segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7624: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (42): Na Kontra Ka Kontra: 6.º episódio





1. Sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


6º EPISÓDIO

O Radiotelegrafista tinha montado uma antena dipolo orientada para Galomaro, tendo logo nessa tarde chegado a primeira mensagem do Comando, ordenando que se fizesse no dia seguinte uma operação de reconhecimento, na zona da antiga tabanca de Padada.

Lá se ia, novamente, por água abaixo a conversa com o João.

Havia que combinar tudo: Pessoal que ia, armamento que se levava e sobretudo deixar instruções bem definidas ao pessoal que ficava na tabanca. Caso ouvissem rebentamentos para o lado de Padada pediriam apoio aéreo, pois não há meios rádio móveis. Adiada a conversa resta a esperança. Seria no dia seguinte? Provavelmente não. Iriam ser percorridos uns 25 ou 30 quilómetros carregados com armas, carregadores e granadas, debaixo de uma temperatura a rondar os 40 graus com uma humidade de cem por cento e, portanto, iriam todos chegar exaustos.

Manhã bem cedo parte-se em direcção a Padada, para Sul portanto. Primeiro caminha-se ao longo da picada mas em determinada altura o Alferes Magalhães determina que se saia da picada, caminhando paralelamente a esta a uma distância considerada segura. Durante os primeiros quilómetros caminha-se descontraidamente tendo-se atravessado clareiras lindíssimas pejadas de morros de formigas, não de baga-baga, mas de umas que constroem o que parecem cogumelos gigantes.

Uma clareira lindíssima.

Numa dessas clareiras não deixa de haver o habitual ataque de abelhas. Não provoca muitos “estragos”, só duas ou três picadas, mas foi o suficiente para desorganizar completamente a coluna o que deu para imaginar o que poderia ter acontecido se em simultâneo houvesse uma emboscada do PAIGC.

A partir daí nova ordem: Caminhar sempre pela mata, que não sendo muito cerrada dava para uma progressão a bom ritmo, e necessariamente em absoluto silêncio. Quando já se estava perto de Padada começam-se a cruzar trilhos recentes e bem marcados no capim de um palmo de altura, com toda a certeza por guerrilheiros, ou por elementos da população afecta ao PAIGC. Claro que houve alguma tensão nos elementos da coluna. Em qualquer momento podia desencadear-se um recontro e se houvesse mortos ou feridos, mesmo vencendo a batalha, seria muito penoso carregá-los no regresso. O Alferes Magalhães não tinha muita fé nas possíveis evacuações aéreas.

Nada acontece e chega-se à que tinha sido a tabanca de Padada, vendo-se apenas os restos das moranças calcinados. O local no entanto não deixava de ser belo. Pelo meio do mato que ia crescendo no que foi a tabanca, ainda se podem ver restos de plantações de bananeiras.

Tendo cuidado em não caminhar pelo carreiro deu-se uma volta pela antiga tabanca.

Chegados ao destino havia que repor as reservas de água que entretanto se tinham esgotado. Um elemento da milícia, conhecedor do local, conduz a coluna para a antiga fonte da tabanca. Logo que o pessoal enche os cantis, o Alferes monta um cordão de segurança à volta do local e dá ordem para comer as rações de combate que se levavam.

Logo a seguir e, cumprindo a ordem de operações, monta-se uma emboscada no trilho com mais probabilidades de passagem de elementos do PAIGC. Passadas umas três horas em silêncio absoluto e porque nada aconteceu foi levantada a emboscada e inicia-se o regresso a Madina Xaquili caminhando agora paralelamente ao trilho anterior. Chega-se à tabanca ao anoitecer mas a horas de ouvir o relato dum Sporting/Académica.

Claro que nessa noite não há conversa com o João, o cansaço falou mais alto. Já na cama o Alferes Magalhães não deixa de pensar na Asmau, cuja imagem já se começa a desvanecer. Torna-se imperioso voltar a vê-la. Se não fosse o cansaço talvez não pregasse olho nessa noite mas, dadas as circunstâncias, acaba por adormecer.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7612: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (41): Na Kontra Ka Kontra: 5.º episódio

domingo, 16 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7623: In Memoriam (70): Na morte de Vitor Alves (1935-2010). Em memória de um homem honesto. (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCAÇ 763 “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos, em 14 de Janeiro, a seguinte mensagem.
Vitor Alves. Em memória de um homem honesto.
Camaradas,

Anexo, algo do pouco que vi publicado sobre um homem do 25 de Abril

O dedo na ferida!

Porque nós nos calamos?

Como queremos ser respeitados?

Vitor Alves, um dos mais sãos do 25 Abril teve esta projecção mediática apenas e alguns rodapés.

Obrigado António Duarte,

Mário Fitas
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCAÇ 763

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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P7622: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (1): 5/12/2009, sábado, viagem de carro, de Bissau (13h30) a Iemberém (21h50)




Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >   Gasolineira Galp em Bissau, com anúncio publicitário aos lubrificantes Galp com a figura do Figo... e um aviso surreal: "Multibanco fora de serviço!"...   (Foto tirada às 13h53).



Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >    Bissau > Um típico tocatoca da capital, que faz serviço de e para o aeroporto... Em segundo plano, a Discoteca Bambu 2000   (Foto tirada às 13h47)





Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >  > Imediações de Bambadinca    (Foto tirada às 16h45)


Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >  > Bambadinca > Placa de trânsito a assinalar a direcção de Bafatá, à direita (28 km) e do Xime, à esquerda (10 km). (Foto tirada às 16h44).



Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >  >  "Estação de serviço" nas imediações de Bambadinca... O apoio ao turista acidental, motorizado, é precário, no interior do país... (Foto tirada às 16h46).




Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




1. Já aqui publicámos diversas e belíssimas fotos do João Graça, o nosso novem tabanqueiro, músico e médico, interno de psiquiatria.... Em Dezembro de 2009, tirou duas semanas de férias, mete-se no avião da TAP - Air Portugal (ida e volta, viagem paga do seu bolso,  não pelo papá...) e passou-as na Guiné-Bissau,  onde contou com o inexcedível apoio do seu (e nosso)  amigo Pepito, director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, que lhe ofereceu cama, mesa e transporte, além da hospitalidade da sua família, no Bairro do Quelelé, em  Bissau.  


