quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)


Sintra > Azenhas do Mar > Setembro de 1977 >  O Adilan, com as suas queridas “maninhas”, dez anos depois de vir da Guiné para Portugal... Fará 50 anos no dia 12 de Janeiro de 2011. E a nossa Tabanca Grande, nesse dia,  quer-lhe cantar os "Parabéns a Você!"...


1. O nosso Camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, enviou-nos, com data de 5 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:Camaradas,

Envio-vos um texto e fotos, sobre um menino balanta-mané, o JM, meu "familiar" desde 1967, quando o trouxe da Guiné e que hoje ronda os 50 anos de idade (estou mesmo velhote!).
Tentei que o relato não fosse tão extenso mas não consegui. Aliás, o tema tem bem por onde se pegar e se desenvolver.
Mas este relato limita-se a dar uma ideia do porquê da vinda do menino para Portugal e suas peripécias, do ambiente familiar que encontrou, do seu regresso à Guiné em 1978, do encontro com seus pais e do seu regresso a Portugal, onde reside atualmente.
As fotos são minhas. Não sei se acham interessante a formatização do texto do Apêndice com selos da Guiné-Bissau. Fi-lo porque este texto é quase todo composto por excertos de correspondência por mim recebida, vinda do meu JM. [ O texto que se publica segue o novo acordo ortográfico. EMR]
ADILAN, nha minino... Ou como se fica com um menino nos braços (1ª Parte)

Texto e fotos: © Manuel Joaquim (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Introdução
Durante a chamada Guerra do Ultramar (1961/74) diversas crianças vieram para Portugal, trazidas por militares em fim de comissão. Eu fui um dos que o fez e sou dos que acham que algumas destas ações são parte da história da guerra. De certeza que a minha o é. Vejamos:
Guiné, Janeiro de 1966: Este meu menino foi capturado com cerca de quatro anos, passando a conviver, no ambiente militar de Bissorã, com a CCaç 1419/ Bcaç 1857. E acabou por entrar na minha casa em 1967. Ainda cá mora.
Para contar o que se passou com nha minino (o meu menino) fui, por ele, posto à vontade. Não desvendo a sua naturalidade e, do seu nome, ficam as iniciais JMSC. É óbvio que poderá ser reconhecido por quem de mais perto lidou com ele, em Portugal e na Guiné, mas não quero facilitar o acesso à sua identidade.
Irei centrar-me em períodos ou momentos da sua vida, para mim importantes. Não irei inventar e empolar mas recordar acontecimentos e emoções. Confio na minha memória que, neste caso, tem sido muitas vezes ativada, de há 43 anos para cá.


Nha minino > Maio/1967 > No dia seguinte à sua chegada a Portugal

Uma explicação: Adilan é o nome original (balanta-mané) de JMSC. Quando tratei do registo da criança nos serviços competentes de Bissau já todos tinham esquecido o seu nome, ela incluída. Só mais tarde, uns onze anos depois, se voltou a saber como se chamava em pequenino. Por fim, e vale o que vale: vou falar de alguém muito querido que me trata por padrinho e que é irmão das minhas filhas e tio dos meus netos (tratamento familiar mútuo).
1. A causa
Bissorã, 11/ 01/ 1966. Ordem operacional para a CCaç 1419: "limpeza” da tabanca de C., trazendo a sua população para Bissorã. Ao meu grupo de combate cabe-lhe ficar em casa, aguardando o dia seguinte com a missão de organizar a recolha de toda a gente na ponte (destruída) sobre o rio Blassar, limite transitável da estrada Bissorã/Barro.
Ao início da manhã estamos no local. Segurança montada, espera-se. Até que se percebe no horizonte um movimento ondulante, tipo cobra gigante de cor indefinida, que vai ganhando forma à medida que se aproxima: sobressaem mulheres e crianças, animais diversos, alguns deles trazidos à corda, esteiras, utensílios domésticos, tudo misturado com soldados e milícias. Eles aí vêm mas não se ouve qualquer ruído.
Passam-se uns minutos e já se ouve a cobra a rastejar pelo caminho de aproximação. O barulho aumenta progressivamente e, ao dar-se o encontro, o obstáculo gerado pela falta da ponte faz a cobra dissolver-se numa mancha ruidosa, alargada e desordenada, a dirigir-se para as viaturas estacionadas no outro lado do rio (seco). Na confusão da subida para as viaturas, a algazarra de soldados e milícias contrasta com a indiferença e a resignação (ou medo disfarçado?) dos deslocados. Lá se vai arrumando tudo, com alguma dificuldade, e a coluna põe-se em marcha.
Chegados a Bissorã, ala que se faz tarde! Esvaziam-se as viaturas, a tropa vai para o aquartelamento e o povo... fica no chão, embrulhado na tralha trazida e agarrado aos animais, sem controlo aparente. Nem a milícia, que por ali ronda, parece interessada naquela gente. Talvez esteja a controlar, deve estar a cumprir missão específica. Passeio mais uma vez o olhar pelo aglomerado humano e, de repente, dou comigo a pensar: “Não há homens aqui? Só vejo um!"... No meio das mulheres e crianças está um homem, já meio velhote, com ar de perdido ou de inseguro, todo encolhido, calado. “... não conseguiram trazer mais nenhum homem da tabanca? Que estranho!... que se lixe, quero lá saber! Vamos lá mas é arrumar isto!” (as viaturas).
2. A surpresa
Assunto arrumado, dirijo-me a casa. Sim, casa. Os furriéis e 2ºs sargentos da CCaç 1419 estão aboletados numa vivenda, situada fora do aquartelamento e em ótimo estado de conservação, onde também funciona a enfermaria e posto de socorros da Companhia, no que terá sido a área comercial do edifício. Ao entrar pelo pátio das traseiras vejo um grupo todo excitado, como que formado em meia-lua, virado para uma parede. – O que é isto? – Eh pá, o Sarrico trouxe este puto do mato!
Aproximo-me e vejo um pretinho franzino, três/quatro anitos, junto à parede. Reparo no 2º sarg Sarrico, veterano da guerra em Angola, à volta do menino a tentar fazê-lo falar, sem resultado. Chama um miúdo balanta que por ali anda, para servir de intérprete. Nada. Do menino nem um pio mas vê-se que está a tremer, com os olhos arregalados e inquietos. A sua cor é indefinida, talvez acinzentada, a pele está cheia de manchas esbranquiçadas.
Nisto aparece o furriel enfermeiro, repara no aspeto da criança e faz logo um diagnóstico rápido, sentenciando:
– Olhem, ponham-no debaixo da torneira! Ele precisa de uma boa barrela!
– Ponham-no “preto!” – grita alguém da meia-lua.
Há gargalhadas dispersas. Junta-se ao grupo o 1º sarg Lageira, olha, informa-se, sussurra um sincopado “coi... ta… di… nho!” e interpela o enfermeiro:
– Oh Santos, não tens nada para estas coisas da pele? Olha como o puto está!
O Santos deve ter dito que sim e o Sarrico põe a mão na torneira que está na parede da casa, a um metro do solo e por cima da cabeça do miúdo, preparando-se para o lavar. Ao abri-la, o pretinho começa a chorar, aos berros, quando vê a água a jorrar sobre si. E, sempre a chorar, é lavado da cabeça aos pés.
O miúdo está a acalmar, parece. O Sarrico tenta de novo usar o intérprete, com expressões do tipo «não tenhas medo», «ninguém te faz mal», e pergunta-lhe o nome. E não é que o garoto responde? Com uma voz encolhida, deve ter dito Adilan. Sarrico : “Dila?” Intérprete: “A.. .dí… lan!” Sarrico: “pois, Dila”. E quanto ao nome, não se passa daqui. Ficou a dúvida.
(Obs.: Hoje consigo lembrar esta cena, com o nome Adilan incluído, por razões que aparecerão adiante no texto. Mas, na altura, toda a gente esqueceu o seu nome original, inclusive ele próprio. Não admira, é o resultado de ter passado a ser reconhecido por 'Sarrico' e assim ficar a ser chamado.)

Voltemos ao banho de torneira. Está o garoto, lavado e mais calmo, a começar a responder ao intérprete quando aparece o Santos, todo pressuroso, com um grande frasco na mão, cheio do tal produto que faz bem à pele:
– Vamos lá a isto!





