1. Hoje apresenta-se nesta nossa Tabanca Grande mais um Camarada – o Jorge Lobo -, que foi 1º Cabo Atirador de Artilharia da CART 1660 e também esteve adido nos BCAÇ 1857, e BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/1968.
Guiné, o ex-Vietname africano
(Companhia de Artilharia 1660)
(Companhia de Artilharia 1660)
Depois de fazer a recruta em Vila real, a especialidade de artilharia em Penafiel e o IAO no Guincho (Cascais), embarcamos a 7 de Fevereiro de 1967 para a Guiné onde a minha CART 1660 desembarcou a 11 desse mesmo mês.
Ao chegarmos a Bissau o pessoal da minha companhia sentiu pela 1ª vez o cheiro típico a terra queimada, aquela terra vermelha típica de terras Africanas.
Logo após o desembarque recebemos a notícia de que íamos ficar destacados em Mansoa e de seguida alguém nos confidenciou de que ali era, nem mais nem menos, que um local de extremo movimento bélico...
Subimos para as viaturas e logo à chegada a essa vila de Mansoa, sentimo-nos tristes e desmoralizados ao ver a alegria do pessoal a quem íamos render, que era da CCAÇ 816 (Lobos do OIO). Os seus elementos encontravam -se sorridentes e aos pulos em cima das suas viaturas, tirando as fotos de despedida. Momentos depois, seguirem para Bissau a fim de embarcarem para a metrópole no navio de que nós tínhamos desembarcado pouco tempo antes.
Ficamos adidos ao BCAÇ 1857 que actuava nas temíveis zonas de Sarauol, Locher, Changalana, Cobonje e por vezes também no Morés.
Não foi preciso muito tempo para que o meu pelotão tivesse o seu baptismo de fogo.
Uma semana após, quando fomos em viaturas buscar uma companhia que vinha da mata do Locher, fomos emboscados a cerca de 6 km do Jugudul na estrada que liga às localidades de Mansoa e Portogol.
Aqui, tivemos a oportunidade de conhecer finalmente o amargo sabor da guerra, ao ver um ferido pertencente á CCAÇ 1420 ou 1421 (salvo erro) que tínhamos ido escoltar.
Ao ouvir os primeiros tiros, pensamos que ainda estávamos nos treinos do IAO no Guincho, só passados momentos verificamos que ali, as balas não eram de madeira mas sim de chumbo envolvido em latão...
Um mês passado, nova emboscada na zona do Alto Namedão, onde um elemento da nossa milícia que ia à frente da coluna, foi atingido por uma roquetada que lhe arrancou o cinto e cartucheiras indo rebentar atrás de si sem lhe causar qualquer ferimento.
Numa coluna, 3 semanas depois, rebentou uma mina na segunda viatura, quando íamos a caminho de Portogol, de que resultou vários feridos e um furriel miliciano morto, que ia ao lado do nosso motorista.
Um mês depois estávamos no quartel, quando ouvimos um grande estrondo na estrada Mansoa-Portugol. Arrancamos de imediato para ver o que se passava e deparamos com um Unimog destruído, à sua volta viam-se vários mortos e feridos e diversos pedaços de pernas humanas espalhadas pelo terreno, num raio de 100 metros, um dos quais ainda com a bota calçada. O efeito devia-se a mais uma mina anti-carro que tinha rebentado sob a viatura que era da companhia do batalhão onde estávamos agregados.
Uma semana depois, num patrulhamento ao Sarauol, pelo lado oposto da bolanha, entre Cutiá e Sarauol, o soldado Aradas reparou num fio de aço esticado ao lado da picada, fio este que estava ligado a uma granada defensiva (armadilhada), que foi desmontada pelo nosso Fur Mil Farromba.