O João Graça ofereceu cinco dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009) das suas férias de quinze dias (de 5 a 19 do corrente), para trabalhar como médico (voluntário)  no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém. Além de Bissau e do sul (Cantanhez), o João teve ainda a oportunidade de viajar pela  a zona leste (Bafatá, Tabatô, Gabu, Contuboel...) e a região do Cacheu (S. Domingos).

Além de o convidar a ingressar no nosso blogue (o que ele aceitou com agrado), esperei até agora que ele nos disponibilizasse  alguns apontamentos do seu diário de viagem... Passado um ano, começo hoje a publicar alguns dos apontamentos  que ele foi escrevendo num pequeno bloco de notas (, mais estenográficas do que caligráficas, e por isso de difícil leitura), acompanhadas de algumas das muitas centenas de fotos que fez com a sua Nikon Reflex (estreada em anterior viagem ao Peru).  






Página manuscrita do bloco de notas do João Graça, relativo ao dia 5/12/2009 (Viagem de Bissau a Iemberém)




Tenho estado a editar essas notas, com uma ajuda muito pontual do autor (que, naturalmente, não tem de todo tempo para rever nem as suas notas nem o meu texto em word)... Espero fazer bom trabalho, não atraiçoando a sua escrita e o seu pensamento... Nalguns casos, por serem de todo ilegíveis ou fazerem referências muito pessoais a terceiros, optei por assinalar com parênteses rectos e reticências [...] essas partes do diário... Noutros casos, acrescentei, também dentro de parênteses rectos [   ], algumas notas da minha lavra.


Espero ainda que estes apontamentos tenham alguma utilidade e proveito para os amigos e camaradas da Guiné, sobretudo para os mais jovens... (LG)



5/12/2009, sábado  > De Bissau a Iemberém.


1. Pequeno almoço [, às 12h30,] com o Pepito: queijo [de ovelha], bacalhau, castanhas [iguarias trazidas de Portugal, e de que o Pepito é um um especial apreciador]…





2. “O caminho para Iemberém é muito bom no início, é por estrada, mas depois nos últimos 30 anos é terrível. Mas tem uma grande vantagem, sabes qual é ? É que à volta é o contrário!” (Pepito).[…]


5. “É uma pena o teu pai não poder vir à inauguração do museu de Guiledje, no próximo mês de Janeiro… Ele merecia vir” (Pepito)…

6. Viagem Bissau (13h30) – Iemberém (21h50). Carrinha Toyota, 2 pessoas: motorista Antero (como o Quental), funcionário da AD [, de etnia balanta, foto à esquerda], e Adbu (dizia “evidentemente”), natural de Bafatá, mandinga!


7. Demorámos 2 horas para sair de Bissau – gasolineira (anúncio da Galp com o Figo), mercado (“pessoas boas e pessoas más”), chaves, lojinha, apanhámos uma passageira de Iemberém que foi a um congresso sobre microcrédito, ela é agricultora.


8. Cascavel  [?], livre no caminho, elevou a cabeça ao atravessar a estrada.




Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >  Oficina de reparação de bicicletas e motorizadas, nas imediações de Bambadinca  (Foto tirada às 16h53).



Guiné-Bissau > 5 de Dezembro de 2009 > Viagem Bissau (13h30) - Iemberém (21h30) >  O Rio Corubal no Saltinho, visto da pousada (Foto tirada às 17h54).





9. Saltinho, das paisagens mais lindas que vi na minha vida, rio espelho,  margens com  pedras, pousada no Saltinho.


10. Bambadinca, quartel, precisavam de uma autorização [para visitar]. Só à volta.


11. Às 9h50 pm [21h50], chegamos a Iemberém.


12. [Recepção do] presidente Domingos [Fonseca] [...] [, foto à direita com a esposa]


13. A..., ex-namorado da J…, amiga do C…, é biólogo da FC/UL [Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa]. Estuda os chimpanzés [dari, em crioulo] no Parque do Cantanhez. “Babuínos [macacos-cães] estão a acabar. Comunidade come-os. Homens morrem com dor de barriga”.[...] Viu-nos no Barreiro, aos Melech Mechaya.


14. Música guineense ao luar com um grupo da Guiné-Conacri, 3 rapazes […]


15. “Jon, c’est pour toi, Jon… Portugal va gagner, Portugal va gagner!”… Cada vitória de Portugal [no Campeonato Mundial de Futebol, em 2010] vai ser uma festa… Até às 6h30… “Bienvenu, Jon”.


16. Amanhã há um casamento, vem o bispo [de Bafatá]! És um sortudo. O teu pai não teve disto.

(Continua)

[Revisão / fixação de texto / observações / selecção, legendagem edição de fotos: L.G.]

Guiné 63/74 - P7621: (Ex)citações (126): Irã cego, de Carla (ou Clara) Amante (José Brás)

1. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 15 de Janeiro de 2011:

Camarada e amigo Carlos
Envio-te aqui um pequeno texto sobre outros que me entusiasmaram no blogue
Se achares que vale a pena, deita-lhe fogo

Um abraço
José Brás


O Irã cego, de Carla (ou Clara) Amante

Da rubrica "Os 10 postes mais 'vistos' nos últimos 7 dias", recupero o poste do meu vizinho e querido amigo Paulo Raposo - Guiné 63/74 - P4484: Fauna & flora (20): Histórias de grandes serpentes: da jibóia de 7 metros (Paulo Raposo), bem assim como um texto que o Luís lhe acrescentou, penso que ainda, também, em 2009, sobre um outro da filha do nosso camarigo Manuel Amante.

E faço isso para te dizer, Luís, que com o texto que agora aqui repetes, eu disse e enviei, então, para o blogue as palavras que vou tentar transcrever porque penso que o meu comentário nunca foi postado e porque a mim me parece que o deve ser, não porque seja importante em si, mas como testemunho de admiração por quem escreveu tão belo "poema".

