quinta-feira, 21 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1865: Blogoterapia (22): Adelaide Gramunha Marques, tem aqui em Monção um amigo e um irmão (António Pinto)

1. Mensagem do nosso camarada António Pinto, enviada ontem a Adelaide Gramunha Marques:


Dª. Adelaide Crestejo:


Deixe-me tratá-la por minha Irmã Adelaide, porque se eu considerava o MARQUES (1) como meu Irmão e o meu melhor Amigo que tive na Guiné, considero não ser abuso fazer tal pedido.


Estou bastante emocionado pois, quando abri as mensagens ou vou ao blogue da Tertúlia, o que faço constantemente, vi uma mensagem desse grande Senhor, que se chama LUÍS GRAÇA (que já tive o privilégio de conhecer pessoalmente) cujo assunto se referia ao nosso Irmão, que sofregamente li e reli.


Ao ler veio-me à memória, já um bocado gasta, tanta coisa que, com certeza, não vou poder descrevê-las todas. Mas isto é sem dúvida um princípio.


Mal possa vou procurar no meu pequeno espólio de guerra e ver se encontro algumas fotos, para além das que eu já enviei para o blogue. No entanto com as várias mudanças de residência muita coisa se perdeu.


Hoje só quero mandar uma mensagem para a Adelaide saber que existe aqui em Monção ( sou de V. N. de Gaia, fiz toda a minha vida no Porto, mas depois de reformado, eu e minha Mulher, refugiámo-nos neste sossego) um Amigo, que gostaria imenso de a conhecer para falarmos e recordar esse grande Homem, que a maldita guerra, que fomos obrigados a fazer, ceifou duma maneira cruel.


Para já deixo aqui os meus contactos:


António de Figueiredo Pinto
Lugar da Cova
Valadares
Apartado 100
EC Monção
4950-909 Monção


Telefone fixo > 251 531 855
telemóvel > 911 029 056


e-mails: >
antoniopinto67@sapo.pt
ninhodavo@sapo.pt


Amanhã não prometo entrar em contacto pois tenho que fazer vários exames médicos, pois a idade (68) já não perdoa, mas breve voltarei.


Uma boa noite e um abraço do


Pinto


2. Comentário de L.G.:


Obrigado, António. São de grande nobreza as tuas palavras. Fico de algum modo feliz por o nosso blogue proporcionar momentos de solidariedade e grandeza humanas, como este. Ao mesmo tempo, é espantoso como, mais de 40 anos volvidos sobre os acontecimentos, tudo isto ainda mexe profundamente com as nossas emoções e os nossos sentimentos. À nossa amiga Adelaide, dirijo-lhe formalmente o convite para ficar na nossa Tabanca Grande o tempo que entender e precisar… Continuaremos a lutar pelo nosso direito à memória.


Mantenhas (como dizíamos lá na Guiné), para os dois.




3. Mensagem da Adelaide, enviada esta madrugada:


Meu caro amigo Luís, obrigada pelas suas palavras de conforto e pela rapidez com que me pôs em contacto com o Sr. António Pinto.


Vou tentar ainda hoje responder ao email que ele me enviou e que me deixou muito confortada pois vejo e sinto nas palavras dele que o meu irmão teve na Guiné se mais não foram, pelo menos UM grande amigo, UM irmão.


Pelo vosso trabalho um bem hajam e que Deus os acompanhe sempre assim como ás vossas familias.


O Luís diz que o Martinho já nos deixou há 42 anos e é verdade, mas para mim esse dia está tão presente na minha memória como se tivesse sido ontem.


A única diferença é que nos habituamos a viver com a ausência e a valorizar os momentos que tivemos de convivio como os mais preciosos deste mundo.


Obrigada meu caro amigo e bom trabalho para todos.


Adelaide G. M. Crestejo
_________


Nota de L.G.:


(1) Vd. post de 20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Maio/Agosto de 1968 > A construção do aquartelamento de Gandembel requereu muitas canseiras envoltas em perigo permanente, para que se garantisse alguma segurança aos nosso homens, uma vez que eram alvo de inúmeros e consecutivos ataques inimigos.

Foto 309 > "A chegada dos 2 obuses... A chegada de armamento pesado, como metralhadoras e obuses, revelaram-se de enorme importância na defesa do aquartelamento

Foto 310 > "Os obuses devidamente apontados "

Foto 311 > "A água que fluía pelo Balana, tornava-se abundante. E assim, já se tornava possível usufruí-la com uma certa sofreguidão e contentamento... Na imagem, o posto das 'lavagens', que servia para lavar a roupa e para a higiene pessoal simples.

Foto 312 > "Outro posto, o dos duches. Em geral, a água era sujeita a aquecimento solar através do uso de garrafões de vidro de 10 litros".

Foto 313 > "Havia até direito para quem quisesse usar o banho de imersão"

Foto 314 > "Limpeza, com queimada das ramadas.... Os trabalhos de limpeza eram permanentes. No exterior, cada vez mais se procurava alargar a capacidade de visão"

Foto 315 > "Trabalhos de manutenção da parte interior... Havia sempre que realizar infra-estruturas de apoio, casos de um paiol bem fortificado, um armazém, e outras para um merecido descanso "

Foto 316 > "Na construção de uma arrecadação"

Foto 317 > "O hastear da bandeira em Gandembel... No simbolismo do hastear da bandeira nacional, a 27 de Junho, marcava-se um facto de enorme relevância, pois que considerávamos que as casernas já detinham as condições suficientes para lá nos alojarmos"

Foto 318 > "Eu próprio, envolto por 236 invólucros das granadas de RPG-7"

Foto 319 > "Spínola quis ver verificar os efeitos do grande ataque de 15 de Julho... E, apesar de tudo, fizemos gala em montar uma singela guarda de honra ao Comandante-Chefe"

Foto 320 > "E nestas acções, a aeronave trazia sempre algo. Desta vez, uns cunhetes de armamento que se descarregam, enquanto o ferido espera a oportunidade de ser levado até ao Hospital Militar"


Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.


VII Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Texto enviado em 11 de Fevereiro de 2007.Continuação.


Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança.