Bissorã > Janeiro/1966 > Eu, na varanda da habitação dos sargentos da CCaç 1419
O enfermeiro dirige-se ao miúdo e passa-lhe a tintura pelo corpo todo. A cena torna-se patética. Com o corpo a arder, o garoto grita que nem um desalmado tentando soltar-se; alguns dão gargalhadas, outros têm um sorriso amarelo, parecendo incomodados. Eis senão quando o menino solta-se mesmo e, aos saltos que nem um cabrito, investe contra a meia-lua humana, aos berros, assustado com o que está a sentir. Parece pedir socorro. Tem razão o 1º Lageira, com o "coitadinho" de há pouco. Mas o menino não consegue fugir e, qual passarinho entre as mãos do seu captor, vai acalmando a um ritmo lento parecendo estar a tomar conta, pela primeira vez, do ambiente que o rodeia.
As conversas cruzam-se. Discute-se o acontecimento. Até que se ouve o sarg Sarrico dizer que vai cuidar da criança. Não digo nada mas o caso incomoda-me: o menino foi retirado à força da sua comunidade e, ainda por cima, numa ação de reordenamento populacional. Por onde andarão seus pais ou outros familiares?
Com a decisão do Sarrico a criança fica a viver na nossa casa. Por incrível que pareça, passados poucos dias já parece outro, a sua pele brilha num castanho claro, ele e o Sarrico parecem já ser amigos, fazem lembrar o filme “O Garoto de Charlot“. Mas esta situação só durou pouco mais de um mês.
(Obs.: Hoje sei que seus pais fugiram, deixando o filho para trás porque estava afastado deles, em companhia de outro garoto mais velho, a “trabalhar”, assustando a passarada que está sempre cheia de fome ao alvorecer. Foi apanhado de surpresa por alguém que não mais o largou. O seu companheiro conseguiu fugir.)
3. O acidente
Bissorã, 20/ 02/ 1966. Meio da tarde. Uma mulher da tabanca, com problemas no parto, precisa de ser evacuada para Bissau. Vem um helicóptero. O piloto diz ter visto um grupo suspeito, na estrada Bissorã/Bula, que lhe pareceu estar em reunião. Tal informação gera uma ordem de saída para se verificar e atuar conforme. Foi dada ao grupo de combate do sarg Sarrico.
Está um calor sufocante. O Sarrico tem a mania de andar no mato com uma granada de fumos. Não sabemos porquê. Talvez tenha medo de se perder; ele adora fotografar e é frequente vê-lo de máquina fotográfica nas mãos durante as operações. Hoje, para cúmulo, tem a granada num bolso das calças, sem arejamento. Distração ou inconsciência?
Pois é. Ao aguardar a saída, ao sol direto, a granada rebenta-lhe no bolso : PÔFF!... Queimaduras muito graves nos dedos das mãos, no baixo ventre e noutros locais alcançados pelos espirros do material químico. Aparece-nos em casa, pelo seu próprio pé a caminho da enfermaria, e uma espécie de fiozinhos de vapor branco evolam-se saindo dos farrapos do camuflado, das zonas do corpo atingidas... até da G3! Socorro possível e imediato, evacuação para Bissau. Segue-se Lisboa (HMP) e... salvou-se! Mas a morte andava por perto, não esperou muito tempo para o levar.

Final da tarde. Naquela falsa calma dorida e angustiante, alguém pergunta:
– Eh pá, e o puto? Que é que se faz com ele?.

Bem, fala-se por falar, trocam-se olhares, encolhem-se ombros e ninguém assume nada. O puto está sem o seu protetor e é precisa uma solução, de e para o imediato. Que não demora muito. Alguns soldados levam-no para a caserna, batizam-no de Sarrico, e lá ficam com ele.
Os meses vão passando, a convivência corre bem mas o miúdo é livre de frequentar a rua e a tabanca. Parece que “é de todos e não é de ninguém”. Não é mascote. Vejo-o, uma vez por outra, nos pequenos bandos de crianças que, de lata na mão, esperam pelas sobras do rancho. Não precisa de comida, quer é brincar e participar nas movimentações da miudagem. Mais dia menos dia, penso, será recuperado totalmente por alguém da família. Chego a estranhar isto não ter ainda acontecido.
4. A “emboscada”
Bissorã, finais de Outubro/66. Oito meses são passados desde o acidente que vitimou o 2º sarg  Sarrico. É alterada a disposição no terreno das forças militares do BCaç 1857 e, assim, a CCaç 1419 sai de Bissorã e vai para Mansabá. Que bela prenda, para final de comissão!
Nas vésperas da mudança, a sociedade civil local organiza um convívio para agradecer o trabalho da Companhia durante os 12 meses que permaneceu em Bissorã. Foram convidados os oficiais, os sargentos e algumas praças. Bom ambiente, muitas bebidas, bons petiscos e, com coisas destas, pouco tempo é preciso para se esquecer a razão das despedidas. Às tantas, alguém me convoca:
– Meu furriel, há para ali pessoal que quer falar consigo. Pedem p´ra ir lá.
Estranhando o despropósito do momento e da hora, bem noturna , lá vou até à porta.
– Oh nosso furriel, um favor, veja se convence o nosso capitão a deixar levar o Sarrico c´a gente p´ra Mansabá! É que ele não autoriza, já fizemos tudo e... nada! Veja lá se o convence!
Tento dizer-lhes que o capitão lá terá as suas razões... assunto complicado... não deve ser possível levar o miúdo... Mas, perante tanta insistência, não resisti:
– Está bem, estejam descansados que eu vou tentar! Esperem aí!
Pego num uísque e por ali fico bebericando, conversando e aguardando a oportunidade de cumprir o prometido. Falo com alguns camaradas sobre o assunto mas ninguém está ali para pensar nisso! O ambiente está animado, barulhento e... ,para mim, há uma resposta a dar ao pessoal que espera lá fora. Vamos lá!
Qual mensageiro da plebe castrense, já envolto em vapores etílicos, um bocado leve no andar e de fala um pouco entaramelada, lá vou eu ao encontro do capitão. De chofre, sem rodeios, em voz bem alta:
– Meu capitão, por que não deixa ir o Sarrico c´os soldados p´ra Mansabá? Estão pr´ali quase a...
Nem me deixa acabar. Com a voz ainda mais alta que a minha, atira logo:
– Oh meu caro Manuel Joaquim, responsabiliza-se por ele?
Pimba!!!... que grande martelada na tola! Inesperadamente, em décimas de segundo, os meus neurónios excitados pelo álcool (anestesiados?) devem ter decidido eu dizer, de imediato:
– Responsabilizo, pois!
O capitão, talvez surpreendido com tal resposta, engasga, pigarreia e... :
– Então está bem! Se assim é, o rapaz fica ao seu encargo a partir de agora!
– Com certeza, meu capitão! Vou já avisar o pessoal!
E não houve mais conversa! Meia volta e lá vou eu para a porta da rua ter com a malta, um pouco zonzo com o que me está a acontecer:
– Podem levar o Sarrico! A partir de agora está por vossa conta... e minha!!!
– Eh!.. bestial !!! Obrigado!!!
Caem-me em cima festejando e voltam para a caserna, rua fora, festejando... eu volto à sala para festejar, digo a alguém “ já me f... ! ” e agarro mais um uísque para me ajudar a digerir o assunto.

Lembro-me bem da saída de Bissorã, bem cedo. Pouca gente na rua, uns acenos tímidos, quase indiferença. É exceção um pequeno núcleo a protestar quando passa por ele a viatura onde segue o Sarrico. Fico surpreendido pois não imaginava tal oposição. Afinal, o miúdo tem família ali em Bissorã! E, ainda por cima, a reinvindicá-lo!
Quem diria, estava sinalizado pela família e ninguém me disse nada?! ... “ merda p`ra isto!”...
Sinto um certo mal-estar. O ruído, ou melhor, a razão daquele protesto incomoda-me: “Olha no que eu me meti! ... F...-se! ”
Lá vou matutando, inseguro e aborrecido, até Mansoa. Aqui, e a caminho de Mansabá, começo a medir verdadeiramente o problema que arranjei e que tenho de resolver!...
Sem saber como, e de um momento para o outro, fico com um menino nos braços, literalmente!

Mansabá > 1967 > Contraluz
5. A decisão
Mansabá, Novembro / 1967. O Sarrico fica a viver com os soldados, a tempo inteiro. Não quero interferir, pois eles gostam dele e tratam-no muito bem. E há também um pequeno grupo responsável pelo seu bem-estar. Do meu lado sucedem-se algumas conversas com o capitão, à procura de uma possível saída para resolver o meu problema.
Passa-se o tempo e nada, nem sim nem sopas. Depois de tudo o que aconteceu, só vejo uma solução para resolver o caso, ética e moralmente aceitável para mim. É levar o garoto para Portugal.
Decisão tomada, vou informar o capitão e, para grande surpresa minha, ouvi-lhe um “não esperava outra coisa”! A seguir, dirijo-me à caserna e dou a notícia aos cuidadores:
– Está resolvido, vou levar o Sarrico comigo para a metrópole! Tratem-no bem, digam-lhe que irei tomar conta dele e que vai gostar muito de estar comigo. Quero que me veja como seu protetor, como a sua segurança quando vocês o deixarem.
Com esta minha decisão há, de novo, festa na caserna. E eu sinto-me confortado, pacificado.
Os dias passam. Não sei o que vai na cabeça do, agora, nha minino. É um menino muito bem tratado por todos. Para já quero que me veja como uma espécie de figura mágica que o pode proteger. Vê-me de longe, não me aproximo, de vez em quando calha trocarmos olhares, deve sentir o carinho do meu olhar, talvez.