Nessa altura, no teu texto, disseste uma vez, Carla Amante e outra Carla Clara Amante (coisas da idade) e eu fiquei sem saber se era um, ou outro ou... os dois, o nome da filha do nosso camarada Amante.

Outra coisa que confundi no texto foi a naturalidade e a cor da pele (coisas realmente sem importância) da escritora, o que se pode notar no tal texto que te reenvio agora, através do Carlos.
Um abraço para vocês e para o camarigo Amante

PS: Tenho uma amiga alentejana que se chama Domingos Escária Amante que tem uma irmã de nome Elexina Escária Amante e podem ser primas do nosso camarigo.


Texto antigo

Luís
Dizes Carla e dizes Clara e eu fico sem saber se um, se o outro dos nomes é o certo, ou, até, se os dois, a um mesmo tempo.

Carla ou Clara?
Ou Carla Clara?
Ou Clara Carla?

Clara sei que é, porque lendo-a, a descobri iluminada por dentro, nesse dom que muito gostaria de ter eu também, que é o de arrumar as palavras num sentido que de leitores faz comparsas, dando um sinal do humano mais profundo que nos habita a todos e nos une nessa partilha, esventrando-nos as crenças, as ânsias de felicidade, as esperanças, a aceitação ou a revolta nesta vida que nunca é total e cremos que poderia ser.

Diriam alguns académicos que o realismo fantástico se esgotou em Icasa, em Onetti, em Rulfo, mesmo em franjas de Isabel Allende e António Callado.

Gente de pouca fé.

Seria o mesmo que dizer que já não há sinfonias à espera de quem lhes junte as notas, os sons, as frases musicais em glórias e harmonias.

Clara ou Carla aí está para desdizer o absurdo.

"Irã Cego", no pequeno passo que pude ler, garante-nos uma irmandade funda e escorada no que o ser humano tem de melhor e esta dita civilização, com propósito, esmaga diariamente nos concursos televisivos, nos programas de imbecilização global e planeada.

Para criar coisa de valor, basta apenas ter talento.
Para falar como Clara fala, além disso, tem de ser um deles, dessa gente que aqui retrata, quer dizer, da gente de quem nos dá imagens nítidas e profundas.

Dividido, hesitei comentar porque, se é crime ficar calado, falar... falar poderá não ser mais que petulância.
Seja de que cor for por fora, clara é por dentro e negritude, também, a riqueza que me acrescenta no que fala.

Obrigado Carla Clara
Obrigado Luís

José Brás
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(*) Vd. poste de 11 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7588: Lugares de Passagem, de José Brás (1): Carta aberta a um amigo (José Brás)

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7611: (Ex)citações (125): Os prazeres do blogue: reconhecer caras de pessoas que conheci numa outra vida: CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)

Guiné 63/74 - P7620: Álbum fotográfico de António Sá Fernandes, ex-Alf Mil da CART 3521 e Pel Caç Nat 52 (Guiné 1971/73) (1): De Mafra à Guiné

1. Mensagem de  António Sá Fernandes, com data de 10 de Janeiro de 2011:

Meu caro:
Tendo em vista a publicação no blogue da Guiné, envio estas fotos.

Um abraço
Sá Fernandes
Valença




Mafra - COM

COM - Vendas Novas, 1970


3.º Pelotão V. N. Gaia 1970


Chegada a Bissau-1970


3.º Pelotão da Cart 3521


LCD - Bolama


Construção de pontão


Com o amigo Novais


Bafatá - 1972


Cart 3521
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2788: Tabanca Grande (64): Apresenta-se Sá Fernandes, ex-Alf Mil da CART 3521 e Pel Caç Nat 52 (Guiné 1971/73)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7619: Memória dos lugares (120): Bambadinca, ao tempo do Manuel Bastos Soares, ex-Fur Mil, CCAV 678 (1964/66), e da Dona Violete da Silva Aires, a professora primária cabo-verdiana



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Bambadinca > Fevereiro de 1966 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, à esquerda, e do Geba Estreito, à direita; em segundo plano, o morro, onde se situava o quartel e outras instalações civis e administrativas. Estas duas fotos foram tiradas de uma aeronave civil, dos TAG - Transportes Aéreos da Guiné, fretada pelo Cap da CCAV 678 para trazer víveres, de Bissau, para o pessoal.

[Na altura ainda ainda não existiam as modernas (no meu tempo, 1969/71) instalações do comando, messe e aposentos de oficiais e sargentos (LG)].




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Bambadinca > Fevereiro de 1966 > Vista aérea de Bambadinca, tirada do lado do Rio Geba e da estrada Bafatá-Bambadinca, vendo-se:

(i) em primeiro plano a tabanca, atravessada a meio pela estrada;

(ii) em segundo plano, a íngreme (e poeirenta, no tempo seco) rampa de acesso ao aquartelamento e aos edifícios administrativos da localidade (posto administrativo, correios, escola, capela...);

(iii) em terceiro plano, a tabanca de Bambadincazinho (à esquerda da estrada) e do outro lado, a pista de aviação e o cemitério local;

(iv) em quarto plano a bifurcação da estrada: para a esquerda, o Xitole e o Saltinho (não havia ainda Mansambo, aquartelamento só construído em 1968, pela CART 2339); para a direita, o Xime.

Ao fundo, do lado direito, talvez o Rio Udunduma, afluente do Rio Geba.






Guiné > Zona leste > Bambadinca > Julho de 1965 > Festa de 1º. aniversário da CCAV 678. Na mesa dos oficiais e sargentos, o 1º de frente e da esquerda é o Fur Mil At Manuel Bastos Soares, autor destas fotografias, natural de Vila Nova de Gaia e residente na Maia, Gueifães, vizinho do Abílio Machado (Bilocas), ex-Alf Mil da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Recorde-se que a CCAV 678 foi mobilizada pelo RC 7, partiu para o TO da Guiné em 18/7/1964 e regressou à Metrópole em 27/4/1966. Passou por Bissau, Fá Mandinga, Bambadinca e Xime. Teve 3 comandantes: Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque; Cap Cav Inácio José Correia da Silva Tavares; e Cap Art José Vitor Manuel da Silva Correia.





Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > Abril de 1965 > Capela local > Um grupo de meninos e meninas (só uma das quais é branca, filha do chefe de posto do Xitole, a frequentar a escola primária em Bambadinca), no dia da comunhão solene, devidamente enquadrados por uma freira, católica, muito possivelmente missionária e estrangeira (italiana)





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Bambadinca > Abril de 1965 > Festa da primeira comunhão > A menina branca, filha do chefe do posto de Xitole, ladeada pela Professora Primária Dona Violete (à esquerda, de óculos escuros) e a esposa de um dos comerciantes locais (à direita), ou mais provavelmente de um encarregado de uma das casas comerciais existentes em Bambadinca nessa época, Casa Gouveia ou Casa Ultramarina... (Recorde-me vagamente desta cara, ainda em 1969; dos comerciantes locais só conheci então o Rendeiro e Zé Maria).


Fotos (e legendas(: © Manuel Bastos Soares (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Telefonou-me, há dias, o nosso camarigo Manuel Bastos Soares que esteve em Bambadinca quatro anos anos de mim e da restante malta da CCAÇ 12(1969/71)... Ele pretendia o nº de telefone do Beja Santos para poder falar-lhe e comentar com detalhe as fotografias recentemente aparecidas na série Operação Tangomau...

O nosso camarigo Manuel Bastos Soares também passou pelo Xime, por Ponta Varela (onde ainda havia uma tabanca abandonada) bem como por Ponta do Inglês (cujo destacamento foi construído no seu tempo). Num patrulhamento a Ponta Varela, um dos seus camaradas pisou uma mina e ficou lá (ou foi evacuado, de heli, mas terá morrido, a seguir)...

Confidenciou-me que tem as melhores recordações de Bambadinca e que gostava de lá voltar. Por razões familiares, não tem podido colaborar com o nosso blogue, como desejaria. Mas prometeu-me mandar a foto dele, actual, pedida há mais de 2 anos... Recorde-se que ele entrou para o nosso blogue em Novembro de 2008.

Para o distinguir do outro Manuel Bastos (que esteve no TO de Moçambique, também membro do nosso blogue, desde a I Série, escritor e criador do blogue Cacimbo), passamos a identificá-lo por Manuel Bastos Soares.

Da apresentação que nos fez na altura, ficou-se a saber que o Manuel Bastos Soares é natural de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, e esteve na Guiné, como Fur Mil, de Julho de 1964 a Abril de 1966, primeiro na CCAÇ 555 (em Cacine e Cabedú, no Cantanhez) (**) e depois na CCAV 678, Bambadinca. 

Reside em Gueifães, Maia, a escassos 200 metros do nosso Bilocas, o nosso camarigo Abílio Machado, Alf Mil da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e fundador do grupo musical Toque de Caixa.

Mandou-nos então, o Manuel Bastos Soares, algumas fotos do seu álbum fotográfico, com as respectivas legendas. Numa delas descobrimos a Dona Violete, a professora da escola primária de Bambadinca que ainda lá estava no tempo do tempo do Beja Santos (Pel Caç Nat 52, 1968/70), do pessoal do BCAÇ 2852 (1968/69) e do meu tempo CCAÇ 12 (1969/71).

Estas fotos merecem ser de novo publicadas, mas agora com melhor resolução e contraste, em formato extra-largo (**) . E esperamos que, entretanto, apareçam mais...

Em Novembro de 2008, já tínhamos falado ao telefone com ele. Como na altura escrevi, "a cumplicidade da Guiné e o conhecimento de Bambadinca vieram logo ao de cima. Passados 30 segundos, já estávamos falar como velhos camaradas, e a tratarmo-nos como deve ser, entre camaradas da Guiné, ou seja, por tu"...

Foi nessa altura que ele me disse que tinha participado da construção do destacamento da Ponta do Inglês, e que havia passado por Fá, pelo Xime e pelo Enxalé. 

Nesse tempo ainda não havia o cais do Xime, nem a estrada Bambadinca-Bafatá era alcatroada... Teve mortos no Buruntoni e em Ponta Varela... Ao todo, a CCAV 678 terá tido 4 mortos, se bem percebi... Fez colunas logísticas ao Xitole, sempre com porrada... Nunca foi ao Saltinho.´

De vez em quando passa pela Tabanca de Matosinhos, às 4ªs feiras, seguindo a sugestão que então lhe dei. Foi formador numa escola profissional (CENFIM), está reformado há mais de 5 anos, é bom em desenho técnico, tem bons conhecimentos de informática mas gosta mais de conversar do que escrever... 

Espero que desta vez ele apareça mais vezes no nosso blogue. Já na altura, eu tinha-o desafiado a assinalar-nos as diferenças existentes em 1965/66 por comparação com as fotos de 1969/70, do Humberto Reis (ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 12, 1969/71, o nosso cartógrafo-mor...).

Desejei-lhe as boas vindas ao nosso blogue que ele, de resto, já conhecia e acompanhava há mais de um ano, silenciosamente... (Sentindo-se mais disponível depois da reforma, escreveu em 2007 a palavra Guiné no Google e foi dar com o nosso blogue, cuja leitura, frequente, já não passou a dispensar).

Pelas fotos de 1965 percebe-se que houve posteriormente uma escalada da guerra, na região de Bambadinca, que terá levado à saída das famílias portuguesas e ao aumento dos efectivos militares.

No seu tempo ainda não havia nenhum batalhão sediado em Bambadinca

(i) O primeiro terá sido o BCAÇ 1888 (1966/68);

(ii) seguido BART 1904 (que esteve lá, de Fevereiro de a Outubro de 1968);

(iii) o BCAÇ 2852 (de Outubro de 1968 até Junho de 1970);

(iv) o BART 2917 (Maio de 1970 /Março de 1972);

(v) o BART 3873 (que ficará até Janeiro de 1974);

(vi) e, por fim, o BCAÇ 4616/73 (de Janeiro até ao fim, Agosto de 1974).


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Notas de L.G.

