Foto 1 – A muito antiga Kodak do meu pai
Foto 2 – A Minha Canon – Canonet, comprada em Ganturé, a um alf mil da CCAÇ 728.
Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
1. Texto, com data de 2 do corrente, do Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]
Sondagem: Máquinas (Fotográficas, Fotografia(s), há 50 anos Atrás...
por Mário Vitorino Gaspar
[, foto à esquerda, em Gadamael, no final da comissão]
Camaradas:
Queria adquirir uma Máquina Fotográfica para substituir a velhíssima Kodak do meu pai – que curiosamente fazia milagres, e sem quaisquer filtros – admirando-se o Fotógrafo que revelava os rolos da nitidez das fotos.
Tirei fantásticas imagens da natureza com a velhinha Kodak – ainda a possuo – e muito jovem tive esta paixão e recordo ainda uma a foto do Carnaval do Estoril; outra numa mesa repleta de copos e um maço de tabaco SG. E aquela de uma bateira do rio Tejo, embarcação usada pelos avieiros, os oriundos de Vieira de Leiria? Por último – e entre outras – a da chaminé da Fábrica do Cimento Tejo, com um fumo ténue (que foi bastante elogiada por fotógrafos amadores de Alhandra, devo-a ainda possuir). Hoje a cimenteira é a Cimpor. Devo ter escondido em qualquer canto a saborosa bateira do Tejo.
Mas sempre gostei das fotografias a preto e branco. Continuo a pensar o mesmo nos dias de hoje.
Quando parti para a Guiné, não levei a velhota Kodak, pensando comprar uma em Bissau – de preferência japonesa, trazida de Macau tal como como os relógios Seiko – que tinham muita procura. Não desembarquei em Bissau, indo logo com bagagem para uma LDM e Batelão BM‑1. Ficámos espantados, visto julgarmos desembarcar na capital. Seria de esperar um desembarque em Bissau. Deram‑nos uma maçã, um quarto de pão, uma laranja, um ovo e um destino incerto. Depois de encaixotados avançávamos por via fluvial estreita, o mato quase que nos tocava.
A compra da máquina fotográfica fora adiada. Entretanto em Ganturé comprei uma Canon – Canonet a um Alferes Miliciano de rendição individual da CCAÇ 798 que julgo chamar-se Santarém. O negócio foi efectuado como uma brincadeira. Pus uns patacões na minha mão bem fechada, e disse ao Camarada Alferes que lhe dava toda a "guita" escondida, em troca da dita máquina. Riu e aceitou o desafio. Respondi que nada estava resolvido porque tinha de pagar uma rodada para todos: 2 Alferes Milicianos (um era ele) e três Furriéis Milicianos. Ficou-ma a Canonet em 850 patacões [ pesos]. Possuía um erro de paralaxe, mas como verifiquei na prática o mesmo, não era problema.
Enviava para a Metrópole, rolos e rolos para os Laboratórios Fotográficos da Filmarte, em Lisboa. Desapareceram-me dois rolos de 36 fotos cada, praticamente todos tirados no "corredor da morte" e julgo ter sido a PIDE, porque eram documentos que denunciavam uma guerra. Recebi dois rolos em branco. Em Outubro de 1995 vim a ver uma dessas fotos numa Exposição sobre a Guerra Colonial na Fundação Calouste Gulbenkian.
Comecei depois a mandar revelar as fotos em Bissau – Foto Íris ou Laboratórios Íris, em Bissau – não tinham a qualidade da Filmarte, em Lisboa. Sei da existência de Laboratórios improvisados por várias zonas da Guiné. Muita beleza existia naquela terra no "cu do mundo".
Para a Família – fotos enganadoras – calção de banho e sempre vestido para família ver que vivia num paraíso – como se dissesse "Cá tudo bem!"
Pelo Natal de 1967 uma foto tirada a abranger Gadamael Porto entre azevinhos e o emblema da CART 1659, surge escrito: – "Boas Festas e Ano Novo e Muito Feliz". O maravilhoso nascer e pôr de sol; os imponentes embondeiros; as bajudas e aquela mata mortífera que no inferno ampliava de multicores o belo.
