas matas com os cuidados usuais, na esperança de não sermos detectados precocemente e emboscados.

Segundo dizíamos, caso não acontecesse nada, tínhamos que trazer ao menos uma mão cheia de vianda especial daquela área como prova de que lá tínhamos ido, não se desse o caso de termos que repetir a proeza logo de seguida, como já tinha acontecido por uma vez!!

O objectivo era na certa importante para o Comando já que o DO começou a breve trecho a dar sinal de si e... de nós, sobrevoando a zona intervaladamente em círculos, o que obrigou os banana a ficarem com perda de sinal ou tal interferência que não permitiam comunicação perceptível.

Pela tarde começou a dança e que dança, ao som de graves, agudos e secos.

O DO que por aquelas bandas esvoaçava, aparece e começa os círculos de águia apertados e a baixa altitude.

Ao meu lado, como de outras vezes, calha estar o Cancelo com o 60. Peço-lho e sigo com o olhar a granada que lhe meti pelas goelas e que ele vomitou na perfeição e trajectória prevista, próxima da vertical. Entra-me a águia no campo direccionado de visão, fazendo o seu círculo de observação alado e projéctil vomitado, aproximam-se em rota de colisão. Os meus olhos aguçam-se e ficam em bico, fixos no projéctil, todo o corpo me fica tenso, não posso fazer nada, ou por outra, posso fechar os olhos e por as mãos na cabeça para a proteger de destroços. Não o quero fazer e não o faço. Deus queira que não, rezo. Os sons da guerra parecem ter desaparecido. O olhar continua fixo. O zénite da trajectória do projéctil ocorre a dois, no máximo três metros da barriga do Dornier que continua o seu voo, indiferente, felizmente.

Nos meus ouvidos o barulho da guerra recomeça.

Se o piloto ou algum dos ocupantes se aperceberam do que se passou, devem ter apanhado um cagaço daqueles… pior do que o meu !

Esta cena, aconteceu pela tarde de 23 de Setembro 1971, na Península do Balanguerês (OP Açaimo 65).
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (33): Teixeira Pinto - Perdidos (2)