Mansabá > 1967 > Vista, de dentro do quartel, de parte da tabanca (W). Em 1º plano nota- se a cobertura de um abrigo

Mansabá, Abril de 1967. Passaram-se cinco meses. É preciso regularizar a situação civil do Sarrico e preparar a sua viagem para Lisboa, prevista para o fim do mês. Vou a Bissau: (i) registá-lo com um nome cujas iniciais são JMSC (cada uma delas corresponde também à inicial de outros nomes: o meu, de meu pai, da sua tabanca natal, de quem o capturou); (ii) autenticar um Termo de Responsabilidade sobre a criança; (iii) obter autorização da PIDE para a viagem; (iiii) comprar a respetiva passagem marítima. Tudo resolvido, regresso a Mansabá. «O Sarrico vai c´a gente!», grita-se na caserna.

Mansabá > 1967 > Regresso das tarefas agrícolas, ao fim da tarde

Bissau, finais de Abril /1967. Adeus Mansabá, olá Bissau! Matam-se saudades das ostras e doutros petiscos (nos três primeiros meses de comissão a CCaç 1419 esteve colocada em Bissau). O dia do embarque aproxima-se. Vai-se à procura de roupa para o menino que fica todo boneco, uma beleza. O pessoal rejubila. E é nesta altura, nas compras, que tenho o que se pode chamar um verdadeiro primeiro contacto físico, afetivo, com o balantinha-mané mas durante pouco tempo, o tempo das compras. Só lhe volto a tocar em Abrantes.

6. Portugal
Lisboa, 9 de Maio de 1967. Cais da Rocha: o UIGE despeja a carga, a alegria anda estampada nos rostos dos militares, de seus familiares e amigos.
Menos efusivo do que antes imaginava, desço as escadas do navio e vou ao encontro da namorada. Um pouco depois nha minino passa junto de nós, todo apinocado e acompanhado por alguns soldados. A minha futura sogra exclama “Olha ali um pretinho tão giro!”.
Digo com alguma indiferença “irão vê-lo muitas vezes” e vejo que não me percebem. É que eu não disse nada a ninguém! A ninguém mesmo!
Segue-se a viagem de comboio para o RI 2, em Abrantes. Só aqui, na hora das despedidas, acontece a entrega do menino. Lágrimas e abraços a selar o momento. Assiste um amigo de Pombal que ali está de carro para nos recolher, a mim e a outro militar lá da terra. A surpresa é grande quando percebe que há mais um passageiro, e que passageiro!
A caminho de Pombal, a primeira paragem é na minha casa, numa aldeia chamada Casal Novo. Minha mãe está sozinha: meu pai está em França, meu irmão mais novo também e o outro irmão está em Moçambique, já recuperado de ferimentos em combate, a cumprir os meses finais de comissão na cidade da Beira. (Como a mãe deve ter sofrido com dois filhos na guerra, em simultâneo durante mais de um ano, e um outro fugido em França!)
Alegria a rodos, vamos todos casa adentro. Saltam um chouriço e uma garrafa de vinho, o menino é motivo de conversa mas não diz uma palavra. Está sentado numa cadeira, hirto, afastado da mesa, como que olhando para o vazio. Vêm as despedidas, sai-se para a rua mas ele ficou onde estava. Minha mãe, que ficou à porta, nota a falta da criança e exclama: “Então não levam o menino?!!!”.
Ficam como que assarapantados com a pergunta mas, de imediato, lhes digo: “Não lhe disse nada!” e para ela: “O menino fica comigo!”. Fica de boca aberta, não quer acreditar, e há mais uns minutos de conversa motivada pelas circunstâncias.
Ao reentrar, verifico que ele está sentado no mesmo sítio. Olha-me calmamente, agora sinto que me olha mesmo! Espantam-me a calma e a confiança que aparenta. Belo trabalho dos soldados, só pode ser. Tentamos conversar. O seu português é tosco mas lá nos entendemos.
Vamos comer mais alguma coisa enquanto minha mãe vai recuperando da surpresa e do espanto. Depois, o sono vem depressa ao seu encontro e já não acordou antes de ser levado para a cama. Minha mãe quer perceber o que aconteceu para ter, assim, um menino em casa. E que menino! A conversa prolonga-se.
Acordo, bem tarde, no dia seguinte. Estavam os dois, no quintal, a tratar das galinhas e doutra bicharada. “Maravilha!, sucedeu química entre eles!” – penso. E diz a minha mãe:
– Queres saber? Logo de manhãzinha fui chamar as vizinhas: “querem ver a prenda que o meu Manel me trouxe da Guiné?” Olha, vieram a correr e abri-lhes a porta do quarto, só se via uma bola preta, assim a cara, com duas coisas mais claras, assim os olhos, e elas não sabiam o que era! Abri um pouco as cortinas da janela para verem melhor e nem imaginas como ficaram! Ele estava acordado, muito quietinho de olhos arregalados, só com a cabeça fora dos lençóis!
Bela cena! Começo a sentir-me bem, verdadeiramente.

Pombal > Casal Novo > Maio/1967 > Os primeiros passos de corrida para o domínio do espaço da aldeia
7. A integração
Situada perto de Pombal, Casal Novo é aldeia pequena mas a notícia da chegada de um pretito da Guiné espalha-se facilmente para lá da aldeia. Será conveniente fazer algum tipo de apresentação social e, para o efeito, nada melhor que aproveitar a missa dominical.
Assim, a 14 de Maio e à saída da missa, lá estou no largo da igreja paroquial de Santiago de Litém com o meu pequenino JM. A apresentação é um sucesso, para mim e para ele. Muito seguro de si, pose empertigada, é alvo de grande curiosidade.
Aproveito a ocasião e vou apresentá-lo ao pároco, que fica encantado. Interessa-me motivá-lo para me ajudar na integração social da criança. Vem à baila a educação religiosa e, logo ali, fica decidido que o menino será batizado.
Resolvo comunicar ao padre a minha intenção de realizar, na igreja local, o meu casamento. Aponto para finais de Agosto. E surge a ideia, que até é do padre: por que não realizar o casamento e o batizado na mesma altura? Acho interessante, ótimo mesmo, mas preciso do acordo da noiva (que veio a concordar).
Para criar vínculos familiares combinou-se que meu pai seria o padrinho de batismo e a noiva seria a madrinha. E em 20 de Agosto de 1967, a seguir ao meu casamento, realiza-se o batizado do menino JMSC. E assim ficamos todos seus padrinhos, diretamente ou por afinidade.



Pombal > Santiago de Litém > Agosto/1967 > Um casamento e um batizado, três meses após a chegada da Guiné

Após o casamento vou morar para Rio de Mouro (Sintra) e deixo o menino com meus pais. Já está decidido, ficará com minha mãe (meu pai trabalha em França) e em Outubro irá frequentar a escola da aldeia.
É a melhor solução pois, sendo eu professor titular de um lugar de escola perto da Figueira da Foz (não consegui transferência atempada para a área de Lisboa, onde a esposa trabalha), será difícil tomar conta do miúdo.
Assim a maior parte dos nossos fins-de-semana, durante o ano letivo, irá passar-se na minha casa paterna. E, para ajudar, nota-se uma enorme empatia entre ele e a agora “madrinha”, a minha mãe.
Na escola a integração é rápida, torna-se um dos melhores alunos, desde a primeira classe. Assim, no ano seguinte, apesar de eu ficar colocado na Amadora, opta-se pela sua não mudança de escola.
Na aldeia é muito querido por toda a gente e, nos seus tempos livres, é vê-lo a participar em pequenas tarefas rurais, as mais diversas, tanto nas da sua casa como nas dos vizinhos. Esta situação dura quase quatro anos e termina pelo Natal/1970, quando meus pais resolvem viver juntos em Paris.

Agualva-Cacém, 1971. Em Janeiro, o JM vem viver comigo. O afastamento da aldeia não esfria as relações com seus habitantes pois grande parte das suas férias escolares futuras será lá que a passa, participando ativamente na vida social local.
A chegada dele coincide com o aumento da família. A uma menina com dois anos e meio está quase a juntar-se uma outra. Nasce um mês depois. Ele é o seu “irmão mais velho” , elas assim o vêem e ele assim o sente. Elas são as suas “manas”.
E temos agora um rapaz prestes a entrar na adolescência, num ambiente totalmente diferente, tanto familiar como social.
Segue o percurso escolar sem sobressaltos de qualquer espécie até ao 25 de Abril. Mais cedo do que eu pensava, e na sequência da Revolução de Abril que o apanha com 13 anos, ele começa a prestar muita atenção ao que se passa na Guiné.
É verdade que sempre tentei criar nele laços afetivos com o seu país natal, ajudando-o a criar e a manter um sentimento de pertença às suas gentes e a um espaço que é seu por nascimento, mas não lhe tinha notado nenhum interesse especial no assunto.