27 de Junho de 1968: O simbólico hastear da bandeira


E com as casernas a serem consideradas como terminadas, uma das grandes preocupações da Companhia chegava ao fim, e o próprio quartel de Gandembel já apresentava todas as características de uma razoável fortificação de campanha.

Para testemunhar este feito, a 27 de Junho, fez-se hastear a bandeira nacional, com o respeito, a dignidade e a solenidade merecidos, e a partir daquele data, sempre drapejou num cuidado mastro. E já que me refiro a este símbolo, um outro exemplo que retrata o que só em Gandembel poderia acontecer: o estandarte da Companhia, que estava arrumado na secretaria, a funcionar numa tenda de campanha, viria a ser muito esfarrapado por acção de estilhaços de rockets, e assim chegou à nossa unidade mobilizadora, o Regimento de Infantaria 15, em Tomar.

15 de Julho de 1968: ataque, de meia-hora, às duas da madrugada; um morto e uma dezena de feridos evacuados para Bissau


O PAIGC, nas suas escaramuças quotidianas, procurava tomar conhecimento do nosso modo de reacção. A não ser alguma flagelação de armamento ligeiro, com os guerrilheiros mais próximos, a contra-resposta era pronta e denotava alguma firmeza e intensidade, pondo a funcionar todo o arsenal bélico disponível. Porém, já tomávamos uma atitude mais contida quanto aos ataques de morteiros, não dando grande utilização aos 2 morteiros 81, nem aos 2 obuses que já tinham sido devidamente posicionados. Todavia, a 15 de Julho, cerca das 2 horas da madrugada, desencadeia-se um intenso ataque ao aquartelamento, mesmo junto ao arame farpado, e com uma duração superior a meia hora.

O inimigo dispõe o seu efectivo paralelamente à estrada, com a instrução plena do modo de actuação de cada. Vinha fortemente apostado em fazer rombo, mesmo intuído do propósito de assalto, quer pela intenção de destruir as 2 casernas-abrigo que lhe eram frontais, quer no rompimento de uma abertura nas fiadas do arame.

Esse efectivo devia ser bastante poderoso, atendendo aos fortes quantitativos de armamento ligeiro empregues, com especial ênfase na utilização das metralhadoras ligeiras e dos famigerados RPG-7, em que deixou 236 invólucros, como de milhares de munições das metralhadoras. Antes, a bateria de morteiros, fez detonar mais de 3 centenas de granadas.

Da incomensurável refrega, uma destas casernas cede parcialmente aos impactos que nela incidiram, e do resultado das deflagrações, um conjunto infindo de estilhaços entra no interior da mesma, provocando 1 morto e mais de uma dezena de feridos, dos quais 6 seriam evacuados para Bissau, ainda que 2 deles em mau estado, e que seriam enviados para Lisboa.

O morto, foi o alferes José Araújo, do Pelotão de Nativos, recém-chegado apenas há 12 dias. Lembro esta data, de má memória, com a emoção própria dos que a viveram muito intensamente, dado o comportamento gigante de alguns elementos da Companhia que, ao saírem das suas casernas e sem qualquer protecção, como os homens dos lança-granadas e dos morteiros 60, ripostaram de tal modo, que calaram o inimigo e lhe frustraram os seus intentos. E o apontador daquela Browning, mesmo em frente ao inimigo.

Heróis em causa própria, homens que perante o perigo, pareciam transformar-se, ao mostrarem o seu denodo e estoicismo, e que se agigantavam de modos tão distintos: os que denotavam uma frieza de comportamento invulgar, outros que pareciam exultar quando lhe aparecia uma situação para aliviarem ódios acumulados.


Uma derrota para Nino Vieira


A seu modo, cada um fazia libertar as suas pulsões conflituais. E, passados os momentos de turbulência, tudo serenava e cada um como que se recolhia, quem sabe, procurando ler a sua desgraçada sina. Quantos momentos de silêncio, em busca de uma resposta vinda não sei donde, mas os sentimentos preferiam toldar-se, e então ficávamos mais suspensos nos pensamentos tresvariados.

Na altura, afirmou-se que este ataque tinha sido o maior de todos que alguma vez o PAIGC desencadeara. Em resultado dos indícios que deixou no terreno, inúmeros e bem visíveis, e como sua testemunha, não tenho grandes dúvidas que se retirou com pesadas baixas. O objectivo perpetrado não foi concretizado. Saldou-se num malogro.

Creio mesmo que Nino Vieira perdera a sua maior aposta desde sempre, fracassando rotundamente, e não conseguindo minimamente viabilizar os seus velados interesses, sai vergastado ao peso da derrota, e humilhado pelo desmoronamento da sua estratégia de crença, tudo indicia que se retira da zona.


15 de Julho de 1968: o ataque mais aterrador


Mas o PAIGC continuou, mesmo assim, bastante empenhado na zona, tanto que Gandembel, viria posteriormente a ser sujeito a outros ataques de grande violência, mas o de 15 de Julho, foi de longe o mais aterrador, jamais esquecido pelos que o viveram. Julgo que o PAIGC se apercebeu de vez, que tinha no interior de um pequeno aquartelamento, um conjunto de homens atentos e de têmpera rija, e prontos a não admitirem ousadias deste jaez.

Passados apenas 3 dias, Spínola aterra de novo em Gandembel. Prestámos-lhe uma singela guarda de honra, e sinto nos seus olhos alguma comoção, ao pedir para a findar. Quer tomar conhecimento in situ do que tinha acontecido, e o grupo que o secunda sobe para o tecto da caserna-abrigo que tinha sido alvo dos impactos dos rockets. Passado pouco tempo, quando lhe estavam a ser referenciadas as posições que o inimigo assumira no ataque, eclodem algumas granadas de morteiro 82, ainda que bem fora do arame farpado.


Spínola estatelado no chão de Gandembel


Os militares que estavam com ele, saltam do cimo do abrigo (2,5 a 3 metros) para procurarem refúgio. Torna-se óbvio que Spínola é o que encontra mais dificuldades, e no seu salto para o solo, estatela-se, criando uma situação pouco abonatória para a sua condição de Comandante-Chefe.

