Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > O Alf Mil de Transmissões, Fernando Calado, de braço ao peito, junto à parede, crivada de estilhaços de granada de morteiro, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de Maio de 1969. Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais, mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação.
O Fernando traz o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol. Infelizmente não temos mais fotos dos efeitos (de resto, pouco visíveis) deste ataque.
Foto: © Fernando Calado (2007). Todos os direitos reservados.
1. Foi há 42 anos, a 28 de Maio de 1969: pouco mais de dois meses depois da grande Op Lança Afiada, que varreu toda margem direita do Rio Corubal, desde a foz até ao Xitole, o PAIGC atacou em força Bambadinca...
Fomos recuperar algumas versões já publicadas no blogue, na esperança de ainda aparecer alguém que tenha testemunhado os acontecimentos - alguém da CSS/BCAÇ 2852 ou das sunubnidades adidas (Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106, Pel AM Daimler 2046 - que possa, com mais propriedade e autoridade, dizer o que se passou nessa noite... Falta-nos a versão (escrita) dos nossos camaradas que estavam lá nessa noite... Ao longo destes últimos anos tenho "ouvido" versões pontuais... (LG)
(i) O ataque a Bambadinca...visto de Mansambo
por Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil, CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69) (*)
Dia 28 de Maio de 1969 ... Por volta das 00.30h ouvimos rebentamentos para os lados da Moricanhe. Mansambo ficava a sul de Bambadinca.
Afinal era Bambadinca. Era a primeira vez que tal sucedia. As minhas notas dizem que a 29 de Maio de 1969 fui informado às 5.30h que o meu Pelotão, o 3º da CART 2339, iria reforçar a sede de Batalhão por 15 dias.
Reforçar a sede do Batalhão? Coisa grossa, pensámos. Seguimos e aí tomámos conhecimento da destruição parcial do pontão do Rio Udunduma, afluente do Geba, na estrada Xime-Bambadinca.
Chegados à sede de Batalhão, iniciámos às 16h, com o Pel Caç Nat 63, a ocupação do pontão para sua defesa e de Bambadinca. No dia 30, fomos rendidos por 2 pelotões. Dia 31, pelas 14.00h fomos novamente para a ponte.
Dia 2 de Junho de 1969, pelas 20.30h, rebentamentos. Era Amedalai. 15 minutos depois Demba Taco e imediatamente Moricanhe. Dia 4 Moricanhe era evacuada para reforço de Amedalai. Dia 11, Mansambo era atacada e logo depois o Xime.
Regressámos a Mansambo.
A [, CCAÇ 2590,] futura CCAÇ 12 passou aqui nestes dias conturbados para iniciar a sua comissão [, em Contuboel]. [Mais concretamente, na manhã de 2 de Junho].
(ii) Três linhas telegráficas na história do BCAÇ 2852
por Luís Graça (**)
(...) Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação [, Lança Afiada,], o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros...
Esse ataque ficou célebre: os camaradas de Bambadinca, segundo algumas versões que ouvi na altura, da "velhice", e dados que confirmei mais tarde, teriam sido apanhados com as calças na mão, far-se-iam quartos de sentinela sem armas, não havia valas suficientes, houve indisciplina de fogo, etc.... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé , alcunha por que era conhecido o Gen Spínola, deu porrada de bota a baixo, na hierarquia do comando do batalhão, do tenente-coronel (*Pimentel Bastos, o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS (...).
A sorte da malta de Bambadinca (Comando e CCS/BCAÇ 2852, Pel Caç Nat 63, Pel Mort 2106 e Pel AM Daimler 2106, sem esquecer os civis...) terá sido, diz-se ainda hoje, os canhões s/r, postados ao fundo da posta, terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, menos de uma semana depois, a 2 de Junho, a vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados... em Bambadinca), alguns dos nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda falavam com emoção deste ataque:
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me o 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã (...)
Na história do BCAÇ 2852, o ataque (ou melhor, "flagelação") a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. " (...).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71> Uma jogatana de futebol, no campo de futebol do quartel, que ficava dentro do arame farpado... Ao fundo, as instalações de comando e, a seguir ao planalto de Bambadinca, a grande bolanha... A foto é tirada, do lado da pista, da direcção de onde terá partido o ataque de 28 de Maio de 1969, mal passava da meia noite.
(iii) Finete está a arder?
por Beja Santos (ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (***)
(...) Em socorro de Finete...