Agualva > Cacém > No carnaval de 1973 > Com a madrinha, passeando as “manas”

8. O regresso
A independência da Guiné-Bissau é para ele uma coisa normal, estava preparado para tal. Sente-se bem com o facto. Há muito tempo que lhe venho dizendo para não menosprezar os estudos pois poderiam ser importantes para vir a ajudar, um dia, o seu país, assim mesmo, o seu país.
Os anos vão passando e a Guiné-Bissau torna-se um chamariz irresistível. Devo ter contribuído para isso, não medindo as palavras para elogiar seu povo e suas belezas naturais, o aroma e o sabor dos frutos, o paladar de um bom chabéu; para recordar o faiscar furioso dos relâmpagos com o ribombar ensurdecedor dos trovões, os cheiros fortes, mesmo excessivos, da floresta húmida e os suaves aromas vindos da savana seca no cacimbo da madrugada; para referir a beleza de um batuque, os sorrisos das crianças e a dignidade dos velhos, a cultura da sua gente. Talvez eu tenha pecado por não o alertar para as coisas más e desagradáveis que também existiam, e que seriam muitas.
Também nunca lhe menti sobre seus pais. Podia ter dito que tinham morrido mas digo-lhe que tanto podem estar mortos como terem fugido no momento em que ele foi apanhado. A verdade é que ele acredita mais na morte deles do que eu. Tento deixar-lhe entreaberta a porta da esperança, sempre.
Ao acabar o nono ano, em 1977, o rapaz pensa em voltar à Guiné. Começo a procurar maneira de lhe fazer a vontade. E, em Setembro, consegue-se lugar num avião militar português.
Temos então o JM a despedir-se dos amigos, dos familiares e do pessoal da(s) aldeia(s) com quem conviveu nos primeiros anos portugueses e onde passava férias escolares nos últimos cinco anos. Prendas arrumadas, enxoval emalado, despedidas lacrimosas e , na data marcada, ida para o aeroporto. Na manhã seguinte, estava-me a bater à porta!
– Então? !!! - pergunto, muito admirado.
– Pifou tudo, padrinho! Ao preparar o embarque, e ao verem a minha idade, perguntaram-me quem é que estava em Bissau à minha espera. Como não sei o nome de ninguém, disse-lhes que era o PAIGC e eles responderam-me que PAIGC é muita gente, não serve.
Fico espantado. Estava tudo tratado, o cônsul da Guiné-Bissau até tinha ajudado a conseguir esta boleia e... afinal, cá temos o rapaz de novo em casa! Ele pode estar frustrado mas para a família cá de casa não há problema. As suas “maninhas” têm seis e nove anos, gostam muito dele e ficam todas contentes.


Sintra > Azenhas do Mar > Setembro/1977 > Na véspera da partida (falhada) para a Guiné, num passeio de despedida com as suas queridas “maninhas”

Retoma-se o processo, tentando não haver falhas. O Consulado guineense assume a orientação e eu apresento-lhes uma espécie de curriculum vitae do JM, com um relato das circunstâncias que me tinham levado a trazê-lo para Portugal. Não demorou a sua aprovação.
Agora só falta comprar a passagem e querem que seja eu a fazê-lo. Perante a minha recusa, o governo de Bissau paga-lhe a viagem na TAP e lá vai ele a caminho da Guiné, agora sim, recomendado a uma figura destacada do PAIGC. Estamos em Janeiro/1978, fez há pouco 17 anos e tem quase 11 de vida em Portugal.
Muito bem recebido em Bissau, a Organização do PAIGC toma conta dele, garante-lhe residência e alimentação até ter emprego. Retoma os estudos. E começa uma nova etapa da sua vida, sozinho, às vezes inseguro mas maravilhado com o novo mundo que lhe aparece, cheio de esperança e entusiasmo.
9. Os anos de Guiné
Razões várias me levam a não fazer grandes referências ao percurso do JM na Guiné-Bissau, quer por princípio quer por respeito pela sua privacidade, não só a pessoal mas também a cívica.
Continua a estudar, integra-se na vida política como militante da JAAC (Juventude Africana Amílcar Cabral), trabalha na administração pública. Sozinho, sem família nem “padrinhos”, vai marcando o seu lugar.
(Obs.: O regresso do JM à Guiné natal vai criar-lhe um natural desejo de saber da situação dos seus pais. Estariam vivos? Como irá ele reagir, que sentimentos vai ter de enfrentar? Que tipo de emoções vai sentir? É sobre tudo isto que, em Apêndice, ele vai ”falar” através da correspondência que me dirigiu.)

A certa altura é escolhido para frequentar o Instituto Superior Karl Marx, de Berlim, na então República Democrática Alemã, na área de formação administrativa e política ou coisa parecida. E assim, alguns anos depois, cá temos o rapaz outra vez na Europa mas, infelizmente, gora-se a espectativa de uma passagem por Portugal.

Alemanha ( RDA ) > 1986 > Convivendo

Acabado o curso, regressa a Bissau.
A Guiné que ele tinha deixado estava a começar a resvalar para o que, na altura, ninguém imaginaria. Mas os sinais já lá estavam. A propósito diz-nos, em Agosto de 1986:

Como é do vosso conhecimento as coisas por cá não vão lá muito “católicas”. (...) os vencimentos mal chegam para um indivíduo comer - a inflação é galopante e, quando assim é, o pessoal (...) e reclama, outros lembram-se dos bons velhos tempos do colonialismo em que havia de tudo (...), outros ainda só pensam em emigrar (...) situação não muito alarmante mas que precisa duma certa atenção por parte das entidades responsáveis (...).

A sua atividade laboral desenvolve-se na área política, tendo nos anos seguintes trabalhado em diversos gabinetes ministeriais.
Entretanto, surge-lhe a oportunidade, que não perdeu, de vir passar seis meses em Portugal. Ótimo para matar saudades, cada vez maiores, da sua família portuguesa. E ei-lo de volta a Lisboa, a Agualva-Cacém e ao seu Casal Novo. Estamos em 1990, treze anos depois do seu regresso à Guiné, e temos o nosso JM de novo em Portugal e nos ambientes da sua infância e adolescência.
10. A reviravolta
A sua visita é uma grande alegria, para ele e para todos os seus familiares portugueses. Chega radiante e anda cada vez mais radiante. Aproveita para renovar o seu Bilhete de Identidade português. Não quer regressar sem este documento pois a vida social e política na Guiné começa a dar sinais de instabilidade. Tem alguns pressentimentos desagradáveis, está bem colocado para se dar conta disso. Infelizmente virão a concretizar-se e a um nível difícil de imaginar, naquela altura. Apesar de tudo, JM faz planos para desenvolver atividade económica em Bissau. Mas o destino baralha-lhe os planos. Um problema surge na Conservatória, não lhe aceitam o processo de renovação do B.I.
É verdade, tudo tinha mudado para casos como o dele. O que tem de fazer, agora, é pedir a recuperação da nacionalidade portuguesa. Tem direito a esta se tiver residido em Portugal, em permanência, num determinado período imediatamente anterior a 25 de Abril de 1974 (cinco anos?).
Ora bem, não há problema nenhum, é fácil provar a sua residência pois tinha frequentado a escola pública durante todo aquele período, há registos oficiais disponíveis e credíveis. Pois é… é fácil, mas a entrega do B.I. só acontece passados dois anos. Dois anos!!! Por isso não voltou a Bissau na data prevista, tendo por cá ficado à espera do B.I.
Entretanto, a instabilidade política e a degradação económica da Guiné vão aumentando rapidamente e afastam, cada vez mais, a ideia de regresso. Surgem mais razões para diluir esta ideia: confirma que a sua ligação afetiva à família portuguesa é muito grande e envolve-se sentimentalmente com quem, mais tarde, contrairá casamento e será mãe dos seus filhos.
Apesar de adorar a sua Guiné, sempre interessado e preocupado com o que lá se passa, também se sente muito bem como cidadão português. Para além da família constituída há relações fortes com muita gente, com os locais portugueses onde cresceu e com a outra sua “família” que o acompanhou nesse crescimento. Sem esquecer os ex-militares da CCaç 1419 que tomaram conta dele, desde Bissorã até Abrantes, com quem se encontra anualmente, de há 18 anos para cá. Não mais regressou.
11. Epílogo
Está no fim esta narrativa, feita sem outro objetivo que não o de referenciar momentos e aspetos da vida de um homem que, desde os seus 4 anos de idade, se podem caraterizar como especiais e o de dar a conhecer um outro lado da guerra colonial que criou afetos que perduram, pelo menos enquanto forem vivos os seus intervenientes.
Há ainda um acontecimento importante a referir, o reencontro de JM com seus pais.
Este acontecimento poderia integrar um processo de análise das possibilidades de reintegração de alguém que tenha sido afastado da sua família natural, nomeadamente quando esse alguém é uma criança nos seus primeiros anos de vida. Poder-se-á pensar que o processo é simples. Tudo leva a crer que só excecionalmente o será.
Este caso de um menino de quatro anos retirado, à força, da sua família e do mato da Guiné e catapultado para uma sociedade europeia, mesmo que seja rural-portuguesa, pode dizer alguma coisa sobre o assunto. Não esquecer que este é um caso inserido numa guerra, o que também o torna especial.
A seguir, em apêndice, JMSC relata os momentos que (e como) viveu aquando (e a partir) do reencontro com seus pais, quase doze anos depois da sua separação. São relatos,  a quente,  de sentimentos e sensações que, na altura, muito mexeram com ele e connosco, seus familiares em Portugal. E, no meu caso, ainda hoje. A composição deste Apêndice mostrou-mo.
(continua)


Um abraço,
Manuel Joaquim
Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419

Fotos: © Manuel Joaquim (2010). Todos os direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7260: Blogoterapia (166): Virar as costas sem se despedir (José Eduardo Alves)

Maria da Conceição, esposa do nosso camarada José Eduardo Alves, no meio dos miúdos de Mampatá.