Embora não denotando qualquer incómodo, julgo que este incidente representou o início de um julgamento que tinha de rever consigo mesmo, quanto ao destino a reservar para Gandembel. E com os seus acompanhantes, o helicóptero descola rumo a um outro destino.

A intensa movimentação do PAIGC, com um contingente dotado de uma enorme experiência, altamente fortalecido com armamento muito mais evoluído e eficaz, naturalmente que teria de preocupar Spínola, já que o desenrolar das situações com que éramos assiduamente confrontados, poderia até levar ao desastre total, que teria de evitar a todo o custo.

Também não poderia subestimar o estado anímico das tropas, que pareciam estar cerceadas, como que abandonadas a si mesmas. Aqui me parece, que Spínola olhou bem de frente para essa gente, e não lhe foi difícil reconhecer que havia ali um punhado de homens numa tenaz luta de sobrevivência, e saíra cabisbaixo como que denotando uma grande apreensão.

Julguei, então, que Spínola iria gizar do modo que julgava como decisivo, todo um plano táctico fiável e consequente, tendente a minimizar esta situação. Fá-lo-á?


19 de Julho de 1968: uma roquetada destrói o forno, ficando o pessoal 3 semanas sem pão(!)


Muito certamente tomara conhecimento que uma rocketada destruíra mais uma vez o forno num ataque a 19 de Junho, e ficámos durante cerca de 3 semanas, sem pão, qualquer tipo de carne ou peixe exceptuando dobrada desidratada e chouriço.

Enganava-se a fome, na base de apenas rações de combate, arroz, batata desidratada, café, marmelada, chouriço, feijão. As ementas pouco variavam, onde a bianda cabia sempre, e até a marmelada a acompanhou.

Também dificilmente chegavam bebidas e em especial a desejada cerveja; mas, mesmo esta, a existir muito espaçadamente, era ingerida à temperatura ambiente, pois que só havia 2 frigoríficos, um para a cozinha e outro no posto de enfermagem.


28 de Julho de 1968: é abatido um dos Fiat G-91 que bombardeavam Salancur



Mas já há muito tempo, e quase todos os dias, pela tarde, vinham 2 Fiats G-91 a descarregarem bombas sobre a zona de Salancaur, de que se dizia terem abrigos inexpugnáveis. E destas tentativas intimidantes da aviação militar, surge a 28 de Julho mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias.

Neste dia, parte da Companhia tinha ido montar protecção a uma coluna de reabastecimentos, de modo que em Gandembel restavam apenas 2 grupos − o meu e o do Pelotão de Caçadores Nativos.

Ouve-se, vindo de longe e dos lados da fronteira, uns estampidos de metralhadora pesada. E passados alguns momentos, um soldado chama-me a atenção que se notava uma chama na cauda de um dos Fiats. Prontamente, via rádio, deu-se conhecimento ao piloto. E vejo nos céus, o avião a fazer uma curva acentuada, direccionando-se para o lado da fronteira. E quando a aeronave, já com chamas bem visíveis, passava sobre Gandembel, distingue-se um pára-quedas que se ejecta do mesmo, e que vem a cair cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento, com o Fiat a despedaçar-se em parte incerta, mas muito próximo da fronteira. Um documento oficial, refere que o piloto era um tenente-coronel, de nome Costa Campos.

Aparentemente, o local da queda, não oferecia perigos para o seu resgate, desde que se conhecessem os locais das armadilhas em volta do arame farpado.

Procurei de imediato arranjar um grupo com metade dos efectivos disponíveis, e então fomos ao encontro do piloto. Escondido num arbusto, estava o homem sem distinção da sua patente, e despojado da sua pistola de cintura [mais tarde foi encontrada, e julgo que era uma Walther].
Já vínhamos a caminho do aquartelamento, e algumas aeronaves com helicópteros e T-6 o sobrevoava, pelo que, franqueada a entrada, logo um dos helicópteros aterrava para o levar rumo a Bissau.


Perícia e sangue-frio do piloto do Fiat abatido

O abate desta aeronave teve uma certa repercussão a nível da Província, e muito certamente reforçou os ânimos dos combatentes locais do PAIGC. Contudo, não deixarei de notar, que a probabilidade de uma bala anti-aérea, em acertar num desses supersónicos Fiats, era ínfima. Mas, o que é inegável, é que o avião se perdeu, e a perícia do piloto também foi notável para a integridade da sua própria pessoa, pois se tivesse caído em local fora do nosso horizonte de referência (não mais de 2 Km), não dispunha de condições para ir à sua procura. E muito provavelmente, o piloto seria capturado pelo inimigo.


4 de Agosto de 1968: 4 mortos e 2 feridos graves, numa coluna logística


Sempre esta dualidade da sorte e do azar, que nos espreitava na leveza de cada duro momento. E eis que desponta o malfadado dia 4 de Agosto, da forma mais aziaga para a Companhia, como resultado de uma famigerada coluna provinda de Aldeia Formosa, e que reportarei no capítulo das colunas de reabastecimento.

A Companhia perde por morte num único dia, 4 dos seus elementos: o furriel Abel Simões, de Carapêtos, concelho de Montemor-o-Velho; dos soldados António Moreira e Eduardo Pacheco, ambos do concelho de Paços de Ferreira e respectivamente das freguesias de Seroa e Frazão, e de Manuel Pacheco, de Lousa, concelho de Castelo Branco. Há também mais 2 feridos graves, com evacuação para Lisboa.

E este dia, o mais funesto de todos, delimita este meu segundo capítulo sobre o pesadelo de Gandembel/Ponte Balana.

E Changue-Iaia, que há uma quinzena antes, já nos tinha roubado a presença do alferes Francisco Trindade, gravemente ferido nos membros inferiores pelo accionamento de uma mina anti-pessoal, ficaria a perdurar muito tempo em cada um de nós, e aqui, muito contundentemente criou-se um clima de vazio e de insegurança, a deixar chagas profundas e traumáticas, muitas das quais se mostravam renitentes em sarar. E os dias sequentes, mostram um conjunto de homens em desespero, à beira da queda no precipício.