Recordo que, para essa operação, tinha sido chamado à última hora um soldado, de nome João, que não estava previsto sair nesse dia. Curiosamente, esse mesmo soldado, que tanto se lamentou por ter sido nomeado para essa operação e que, a caminho do objectivo ia a rezar com um terço na mão, para que nada de mau lhe acontecesse... foi o único morto em combate quando a companhia, que se encontrava estacionada em círculo dentro da mata do Sarauol, foi atacada. O infeliz João estava a meu lado deitado no chão, atrás do tronco da árvore, e a sua morte foi provocada por um estilhaço de morteiro 82 mm, que passou por baixo do tronco atingindo-o na cabeça.
Passados mais 15 dias, fomos até perto da temível mata do Locher numa coluna motorizada, a fim de proteger e trazer uma companhia que vinha de uma operação no local. No momento em que chegávamos ao local onde nos devíamos encontrar com a CCAÇ 1420, estava ainda essa companhia a fazer fogo sobre o acampamento IN.
Minutos depois, pouco antes da 1420 se encontrar com a nossa companhia, sofreu uma nova emboscada já muito perto do local onde nos iria encontrar.
Casualmente e sem se aperceber disso, o inimigo montou a emboscada à 1420 numa zona em que a minha companhia (1660) estava precisamente emboscada à espera da CCAÇ 1420.
Assim, o IN ao fazer fogo para a 1420, que vinha da sua casa de mato, acabou por ser fustigado pela retaguarda e pela frente através da resposta imediata da companhia 1420 e da minha CART 1660, tendo-me permitido alvejar com sucesso um guerrilheiro do PAIGC que se encontrava a disparar, empoleirado no cimo de uma árvore com uma PPSH (costureirinha), contra a companhia que vinha do objectivo.
Fica para a história esta cena em que disparei mortalmente sobre o IN, pois a G3 com que o matei não era a minha arma, que de tanto fazer fogo tinha o cano em brasa e quase a não conseguir disparar, além de que eu também já tinha poucas munições.
A mortífera G3 era de um cabo do meu pelotão, que viu a sua arma encravar-se e ficou em pânico tendo sido eu a desencravar-lha com a minha faca de mato.
Mal acabei de a desencravar vi o tal elemento IN e disparei instintivamente, matando-o.
Não chegamos a capturar a PPSH dele porque entretanto a companhia 1686 já se nos tinha juntado.
No regresso a Mansoa, fizemos uma paragem no caminho para descansar e eis que o Aradas (qual Rambo à portuguesa), olhou em frente e viu na picada um grupo IN a cerca de 200 metros saindo da estrada e infiltrando-se na mata.
Levantamos todos simulando que continuávamos a marcha na direcção de Mansoa.
O Aradas ia sozinho à frente da coluna e, a cerca de uns 100 metros atrás, seguia-o o segundo militar da coluna. Ao aproximar-se do local onde os guerrilheiros se tinham emboscado, ao lado da estrada, começou a disparar sobre o IN provocando de imediato um arraial de fogo dos dois lados.
Conseguiu assim o destemido Aradas minimizar os danos que podíamos ter sofrido, já que, desta forma, não fomos apanhados de surpresa pelo inimigo, mas, mesmo assim, tivemos um morto pertencente a uma companhia do BCAÇ 1912.
Completados uns seis meses de comissão, calhou ao meu pelotão ir para o destacamento do Jugudul, o qual não possuía abrigos porque se supunha que o inimigo nunca o atacaria por ser uma ex-escola.
Mais tarde depois da nossa substituição no Jugudul, o destacamento que ali se encontrava haveria de ser atacado sofrendo vários feridos e provocando um morto do lado do PAIGC, do qual falarei mais adiante.
Do Jugudul fomos destacados para a ponte de Braia, por um período de 2 meses, e daí voltamos para Mansoa para continuar a parte operacional.
Estávamos praticamente a meio da comissão.
De novo em Mansoa, numa certa madrugada o Jugudul voltou a ser atacado. Na manhã seguinte o meu pelotão foi lá fazer o reconhecimento e encontramos o municiador de uma metralhadora IN morto, caído no chão, de costas, atrás de um monte de baga-baga e enrolado num pente de balas de alto calibre.