(*) CCAÇ 555: Mobilizada pelo RI 16, partiu para o TO da Guiné em 29/10/1963 e regressou à Metrópole em 28/10/1965. Estve em Bissau, Cabedú e Bissau. Era comandada pelo Cap Inf António José Brites Leitão Rito.

Guiné 63/74 - P7618: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (14): Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Sei muito bem que partilham comigo a alegria daquele domingo de festa.
Segue-se a homenagem àqueles camaradas da Guiné que em Bambadinca partilharam angústias, mágoas e esperanças nos dias melhores.
Agora vou de viagem numa romagem de saudade.
Fiquem atentos.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (14)

Beja Santos

Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

1. Na véspera, depois da visita à Ponta do Inglês, faz-se um alto em Amedalai, há sempre saudades de Mamadu Djau, há sempre nostalgia em virar à direita e visitar de surpresa Taibatá, Demba Taco e Moricanhe, há vínculos que nunca morrem. Eis senão quando, enquanto se espera a chegada de Mamadu Djau e família, chega com placidez mas com gestos determinados José Carlos Suleimane Baldé, 1.º Cabo da CCaç 12, já aqui apresentado, e a quem o Tangomau pedira uma lista dos soldados ali residentes para divulgar junto dos camaradas portugueses. José Carlos entrega ao Tangomau uma folha e este lê: “Os soldados africanos ainda com vida, para além de mim próprio, que vivo em Amedalai são Sori Modjo Baldé, Suleiman Baldé, Cherno Baldé e Bobo Gomó de Taibatá; de Amedalai temos Djambalo Baldé e Totala Baldé; de Demba Taco o Mamadu Sori Baldé; há um Califo Baldé do Cossé e outro Califo Baldé de Galomaro; e Dembra Djau de Bambadinca. Estes, tenho a certeza que estão vivos, mas a maioria já morreu”. E terminava com um apelo: “Furriel Reis, não te esqueças de mim, tu sabes que a crise aqui é permanente”.

O Tangomau lê e guarda a missiva destinada a quem em Portugal fez parte da CCaç 12. O cansaço é quase extremo, sente ânsias em percorrer com os olhos as bolanhas a partir do Bairro Joli, é para ali que Lânsana Sori o conduz. Irá presenciar um prodigioso lusco-fusco, tem na mão uma leitura falsamente ligeira “Maigret e o Cliente do Sábado”, desta feita o mais famoso comissário da polícia judiciária francesa é visitado aos sábados por alguém que chega e parte discretamente, um dia segue o comissário até casa e faz-lhe confissões dolorosas sobre a vontade que tem em matar a mulher. Léonard Planchon, tímido, titubeante, pesaroso, derrotado, pequeno industrial, foi escorraçado pela mulher, sujeita-se em viver na sua própria casa com o amante dela, seu colaborador. Se dúvidas houvesse quanto ao talento inconfundível, a arquitectura magistral dos diálogos, a descrição dos ambientes, a carga de ódio vivida em silêncio dos executores do crime, este livro de Georges Simenon dissipa as últimas reticências. Anoiteceu, o Tangomau vai descrever ao jantar, à Dada e ao Mio, enquanto bebe sumo de papaia, o que viu na estrada para a Ponta do Inglês e como gostaria de ter calcorreado pelos seus próprios meios a extensa bolanha do Poidom, entre Ponta Varela até à Ponta Luís Dias. Daquele fim de tarde ressuscita-se uma imagem em Amedalai, José Carlos está sentado entre Samba Gebo e Madiu Colubali. Repare-se na firmeza do olhar, a pose séria, importa não esquecer que ele quer dar um sinal de vida aos camaradas da CCaç 12 que ele não esqueceu, até porque ele sabe que os seus SOS têm chegado a bom porto. E continuarão a chegar.



2. O Tangomau já prevê, antegoza, as alegrias da festa deste domingo, 28 de Novembro. De manhã à tarde, sem subterfúgios, ele pertence a quem viaja de longe ou de perto, é um dia para matar saudades, para estar sentado e recordar vivos e mortos, pedir ao Deus misericordioso que lhes dê mais esperança, a começar pela esperança de vida, pois mesmo com artroses, os corpos esquálidos, os olhos doentes, não há nada de mais lindo do que ir ao encontro de quem nos estima e não nos esqueceu – o Tangomau aprendeu com esta voz silenciosa que os sinais da esperança são como os do amor, intempestivos, imprevisíveis e que impactam uma extrema doçura, dá mesmo vontade que se repitam pela vontade desse mesmo Deus misericordioso. Chegou Calilo Dahaba, primeiro as vitualhas para o Bairro Joli, a seguir as azafama do foleré, a saber a carne de vaca que já se encomendou àquele energúmeno Rachide, o mesmo que teve audácia em mandar carne pode para o Bairro Joli, desta vez faz-se a encomenda na presença de vários latagões de olhar frio, avisa-se mesmo que se a carne tiver vício oculto ele a comerá toda, incluindo os ossos; segue-se a ida à praça, à procura de batata inglesa, batata-doce, candja, orégãos e djacatu; o resto é comprado nas lojas dos mauritanos e dá pelo nome de alho, calda de tomate, óleo, sal e cebola. Parecem detalhes insignificantes, não é? Pois não são, comprar é uma epopeia, parece um rally paper, de uns sítios somos atirados para outros, há faltas aparentes que acabam por ser supridas graças a uma informação benfazeja. Faltam as bebidas frescas, álcool é impensável, seria tomado como gesto afrontoso, estamos entre fulas, mandinga e beafadas, aqui prevalece o Corão. É nisto, de comprar e levar os carregamentos até Aidjá, a sacerdotisa da cozinha que surge M’Fon Na Bra, comandante de bi-grupo em Ponta Varela, também já referenciado. Vem por dois motivos: tirar fotografia, pois agora somos amigos, nada de bazucadas nas embarcações do Geba, como há 40 anos atrás; e vem mortinho de curiosidade, nunca acreditou naquela festa, confessa-se surpreendido com gente que chega de vários regulados. “Tira fotografia, branco!”. E branco tira fotografia, pois.