E neste mesmo dia, Spínola lançou a única oportunidade que lhe restava, onde poderia colher resultados positivos, e que só passaria pela vinda de tropa de elite para entrar mata adentro, de forma a domar o inimigo. Era urgente haver tropa operacional, que muito para além do arame farpado de Gandembel, fosse à sua procura e o enfrentasse, coarctando-lhe os seus intentos, as suas veleidades.

Mas já tinha passado tanto tempo, que não se perspectivava ser muito fácil pôr em prática esta estratégia, pelo que haveria que, doravante, se obter um melhor apoio logístico, em especial na componente alimentar, a fim de Gandembel se transfigurar e de conseguir maior sossego.
Mas, tal estratégia viria a ter resultados positivos?

E para todos vocês, um até breve.


Um abraço do Idálio Reis.
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post da série > 23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

Guiné 63/74 - P1863: Convívios (18): Como a cidade que nos acolheu, foi nobre a confraternização da CCAÇ 2317, Os Gandembelenses (Idálio Reis)

Porto > 9 de Junho de 2007 > Confraternização da CCAÇ 2317, os Gandembelenses. Visita ao Museu Militar do Porto, pela mão do nosso camarada A. Marques Lopes, dirigente da Associação 25 de Abril - Delegação Norte.

Porto > 9 de Junho de 2007 > Confraternização da CCAÇ 2317, os Gandembelenses. Almoço de convívio: aspecto geral. Este ano vieram mais seis (!), incluindo o João Franco e o Fernando Oliveira, naturais de Vila Praia de Âncora, que vieram e regressaram de comboio. Uma grande alegria para o Idálio Reis (em primeiro plano, na imagem)

Fotos: © Idálio Reis / M. Almeida (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Idálio Reis (1), com data de 10 de Junho de 2007:

Meu caro Luís:

Junto a esse velho casario do Carlos Tê/Rui Veloso, mais uma vez nos reunimos em sólida e franca jornada de camaradagem, num grande encontro de convívio. A ele, se dignaram juntar o A. Marques Lopes, da CART 1690, e o José Teixeira, da CCAÇ 2381. Este para reencontrar vivências de um passado partilhado, de calcorrear trilhos de um chão comum, tão traiçoeiro; o nosso tertuliano Marques Lopes, porque para além de diligenciar que o Museu Militar do Porto nos franqueasse as suas portas para uma visita guiada, quis conhecer-nos de perto e ouvir as nossas estórias, em que os ânimos mais se esbraseiam com as recordações a jorrarem em catadupa, pois que teimosamente não pretendem ser sumidas.

Como sempre, há os que persistem numa presença assídua; outréns, que deixaram o espaço por preencher, devido a razões de força maior. Também há, infelizmente, os que jamais aparecem, e aqui se aglutinam motivos da mais variada índole. Alguns, dolorosamente, não lhes sabemos do paradeiro.

Contudo, das indagações a que me propus encetar nestes últimos tempos, apareceram mais 6. São momentos de rara felicidade e contentamento, rever estes companheiros após uma larga delonga de quarenta anos.

Dentre estes, esteve o ex-cabo Fernando Oliveira, de um lugar da freguesia de Vila Praia de Âncora. A vida deste homem, de há tempos a esta parte, não lhe tem sido fácil, mercê de um conjunto de vicissitudes de ordem familiar. Feridas difíceis de superar, e ele não foi suficientemente forte para vencer tais contrariedades da melhor forma, pois de repente começou a entrar no abuso desregrado da bebida que perturba tão perniciosamente e que fatalmente degenera no vício.

Tive o privilégio de encontrar um seu conterrâneo, este morador na sede da Freguesia e que viveu as peripécias da campanha da Índia, que após me confirmar do paradeiro do Oliveira, se veio a tornar o seu principal apoio e que me vem referindo que aquele guerrilheiro de rija têmpera, começa a dar indícios de uma franca melhoria na sua conduta do dia-a-dia.

No sábado, um cidadão de nome João Elias Domingues Franco, aparece-me no restaurante com o Fernando Oliveira, vindos ao Porto por via ferroviária. Silente, fechei os olhos por breves instantes, sustendo a forte emoção do momento, inigualável. A presença ali daqueles 2 conterrâneos, era o testemunho duma ilimitada amizade.
Almoçaram connosco, mas às 15 horas tiveram que se retirar para apanhar o comboio até Vila Praia de Âncora.

Também eu conquistei, em definitivo, uma relação de grande afecto e estima, por um grande homem de corpo e alma, inteiro. Bem-haja, amigo João Franco, por esta maravilhosa missão de auxílio, desinteressada e altruísta, profundamente humanitária que vem tendo com este meu ex-companheiro. Muito grato por tudo.

Um cordial abraço à Tertúlia do

Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317
BCAÇ 2835
Gandembel e Ponte Balana (1968/69)

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné > Zona Leste > Pirada > "O meu grande Amigo Gramunha Marques", nas palavras do António Pinto... Poucos dias antes de morrer, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...


Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).


Guiné > Zona Leste > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tertuliano, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).


1. Mensagem de Adelaide Gramunha Marques:

Exmo. Senhor Dr. Luis Graça

Estou a escrever-lhe porque através de um dos meus sobrinhos (1) veio parar-me às mãos um blogue que fala da Guiné, daqueles que por força do destino ou da cegueira de um homem, se viram envolvidos em lutas que não provocaram e cujo desfecho final nem sempre foi o mais agradável.

Deixe que me apresente primeiro: o meu nome é Maria Adelaide Gramunha Marques Sales Crestejo, irmã do falecido Martinho Gramunha Marques (2).

Quero que saiba que a minha primeira reacção quando vi o blogue, foi de expectativa pois fiquei entusiasmada com a ideia de que aqui podia finalmente encontrar alguém, que durante aquele período de tempo em que ele esteve na Guiné (3), conviveu com ele, quem sabe assistiu aos seus últimos momentos, o confortou, lhe deu apoio enfim, não o deixou morrer sozinho (2).

Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele.