Pouco tempo depois, a CCAÇ 1686 (pertencente ao BCAÇ 1912), que entretanto tinha substituído o BCAÇ 1657, fez um golpe de mão na mata de Tenha-Locher e no regresso sofreu uma forte emboscada, em plena bolanha junto do acampamento, de que resultaram vários mortos e feridos, tendo lá ficado abandonado um soldado milícia morto que era o melhor guerreiro que tinha esse batalhão.
Mais uma semana se passou e fomos acordados por volta da meia-noite, tendo o nosso capitão dito na formatura que se seguiu, que teríamos de ir destruir por completo um acampamento turra onde uns dias antes tinham acontecido todos aqueles mortos e feridos, no Locher.
Foi um problema para a nossa saída do quartel. Competia ao meu pelotão ir à frente da coluna que partiria para o objectivo, mas o nosso alferes (comandante de pelotão) e mais um cabo da minha secção entraram em pânico, o que originou que o CMDT de companhia pedisse voluntários entre os restantes homens, para tomarem o lugar deles sempre que houvesse operações de assalto a casas de mato. Acabei por me incluir nesse voluntariado.
Chegamos ao Locher, entramos na mata por volta das 04h30 da madrugada e seguimos por fora da picada, cortando ramos de árvore, para passarmos de forma a evitar a sentinela IN. Finalmente entramos no acampamento e verificamos que estava abandonado, de forma que apenas nos restou destruir (queimar) as casas de mato ali existentes, após o que regressamos ao quartel sem qualquer contacto com o IN.
Uma semana depois, mais um patrulhamento na zona de Ga Fará, já perto de Morés, na operação “Estrela do Norte”. Eu ia em 2º lugar à frente da coluna juntamente com a milícia. Encontramos uma casa de mato e deparamo-nos com vários guerrilheiros a fugir, disparei de imediato atingindo um deles e tendo-lhe capturado a sua arma (Kalasnikov).
Recordo a sorte que tivemos a caminho de Ga Fará, pois encontramos uma armadilha no caminho que obviamente não seria detectada se acaso a minha companhia tivesse saído de noite (como estava previsto). Tal não veio a acontecer porque o pessoal se atrasou, o que deu direito a um raspanete do nosso capitão, mas que nos permitiu ter chegado já de dia ao local onde se encontrava a armadilha, que, assim, acabou por ser detectada e desmontada.
Pouco tempo depois fomos passar cerca de um mês ao Olossato, nos arredores de Morés. Aí num dos patrulhamentos sofremos uma emboscada, onde conseguimos ferir num joelho um elemento IN e capturar-lhe a arma. Esse elemento foi transferido para Bissau, onde foi tratado e ficou por lá como guia das nossas companhias de comandos.
Regressados do Olossato a Mansoa, fizemos um golpe de mão perto de Uaque (local onde se acoitava um grupo IN), que na altura montava minas anti-carro na estrada Mansoa-Bissau.
O acampamento estava desabitado, pois antes de lá chegarmos o IN já tinha fugido, excepto o seu enfermeiro que não tinha tido tempo de fugir com os seus companheiros e se encontrava a dormir, tendo-lhe eu e um soldado milícia capturado a arma e a bolsa de enfermagem.
Ainda fizemos mais uma saída à zona do Sará para montar uma emboscada e tentar apanhar na fuga o inimigo, que tinha sido surpreendido num golpe de mão por parte da do Batalhão estacionado em Mansabá.
Finalmente o meu pelotão foi destacado para Cutiá.
Numa ida, em viaturas, a Mansoa, fomos emboscados em Sansanto, tendo o Aradas e eu feito o reconhecimento à mata após a emboscada. Aí estivemos perto de capturar um elemento IN ferido, que acabou por escapar por minha culpa, ao pedir ajuda ao Aradas, para me ajudar a localizá-lo. Eu tinha ouvido perfeitamente os seus gemidos ali por perto. Pela vida fora, arrependi-me de ter chamado o Aradas pois penso que sozinho teria capturado não só o ferido como também a sua arma.