3. Não vale a pena esconder as afinidades afectivas, Mamadu Djau merece sempre um retrato à parte. De manhã ao entardecer, o Tangomau não se cansará de recordar o que lhe deve, no fundo o que todos lhe devem, o que ele não esqueceu e até já registou em dois livros, e sempre comovido. O que ele gostava mesmo era que o Mamadu tivesse um telemóvel, para haver uma conectividade permanente, nos dias bons e nos dias maus, nos dois sentidos. O pretexto hoje para a conversa foi a Ponta do Inglês, o que ali se sofreu. Mal sabe o Mamadu que alguém vai estar atento ao apelo do Tangomau lá no blogue. Trata-se do camarada Manuel Bastos, que viu nascer o destacamento da Ponta do Inglês e quer prestar declarações pormenorizadas. Como vai acontecer. Mamadu olha a câmara, está pimpão, sente-se bem, vai falar pelos cotovelos com aquela discrição habitual dos valorosos genuínos.



4. Depois das efusões chegam as petições, inexoravelmente. Quem vive à míngua, tem sempre coisas a pedir: dinheiro, um visto, um bem de consumo, por exemplo. O Tangomau bem se esforça por considerar estes pedidos dentro da esfera da lógica, não é fácil. Estes camaradas vêm à espera de um milagre, foi dito uma vez, mil vezes se escrevesse e tudo continuaria incompreensível: se ele veio é porque recebeu mandato do presidente da República ou do primeiro-ministro para nos dar uma pensão; se não pode dar uma pensão, compete-lhe dar-nos um jeito à vida, não se viaja de um Eldorado até este vulcão de precisões só para dar abraços e falar na dignidade e na admiração, coisas assim, o que nós precisamos é de comer, ter uma bicicleta, ir ao médico ou fazer operação, confiarmos no futuro, não vivermos entre a vida e a morte sem lhe conhecer a fronteira. O Tangomau enquanto ouve estas petições lembra-se do dia em que lhe apareceu Abudu Cassamá, que era um menino com as costas retalhadas devido à deflagração de uma granada incendiária, eventos vividos em Finete, corria o ano de 1967. Pois voltou a vê-lo em 1991, apareceu-lhe bem crescido e com uma cabeleira de juba de leão. Abraçou-o mas Abudu vinha exigente na petição: um rádio, um relógio e um saco de arroz. O Tangomau sentiu-se amargado, demorou a digerir o que considerou um encontro interesseiro, esquecido que há diferenças substanciais nas relações entre as pessoas que têm acesso aos bens e as que tudo lhes é negado. É esta a realidade, mas dói muito todos estes encontros com petições possíveis e impossíveis. Por isso o Tangomau chora, rendido, vergado pela força do destino. E assim começou a festa, com toda aquela gente a cirandar, aproveitando as sombras dos alpendres. O Tangomau está esfuziante com a alegria de todos.



5. O foleré parece bem apetitoso, é uma da tarde, as bajudas trazem cântaros de água refrescada, mais tarde virão os gelados, depois a fruta. O Tangomau não pára, vagabundeia, pede opiniões, faz perguntas insólitas a Djiné Baldé, a Sadjo Seidi, ao Príncipe Samba, dá-se ao cúmulo de misturar o passado com o presente, de exigir que todos fiquem com trabalho de casa, uns haverão de encontrar Quebá Sissé, Adulai Djaló, Jobo Baldé, Tomani Sanhá, Sadibi Camará, entre outros. Hoje não aceita que lhe revelem mais mortos, os vivos serão procurados e em tal convocatória referir-se-á, assim pede a todos os mensageiros, que se deixam abraços sem fim, votos de felicidade e longa vida.



6. Os estômagos estão saciados, todos recusam estar mais tempo vergados sobre as caçarolas da bianda. O Príncipe Samba informa que vai fazer um discurso, tem coisas importantes a dizer. Mas é Fodé quem abre as hostilidades, como se estivesse a gritar para que toda a vizinhança ouvisse até ao porto de Bambadinca, esclarece que recebera uma carta do Tangomau a pedir-lhe suporte para uma viagem/romagem, ele fez o que pôde, justifica-se, pôs os carros de combate ao serviço da missão, telefonou e enviou mensagens. Queria que todos soubessem que este encontro nada tinha a ver com a guerra do passado, eram saudades entre camaradas. É nesta vociferação que Fodé se comove, embarga-se-lhe o discurso, chora corajosamente, lembra o acidente que o vitimou, lembra o Cuor, diz que lamenta estar cego e não poder ver todos aqueles com quem esteve na picada. O Príncipe Samba toma a palavra, o Tangomau sente a pele de galinha, Albino Amadu Baldé parece um profeta, inicia a sua oração dizendo: “Em nome do Deus misericordioso a quem devemos a existência, aqui estamos a prestar contas desta amizade imorredoira, pedi vezes sem conta para rever este inesquecível amigo, é bom rever quem já tinha esquecido, quer que todos saibam que vou guardar lealdade a este amigo até Deus me subtrair a existência. Aqui estou a responder à chamada. Daqui não partirei sem orar a Deus por todos nós, que tenhamos paz e que se cumpra a justiça”. Como se tivesse passado ali um trovão, mal se calou cavou-se um silêncio profundo. Foi então que o Tangomau se levantou, pediu a todos que se formasse um círculo, como em Missirá ou em Finete, pois ia falar e pedia ao Príncipe Samba para traduzir em crioulo. Estava tão exaltado, sentia uma tal beatitude que quando mais tarde alinhavou as notas do evento esqueceu o essencial da prosódia. Terá dito coisas como isto: estou a viver um dos mais belos momentos da minha vida, sim, Deus é misericordioso ao dar-me esta oportunidade, chegar a Madina de Gambiel e ser reconhecido sem me apresentar, ter batido à porta desta casa Manco Cotou, aquela mulher que ficou ferida na explosão da granada incendiária que também feriu o Abudu Cassamá, com um sorriso nos lábios disse nunca me ter esquecido, olho para todos vós e recordo as atribulações vividas, agradeço-vos terem vindo, amo-vos muito e quero exprimir a gratidão que sinto por tudo quanto me deram em dedicação. E sentou-se prostrado pelo peso da declaração. É nisto que vê Zeca Braima Sama que tudo grava e fotografa e que também pede a palavra para dizer que é uma das mais lindas cerimónias de toda a sua vida. Os que vão para mais longe anunciam que chegou a hora da partida, vão fazer oração e de bicicleta ou toca-toca regressarão a suas tabancas. Dispara-se uma fotografia e é neste entremês que o Tangomau começa a soluçar, temeroso pela despedida. Atenda-se à solenidade dos rostos, ninguém acredita que é um encontro de antigos combatentes, parece uma reunião de antigos alunos, um grupo excursionista, coisa que o valha. Mas não, estes são alguns dos homens que acompanharam o Tangomau até à quinta dos infernos. Que esta imagem consagre essa lealdade e essa dedicação.