Há no entanto tanta coisa que eu gostaria de saber, por essa razão lhe escrevo este email, pois gostaria se isso fosse possível, entrar em contacto directo com o Sr. António Pinto (4), seja através de telefone ou email.

Dr. Luis Graça, não quero terminar este email sem antes mandar para si e para todos os que de uma maneira ou doutra tornaram este cantinho uma realidade, um BEM HAJAM e as maiores felicidades.

Adelaide Gramunha Marques


2. Comentário de editor do blogue:

Querida senhora, cara amiga: Deixemos as deferências. Deixe-me ser solidário na sua dor e na sua revolta. Deixe-me que lhe fale do meu próprio espanto. O seu irmão morreu há mais de 42 anos, no dia 30 de Janeiro de 1965, em Madina do Boé (de má memória para muitas famílias portuguesas) e, tanto quanto sei, está sepultado no cemitério de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, distrito de Portalegre.

Mas a família nunca soube as circunstâncias da morte do Martinho. Vem a sabê-lo, há dias, casualmente, impessoalmente, através da blogosfera, através do do relato de um camarada e grande amigo do seu tempo de Guiné, o ex-Alf Mil António Pinto...

É triste que as coisas tenham acontecido assim. É revoltante que o Exército, na época, não tenha conseguido sequer humanizar a notícia da morte dos seus homens. Percebo hoje a sua revolta, que é também a nossa. Resta-nos a consolação de termos contribuído um pouco - todos nós, a começar pelo António Pinto - para que você, irmã do nosso camarada Martinho Gramunha Marques, e os seus familiares mais próximos, consigam finalmente fazer o luto e preservar o melhor da sua memória... Através do nosso blogue, através do pungente relato do seu amigo e camarada António Pinto, o Gramunha Marques não será esquecido... Vou pedir ao António que entre rapidamente em contacto consigo: ele vive hoje em Monção (email> antoniopinto67@sapo.pt ).

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

(...) Comentário do Bernardo: "Boas, sou sobrinho do Martinho Gramunha Marques (que nunca conheci) e qual não foi o meu espanto quando encontrei estas breves histórias em que ele participou e não conhecia. Foi uma surpresa agradável.Cumprimentos,Bernardo Gramunha Marques" (...).

(2) Sobre a morte do Alf Mil Gramunha Marques, vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido


(...) "(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.

"Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.

"Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).

"Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.

"Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim" (...).


(3) Segundo pesquisas feitas pelo nosso camarada José Martins, o Martinho Gramunha Marques, Alferes Miliciano Comando, natural de Cabeço de Vide / Fronteira, inumado no cemitério de Cabeço de Vide, tombou em Madina do Boé em 30 de Janeiro de 1965. Pertencia à 3ª Companhia de Caçadores Indígenas.

Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

Sobre a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, o José Martins coligiu mais os seguintes elementos informativos:

"Esta unidade foi constituída em 1 de Fevereiro de 1961, como unidade da guarnição normal do CTIG, formada por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, iniciando a sua formação adstrita à 1ª CCAÇ I.

"Em 1 de Agosto de 1961, com a constituição de dois pelotões, substitui a 1ª CCAÇ I na guarnição de Nova Lamego. Desloca elementos para guarnição de várias localidades do Sector Leste, por períodos e constituição variáveis, sendo de destacar as localidades de Che-Che, Béli e Madina do Boé. Passou a guarnecer, em permanência as localidades de Béli e Madina do Boé instalando, em 6 de Maio de 1963, um pelotão em cada localidade.

"Em 1 de Abril de 1967 passa a designar-se por Companhia de Caçadores nº 5".

Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

(4) Sobre o António Pinto e as unidades a que pertenceu, vd. posts:

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

Guiné 63/74 - P1861: Homenagem ao meu tio, Alf Mil Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, do BART 1896 / CART 1612 (Nelson Domingues)

Guiné > Guileje > BART 1896 > CART 1612 (1967/69) > O Alf Mil de Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, natural de Leiria, morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968.

Alguém se lembra dele e das circunstâncias em que morreu ? O Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, era amigo e conterrâneo do nosso infortunado José Neto (1929-2007), pertencendo ao mesmo batalhão (BART 1896)


Fonte: Nelson Domingues > Blogue > As Verdades do Sobreirito(2007). (com a devida vénia...).


1. Mensagem de Nelson Domingues:

Boa noite,

Espero que se encontre de óptima saúde!

Agradeço a sua atenção para com o meu e-mail! Foi muito importante e alimentador da minha vontade de homenagear o meu tio Manuel Sobreiro, Sobreirito. Por isso o referi no blogue As verdades do Sobreirito, e que passo a transcrever:

Foi com enorme satisfação, que recebi resposta a um e-mail meu, vindo do Dr. Luís Graça. Eu já desconfiava que estava perante seres humanos fenomenais em que o sortilégio da vida os levou até Guiné-Portuguesa, mas ao verificar a disponibilidade e as palavras amigas do Dr. Luís Graça, fiquei acreditar que faz todo o sentido a criação deste blogue homenageando o meu tio Manuel Sobreiro, o 'Sobreirito'.

Fiquei triste ao saber que o amável, admirável e encantador Sr. José Neto (Zé Neto) (1929-2007) já não está entre nós, com o qual tive o privilégio de trocar alguns e- mail, e que numa próxima ocasião abordarei. Desde já agradeço ao Dr. Luís Graça, a sua amabilidade, colocando as referâncias do Blogue
As verdades do Sobreirito na sua tertúlia.



Os meus agradecimentos,

Nelson S S Domingues



_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1849: Quero prestar a devida homenagem ao meu tio, o Alf Mil Manuel Sobreiro, da CART 1612, morto em Mampatá em 1968 (Nelson Domingues)

Guiné 63/74 - P1860: Gadamael, 2 de Julho de 1973: Um ataque de mais de 4 horas do PAIGC, apenas travado pelo nossos Fiat G-91 (Jorge Canhão)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Julho de 1973 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael", depois de fortíssima ofensiva do PAIGC.


Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Jorge Canhão:

Camarada Luís Graça:

Boa tarde e os desejos que esteja tudo bem:

Sobre a minha foto em Gadamael, não sei a data certa mas sei que foi tirada entre 26 de Junho de 73 e 1 Julho do mesmo ano.Tenho aqui mais meia dúzia tiradas lá.

O período que estive com a 121 e 123 de Páras (2) foi de 25 de Junho de 1973 até 13 de Julho de 1973, data em que deixámos Gadamael com destino a Cacine.Foi nesse período que sofremos (a minha Companhia) o maior ataque do PAIGC, em tempo, e que durou entre 4 e 5 horas, tendo terminado após a 2ª intervenção dos Fiat G91 (3).

Foi a primeira vez que ouvi as anti-aéreas do PAIGC atacarem os aviões. Após a 2ª chegada dos Fiat e com as antiaéreas a dispararem, um dos aviões ficou a andar em círculo ,enquanto o outro picava, mesmo debaixo de fogo e bombardeava o inimigo de então. Após ouvirmos grandes explosões, o ataque cessou tendo nós ficado um pouco mais descansados.

Em todo o período que estive em Gadamael, não havia electricidade e a comida era escassa, pois não passava de um prato raso com uma camada de grão e 2 ou 3 rodelas de chouriço, com uma sopa (?) e um pedaço de fruta de lata.

Sobre a electricidade: eu, que era electricista naval na vida civil, e o furriel mecânico Louceiro, montámos o gerador e juntamente com outros camarada arranjámos os fios eléctricos para que o quartel pudesse ter energia, o que de facto aconteceu, mas foi sol de pouca dura (algumas horas) pois quem mandava no aquartelamento, mandou desligar,com o argumento que o PAIGC poderia com mais facilidade obter tiro mais certeiro....Como se eles não soubessem...Enfim, no comments.

Sobre a história do meu batalhão, já hoje fui fazer uma cópia do mesmo e verei qual a melhor maneira de vos fazer chegar, talvez pessoalmente seja o melhor.

Desde já os meus agradecimentos e abraços

Jorge Canhão

2. Comentário de L.G.: Aparece, no meu local de trabalho, em Lisboa, quando te der jeito (Telef. directo> 21 751 21 90)

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72

(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(...) "2 Julho de 1973: ataque em força a Gadamael

"O PAIGC ataca o destacamento de Gadamael Porto utilizando Canhões s/r , Morteiros 82 , RPG 2, RPG 7 e Foguetões. Foi talvez o ataque mais forte desde o início das flagelações que eram constantes ao destacamento, mas que apenas conseguiu destruir mais algumas das poucas infra-estruturas existentes que ainda se mantinham mais ou menos direitas e causar algum efeito psicológico negativo nas nossas tropas. Do ladoNT ali aquarteladas, houve apenas 2 feridos, sem gravidade.

"De salientar que os ataques inimigos eram de tal forma precisos que era raro cair uma granada fora do perímetro do destacamento. Até chegámos a pensar que havia alguém, no interior ou bem perto, a dar orientação e correcção dos fogos o que se viria mesmo a confirmar que assim era"

(...) "Regressámos em LDG a Bissau no dia 17 de Julho de 1973".

(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op especiais que pertencia à BCAV 8350, que abandonou Guileje em 22 de Maio de 1973 e se refugiou em Gadamael. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. Os páras chegam a 13 de Junho e regressam a Bissau a 17 de Julho. O grande ataque de 2 de Julho acontece, pois, nesse período, mas o Casimiro Carvalho descreveu-nos sobertudo o que se passou um mês antes, no princípio de Junho (4).

Vd. post de 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

(4) O jornalista do Público, Álvaro Dâmaso (Público, edição nº 5571, de 26 de Junho de 2005), já reconstituiu o filme dos acontecimentos da ofensiva do PAIGC, contra Gadamael, de finais de Maio/princípios de Junho de 1973. Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

31 de Maio de 1973

(i) Meio dia. O Coronel Ferreira da Silva acaba de poisar em Gadamael depois de uma nomeação relâmpago para a chefia do Comando Operacional 5 (COP5). (Tinha começadao a sua comissão na Guiné em Dezembro de 1971, nos Comandos Africanos, e alguns meses depois foi ferido com gravidade. Evacuado para Lisboa, onde convalesceu, regressou à Guiné a seu pedido em Janeiro de 1973 e foi colocado em Bolama a comandar uma companhia de instrução).

(ii) 15h. Depois de um breve contacto com os dois comandantes de companhia ali presentes, por volta das 15.00 começaram as flagelações com mísseis, morteiros e canhões sem recuo. Nesse dia há um morto e um ferido.

1 de Junho de 1973

(iii) Amanhecer.Começa o mais crítico de todos os dias da batalha de Gadamael. As granadas dos morteiros 120 eram disparadas a um ritmo de 18 de três em três minutos.

(iv) Logo pelas dez da manhã uma granada acaba com o pelotão de artilharia. Três mortos e 11 feridos deixam o pelotão inoperacional. Gadamael fica reduzido ao morteiro 81 que não tinha alcance suficiente. (Momentos antes tinha aterrado no quartel um helicóptero que transportava o general Spínola mas este teve de ser empurrado para dentro do aparelho, que levantou voo de imediato. O silvo das granadas a sair foi ouvido no quartel e os rebentamentos ocorreram no ponto de aterragem do helicóptero).

(v) Ao princípio da tarde uma granada destrói o posto de rádio e fere os dois comandantes de companhia, incluindo o Cap Quintas, do BCAV 8350.

(vi) Ao pôr do sol, contabilizam-se 8 mortos e 27 feridos. (As evacuações dos feridos por barco torna-se difíceis devido ao fogo intenso do PAIGC). Ferreira da Silva resiste com um punhado de homens ao avanço do PAIGC sobre Gadamael. Sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem médico, sem posto de rádio e com poucas munições.Num cenário de desespero e com poucos abrigos os soldados começam a andar junto às valas de defesa até à tabanca que fica próxima e não está a ser atacada. O furriel Carvalho, do morteiro 81, está sem granadas. O 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, enfia-se numa Berliet (conduzida pelo Carvalho, diz este) e vai buscar munições debaixo de fogo intenso.