Este, acabou por deixar de gemer e não o conseguimos encontrar no capim porque tínhamos pressa de continuar a viagem nas viaturas, para seguir para Mansoa.
Na semana seguinte tudo nos correu pior, pois quando íamos de novo a Mansoa, abastecer (seguíamos em 2 viaturas uma delas rebocando a outra por avaria), mais ou menos a 20 km/h e éramos alvos fáceis, no preciso local onde uma semana antes fôramos emboscados, voltamos a sê-lo de novo, e na viatura onde eu seguia houveram vários feridos e um morto (pertencente ao pelotão de morteiros que como nós se encontrava estacionado em Cutiá).
Por fim, fomos passar os últimos 3 meses a Bissau de onde embarcamos finalmente para Portugal, ao fim de 22 meses de Guerra acesa e encarniçada em terras da Guiné.
Numa opinião final, o que mais me custou por lá, não foi propriamente a guerra em si mas sim a sede que lá passei (água de péssima qualidade que tinha de ser desinfectada e filtrada) e um pré (ordenado) pequeno - quando comparado com o que ganhavam na altura em Angola ou Moçambique. Só mais tarde o Gen. Spínola conseguiria que os militares da Guiné ganhassem o equivalente aos companheiros de Angola e Moçambique. Nessa altura já tínhamos regressado.
As condições de ontem (há 40 anos...) não têm nada a ver com as de hoje (em que os nossos militares no estrangeiro, no nâmbito de missões NATO ou da ONU, têm a possibilidade, por exemplo, de falarem gratuitamente com os seus familiares por telefone, internet e vídeo) (...). É bom que eles também saibam que seu progenitores, a geração dos seus pais, passaram na guerra do Ultramar, onde a guerra foi longa e dura, a morte espreitava a cada momento, em cada esquina, atrás de qualquer árvore, arbusto ou monte de baga-baga, naquelas temíveis e assustadoras matas tropicais.
Um abraço a todos os camaradas de Guerra.
Jorge Lobo,
1º Cabo At Art da CART 1660
Ao chegarmos a Bissau o pessoal da minha companhia sentiu pela 1ª vez o cheiro típico a terra queimada, aquela terra vermelha típica de terras Africanas.
Logo após o desembarque recebemos a notícia de que íamos ficar destacados em Mansoa e de seguida alguém nos confidenciou de que ali era, nem mais nem menos, que um local de extremo movimento bélico...
Subimos para as viaturas e logo à chegada a essa vila de Mansoa, sentimo-nos tristes e desmoralizados ao ver a alegria do pessoal a quem íamos render, que era da CCAÇ 816 (Lobos do OIO). Os seus elementos encontravam -se sorridentes e aos pulos em cima das suas viaturas, tirando as fotos de despedida. Momentos depois, seguirem para Bissau a fim de embarcarem para a metrópole no navio de que nós tínhamos desembarcado pouco tempo antes.
Ficamos adidos ao BCAÇ 1857 que actuava nas temíveis zonas de Sarauol, Locher, Changalana, Cobonje e por vezes também no Morés.
Não foi preciso muito tempo para que o meu pelotão tivesse o seu baptismo de fogo.
Uma semana após, quando fomos em viaturas buscar uma companhia que vinha da mata do Locher, fomos emboscados a cerca de 6 km do Jugudul na estrada que liga às localidades de Mansoa e Portogol.
Aqui, tivemos a oportunidade de conhecer finalmente o amargo sabor da guerra, ao ver um ferido pertencente á CCAÇ 1420 ou 1421 (salvo erro) que tínhamos ido escoltar.
Ao ouvir os primeiros tiros, pensamos que ainda estávamos nos treinos do IAO no Guincho, só passados momentos verificamos que ali, as balas não eram de madeira mas sim de chumbo envolvido em latão...
Um mês passado, nova emboscada na zona do Alto Namedão, onde um elemento da nossa milícia que ia à frente da coluna, foi atingido por uma roquetada que lhe arrancou o cinto e cartucheiras indo rebentar atrás de si sem lhe causar qualquer ferimento.