7. Agora reina a confusão, os que partem querem tirar fotografia com os que ficam, o Tangomau deixa seguir, que se misturem, que se divirtam, que acamaradem. Siga a festa!



8. O Príncipe Samba anuncia a oração. O Tangomau pede licença para captar o momento, está autorizado. É a oração da tarde, Deus seja mil vezes louvado por tudo quanto criou e que os homens o louvem com o coração brando, imaculado. O Tangomau não sabe se é exactamente isto que se está a passar, Albino avisou que ia rezar por todos. Então, que haja louvor por todos estes homens que até durante a guerra foram sinceramente louvados.



9. A glorificação está praticamente no fim. Quem vai para o Corubal ou para os fundos dos Cuor, até mesmo para o Enxalé, abraça quem fica. Há muitos olhos líquidos, vozes embargadas, compreende-se. Faz parte das leis da vida que não se pode brincar ou apoucar o irrepetível. E partem. Ainda há mais conversa, naquela cálida tarde. É nisto que se ouve o ribombar da motocicleta do Lânsana Sori, está marcada para agora a última viagem desta peregrinação nos arrabaldes de Bambadinca. É uma homenagem ao Luís Graça e à CCaç 12, vamos a locais inesquecíveis, que a todos marcou. O motociclo arranca, pela estrada diz-se adeus a quem prossegue até casa. Adeus e até ao meu regresso. É no meio destes acenos que o Tangomau indica o último destino deste último dia deste local onde viveu e combateu qualquer coisa como dois anos.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

Guiné 63/74 - P7617: Blogpoesia (108): HERÓIS e heróis (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  13 de Janeiro de 2011:

Carlos,
Com um grande abraço de amizade, envio daqui mais umas cinco sextilhas subordinadas ao tempo acima referenciado.


HERÓIS e "heróis"

A todos, "camarigos" meus, guinéus,
aos vivos e aos mortos lá nos céus(?)
HERÓIS que fostes, sempre tão sofridos...
Aqui vos agradeço a amizade,
Se a uns evoco só como saudade,
abraço os outros pelos tempos idos...

Mandantes e mandados fomos todos,
sob outros mandos, muitos, sempre a rodos,
em guerra desse nome só p`ra alguns...
Proporcionalidade inversa aos p`rigos,
tem o militar posto ante inimigos,
de capitão p`ra cima, são nenhuns...

E capitães, insisto, milicianos,
que os outros nessa guerra eram "paisanos"
perdidos entre REPS de Bissau...
Nas guerras de alecrim e manjerona,
dos pionais, marcando zona a zona,
na capital havia a dar com pau...

No mato, onde elas cantam é que contam,
soldados, carne e osso, se amedrontam
perante a emboscada ou flagelação...
No ar condicionado, os soldadinhos,
de chumbo tal qual lindos brinquedinhos,
"heróis" os manuseiam, pois então...
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7613: Blogpoesia (107): A liberdade é inata no poeta (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7616: Efemérides (60): 17º Aniversário do Monumento Nacional aos Combatentes da Guerra do Ultramar



17º Aniversário da inauguração do Monumento Nacional aos Combatentes da Guerra do Ultramar

Hoje dia 15 de Janeiro de 2011, decorrem 17 anos sobre a data da inauguração oficial do Monumento Nacional aos Combatentes da Guerra do Ultramar, localizado na margem direita do Rio Tejo, junto ao belíssimo Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.
Sugere-se a todos os ex-Combatentes, seus familiares e Amigos, que o possam fazer, se desloquem até junto deste nosso Memorial Nacional e ali coloquem flores homenageando assim aqueles cerca de 10.000 portugueses que, pela Pátria, faleceram em África.
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Nota de M.R.:
Vd. o poste anterior desta série em:
9 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7412: Efemérides (58): 1.º aniversário do lançamento do livro História de Portugal em Sextilhas, de Manuel Maia

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7615: (De)Caras (6): A emboscada às NT na estrada Galomaro-Bangacia (Duas Fontes), em 1/10/1971: o relim do comandante do PAIGC Constantino dos Santos Teixeira, Tchutchu



Guiné > PAIGC > Comando da Frente Bafatá > Gabu Sul > 1971 > Comunicado, assinado por Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu), sobre os resultados da emboscada montada pela guerrilha  a 2 secções  da CCS/ BCAÇ 2912 (Bafatá, 1970/72) e 1 secção da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72), na estrada Galomaro - Bangacia (ou Duas Fontes), em 1 de Outubro de 1971 (vd. poste P7604)(*)


Cópia de documento do Arquivo de Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, reproduzido, na página 67, no catálogo da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro. É um notável documento, objectivo, sucinto, escrito em português, e revelador dos valores, da organização e da disciplina  dos combatentes do PAIGC (**)...

Reprodução do documento, segundo leitura, revisão e fixação de texto de LG:


Comando Frente Bafatá. Gabu Sul, 7/10/71

Comunicado

Dia 10/1/71, os nossos combatentes numa emboscada feita na estrada Galomaro-Bangacia conseguiram destruir dois camiões militar[es], [sendo a] maioria dos ocupantes liquidados; deixaram no terreno 6 mortos confirmado[s] pelo nosso c/ [camarada ?], e apanharam 5 espingardas G-3 e alguns carregadores da mesma arma, e apanharam 2 relógios, trezentos e dois escudos e cinquenta centavos  (302$50) , [mais ] nove (9) vacas onde mandaram 5 para Quembera [ou Kambera], e ficaram com 4 no interior do país.