(vii) Noite. Resiste-se comn um morteiro 81 e uma metralhadora.

2 de Junho de 1973

(viii) Uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca, desloca-se com a população para junto do rio Cacine.

Dias seguintes

(ix) Nos dias seguintes a situação melhora mas só num dia há seis mortos entre os paraquedistas que entretanto tinham chegado. O comando foi assumido pelo oficial Manuel Monge. Ferreira da Silva passa a adjunto de Monge.

Página do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 12 pode ler-se:

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1859: O património edificado, militar, religioso e civil, que lá deixámos (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Cidade de Bafatá > 1969 ou 1970 > Vista área da mesquita de Bafatá e moranças em redor.

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Cidade de Bissau > 2001 > Mercado antigo, ebelo exemplar da arquitectura colonial revivalista. A bela e tranquila Bafatá, a cidade de Amílcar Cabral, hoje com mais de 10 mil habitantes (?), merecia ser reabilitada e revitalizada. A actual Região de Bafatá, com um total de cerca de 185 mil habitantes, compreende os seguintes sectores: Bafatá (60 mil), Bambadinca (40 mil), Contoel (24 mil), Galomar5o (30 mil), Gamamudo (13 mil), Xitole (16 mil).


Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > 1968 > Uma das oito casernas-abrigo construídas de raíz... Cada um albergava duas secções... Que património edificado - militar, religioso, civil - deixámos na Guiné no final da guerra ? (LG)

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.


Luís Graça:


Ora, aqui está uma área, quanto a mim, com enorme interesse. O passado, presente e futuro do urbanismo na Guiné. A influência colonial e outras que devem e têm que ser levadas em conta. Lembras-te do Mercado de Bafatá? Além disso há as construções militares, quer as do passado junto à costa, quer as nossas. Estas com significado especial e diverso, como já afloraste.

Além da História ficará o Blogue mais rico mas, principalmente nós, se o quisermos, no relato e estudo desta interessante matéria, sempre com a engenharia (construções/urbanismo) e história de mãos dadas. Acrescem o sal e a pimenta que o sentimento e os afectos das nossas vivências imprimem. Passo a subjectividade da análise, mas gosto do tema, de ter mais um Guineense connosco e de aos poucos outros assuntos irem sendo tratados.

Boas vindas ao neófito e felicidades nos projectos de vida (1).

Já viste o que tens feito com a Net e o Blogue, o amor à Guiné e o estudo gerado por toda esta envolvência, meu caro ?!

Um abraço,

Torcato Mendonça
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior > 19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1858: Tabanca Grande (14): Engº Luís Miguel da Silva Malú, nascido em Bedanda, em 1973, doutorando em urbanismo (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1858: Tabanca Grande (14): Luís Miguel da Silva Malú, nascido em Bedanda, em 1973, Engenheiro e doutorando em urbanismo


1. Ontem fui contacto telefonicamente por um guineense que me pediu para ser recebido, manifestando interesse em fazer parte da nossa tertúlia.

O seu nome é Luís Miguel da Silva Malú, engenheiro, nascido em Bedanda, em 1973. O pai, de etnia balanta, oriundo da região de Mansoa (onde chegou a trabalhar num bar de um português), era então militar, integrado no exército português (ele não conseguiu dizer se tratava da CCAÇ 6, como eu presumo que fosse a unidade em que serviu o pai do Malú) (1).

Depois da independência, o pai estudou e chegou a professor primário (extraordinário, porque os balantas eram justamente os que tinham maior relutância ou dificuldade em falar a língua portuguesa). A mãe era (ou é) de origem cabo-verdiana. O pai já morreu, mas transmitiu-lhe valores e até admiração pelos portugueses. O Malú confessou-me que preferia fazer o seu doutoramento em Lisboa do que em Madrid.

O Luís Miguel foi para Cuba durante 10 anos, e lá terminou o seu curso de engenheiro civil. Fez posteriormente um mestrado e agora está em Espanha, a expensas suas, a doutorar-se em urbanismo... Os espanhóis prometeram-lhe uma bolsa (que ainda não veio, obrigando-o a viver, no 1º ano, com as suas economias)... Pelo meio, trabalhou na sua terra, no Ministério das Obras Públicas, Construções e Urbanismo, tendo estado ligado a algumas obras públicas como a ponte sobre o Rio Mansoa, em João Landim...

Aqui fica o seu pedido de ingresso na tertúlia, com mais alguns dados biográficos adicionais:




2. Falámos da situação actual da Guiné-Bissau no que respeita ao urbanismo, ao ordenamento do território e ao legado patrimonial dos portugueses (incluindo a língua que uniu os povos, e que faz com que o Luís Miguel se sinta apenas guineense, nem balanta nem caboverdiano). Mostrou-se fascinado pelo desenho da cidade de Bissau e pela história do seu desenvolvimento urbano. Mostrou interesse em falar com o Mário Dias, autor de um interessante post sobre o progresso de Bissau ao longo dos anos 50 (2)... Esteve também a fazer pesquisas no arquivo ultramarino, em Lisboa.

Está interessado em contribuir connosco para o estudo, a preservação e a divulgação do património edificado pelos portugueses, religioso, civil e militar, e que faz parte da memória dos dois povos (forte da Amura do Séc. XVIII, de que ele fala com carinho, conhecimento de causa e até paixão; fortaleza do Cacheu, do Séc. XVI, restaurada pela Unesco, mas com atropelos à sua traça original; arquitectura colonial de Bafatá, Mansoa, Catió, etc.).

Há um imenso a trabalhar a fazer e que que esbarra, de um lado e de outro, com o desinteresse, a ignorância, a falta de sensibilidade, a indisponibilidade de recursos... Mesmo as simples pedras, restos dos quartéis dos portugueses do tempo da guerra colonial, podem e devem ser preservados porque alimentam uma fileira de turismo, militar, sénior, de interesse (económico e cultural) para a Guiné e a sua população...
 
Enfim, foi uma conversa interessante com um representante da geração do pós-independência, que tem sensibilidade cultural, política e histórica, que tem imensas saudades da sua terra, mas que corre o risco de vir engrossar a Guiné da diáspora... São horas de dar-lhe guarida na nossa Tabanca Grande. L.G.