Numa coluna, 3 semanas depois, rebentou uma mina na segunda viatura, quando íamos a caminho de Portogol, de que resultou vários feridos e um furriel miliciano morto, que ia ao lado do nosso motorista.
Um mês depois estávamos no quartel, quando ouvimos um grande estrondo na estrada Mansoa-Portugol. Arrancamos de imediato para ver o que se passava e deparamos com um Unimog destruído, à sua volta viam-se vários mortos e feridos e diversos pedaços de pernas humanas espalhadas pelo terreno, num raio de 100 metros, um dos quais ainda com a bota calçada. O efeito devia-se a mais uma mina anti-carro que tinha rebentado sob a viatura que era da companhia do batalhão onde estávamos agregados.
Uma semana depois, num patrulhamento ao Sarauol, pelo lado oposto da bolanha, entre Cutiá e Sarauol, o soldado Aradas reparou num fio de aço esticado ao lado da picada, fio este que estava ligado a uma granada defensiva (armadilhada), que foi desmontada pelo nosso Fur Mil Farromba.
Recordo que, para essa operação, tinha sido chamado à última hora um soldado, de nome João, que não estava previsto sair nesse dia. Curiosamente, esse mesmo soldado, que tanto se lamentou por ter sido nomeado para essa operação e que, a caminho do objectivo ia a rezar com um terço na mão, para que nada de mau lhe acontecesse... foi o único morto em combate quando a companhia, que se encontrava estacionada em círculo dentro da mata do Sarauol, foi atacada. O infeliz João estava a meu lado deitado no chão, atrás do tronco da árvore, e a sua morte foi provocada por um estilhaço de morteiro 82 mm, que passou por baixo do tronco atingindo-o na cabeça.
Passados mais 15 dias, fomos até perto da temível mata do Locher numa coluna motorizada, a fim de proteger e trazer uma companhia que vinha de uma operação no local. No momento em que chegávamos ao local onde nos devíamos encontrar com a CCAÇ 1420, estava ainda essa companhia a fazer fogo sobre o acampamento IN.
Minutos depois, pouco antes da 1420 se encontrar com a nossa companhia, sofreu uma nova emboscada já muito perto do local onde nos iria encontrar.
Casualmente e sem se aperceber disso, o inimigo montou a emboscada à 1420 numa zona em que a minha companhia (1660) estava precisamente emboscada à espera da CCAÇ 1420.
Assim, o IN ao fazer fogo para a 1420, que vinha da sua casa de mato, acabou por ser fustigado pela retaguarda e pela frente através da resposta imediata da companhia 1420 e da minha CART 1660, tendo-me permitido alvejar com sucesso um guerrilheiro do PAIGC que se encontrava a disparar, empoleirado no cimo de uma árvore com uma PPSH (costureirinha), contra a companhia que vinha do objectivo.
Fica para a história esta cena em que disparei mortalmente sobre o IN, pois a G3 com que o matei não era a minha arma, que de tanto fazer fogo tinha o cano em brasa e quase a não conseguir disparar, além de que eu também já tinha poucas munições.
A mortífera G3 era de um cabo do meu pelotão, que viu a sua arma encravar-se e ficou em pânico tendo sido eu a desencravar-lha com a minha faca de mato.
Mal acabei de a desencravar vi o tal elemento IN e disparei instintivamente, matando-o.
Não chegamos a capturar a PPSH dele porque entretanto a companhia 1686 já se nos tinha juntado.
No regresso a Mansoa, fizemos uma paragem no caminho para descansar e eis que o Aradas (qual Rambo à portuguesa), olhou em frente e viu na picada um grupo IN a cerca de 200 metros saindo da estrada e infiltrando-se na mata.
Levantamos todos simulando que continuávamos a marcha na direcção de Mansoa.
