Tenho que meter a colher e peço desculpa ao com ou catchurro, de João Sacôto, que teve uma vida original, mas queria aqui contar uma das impressões que chamavam a atenção de um tuga que desembarcasse em Bissau a seguir à independência:
Os cães abandonados de Bissau.
Era impressionante a quantidade de cães que na célebre fome que o novo regime criou, morriam debaixo dos Volvo e dos Peugeot e de sarna e fome.
Com o abandono do interior pelas populações para Bissau, vieram aqueles cães que os guineenses gostavam de ter nas suas tabancas para guarda, caça e companhia. Bonita raça de cães, quase se poderia dizer que era uma raça apurada, pois mudavam apenas no tom da cor.
E, como os guineenses têm ou tinham um hábito de superstição, que nunca entendi completamente - que consistia em atirarem para cima do animal morto pedras e paus -, ficava um enorme obstáculo no meio da estrada, complicadíssimo para o trânsito, às vezes dias e dias.
Essa imagem dos cães de Bissau foi ou era muito degradante, embora em África houvesse pior.
Luís Cabral não teve a sensibilidade necessária, embora tivesse muita vontade de fazer melhor.
O Toby, de João Sacôto, fez-me recordar algo que me marcou em Bissau.
Cumprimentos
Antº Rosinha (**)
2. Comentário do editor:
Meu caro Rosinha:
Os cães, famélicos e vagabundos, sem eira nem beira, não eram apenas um problema do Luís Cabral, no período pós-independência, como tu tão bem descreves, com a tua sempre ativa inteligência emocional e bem municiada memória. Já o eram no nosso tempo, não só como problema de saúde pública mas também de segurança...militar: eles eram atraídos pelo cheirinho a comida dos nossos quartéis, e acampavam ou vadiavam por lá. Alguns, muito poucos, estavam no topo da hierarquia social dos canídeos e eram preciosos auxiliares dos nossos militares (como o foi o caso dos Lassas, a CCAÇ 763, Cufar, 1965/66) (***).
Outros ainda, ainda mais sortudos (já que não tinham que trabalhar!), eram eleitos pela tropa como "mascotes" (Lembro-me, em Bambadinca, no meu tempo, do Chichas!...). Sobre outros havia a suspeita de que podiam ser “turras”; uma minoria relativa, errante, deveria estar, mais provavelmente, sob “duplo controlo” (os cães, por exemplo, de Nhabijões...), ou fazia “jogo duplo”, conforme a correlação de forças no setor ou as suas próprias estratégias de sobrevivência. Cão não é diferente de gente. A maior parte, contudo, sabia quem os tratava bem ou tratava mal. Há uma história fabulosa passada com os "cães de Bambadinca", em 1963, já aqui contada no nosso blogue pelo Alberto Nascimento...
O PAIGC também tinha os seus problemas (nomeadamente de segurança) com os cães que cirandavam pelas tabancas das ditas “regiões libertadas”… (Bobo Keita reconhece-o explicitamente, nas entrevistas publicadas em De campo em campo, 2011). Nem todos os cães, sob controlo do PAIGC, sabiam comportar-se, disciplinadamente, em situações-limite como era o caso da aproximação das NT a tabancas ou acampamentos do IN… Cão que ladra não morde, mas denuncia a posição do dono… Eis a razão por que, de um lado e do outro, se faziam periódicas matanças de canídeos… Enfim, estas também são histórias de guerra, que merecem ser partilhadas. (***)
____________ Os cães, famélicos e vagabundos, sem eira nem beira, não eram apenas um problema do Luís Cabral, no período pós-independência, como tu tão bem descreves, com a tua sempre ativa inteligência emocional e bem municiada memória. Já o eram no nosso tempo, não só como problema de saúde pública mas também de segurança...militar: eles eram atraídos pelo cheirinho a comida dos nossos quartéis, e acampavam ou vadiavam por lá. Alguns, muito poucos, estavam no topo da hierarquia social dos canídeos e eram preciosos auxiliares dos nossos militares (como o foi o caso dos Lassas, a CCAÇ 763, Cufar, 1965/66) (***).
Outros ainda, ainda mais sortudos (já que não tinham que trabalhar!), eram eleitos pela tropa como "mascotes" (Lembro-me, em Bambadinca, no meu tempo, do Chichas!...). Sobre outros havia a suspeita de que podiam ser “turras”; uma minoria relativa, errante, deveria estar, mais provavelmente, sob “duplo controlo” (os cães, por exemplo, de Nhabijões...), ou fazia “jogo duplo”, conforme a correlação de forças no setor ou as suas próprias estratégias de sobrevivência. Cão não é diferente de gente. A maior parte, contudo, sabia quem os tratava bem ou tratava mal. Há uma história fabulosa passada com os "cães de Bambadinca", em 1963, já aqui contada no nosso blogue pelo Alberto Nascimento...
O PAIGC também tinha os seus problemas (nomeadamente de segurança) com os cães que cirandavam pelas tabancas das ditas “regiões libertadas”… (Bobo Keita reconhece-o explicitamente, nas entrevistas publicadas em De campo em campo, 2011). Nem todos os cães, sob controlo do PAIGC, sabiam comportar-se, disciplinadamente, em situações-limite como era o caso da aproximação das NT a tabancas ou acampamentos do IN… Cão que ladra não morde, mas denuncia a posição do dono… Eis a razão por que, de um lado e do outro, se faziam periódicas matanças de canídeos… Enfim, estas também são histórias de guerra, que merecem ser partilhadas. (***)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9338: Memórias da CCAÇ 617 (2): Toby, o Cão da Tropa (João Sacôto)
(**) Último poste da série > Guiné 63/74 - P9164: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (17): Kennedy, Salazar e as "nossas colónias"
(***) Temos mais histórias como as do Toby: Sobre cães de guerra, por exemplo, vd o poste de 18 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2664: Os Cães de Guerra (Mário Fitas e Carlos Filipe, CCaç 763, Cufar, 1965/66)