1. Mensagem de José Eduardo Alves, (Leça) *, ex-Condutor da Cart 6250, Mampatá, 1972/74, com data de 9 de Novembro de 2010:

Caros editores e amigos
Sinto no escrever de muitos camaradas do blogue uma frustração pelo que aqui vou exprimir a minha opinião.

No dia que cheguei à Guiné, olhei à volta e pensei: Que venho aqui eu fazer, isto não é meu para eu defender - olhei à volta e não podia ver nada amarelo, era tempo fraco e quase tudo que era amarelo, não prestava.
Talvez me enganasse, mas estava convicto, passaram-se 26 meses, chegou a hora da partida, que alegria, finalmente ia recomeçar vida nova.

Passaram 35 anos, olhei para trás e disse:
- Afinal deixei amigos na Guiné e não me despedi deles, quando embarquei eram 23 horas, noite escura, olhei para trás e não vi ninguém.

Falei com camaradas que também lá estiveram e um deles disse-me:
- A mim aconteceu o mesmo ou quase, quando embarquei estava nevoeiro, mas depois fui lá de propósito despedir-me.

Então eu fui lá encontrar os meus amigos, partir mantanha.

Voltei e vou novamente.

O que se encontra lá, é o que a Catarina Furtado encontrou, aquilo que semeámos e a verdadeira simpatia daquela gente. Acho que faz falta a muitos irem lá despedir-se dos amigos e verificar que não temos inimigos na Guiné.

Caros editores, se não tiver interesse fica a intenção.

Uum abraço do tamanho dos meus braços para todo o blogue.
J. Eduardo Alves ( Leça )
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4458: Bem-vindo, Comandante Marcelino! Obrigado por ter tomado conta de mim na Guiné (José Eduardo Alves)

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7195: Blogoterapia (165): A geração da guerra (Joaquim mexia Alves)

Guiné 63/74 - P7259: Notas de leitura (168): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
As memórias do Luís Cabral chegaram ao fim.
Passo agora para a crónica dos feitos dos fuzileiros.
Até 17, não desarmo. Depois, lembrem-se de mim enquanto percorro os itinerários por onde andei. Vou falar com a lavadeira do Jaime Machado, procurar os amigos do Torcato, comprar uma morança em Finete para o Jorge Cabral (mais dama de companhia e duas meninas para ir às compras), levo roupa para bebés, o Humberto Reis já me anunciou que tem vários quilos de esferográficas e lápis para a escola de Bambadinca. É bom sentir que estamos vivos e enternecidos. Contem comigo se houver encomendas pequenas. Ninguém pode viajar com mais de 23 kg e um saco de mão (neste levo todos os livros que pretendo oferecer), não se esqueçam.

Um abraço do
Mário



“Crónica da Libertação” (5), por Luís Cabral

Beja Santos

Do ataque a Conacri ao assassinato de Amílcar Cabral

A nova realidade a partir de 1970 eram os foguetões, o jato do povo. Mansoa, a cerca de 60 quilómetros de Bissau, foi o primeiro aquartelamento a experimentar a nova arma. Os comandantes eram Manecas e Baro, originários de Cabo Verde. 

Por essa época, tinha-se ganho a consciência de que o PAIGC adquirira uma grande capacidade de lutar e vencer. Por isso, os militares do Estado-Maior, em Bissau, planearam uma destruição do PAIGC dentro da República da Guiné. Escreve Luís Cabral: 

“Esta aventura sem precedentes na história africana contemporânea foi cuidadosamente preparada por Spínola. Apoiados por representantes em Conacri de outros países da Europa Ocidental interessados na queda do regime de Sekou Touré, este plano, que seria executado com a cumplicidade de altas personalidades do Governo e do Exército guineense, não tinha, segundo a opinião dos seus organizadores, qualquer hipótese de falhar”. 

São hoje sobejamente conhecidas as fases do ataque e a orgânica do seu planeamento. Houve desaires inesperados, resistência, desencontros e deserções. Tudo conjugado, a situação internacional ainda se tornou mais hostil com o regime de Lisboa.

Depois de descrever os redobrados ataques ao Morés e um grave acidente em que se afundou um barco do PAIGC no porto de Boké, o autor refere o novo encontro de Amílcar com os dirigentes do partido, a seguir ao ataque a Conacri. Era crucial mexer nas estruturas, alterar os estatutos do partido, encontrar novas orientações para o Partido-Estado. Para Amílcar, a situação tinha carácter temporário, na devida altura haveria uma separação entre funções partidárias e funções estatais. Foi criado o Conselho Superior da Luta, de onde se elegeria o Comité Executivo da Luta e este órgão incluiria os Membros do Conselho de Guerra, o Secretário-Geral, os Comités Nacionais das Regiões Libertadas do Norte e do Sul e os Comandos das três Frentes. 

Houve referências muito directas à vida pessoal dos quadros e dirigentes do partido e a certa altura terá ido directo ao assunto: 

“Ninguém dorme à noite como bom militante e se levanta de manhã disposto a trair, disse o Secretário-Geral. As condições muitas vezes subjectivas que levam o quadro à traição vão-se acumulando pouco a pouco sem que ele tenha sequer consciência disso. Até que um belo dia sente que tem todas as razões para ser contra o partido ou contra a sua direcção”. 

Amílcar mostrava-se muito crítico sobre o comportamento de alguns dirigentes e justificou algumas desorientações pelas características da luta: grandes distâncias, carências de meios de comunicação, sérias dificuldades numa verdadeira coordenação das forças ao nível nacional.

Nas páginas seguintes, Luís Cabral dá conta da vida organizativa do PAIGC a partir do Senegal. Mais adiante, refere os acontecimentos de 20 de Abril de 1970, em que, em pleno chão manjaco morreram três majores, um alferes e alguns acompanhantes. Para Cabral tinha sido urdido um plano para levar uma parte significativa das forças do PAIGC na região entregar-se às autoridades portuguesas. André Gomes, o dirigente local, limitara-se a dirigir fogo sobre os oficiais. Como se sabe, esta versão é uma descarada mentira, os oficiais foram pura e simplesmente chacinados, não ofereceram qualquer resistência, vinham parlamentar e foram retalhados com armas brancas.

Os relatos seguintes prendem-se a acontecimentos vividos por Luís Cabral na região de Zinguichor. Depois relata a vinda a territórios libertados de uma missão especial da Comissão de Descolonização da ONU. Não deixa de aludir à passagem por Zinguichor de dirigentes fugidos da colónia como Momo Turé e Aristides Barbosa, que faziam parte do grupo de Rafael Barbosa. Para Luís Cabral, Momo era conhecido pelas suas actividades contra o partido (que tipo de actividades e com que práticas de sabotagem, nunca ficamos a saber).

Iniciou-se um processo eleitoral para seleccionar os candidatos a conselheiros regionais, e Cabral considera que todo este processo deu alento à consulta popular que veio a desaguar na declaração unilateral de independência, em 1973. De 1972 para 1973, aumentou a projecção internacional de Amílcar Cabral, presente em conferências em três continentes. A ONU, através de uma resolução adoptada pelo Conselho de Segurança, consagrou o reconhecimento do PAIGC como representante legítimo da Guiné e Cabo Verde. 

Em Moscovo, Amílcar Cabral obteve armamento susceptível de destruir a Força Aérea, os mísseis denominados Strela. No regresso, Amílcar encontra-se com Luís e confessa-lhe que há problemas graves nas fileiras do partido. Na noite de 31 de Dezembro, Cabral dirigiu a tradicional mensagem de Ano Novo aos combatentes. Referiu-se às eleições para Assembleia Nacional Popular e à necessidade de proceder a modificações na estrutura da direcção do partido com o fim de dar a um certo número de camaradas a possibilidade de se dedicarem inteiramente ao desenvolvimento da luta das ilhas de Cabo Verde.

No fim da tarde de 21 de Janeiro de 1973, Luís Cabral chegou a Dakar, vindo de Zinguichor. É aí que recebeu a notícia do assassinato de Amílcar, na véspera. Em estado de choque, recebe pêsames de representantes do Governo, dos seus familiares, dos colaboradores mais íntimos. Recordou a sua infância e juventude e tudo quanto devia ao irmão, não lhe saia da mente aquela inteligência viva, a sua infatigável capacidade de trabalho, a sua alegria de viver. São páginas de saudade incontida, é impossível lê-las a não ser com profundo respeito e aceitar a sinceridade da dedicação. Por exemplo: 

“Era espantoso como conseguia fixar os nomes dos seus camaradas. Podia passar meses sem ver um combatente, mas ao reencontrá-lo na sua base ou na fronteira, chamava-o quase sempre pelo seu nome. Se tratasse de alguém que vira doente ou ferido, num hospital, queria logo saber da sua saúde com o sincero interesse que consagrava à vida de cada militante do partido, de cada elemento da nossa população”.