O Aradas ia sozinho à frente da coluna e, a cerca de uns 100 metros atrás, seguia-o o segundo militar da coluna. Ao aproximar-se do local onde os guerrilheiros se tinham emboscado, ao lado da estrada, começou a disparar sobre o IN provocando de imediato um arraial de fogo dos dois lados.
Conseguiu assim o destemido Aradas minimizar os danos que podíamos ter sofrido, já que, desta forma, não fomos apanhados de surpresa pelo inimigo, mas, mesmo assim, tivemos um morto pertencente a uma companhia do BCAÇ 1912.
Completados uns seis meses de comissão, calhou ao meu pelotão ir para o destacamento do Jugudul, o qual não possuía abrigos porque se supunha que o inimigo nunca o atacaria por ser uma ex-escola.
Mais tarde depois da nossa substituição no Jugudul, o destacamento que ali se encontrava haveria de ser atacado sofrendo vários feridos e provocando um morto do lado do PAIGC, do qual falarei mais adiante.
Do Jugudul fomos destacados para a ponte de Braia, por um período de 2 meses, e daí voltamos para Mansoa para continuar a parte operacional.
Estávamos praticamente a meio da comissão.
De novo em Mansoa, numa certa madrugada o Jugudul voltou a ser atacado. Na manhã seguinte o meu pelotão foi lá fazer o reconhecimento e encontramos o municiador de uma metralhadora IN morto, caído no chão, de costas, atrás de um monte de baga-baga e enrolado num pente de balas de alto calibre.
Pouco tempo depois, a CCAÇ 1686 (pertencente ao BCAÇ 1912), que entretanto tinha substituído o BCAÇ 1657, fez um golpe de mão na mata de Tenha-Locher e no regresso sofreu uma forte emboscada, em plena bolanha junto do acampamento, de que resultaram vários mortos e feridos, tendo lá ficado abandonado um soldado milícia morto que era o melhor guerreiro que tinha esse batalhão.
Mais uma semana se passou e fomos acordados por volta da meia-noite, tendo o nosso capitão dito na formatura que se seguiu, que teríamos de ir destruir por completo um acampamento turra onde uns dias antes tinham acontecido todos aqueles mortos e feridos, no Locher.
Foi um problema para a nossa saída do quartel. Competia ao meu pelotão ir à frente da coluna que partiria para o objectivo, mas o nosso alferes (comandante de pelotão) e mais um cabo da minha secção entraram em pânico, o que originou que o CMDT de companhia pedisse voluntários entre os restantes homens, para tomarem o lugar deles sempre que houvesse operações de assalto a casas de mato. Acabei por me incluir nesse voluntariado.
Chegamos ao Locher, entramos na mata por volta das 04h30 da madrugada e seguimos por fora da picada, cortando ramos de árvore, para passarmos de forma a evitar a sentinela IN. Finalmente entramos no acampamento e verificamos que estava abandonado, de forma que apenas nos restou destruir (queimar) as casas de mato ali existentes, após o que regressamos ao quartel sem qualquer contacto com o IN.
Uma semana depois, mais um patrulhamento na zona de Ga Fará, já perto de Morés, na operação “Estrela do Norte”. Eu ia em 2º lugar à frente da coluna juntamente com a milícia. Encontramos uma casa de mato e deparamo-nos com vários guerrilheiros a fugir, disparei de imediato atingindo um deles e tendo-lhe capturado a sua arma (Kalasnikov).
Recordo a sorte que tivemos a caminho de Ga Fará, pois encontramos uma armadilha no caminho que obviamente não seria detectada se acaso a minha companhia tivesse saído de noite (como estava previsto). Tal não veio a acontecer porque o pessoal se atrasou, o que deu direito a um raspanete do nosso capitão, mas que nos permitiu ter chegado já de dia ao local onde se encontrava a armadilha, que, assim, acabou por ser detectada e desmontada.
Pouco tempo depois fomos passar cerca de um mês ao Olossato, nos arredores de Morés. Aí num dos patrulhamentos sofremos uma emboscada, onde conseguimos ferir num joelho um elemento IN e capturar-lhe a arma. Esse elemento foi transferido para Bissau, onde foi tratado e ficou por lá como guia das nossas companhias de comandos.