Era precisamente meia noite e vinte e cinco [ de 28 de Maio de 1969] quando começámos a ouvir roncos em catadupa dos obuses, uma sinfonia de armas pesadas, rockets e morteiros, a terra tremia bem perto de nós, o negrume da noite deu lugar a riscos desses pequenos cometas que são as balas tracejantes a esvoaçar no éter. Ainda a limpar-me , subo ao abrigo onde Ussumane Baldé assiste deslumbrado ao foguetório e sinto o coração contricto quando lhe pergunto:
- Ussumane, é Finete que está a ser atacada? - A resposta é me dada pelo seu olhar súplice:
- Ah, meu alfero, eles vão partir Finete todinha!.
Os minutos passam e não vejo chegar resposta do fogo de Finete.
- Que é que leva aqueles gajos a demorarem tanto tempo a reagir? - A multidão cresce na parada, não há militar e civil que não esteja esgazeado a ver este ataque assustador, quer pelo porte, quer pela falta de reacção.
De vez em quando há fogachos em direcção contrária, mas quem domina nesta cantilena de morte são as armas pesadas e os sons que conheçemos ao armamento do PAIGC. O meu olhar mareja-se de lágrimas incontidas, de tudo me recrimino por não ter pensado que o PAIGC ia rapidamente embalar uma resposta à nossa aparição em Sinchã Corubal. O fogo atroador prossegue, todos lastimam a destruição de uma Finete e há quem já vaticine que está reduzida a escombros.
Pela última vez, no alto daquele abrigo que abre para Sansão e que numa grande angular permite ver tudo o que é floresta de 14 quilómetrs até Finete, vejo e olho e começo a sentir no ar a nuvem espessa de um fogo que devasta quem vive para aqueles lados do Geba. É então que grito que vou partir com os voluntários que se oferecerem , em auxílio de Finete. Para quem falou de prudência à hora do almoço, é exactamente o oposto o que se está a viver no frenesim na parada de Missirá: O Setúbal já faz roncar o Unimog 404 para onde vão saltar cerca de 20 voluntários armados até aos dentes.
No meio daquele desatino, ainda consigo seleccionar dois bazuqueiros, três apontadores de dilagrama e levo o morteiro 60. Sento-me ao lado do Setúbal e determino:
- Daqui até à entrada de Canturé podes ir a 100 à hora. Depois páras, iremos todos a pé os últimos 4 quilómetros.
A corrida desenfreada é digna de um filme: aos tombos dentro da caixa do Unimog, os meus soldados examinam as cartucheiras, as cavilhas das granadas, a posição em riste das metralhadoras; gritamos como num manicómio acerca de cuidados que sabemos que não iremos cumprir, zelos impossíveis de respeitar, apelo à serenidade que ninguém controla. E minutos depois, muitos minutos depois, o Unimog pára arfante onde começa a longa recta de Canturé, muito antes da curva que se orienta para Gambaná e daqui para Mato de Cão.
O Setúbal vai sozinho na viatura e de faróis apagados. Graças a uma nesga de lua, dez homens de cada lado flanqueiam a picada.O ar está empestado pela pólvora. Caminhamos à espera do pior. A prudência vai aparecer a dois quilómetros de Finete, onde o mato é denso e os poilões escondem o luar. De tanto gritar durante a viagem, como se estivéssemos a incutir coragem uns aos outros, damos agora com o silêncio sepulcral que nos envolve. Que raio de Finete é esta que não tem cubatas a arder, nem se ouvem tiros isolados, nem gritos dos agonizantes?
Com alívio, em marcha lenta, passamos os pontos onde era possível o inimigo estar emboscado. E do alto do alcantilado, que é essa inclinação abrupta que descemos e subimos para chegar ou partir de Finete, assobia-se aos sentinelas que respondem com entusiasmo. Aguarda-nos um quadro surreal: somos recebidos com entusiasmo, abraços, tudo quanto é sinal de boas vindas. Vejo Bacari Soncó avançar em passo lesto e abraçar-me. É a medo e com a voz embargada que lhe pergunto:
-Irmão, temos muitos mortos? - Um olhar coruscante precede o atónito da resposta:
- Mortos, mortos de quê?. Mortos só se for em Bambadinca, ali é que há manga de canseira!- Atónito estou eu:
-Bambadinca, então foi Bambadinca que foi atacada?
Os pormenores do ataque a Bambadinca, em carta enviada à Cristina
E o Unimog marcha aos tropeções pela bolanha de Finete. Quando chegamos à margem do Geba, o canoeiro Mufali vem buscar-nos. O rio está na vazante, entramos na canoa com lama até à cintura. Na outra margem aguarda-nos o Machado e as suas Daimlers. Enquanto subimos a rampa para o quartel, dá-me os pormenores do ataque.