Luís Cabral parte para Conacri, não sem antes ter feito uma declaração dizendo que o crime não poderia parar o avanço da luta que ia continuar vitoriosamente. E termina: 

“Fui surpreendido pelas minhas próprias palavras. E compreendi que não podia haver dúvidas de que o partido de Amílcar Cabral seria capaz de ultrapassar a maior prova da sua história. Nós, seus companheiros, tínhamos de encontrar forças para serrar fileiras, e, no caminho por ele traçado, levar o partido e os nossos povos para as vitórias por ele tantas vezes anunciadas”.

É um livro muito importante, não se pode descurar este entusiasmo e esta devoção a Amílcar Cabral. O PAIGC, goste-se ou não, foi edificado à semelhança da imagem que lhe deu Amílcar Cabral. Foi esta a sua grandeza, foi esta a contingência de tanta ambiguidade e das roturas que chegaram, não muito tempo depois.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7241: Notas de leitura (167): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7258: Notícias dos nossos amigos da AD -Bissau (17): Agora no Facebook... e a ultimar os preparativos para a inauguração, em 18 deste mês, do Festival Cultural de Cacheu, Caminho de Escravos





1. Mensagem do nosso amigo Pepito (ou melhor, Eng Agr Carlos Schwarz, co-fundador e director executivo da AD):

 Data: 9 de Novembro de 2010 08:30
Assunto: Festival Cultural de Cacheu, caminho de escravos

Caros amigos,

A AD, procurando dar aos seus amigos uma plataforma de comunicação em rede mais alargada e funcional, inaugurou recentemente uma página institucional no Facebook. Com esta iniciativa, ainda no seu início, todos aqueles que entre vós são utilizadores desta "rede" podem agora aceder às fotos, notícias e eventos da AD de uma forma mais cómoda.

Aceda à página da AD (http://www.adbissau.org/) e clique no link para o Facebook. Faça-se amigo da AD.

Neste momento a AD já está a publicitar no Facebook o evento Festival Cultural de Cacheu, caminho de escravos. Aceda a este evento e diga-nos se vai ou não participar. E não deixe de colocar os seus comentários.

Um folheto, em formato pdf,  está disponível na página da AD, com o programa e com a lista das instituições e colaboradores envolvidos na iniciativa: O Festival Cultural Cacheu, Caminho de Escravos vai realizar-se de 18 a 25 de Novembro deste ano, no quadro do projecto “O Percurso dos Quilombos: da África para o Brasil e o Regresso às Origens”...

Saudações
Carlos Schwarz
Director Executivo da AD

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Nota de L.G.:

Último poste da série > 26 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7175: Notícias dos Nossos Amigos da AD-Bissau (16): A imagem de Nossa Senhora dos Milagres de Guiledje e a reconstrução do oratório dos Gringos (Pepito)

Guiné 63/74 - P7257: Parabéns a você (169): António Garcia de Matos, baboso tris...avô, mas hoje criança...(Miguel Pessoa / Editores)




O António Matos,  ex-Alf Mil At Inf, Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72) é hoje uma criancinha, tão adorável como os seus netos: mesmo que ele não ligue muito (ou diga que não liga, como nós, do Clube dos SEXA, dizemos que não ligamos) a festas de aniversário, a gente está aqui, o tabancal em peso, com o Miguel Pessoa, nosso cartoonista, à frente, para lhe desejar todas as coisas boas da vida a que um camarada da Guiné (e um orgulhoso tris...avô: leia-se, avô de três netos) tem direito... 

Pelo poste do ano passado (donde consta um belo texto autobiográfico...), ficamos a saber que o António soma hoje mais um aos 61 que tinha ontem...

Parabéns, António! ... E fica sabendo que temos tido saudades tuas!... Ficámos contentes por constatat que, embora arredado por uns tempos das nossas lides bloguísticas,  continua(va)s vivo e sempre a pronto a "desarmadilhar" as pequenas m... que nos impedem, às vezes, de sermos felizes ou mais felizes em grupo... (LG)

Guiné 63/74 - P7256: Cartas, aos netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J.L. Mendes Gomes) (5): A masmorra do BII 19 e a boémia do Funchal











Região Autónoma da Madeira > 2008 > Clichés turísticos da Madeira... Fotos de Luís Graça (Alfragide) e Augusto Pinto Soares (Porto)

 
1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66.


Oficial e cavalheiro (5):  Batalhão de Infantaria Independente nº 19 (continuação)

Era ali que ia iniciar-se, verdadeiramente, a primeira fase preparatória da missão que nos esperaria em África. Pelo menos à maioria anónima dos aspirantes. Sim, porque havia por ali nomes sonantes de filhos-família, como Spínola, Vale Guimarães, Sommer de Andrade e outros mais. Apenas estavam a marcar a presença. Eram o contributo das ocultas famílias poderosas…A sua missão no ultramar não passaria das águas azuis da Madeira ou Açores…

O capitão Câmara de Freitas, estou a vê-lo, um austero militar de carreira, com um bigode retorcido de republicano, bem estendido, entre a boca tapada e um nariz aguçado, em rosto moreno, de olhar fundo, mas doce, já maduro, a recompor-se, na sua terra, da primeira missão de guerra no ultramar. Era o comandante da minha companhia de recrutas madeirenses.

Havia outra companhia, chefiada por um capitão madeirense, este, miliciano. O capitão Pestana. Aqueles vinham preparar-se, ali, para o esforço de guerra que estava a ser pedido ao país. Depois da recruta, receberiam a especialidade e iam juntar-se aos que se encontravam nas frentes da guerra.

O meu pelotão era, mais uma vez, o segundo da companhia. Na primeira semana, ficaram assentes todas as regras de conduta. A maior responsbilidade e uma total confiança na nossa capacidade de chefia. Esta forma de nos considerar vinha ao encontro da maioria de todos nós e isso fazia-nos assumir as nossas responsabilidades de forma inteira.

O plano de instrução da companhia era discutido e acompanhado com o comandante, semana a semana. O dia começava com uma hora de instrução física. Havia que puxar por aqueles corpos em estado bruto, cheios de força descontrolada, oriunda da enxada, nas vertentes alcantiladas, sabiamente aproveitadas para a recolha do sustento da família.

Ordem unida, intensa, com as velhas espingardas Mauser sobradas da última grande guerra de 14/18. Ética militar e cívica e noções de primeiros socorros. Estas eram as que mais se assemelhavam à minha maneira de ser, de tal modo que o matreiro e raiano Gonçalves, avesso às teorias, me pedia para juntar o seu pelotão ao meu.

Durante uma hora extravasava, sem esforço, a minha tendência natural e desenvolvida no seminário, para as prédicas de sabor moralista. Não era por acaso que, de cima da amurada da sala de oficiais, os mais antigos, se entretinham a assistir, como quem não quer a coisa… e eu, também, disfarçadamente, não resistia a picar-lhes as consciências distraídas…

Um mundo novo e surpreendente se abriu, mais cedo do que pensava, para quem pensava que, com o serviço militar obrigatório, iria interromper a sua carreira. Cumpria-se o ditado popular de que Deus escreve direito por linhas tortas

As marchas pelas ruas da cidade, nas deslocações do pelotão para a carreira militar, lá no alto de São Martinho, ou para a indispensável instrução nocturna, na verdejante serra do Monte, eram a gostosa evasão e o complemento necessário para o esforço físico despendido.

Mente sã em corpo são, era agora a realidade da minha vida. No seminário, apenas se cuidava (pensava-se...) da sanidade da mente… muito pouco da do corpo. Os resultados não demoravam a aparecer no desenvolvimento harmonioso e visível dos recrutas sequiosos e dedicados.

Oficial e cavalheiro (6): A boémia do Funchal

Não se sabia que tempo iríamos ficar no Funchal. Com o passar dos dias, às vezes,( tão bem me sentia) dava comigo a sonhar que, com um golpe de sorte, como o que tivéramos em estar ali, até poderíamos nem ir ao ultramar. Para a arraia miúda, eram meros devaneios que, depressa se esfumavam…

A realidade, porém, era que, gratuitamente, ali tínhamos ido parar e estávamos na Madeira. Sabíamos bem que aquele recanto, escondido pelas ondas do mar, apenas, estava ao alcance dos mais endinheirados. Bastava olhar em redor.

A amenidade do clima estava à vista. Saídos de Tomar, coberta pelo gelo de Janeiro, mal chegámos ao Funchal, podíamos deliciar-nos com saborosos banhos de mar, na piscina, no Lido, ali ao pé, ou então nas águas do Porto Moniz, como se estivéssemos a sorver o iodo de São Pedro de Muel ou as cálidas águas do Algarve, em Agosto.

As roupas de inverno voltaram, de novo, para a mala. Só a camisa e uns calções, se quiséssemos. A farda, porém, dava jeito… para vaguear pelas ruelas asseadas do Funchal. Os três aspirantes da companhia do capitão Câmara tornaram-se uma parelha inseparável. O Vale Guimarães e afins, esses, tinham um bruto WolksWagen às ordens e voavam noutras núvens…

Às 5 e meia da tarde, acabava o dia de instrução e clausura na masmorra do BII 19. Um duche rápido na casa da Mariquinhas da Ribeira e,  em dois passos, estávamos, estrategicamente, na esplanada do Apolo, a beber um sumo de maracujá, à espera do remansoso desfile, sempre variado.