Regressados do Olossato a Mansoa, fizemos um golpe de mão perto de Uaque (local onde se acoitava um grupo IN), que na altura montava minas anti-carro na estrada Mansoa-Bissau.
O acampamento estava desabitado, pois antes de lá chegarmos o IN já tinha fugido, excepto o seu enfermeiro que não tinha tido tempo de fugir com os seus companheiros e se encontrava a dormir, tendo-lhe eu e um soldado milícia capturado a arma e a bolsa de enfermagem.
Ainda fizemos mais uma saída à zona do Sará para montar uma emboscada e tentar apanhar na fuga o inimigo, que tinha sido surpreendido num golpe de mão por parte da do Batalhão estacionado em Mansabá.
Finalmente o meu pelotão foi destacado para Cutiá.
Numa ida, em viaturas, a Mansoa, fomos emboscados em Sansanto, tendo o Aradas e eu feito o reconhecimento à mata após a emboscada. Aí estivemos perto de capturar um elemento IN ferido, que acabou por escapar por minha culpa, ao pedir ajuda ao Aradas, para me ajudar a localizá-lo. Eu tinha ouvido perfeitamente os seus gemidos ali por perto. Pela vida fora, arrependi-me de ter chamado o Aradas pois penso que sozinho teria capturado não só o ferido como também a sua arma.
Este, acabou por deixar de gemer e não o conseguimos encontrar no capim porque tínhamos pressa de continuar a viagem nas viaturas, para seguir para Mansoa.
Na semana seguinte tudo nos correu pior, pois quando íamos de novo a Mansoa, abastecer (seguíamos em 2 viaturas uma delas rebocando a outra por avaria), mais ou menos a 20 km/h e éramos alvos fáceis, no preciso local onde uma semana antes fôramos emboscados, voltamos a sê-lo de novo, e na viatura onde eu seguia houveram vários feridos e um morto (pertencente ao pelotão de morteiros que como nós se encontrava estacionado em Cutiá).
Por fim, fomos passar os últimos 3 meses a Bissau de onde embarcamos finalmente para Portugal, ao fim de 22 meses de Guerra acesa e encarniçada em terras da Guiné.
Numa opinião final, o que mais me custou por lá, não foi propriamente a guerra em si mas sim a sede que lá passei (água de péssima qualidade que tinha de ser desinfectada e filtrada) e um pré (ordenado) pequeno - quando comparado com o que ganhavam na altura em Angola ou Moçambique. Só mais tarde o Gen. Spínola conseguiria que os militares da Guiné ganhassem o equivalente aos companheiros de Angola e Moçambique. Nessa altura já tínhamos regressado.
As condições de ontem (há 40 anos...) não têm nada a ver com as de hoje (em que os nossos militares no estrangeiro, no nâmbito de missões NATO ou da ONU, têm a possibilidade, por exemplo, de falarem gratuitamente com os seus familiares por telefone, internet e vídeo) (...). É bom que eles também saibam que seu progenitores, a geração dos seus pais, passaram na guerra do Ultramar, onde a guerra foi longa e dura, a morte espreitava a cada momento, em cada esquina, atrás de qualquer árvore, arbusto ou monte de baga-baga, naquelas temíveis e assustadoras matas tropicais.
Um abraço a todos os camaradas de Guerra.
Jorge Lobo,
1º Cabo At Art da CART 1660
2. Amigo e Camarada Jorge Lobo, cumprindo a praxe, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.
Fotos: © Jorge Lobo (2010). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos. Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.
Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, física e psicologicamente, nos últimos 36 anos, com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos têm tratado.
Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e, por vezes, enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.
Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.
Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.
Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.
Fotos: © Jorge Lobo (2010). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos. Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.
Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, física e psicologicamente, nos últimos 36 anos, com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos têm tratado.
Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e, por vezes, enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.
Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.
Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.
Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7559: Tabanca Grande (258): Agradecimento à tertúlia (Dina Vinhal)