Em aerograma à Cristina, no rescaldo da manhã seguinte:
Os rebeldes vieram pela pista de aviação e cemitério, atacaram o quartel frente à porta de armas, perto da tabanca fula, onde o Almeida (Pel Caç Nat 63) tem a sua tropa, as morteiradas caíram perto da central eléctrica, residência de oficiais e sargentos. Todos, que nunca tinham sonhado em tal arrojo, encheram-se de pânico, e vieram para a parada onde desataram a fazer fogo desnorteado, e só não houve feridos e mortos por milagre.
O Capitão Neves foi para o morteiro enquanto a tropa do Almeida repelia os rebeldes que avançavam para a residência dos oficiais. Depois retiraram e entretanto o pesado morteiro de Bambadinca começou a reagir. Há muitos quartos esburacados e tectos desfeitos. Só há um ferido ligeiro: o apontador de morteiro do Almeida que ficara em Finete enquanto eu estava numa emboscada, ainda ontem. Esta é a resposta à grande operação do Corubal, de há dois meses atrás. Este o ajuste de contas....
A recordação mais impressiva dessa madrugada era a mulher do Tenente Pinheiro à porta do abrigo, enquanto as crianças dormitavam lá dentro. Ao amanhecer, verificámos a extensão dos danos, mas o meu lugar já não era ali. Ainda aproveitei para fazer compras de víveres, trazer algumas camas e fardamento. (...)
(iv) A verdade e a honra: Pimentel Bastos, um oficial português
por Luís Graça (****)
(...) O Beja Santos que, como sabem, veio a correr, como mais 20 voluntários, de Missirá em socorro de Finete (que ele julgava que estava a ser atacada) e que, chegado aí, descobriu que o ataque era a Bambadinca, e que foi o primeiro a chegar à sede do batalhão, nessa noite de 28 de Maio de 1969 (vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável ), vem em defesa da honra do seu comandante e seu amigo (um homem culto e sensível), garantindo-me, sob palavra de honra, que o Pimbas não estava em Bambadinca, mas sim em Bissau, de férias ou talvez em serviço, tanto faz… Logo nunca poderia ter sido ele o protagonista da humilhante cena no corredor, nas instalações dos oficiais, com o 2º comandante, de pistola em punho, a gritar: - Ó Pimbas, não tenhas medo!...
Aproveitou, o Beja Santos, no telefonema que me fez, na manhã do dia 2 de Agosto [de 2006], antes de ir de férias, também para me corrigir o seguinte ponto: o major que tinha a mania de andar com pistolas Walther em punho, à cowboy, era o de operações, o Viriato (Viriato Amílcar Pires da Silva), e não o 2º comandante, major Bispo (Manuel Domingues Duarte Bispo)…
(...) Compulsando a história do BCAÇ 2852, constato o seguinte, relativamente à actividade das NT no mês de Maio de 1969:
(i) dia 1, o Cmdt (Pimentel Bastos) deslocou-se ao local da Op Cabeça Rapada III;
(ii) a 8 acompanha o major de operações em visita ao Xitole e à Ponte dos Fulas;
(iii) a 12, os dois estão em Fá;
(iv) a 14, o Cmdt acompanha o Cmdt do Agr 2957 (coronel Hélio Felgas) em visita a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, Saltinho, Quirafo, Dulombi e Galomaro;
(v) a 24, o Cmdt deslocou-se ao Agr 2957 (com sede em Bafatá);
(vi) a 25 o Cmdt Militar e o Cmdt Agr 2957 visitam Bambadinca;
(vii) a 28, o Cmdt do Agr 2957, visita Bambadinca (depois do ataque, obviamente)…
Com esta actividade toda, não me parece razoável que o Pimental Bastos estivesse de férias, embora provavelmente já as merecesse: O BCAÇ 2825 partiu no Uíge, a 24 de Julho de 1968, e na estação seca de 1968/69 teve uma intensa actividade operacional, incluindo a Op Lança Afiada, a qual, segundo o Beja Santos, marca o princípio da desgraça do nosso tenente-coronel…
(...) Como é timbre da nossa tertúlia e e de acordo com o nosso código de ética, temos o direito à verdade, devemos sempre prezar a verdade dos factos… Temos também que prezar a honra dos nossos camaradas e até daqueles que mandaram em nós (umas vezes bem, outras vezes mal, não vamos agora discutir isso)… E sobretudo temos a obrigação de respeitar a memória dos nossos mortos – de todos os nossos mortos - que, esses, já não podem infelizmente defender-se nem apresentar a sua versão dos acontecimentos… (...) (*****)
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(*****) Último poste desta série > 28 de Maio de 2011 >Guiné 63/74 – P8343: Efemérides (47): Conferência “Presença Portuguesa em África” pelo TCor José Brandão Ferreira, em Lisboa, 9 de Junho de 2011