Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > O antigo quartel das NT (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70; CCAÇ 12, 1969/71; CCS/BART 2917, 1970/72...) e a antiga bolanha > No regresso a Bissau, depois de uma visita ao sul, à região do Cantanhez, no ãmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008), eu e o Nuno Rubim, fizemos um pequeno desvio para visitar Bambadinca...
As instalações de sargentos (à esquerda) e oficiais (à direita) eram agora ocupadas pelo exército guineense... Chegámos a uma hora inconveniente, a da sesta... Trocámos cumprimentos com os oficiais presentes (incluindo o comandante, à civil, de camisola interior, bem como um coronel inspector da artilharia que estava ali, de máquina fotográfica e óculos escuros, em serviço, vindo de Bissau...). Fotos que falam por si... Estupidamente, não quis ver o meu antigo quarto (*)...
1. Texto de L.G., a partir do poste de 13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2633: Memórias dos lugares (4): Mato Cão (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52, 1972/73)
Com um agradecimento, muito emocionado, ao Joaquim pela ternura do roteiro que ele fez para mim, em 27 de Fevereiro de 2008, antes de eu partir para a Guiné, e de que só no regresso, infelizmente, tomei conhecimento... LG
(i) Recado para uma ida à Guiné
por Joaquim Mexia Alves
Vai, Luís,
Para essa terra quente
Que viveu dor e sofrimento
Para se fazer País.
Vai e leva o meu abraço
Porque num dia,
Num momento,
Também aí fui feliz.
Passa por Mansoa
E sobe para Mansabá
E ao carreiro da morte
Pára e contempla
Das árvores do Morés
O seu porte.
Deixa uma lágrima
E um voto
Por todos os que aí ficaram.
Depois desce a Jugudul
E segue a estrada nova
Que tanto sacrifício me deu.
Passa por Portogole
E mais à frente um bocado
Sobe ao Mato Cão,
E fica ali sentado
Com uma cerveja na mão
A assistir ao Pôr-do-Sol.
Agora que vês Bambadinca,
Depois de parares um pouco,
Segue em frente
Pela estrada do meu suor
A caminho do Mansambo,
Que fica à tua direita.
Na Ponte dos Fulas
Vai a pé,
Ali para a tua esquerda,
Sim, dentro da mata,
Vá, anda,
Porque vais encontrar,
Se agora não me engano,
Uma mata de caju
Onde o macaco cão
Faz barulho que ensurdece.
Volta à estrada
Para o Xitole
E, quando lá chegares,
Senta-te naquela varanda,
Mesmo que destruída,
(reconheci-a entre mil),
E bebe por mim um uísque
Em memória do Jamil.
Segue para o Saltinho,
Banha-te naquelas águas
E não pares,
Arranja um barco
E sobe o Corubal.
Quando chegares ao Xime,
Desembarca na lama preta
E sobe por um bocado,
Apenas para ver a vista.
Regressa ao Geba.
Lá está a Nau Catrineta
Que tem muito que contar,
Embarca agora nela,
Deixa a maré te levar,
Porque assim à noite
Estarás em Bissau, a varar.
Já é tarde,
Estás cansado,
No físico, no coração,
Então senta-te no Pelicano,
E come…
Um ninho de camarão.
Vai, Luís,
Leva-me contigo,
Mata feridas, mata mágoas,
Mata saudades até,
E abraça por mim
A Guiné…
Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 27 de Fevereiro de 2008
(ii) Roteiro poético-sentimental
por Luís Graça
Passei por alguns dos sítios
que tu me sugeriste,
a alta velocidade,
com enormes ganas de parar...
Quis controlar as minhas emoções,
quando a vontade era de chorar;
segui em frente,
mesmo querendo ficar;
não tirei fotografias,
com muita raiva minha,
por que me estava a armar em forte...
Tinha apenas em mente o sul,
nunca o leste,
nunca o norte...
Queria apenas mostrar a mim mesmo
que estava a passar o teste
da catarse...
Que eu, de facto,
já tinha esquecido a Guiné
e o seu cheiro a morte...
Não esqueci, claro está...
E a Guiné, para mim, era apenas o Corubal,
a perigosa margem direita do Corubal,
o Geba,
a Ponta Varela,
a maldita Ponta do Inglês,
o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole,
a tristeza
das tabancas fulas em autodefesa,
o cerco ao regulado de Badora,
o estrangulamento do regulado Corubal,
o deserto do regulado do Cuor...