A cultura; a diversidade de etnias, o enorme e sonoro batuque e a dança ritmada de mulheres e crianças. A música, sua nostalgia e o seu movimento rítmico, nasceu em África. A máquina fotográfica não cria movimento.
Mas a fotografia possui o dom de mostrar a cor, antes da seca da flor na floresta, é perpétua. A flor seca, a floresta se consome, arde e morre, não é perpétua. O que se passa com a pintura do pincel do artista e a escultura do cinzel, eternos
Em suma: Guiné é África, sinónimo da grandeza de Deus. Sem guerra, bem diferente seria. Iniciei um trabalho na fotografia, mas depois de me roubarem 2 rolos de 36 fotos na Filmarte, perdi o interesse, e foi pena…
Tinha muitas fotos, mas emprestei-as, mas nunca tive apetência pelos slides.
FOTOS IMPORTANTES
Foto 3 – Abandono de Sangonhá e Cacoca a 27 de Julho de 1968
Foto: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
Existe o abandono de Sangonhá e Cacoca e portanto da População Civil a 27 de Julho de 1968. O Brigadeiro António Sebastião Ribeiro de Spínola, que desembarcara em Bissau a 20 de Maio de 1968, dera ordens para o desmantelamento daquela zona, o que vinha prejudicar profundamente as defesas de Gadamael Porto e Ganturé.
Posteriormente em Gadamael Porto – na hora do almoço – fortes explosões vêm de Sangonhá. Após ter sido chamado ao Comando, chefiei um Grupo de Combate, constituído um Pelotão, Praças "U" e Caçadores Nativos para verificar o que se passara realmente. Fizemos uma batida no aquartelamento abandonado, picámos minuciosamente, existindo fortes possibilidades de estar tudo armadilhado, pensei até terem montado um campo de minas. Verificámos o estado em que o mesmo se encontrava. Tudo destruído. O PAIGC destruiu completamente Sangonhá. Mas esperava pior.
A CART 1659 estava no fim da comissão.
Foto 4 – Apoiámos Guileje – e no Cruzamento de Guileje o PAIGC desandou
Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
De 08 a 14 de Abril de 1968 a CART 1659 entrou na Operação Bola de Fogo – Implementação de um aquartelamento no "corredor da morte", "corredor de Guileje". A CART 1659 colaborou promovendo as descargas de todos os reabastecimentos e material destinados às forças empenhadas na operação e à montagem do novo aquartelamento. Procedeu ao transporte dos mesmos até Guileje e colaborou, com viaturas e respectivos condutores, em todas as colunas que, de Guileje, se efectuaram para o aquartelamento de Gandembel, cuja localização era impensável, visto estar localizado na fronteira. Estavam quase 24 horas debaixo de fogo.
A CART 1659 apoiou Guileje, quando chamada a colaborar, visto estes estarem a ser atacados em força e quando a Companhia chega ao Cruzamento de Guileje, o PAIGC desandou – deixando para trás – porta granadas metálicas de CAN S/R e granadas de Lança Granadas Foguete, armamento que não tiveram oportunidade de levar. Recolhemos todo o material de guerra e continuámos a segurança.
Entretanto sobrevoam três aviões. Mig ? Ainda hoje não sei…
O abandono de Sangonhá e Cacoca em 1968. A montagem do novo Aquartelamento de Gandembel – o Inferno de Gandembel – em pleno "corredor da morte" ou "corredor de Guileje" em 1968. Em 1969 a desactivação de Mejo e Ganturé, e o fim previsível de Gandembel – que deu os sinais claros da política errada de Spínola – deixou Guileje e Gadamael Porto sós.
Há quem esteja desarticulado de todos estes acontecimentos. O nosso Camarada Coutinho e Lima ordenou a retirada e com razão. Os meus agradecimentos pela atitude do Camarada.
Um Abraço
Mário Vitorino Gaspar
[Ex-Furriel Miliciano Atirador de Artilharia,
Especialidade de Minas e Armadilhas
CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]
[Autor de O corredor da morte, edição de autor, Lisboa, 2014. Para adquirir a obra contactar:
mariovitorinogaspar@gmail.com ]
Fotos nºs 3 e 4 – Reservados todos os Direitos de Autor |
Registo no IGAC n.º 807/2014 | Depósito Legal: 368452/13 |
ISBN: 978-989-20-4220-6