O c/ [comarada ?] Paulo Maló (***) mandou-me dizer para pedir à direcção do Partido, para que o c/ [camarada ?], M’ Font Tchuda (?) N’ Lona estava sem relógio[;], resolveram deixá-lo com um dos dois relógios apanhados durante a acção. Também trouxeram um prisioneiro, ele encontra-se con[n]osco.
Durante a operação tivemos dois feridos não grave[s], são eles Canseira Sambu, N’ Dankena (?) N’Hada.

Segue[m] com o portador as 5 espingardas G-3 apanhadas ao inimigo, e os outros objectos.

Saudações combativa[s].

[Assinatura:] Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu) [,foto a seguir]



Guiné > PAIGC > Fevereiro de 1968 > Constantino dos Santos Teixeira, Tchutchu, um comandante que se distinguiu na Frente Sul, mas que em finais de 1971 liderava a Frente Bafatá / Gabu Sul. Foi camarada de recruta, em Bissau, em 1959, do nosso camarigo, hoje sargento comando reformado e compositor musical, Mário Dias.

Foto de John Sheppard / Granada TV, publicada  no livro de Basil Davidson,   The liberation of Guine: aspects of an African revolution, (Middlessex, Penguin Books, 1971) (Reproduzida aqui, com a devida vénia aos autores e editora...)



2. Informação adicional introduzida em comentários ao Poste 7604 (*) pelo Paulo Santiago (2.1.), Abreu Santos (2.2.) e Luís Dias (2.3):

2.1. Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf, Cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72):

(...) "Não foi emboscada a uma coluna, tratava-se de um patrulhamento... E agora reparem nas horas, 20.30... Fazer um patrulhamento nocturno, montado em viaturas, deu em tragédia.

"Culpados? Octávio Pimentel, comandante do BCAÇ 2912 (Galomaro) (****) que mandou executar, e o Cap Santos, comandante da CCS, que executou sem normas de segurança, acabando por abandonar os mortos e os feridos, regressando a pé ao quartel, com a desculpa de vir em busca de ajuda.


"Não estive lá, mas estava uma secção do meu Pel Caç Nat 53, comandada pelo Fur Mil Martins, e o Sold Iero Seidi foi ferido com alguma gravidade, sendo evacuado para o HM 241. Também o 1º Cabo Mamadú Sanhá foi ferido ligeiramente". (...) 

2.2. Abreu dos Santos [, nosso leitor, camarada de armas em Angola, e estudioso da guerra do ultramar, a quem agradeço a precisão e oportunidade da informação]:

(...) "Informação sobre as 8 (oito) baixas mortais nas NT, resultantes de emboscada IN lançada  mais ou menos às 20:30 de 1 de Outubro de 1971 no sítio das Duas Fontes (itinerário Bangacia > Cansamba), a duas secções do Exército compostas por militares do BCaç 2912 (Pel Rec/CCS, 4º Gr Comb/CCaç 2700 e Pel Mil 288 / CCaç 2700):

(i) falecidos no local: Alfredo Tomás Laranjinmha (CCS); José Guedes Monteiro (CCaç 2700);  José Peralta de Oliveira (CCS);  Leonel José da Conceição Barrreto (CCS); Rogério António Soares (CCaç 2700).

(ii)  feridos graves, evacuados e falecidos no HM241: Luís Vasco Fernandes (CCaç 2700, em 5Out71) José Ferreira (CCS,  em 6Out71) e Iderissa Candé (Pel Mil 288, em 20Out71)" (...)


2.3. Luís Dias (ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74):

(...) Sou amigo pessoal de um dos intervenientes nessa emboscada, o ex-furriel Mário Bordaleiro, que me contou o que aconteceu e que o Paulo Santiago reproduz aqui muito bem. Uma desgraça, patrulhas nocturnas em viaturas de luzes acesas, em que muitos dos intervenientes não eram atiradores! (...)

[Revisão / fixação de texto: L.G.] (*****)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7604: Facebook...ando (7): A terrível emboscada sofrida por uma coluna da CCS/BCAÇ 2912 (Bafatá) e CCAÇ 2700 (Dulombi) em 1 de Outubro de 1971, às 20h30, na estrada Galomaro - Duas Fontes (Bangacia)... (António Tavares / Carlos Filipe / Juvenal Amado / Américo Estanqueiro)



(***) Deve tratar-se de Paulo Malú, hoje coronel [reformado ?] do Exército da República da Guiné-Bissau, e quadro superior das alfândegas, em Bissau [, foto à esquerda, na sede da AD - Acção para o Desenvolvimento, 2007, quando entrevistado pelo nosso amigo Pepito]; na altura, em 1971/72,  ele era o comandante ou chefe do bigrupo que emboscou, no Quirafo, forças da CART 3490 (Saltinho, 1972/74), causando mais de duas dezenas de mortos e um prisioneiro (o nosso António da Silva Batista, só libertado em depois do 25 de Abril de 1974)

Vd. poste de 12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago).

(****) BCAÇ 2912, mobilizado pelo RI2, partiu para a Guiné em 17/5/1970, e regressou `sa Metrópole em 23/3/1972. Esteve sediado em Galomaro (Zona Leste). Cmdt: Ten Cor Inf  Octávio Hugo de Almeida e Vasconcelos Pimentel.  Subunidades de quadrícula: CCAÇ 2699 (Bissau, Cancolim, Cap  Mil Art  João Fernandes Rosa Caetano);  CCAÇ 2700 (Dulombi,  Cap Inf Clos Alberto Maurício Gomes);  CCAÇ 2701 (Saltinho, Cap Inf  Carlos Trindade Clemente).

(***** ) Último poste desta série > 21 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7154: (De) Caras (5): Silate Indjai, um dos primeiros guerrilheiros do PAIGC a entrar em Guileje, dirige agora os trabalhos de detecção e limpeza de UXO (Pepito)