A Guiné era o Geba,
o Xaianga,
o Geba Estreito,
Finete,
Mato Cão,
Missirá,
a Missirá do Tigre,
Santa Helena,
Mero,
Fá Mandinga,
a Fá do Alfero Cabral...
Ah!, e os Nhabijões,
de triste memória.
Era também Contuboel,
a do Renato Monteiro,
o homem da piroga.
Era também Bafatá...
Os tocadores de kora
e os ourives
e os ferreiros,
mandingas.
Ah!, o Bataclã,
e a sacana
da amorosa Helena de Bafatá,
mais o bife com ovo a cavalo
na Transmontana.
Era isto e pouco mais.
Joaquim,
desta vez fui a Mansoa,
a Mansoa da tua CCAÇ 15,
onde nunca tinha ido...
À procura de bianda para o almoço,
imagina!...
Mas não segui para Mansabá
e muito menos para o carreiro
da morte no Morés...
Acabei por ir almoçar
ao restaurante
do Hotel Rural de Uaque...
Tive depois um convite,
do camarigo Zé Teixeira
e do seu grupo de beduínos,
comilões,
para ir comer leitão a Jugudul…
Leitão em Jugudul, imagina!,
como antigamente,
o leitão dos balantas de Nhabijões,
atropelado pelo burrinho da tropa
(no relatório, alguém escrevia:
animal subversivo e suicidário)
Mas outros deveres,
os trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje,
me retiveram em Bissau,
num hotel todo chique,
de muitas estrelas
num céu esburacado de papel de cenário...
Passei pelo teu/nosso Mato Cão,
pelos cerrados palmeirais do Mato Cão,
como cão
em vinha vindimada,
vi o cotovelo do Geba Estreito,
onde nos emboscávamos,
para montar segurança às embarcações,
admirei a extensa bolanha de Finete,
passei por Bambadinca,
vi vacas, magricelas, a pastar
na imensão da sua bolanha,
triste bolanha outrora verdejante,
parei em Bambadinca no regresso,
revisitei as ruínas do meu quartel,
não ousei sequer entrar no meu antigo quarto,
não tive estômago
ou sangue
ou fel
ou coragem
ou sequer desejo...
Tomei a seguir a estrada,
alcatroada
(que não havia no nosso tempo)
de Mansambo - Xitole - Saltinho...
Não parei em Mansambo,
por falta de dístico,
nem no teu Xitole.
Apenas no Saltinho,
porque estava no programa turístico...
Mas lembrei-te de ti,
que me encomendaste
este roteiro poético-sentimental,
pedestre,
p'ra fazer ao pé coxinho...
Lembrei-me de ti
e do David, o Guimarães,
do Torcato, o Mendonça
do CMS,
o nosso Carlos Marques dos Santos,
do Mário, do Beja, do Tigre,
do Jorge,
do Bilocas,
do Humberto, o Reis,
do Tony, o Levezinho,
do cripto GG,
o nosso arcanjo São Gabriel,
do Fernando Marques,
do Jaquim Fernandes,
do Tê Roda,
e de tantos outros,
sem esquecer o puto Umaré Baldé,
que a morte já levou,
em Portugal,
nem muito menos o portuguesíssimo José Carlos,
de seu apelido Suleimane Baldé,
1º cabo, de 1ª classe,
um coração de ouro,
um homem doce,
enfim, todos os camarigos
da minha CCAÇ 12,
e de outras unidades com quem convivi,
em Bambadinca,
e arredores,
entre Julho de 1969
e Março de 1971...
Desculpa-me,
mas não bebi um uísque,
por ti e por mim,
à memória do Jamil.
Só bebi um uisquinho no avião
de regresso a Lisboa,
que as bactérias e os vírus na Guiné-Bissau
é quem mais ordenam...
E eu que gostava tanto, como tu,
do nosso uísquinho,
(coisa boa, não é ?!),
com uma ou duas pedras de gelo
e água de Perrier.
Não subi o Corubal, confesso,
mas fui a Cussilinta,
ver os rápidos,
a Cussilinta onde nunca tinha ido
nem poderia,
e foi com contida emoção
que revi os palmeirais
que bordejam o rio,
e o que resta da floresta-galeria...