Com os tempos, a farda permitia-nos entrar nos gordos paquetes que encostavam bem recheados ao porto. É preciso um grande esforço para reviver tudo aquilo, sem pensar que tudo não passa de um sonho de maravilha…

Mas assim aconteceu. Cada recanto, por mais recôndito, escondia uma surpresa florida. Os ronceiros mas frequentes horários (assim se chamava aos autocarros da cidade) com a bonita modalidade de preços, nunca pensada no continente, a descida custava metade da subida (da metade quando se descia), tornou-nos acessível palmilhar todos os arredores.

Do coração do Funchal à Senhora do Monte, ao Pico dos Barcelos, lá em cima, quase sempre envoltos em núvens leves ou à praia buliçosa da Câmara de Lobos…

Para ir ao campo distante, não demorou muito e tínhamos feito amizade com rapaziada autóctone. Uma carrinha Morris-mini, então na berra, do Fernando do Campanário, foi a nave dos nossos passeios: As alturas do Cabo Girão, os alvores do Paúl da Serra, os furados (túneis) escuros de São Vicente para o Porto Moniz, o Curral das Freiras, a frescura da Serra d`Água, Santana florida, e sei lá, tudo foi batido em exploração estonteante. Acompanhada de saborosas espetadas regadas a vinho, do puro, da Madeira…

Saciada a curiosidade de conhecer aqueles 800 km2 de terra, feita, verdadeiro jardim e bosque paradisíaco, erguido no meio do mar azul e omnipresente, como o sol, dedicámos a maior parte do nossos tempo aos regalos da cidade. Sem dar conta, estávamos assimilados pelas gentes afáveis e saudavelmente resignadas com a sua sorte. O continente éra-lhes um mito de que muito gostavam de ouvir falar. O barbeiro, madurão e todo careca, ali ao pé da Gonçalves Zarco contava-me deleitado as excursões ao Bom Jesus do Monte em Braga, ao majestoso Gerês e ao Buçaco, a Fátima, ganhas, naqueles 6 m2, à custa da tesoura e da navalha …

A maioria, porém, contentava-se em sonhar com uma certa inveja de nós… A pressão do cerco do mar era uma realidade geral. O tripeiro Gomes e o raiano Gonçalves eram já uns vividos boémios, aquele das ruelas da ribeira do Porto, este do Bairro Alto e da Madragoa, em Lisboa… Tinham sido interrompidos nos seus empregos pelo serviço militar. O Gomes estudava matemáticas na universidade do Porto, nas horas vagas do trabalho adequado; o Gonçalves era funcionário efectivo na Previdência. Estava cansado de estudar.

Eu estava a dar os primeiros passos, de liberdade condicional. Não, não estive no presídio penal. Acabava, sim, de me evadir do cárcere, nas masmorras do seminário de Vilar e da Sé, no Porto, diabolicamente, farisaicos… Uma vontade telúrica de enterrar aquele pesadelo e tapá-lo, bem fundo, com um curso superior, se possível, em Direito. Não sei porquê. Ânsia de libertação, talvez…Para isso, sentia uma necessidade natural de conhecer as intrincadas regras da sociedade política e administrativa. Por esse motivo, fui sempre capaz de dizer não aos repetidos aliciamentos que aquela leal parelha me disparava, volta e meia.

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Nota de L.G.:


(*) 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7238: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (4): O Funchal era uma festa...

Guiné 63/74 - P7255: Dando a mão à palmatória (25): O Jorge Canhão faz anos a 9 de Abril e não a 9 de Novembro (Carlos Vinhal)

A verdadeira data de aniversário do nosso camarada Jorge Canhão é 9 de Abril

1. Mensagem de Carlos Vinhal à tertúlia

Caros camaradas, amigos e leitores
Custa muito a quem nunca se engana e raramente tem dúvidas, vir publicamente confessar que teve um pequeno lapso.

Assim, confesso que de acordo com os melhores e bem mais organizados ficheiros do espaço informático, os meus, o nosso camarada Jorge Canhão faria ontem, dia 9 de Novembro, anos.

Publicado o respectivo poste, o mesmo escreveu-nos a comunicar, muito justamente, que nesta altura da vida só está interessado em fazer anos uma vez em cada 365 dias, o que aconteceu já em 9 de Abril de 2010. Mais acrescentou, que agradecia as manifestações de amizade de ontem, mas dos 60 só passará no próximo ano.

Porque não podemos nem devemos alterar o curso da vida de qualquer pessoa, mesmo com a melhor das intenções, aqui fica a minha retratação por mais este atropelo ao bom funcionamento do Blogue. Se o caso for motivo de despedimento por justa causa, fico à mercê do vosso veredicto.

A verdade é só uma, o camarada Jorge Canhão não fez anos ontem.
Com a vossa permissão vou alterar o poste, não para encobrir a minha vergonha, mas para evitar confusões no futuro.

As minhas desculpas ao camarada Jorge e ao nosso designer Miguel Pessoa pelo trabalho deitado fora.

Carlos Vinhal
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Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6343: Dando a mão à palmatória (25): Alpoim Calvão (e não Galvão...)

Guiné 63/74 - P7254: Convívios (283): 7º Encontro da Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves)

1. O nosso Camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp / RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviou-nos, com data de 9 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:
7º ENCONTRO DA TABANCA DO CENTRO

O 7º Encontro da Tabanca do Centro terá lugar no dia 24 de Novembro, pelas 13 horas e 30 minutos na Pensão Montanha, sita em Monte Real.
O local de reunião, será como sempre, o Café Central de Monte Real, por volta das 13 horas.

O repasto será constituído por um, (ou mais), apetitoso leitão, a cargo da Preciosa, que se disponibilizou para tal, ficando também combinado, que aqueles, (poucos com certeza), que não gostarem de leitão poderão comer cozido à portuguesa.


Claro que o valor do almoço terá de aumentar exponencialmente e assim, e neste dia, passará para a exorbitante quantia de 10,00€, que incluirá, segundo a anfitriã umas singelas entradas.

Preciso das inscrições sem falta até, impreterivelmente, às 12 horas do dia 22 de Novembro, aqui na caixa de comentários, ou em
tabanca.centro@gmail.com pedindo que aqueles, e apenas esses que não gostam de leitão, o indiquem expressamente.

Seguindo a brilhante ideia do Luís Raínha, faremos deste Encontro um almoço de Natal.

Na continuação dessa ideia, compraremos para a Preciosa, (sempre pronta para nos receber com toda a sua simpatia e amizade), um presente de Natal, que proponho fique como missão do Jero, (que para tal já se ofereceu), e que poderá ser ou uma peça de porcelana de Alcobaça, ou, lembro eu, uma colcha de Alcobaça.

Por mail proporei aos possíveis eventuais inscritos um valor individual para tal presente, de modo a que o Jero saiba com o que contar.

Sugestões, façam-nas por favor rapidamente, para acertarmos tudo a tempo.

Seria óptimo encontrarmos destino para os valores já recolhidos para o auxilio aos combatentes, de modo a os podermos entregar nesta quadra do Natal, pelo que peço a vossa especial atenção e ideias para este assunto.

Cá vos espero! Todos são bem vindos.

Para a Tabanca do Centro, o centro vai desde o ponto mais a Sul da Guiné, até ao ponto mais a Norte de Portugal, incluindo os combatentes que por esse mundo fora vivem.

Um abraço,

Joaquim Mexia Alves
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7253: (Ex)citações (108): Transferência de soberania com dignidade ou rendição sem honra nem glória ? Quando se olha para trás, é que se enxerga tudo... (José Gonçalves)

 1. Comentário do nosso camarada José Gonçalves, com data de 5 do corrente, ao poste P7219:

Caros camaradas
Como já disse antes noutro poste aqui publicado,  cada um vê aquilo que quer ou mais lhe convém em tudo. De entre todas as opiniões há a realidade e nela a verdade.

Eu posso afiançar que a bandeira não estava esfarrapada e que a cerimónia decorreu sem incidentes e que a nossa bandeira foi respeitada por eles, assim como nós respeitámos a bandeira da nova Guiné Bissau. A cerimónia foi feita de acordo com as instruções enviadas de Bissau e aliás já tínhamos experiência pois tinhamos feito o mesmo em Gadamael.

Também tenho a certeza que o aceitamento de tal cerimónia da parte portuguesa tinha muito a ver com a circunstância dos intervenientes. Na minha companhia não houve baixas e poucos contactos com o PAIGC com excepção de uma emboscada que lhe fizemos no porto de Jemberém e onde um elemento do PAIGC foi visto mas fugiu sem sequer haver tiroteio.

O nosso problema em Gadamael eram os bombardeamentos e eu estava convencido que talvez não saísse de lá com vida se a actividade bélica continuasse e se eles acertassem a mira. Portanto,  a entrega da Guiné ao seu legítimo povo segundo as ordens do nosso comando,  foi um acto de alegria e não de tristeza. Estávamos conscientes que muitos morreram por uma causa que não era aceite pela maioria dos portugueses mas estávamos felizes pelas nossas vidas, pelas vidas de todos os que estavam para morrer e não morreram.

Segundo pensávamos na altura,  a situação das tropas nativas estava resolvida pois havia acordos para que integrassem essas pessoas dentro da nova Guiné. Claro que isso não foi cumprido como todos nós sabemos hoje, mas nessa altura o que nos preocupava era irmos para casa e confiámos nos nossos políticos e comandantes para tratarem dos detalhes

Eu entendo os sentimentos daqueles que deram parte da sua vida, viram os seus camaradas ou familiares morrer por uma causa que no meu ver hoje era injusta mas lembrem-se que hoje muitos de nós estamos vivos porque entregámos a Guiné aos guinéus depois do 25 de Abril.

Em inglês diz-se que "hindsight is 20/20" ou,  em portuguêsa, que a visão em retrospectiva é 20-20 (*)

Um grande abraço para todos

José Gonçalves
Alf Mil Op Esp
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7246: (Ex)citações (107): Mininus di praça e “O Fascínio” (José Eduardo Oliveira)

(*) Em tradução livre, quando se olha para o passado, é que se enxerga tudo...

Vd. definição em Urban Dictionary:

"Phrase used to describe the fact that it is easy for one to be knowledgable about an event after it has happened. IE: An individual has a realization about the event that should have been obvious all along, yet they didn't catch on because they were acting in the heat of the moment. Also allows one to learn from their mistakes".

Ou ainda em The Free Dictionary:

"Perfect understanding of an event after it has happened; - a term usually used with sarcasm in response to criticism of one's decision, implying that the critic is unfairly judging the wisdom of the decision in light of information that was not available when the decision was made".

Traduzindo para português: "O entendimento perfeito de um acontecimento  depois ele de ter ocorrido... É um termo usado geralmente com sarcasmo em resposta às críticas em relação a uma decisão tomada por outrem... A crítica é injusta ao avaliar a justeza da decisão em função de informações que não estavam disponíveis quando a decisão foi tomada".

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatumatá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)

 1. Zé Teixeira disse em comentário ao poste P7249:


Não me lembro da Fatumatá [foto à esquerda, em 2005], quando trilhei as picadas de Quebo e Mampatá [, em 1968/70]. 


Recordo o Régulo Sambel, seu marido,  e a sua dedicação e fidelidade a Portugal.

O seu filho, o nosso amigo Suleimane, actual Régulo de Contabane, esse sim, como soldado milícia partilhou comigo algum...as aventuras em Mampatá. Hoje prezo muito a sua amizade e a da sua esposa, a Ádada,  que conheci ainda bajuda. Que bonita que era e ainda é!


Tal como o Paulo Santiago, tive a felicidade de conviver com a Fatumatá em 2005, quando a Ádada [ foto à esquerda, em 2005] me reconheceu, passados trinta e cinco anos (que belo e feliz momento!). 


Estava a saborear este encontro, quando vejo surgir à porta da sua morança a velhinha Fatemá, que se dirige a mim com um sorriso, para logo me abraçar e com as lágrimas nos olhos me pedir Branco na volta, branco na volta !

Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para matar saudades, ela insistia: Branco na volta!... Seguiu-se uma amena conversa, interrompida aqui e além pelos seus bisnetos que queriam brincar comigo ao fotógrafo.

Voltei em 2008. Notei que estava mais parada, porque os anos não perdoam. Retenho a imagem de uma mulher linda, apesar da idade, lúcida e sobretudo, tal como o filho e outros familiares que conheço, muito ligada a Portugal e aos portugueses que por lá passaram.

Com a sua morte perdeu-se um forte elo de ligação, com os portugueses que pisaram aqueles trilhos do Regulado de Contabane.


José Teixeira
[ Esquilo Sorridente]

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7251: Estórias cabralianas (64): O Avô, o Neto e os Heróis (Jorge Cabral)

1. Mensagem que recebemos do Instituto de Criminologia onde trabalha um tal Jorge Cabral que invoca o seu direito à blogoterapia por, noutra encarnação, ter sido alferes de 1ª linha no teatro de operações da Guiné durante a chamada guerra do Ultramar, no século passado


Queridos Amigos:

Agradeço aos Editores mas também a Todos que me brindaram com Votos de Parabéns, por aqui e através das várias redes sociais, do correio electrónico, e do telemóvel.
Muito Obrigado!

Já agora e a propósito de Avós, Netos e Heróis, aí vai "estória".
Abraço todos os Membros da Tabanca.

Jorge Cabral

2. Estórias cabralianas: O Avô, o Neto e os Heróis
por Jorge Cabral (*)


Mais um dia. Lá vou eu entalado entre os anafados peitos de uma dama e a gravata de um cavalheiro, que hoje fez greve ao chuveiro. O Metro segue cheio, mas há sempre lugar para mais um. Na Estação do Saldanha, é invadido por uma excursão de meninos, com a Mestra à frente (bem jeitosa, por sinal). São barulhentos os putos… e eis que um, apontando para mim, grita:
– Aquele ali, é da raça do meu Avô, é um Senhor Herói!.


Raça do Avô? Herói? Sinto centenas de olhares. Encolho-me. Quase desapareço. Disfarço. Peço desculpa à Dama, que diz que não faz mal (benefício de Herói… talvez). Apresso-me a sair. Só no Marquês, começo a pensar. Já sei, o puto é neto do Silva, meu cozinheiro em Missirá. Foi há dois anos, que o encontrei no seu estabelecimento. O Silva vende frangos.


Homem de poucas letras mas de muito coração, levou-me a casa dele e conheci o neto. Estivemos a ver fotografias daqueles tempos e o miúdo queria saber tudo. A certa altura, perguntou-me:
– O meu Avô foi Herói?
– Claro que sim! Todos os que aí estão, foram e ainda são Heróis!  – respondi.


Fiz mal? Enganei o Puto?  Penso que não. Todos os Avós são Heróis. Assim os Netos os considerem…


Jorge Cabral


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Nota de L.G.:


Último poste desta série > 14 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6851: Estórias cabralianas (63): As Sereias do Rio Geba... ou a violência doméstica subaquática (Jorge Cabral)...
 
(...) Foi na Guiné que aprendi a contar estórias às Crianças. Comecei lá e nunca mais parei. Ainda ontem conheci uma Menina. Disse-me que tem um gato e eu falei-lhe das minhas duas moscas, uma de cama, coitada, cheia de febre… Em Missirá, na Escola, comecei com a Branca de Neve e os 7 Anões, mas logo desisti. (...)

Guiné 63/74 - P7250: (In)citações (17): Recordando Fatemá e Sambel Baldé, tenente de 2ª linha, régulo de Contabane (José Brás)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel  (ex-Contabane) > 2005 > Da direita para a esquerda: o Paulo Santiago, a Fatemá e o João Santiago.


Foto: © Paulo Santiago  (2005). Todos os direitos reservados





1. Comentário de José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, foto à esquerda), ao poste P7249:


A minha memória sobre a FATEMÁ, não é tão objectivamente clara como a que aqui aparece do camarada Santiago.

Há coisas da Guiné que me escapam hoje e penso mesmo que me escaparam sempre para minha desgraça pessoal porque tenho isso como uma lástima que não me aumenta razões para a consideração de outros nem de mim por mim próprio.

Tentando entender porque terá sido isso, quero crer que se deve a uma certa rejeição pela guerra e pelas razões da guerra e, nesse tempo, mesmo pelos seus intérpretes no terreno, apesar de também eu a ter assumido.

Por isso Fatemá era apenas a mais prestigiada das mulheres de Sambel [Baldé],  tenente de segunda linha, homem que permaneceu a nosso lado, creio que até ao fim da guerra.

Dele, lembro cartas que escrevi para um seu filho que estava em Lisboa e que ele queria em Contabane para casar com uma mulher "negociada" pelo pai, coisa que gerou conflito de posturas porque o filho, tendo escolhido mulher, outra, já não aceitava a decisão do pai.

Lembro também do posto rádio que montei em sua casa com AN-GRC 9 para apoiar uma incursão da minha companhia na estrada que ligava a Madina do Boé, operação que deu apenas uma vítima, cobra com mais de 4 metros apanhada pelos soldados e cozinhada em Aldeia Formosa.

E também me lembro do embaraço desse dia, obrigado a partilhar o arroz de chabéu com galinha na mesma malga de madeira onde comiam Sambel e as suas mulheres da forma tradicional da Guiné.

Sei que muito soldado português partilhou experiências destas sem quaisquer dificuldades, mas para mim não foi agradável, coisa que, como disse já, sinto hoje como postura verdadeiramente lamentável na medida em demonstra a pouca adaptação que terei tido nesta experiência.

Abraço

José Brás

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Nota de L.G.:

Último poste desta série, (In)citações > 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7179: (In)citações (21): Os irmãos Turpin, José e Eliseu, "verdadeiros filhos da Guiné" (Luís Graça)