Não, também não passei
pelo Xime,
nem pela Ponte Coli,
muito menos pela triste Ponte do Udunduma,
porque não é esse agora o caminho
de quem agora vem de Bissau,
e estrada só há uma.
Não tomei o velho barco,
ronceiro,
da outrora soberana e imperial Casa Gouveia
nem me sentei na esplanada do Pelicano,
como sugeria o teu roteiro.
E das ostras, só provei a sopa,
uma colher,
na casa do Pepito,
no bairro do Quelélé...
Agora, vais a Quinhamel para comer ostras,
que a cólera é endémica na capital da Guiné!...
Como vês, fui frugal,
espartano,
sanitarista...
Fui mau.
Mas um dia prometo
seguir à risca
o teu plano,
voltar ao Mato Cão,
e à bolanha de Finete,
e à Ponta do Inglês,
e à margem direita do Corubal...
Camarigo,
já foram demasiadas emoções
para uma semana só...
Em todo o caso,
sempre gostei mais daquela terra
no tempo das chuvas
e do capim alto
e das miríades de insectos
à volta dos candeeiros
na noite espessa e húmida...
Mas adorei,
confesso que adorei,
a tua sugestão,
o teu projecto,
o teu roteiro poético-sentimental...
Quem sabe, talvez o faremos
pelo nosso próprio pé...
Um dia destes,
nesta ou noutra encarnação,
Tu, eu e a malta
de Bambadinca,
da Zona Leste,
que é muita,
e que esteve no sítio tal e tal
e que faz parte da nossa Tabanca Grande...
Obrigado, Joaquim,
até pela ideia
que aos 20 anos se poderia ser feliz.
Ou que a Guiné foi para ti, foi para nós, fado,
fatum,
destino,
destino que o Destino quis.
Vemo-nos em Maio,
no nosso III Encontro Nacional.
13 de Março de 2008 / Revisto hoje
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Notas de L.G.:
Último poste desta série > 16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7447: Blogpoesia (96): Contrato com o Exército (Manuel Maia)
(*) Vd. poste de 9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez
(...) No percurso entre Bissau e Saltinho, não tomei grandes notas. Nem tirei fotos. A caravana seguia a boa velocidade. Fui em estrada alcatroada, ao longo do Geba, por sítios que não conhecia, com belíssimas bolanhas, sobretudo na região de Mansoa. No meu tempo, esta estrada, a norte do Geba, estava interdita. Para a Zona Leste ia-se de barco, até ao Xime, até Bambadinca, até mesmo a Bafatá...
Noto que as estradas modernas, como em toda a parte, atraiem as populações... Há mais tabancas, com maior risco de acidentes, à beira do caminho. Uma das nossas viaturas passou por cima de um cabrito. Ninguém porém parou. Há um membro do governo na caravana e leva escolta policial. Há também uma deputada, antiga combatente da liberdade da pátria...
Passo pela bolanha de Finete, agora com direito a tabuleta. Passo em Mato Cão e o Rio Geba Estreito ali tão perto... Imagino um comboio de barcos da Casa Gouveia a aparecer na curva do rio... E nós ou o PAIGC, emboscados. Passo ao largo de Bambadinca, sem aparente emoção. Mas tenho um pensamento positivo ao lembrar os velhos camaradas que andaram por aqui comigo... Cortamos para o sul, mais à frente, perto de Santa Helena, se não me engano...
Não dou conta de passar por Mansambo: do Xitole, retive apenas a fachada de uma mesquita que não existia no meu tempo... Entrevejo as ruínas do Xitole... Passo pelo Rio (seco) de Jagarajá e por Cambesse onde, em 15 de Maio de 1974, teriam morrido os portugueses em combate, segundo o José Zeferino ... A estrada antiga passava ao lado...
A viagem vale pelo Saltinho, o Rio Corubal, as lavadeiras do Corubal... Mas já não há a tensão dramática que percorria a fiada de palmeirais ao longo do Rio, no tempo da guerra... Há também maior desflorestação nesta zona. Os cajueiros são uma praga, na Guiné-Bissau. As bolanhas tendem a ser abandonadas ou a transformar-se em campos de cajueiros... Uma armadilha mortal para os guineenses, para a sua economia, para o seu futuro... O arroz continua a ser a base da alimentação do guineense, de Bissau a Bafatá... Arroz que é importado, em grande parte. (...)