_________

Notas de L.G.:
 
(1) Quem esteve em Bedanda, em 1971/72, foi o Mário Bravo: vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

(...) "A avenida que ligava o rio à Praça do Império tinha uma configuração bem diferente da actual. Possuía uma placa central, larga, cimentada, arborizada com dois renques de frondosas árvores e filas de apetecíveis bancos onde tantas vezes me sentei usufruindo de calmos crepúsculos como só África tem. O trânsito de automóveis, ainda relativamente reduzido, processava-se, assim, por faixas separadas: ascendente e descendente.

"Era esta avenida o picadeiro - expressão habitualmente usada em muitas terras para definir o local, praça ou rua, por onde os habitantes normalmente passeiam e que serve igualmente de ponto de encontro. Nessa placa central existia, já perto da Casa Gouveia, um quiosque com uma esplanada muito agradável onde se bebia excelente cerveja alemã. O café do Bento, a célebre 5ª repartição, surgiu mais tarde, no jardim, precisamente como resultado deste quiosque ter sido demolido com as obras de remodelação da avenida.

"Num domingo de manhã bem cedo, cerca das 8 horas, estava em casa quando ouvi, vindo dos lados da avenida que me era próxima, enorme ruído no qual sobressaía o característico som do arranque de árvores. Fui ver. Toda aquela azáfama era para mim novidade. Nunca tinha visto aquela enorme máquina que, com um simples empurrão e sem qualquer dificuldade derrubava as árvores enquanto outra, lâmina enorme e resplandecente, escavava e, num piscar de olhos, levava à sua frente a placa de cimento dos passeios, os bancos, candeeiros e tudo mais que por lá existia. Ali me quedei, embasbacado como saloio, e com grande mágoa de ver as belas árvores derrubadas, os bancos onde tantas vezes me sentara arrancados e empurrados chão fora e toda a avenida esventrada. Coisas do impiedoso progresso.

"Em pouco tempo, ao contrário das obras de hoje que demoram, e demoram, e demoram, a avenida ficou pronta. Alcatroada, com duas filas de candeeiros novos que ainda hoje lá estão, e com novas árvores para substituir as arrancadas. Se me perguntarem de qual gostava mais direi, sem qualquer hesitação, do seu aspecto antigo. Podiam ter alcatroado, substituído os candeeiros de iluminação pública e proceder a outras beneficiações sem necessidade de uma alteração tão profunda. Mas quem sou eu para me digladiar com o saber dos urbanistas?!" (...)

Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O Caco - alcunha por que era conhecido o Com-Chefe General Spínla - passa revista às tropas em parada. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral:

Amigo Luís!

Também eu compareci no 10 de Junho. Os camaradas lá tiveram as suas razões para não me convidarem para a fotografia… Demasiado feio? Talvez!

Aí vai estória e como sempre

Aquele Abraço

Jorge Cabral

2. Estória nº 24 da série Estórias Cabralianas. Autor: Jorge Cabral , ex- Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71.



Recebido no Batalhão, pelo Comando, em continência …
por Jorge Cabral


Manga de ronco, Pessoal! Spínola veio a Fá, visitar os Comandos Africanos (2) e praticamente toda a população das Tabancas vizinhas compareceu. Homens e Mulheres Grandes, belas Bajudas, e muitas, muitas crianças.

A Pátria, pois então… E uma Guiné melhor.

O Caco entusiasmou-se. Tanto, que optou por ir de viatura para Bambadinca. E lá partiu em coluna, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló.

Claro, mais um banho de multidão…

Quanto ao Helicóptero foi mandado para a Sede do Batalhão, tendo eu pedido boleia, pois nunca experimentara voar numa nave daquelas.

Simpático, o Piloto acedeu, e antes do destino, sobrevoou Missirá, o Enxalé e o Xime, que do ar, pareciam apenas clareiras rodeadas pela floresta.

Ao descer sobre Bambadinca, apreciei a nervosa azáfama lá em baixo. À pressa, o Tenente- Coronel Comandante, os Majores, Segundo Comandante e Oficial de Operações, dirigiram-se para o local de aterragem, a fim de receber Sua Excelência.

O Helicóptero poisou. Saí e deparei com todos eles perfilados, em continência. Correspondi então, dizendo:
- À vontade, meus Senhores... Por mim, só vim beber um wiskinho...

Jorge Cabral
_______


Nota de L.G.:

(1) Vd. último post da série > 5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(2) Vd. posts de:

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)

20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1769: Estórias do Gabu (4): O Capitão Comando João Bacar Jaló pondo em sentido um major de operações (Tino Neves)

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Lamego > Centro de Instrução de Operações Especiais > 1973 > O 1º cabo miliciano Carvalho

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > o Fur Mil At Inf Op Esp Casimiro Carvalho junto ao monumento aos mortos e feridos da CCAÇ 3325 (que esteve em Guileje de Janeiro a Dezembro de 1971).






Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Casimiro Carvalho no quotidiano de Guileje.


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

Cartas e aerogramas enviados pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350, 1972/74) à família, durante a 2ª quinzena do mês de Junho de 1973 (1). A última carta que publicámos anteriormente era de 30 de Maio, escrita em Gadamael, onde o Casimiro, vindo de Cacine, se juntou à sua destroçada e desmoralizada companhia (2).

Alguns dias depois (?), ele será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, o cap Quintas, ferido com gravidade (a 1 de Junho de 1993). Não temos cartas ou aerogramas desse período (1ª quinzena de Junho de 1973), em que os paraquedistas do BCP 12 tiveram que vir aliviar a pressão do PAIGC sobre Gadamael, a seguir ao abandono de Guileje pelas NT (em 22 de Maio de 1973). Não sei se o Carvalho escreveu à família, ou se não o pôde fazer. Ele não fala desse ferimento em combate (que terá sido ligeiro: um estilhaço de morteiro 120) (3).

De qualquer modo é muito interessante cruzar estas informação epistolográfica com as memórias do Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista da CCP 121 que esteve do inferno de Gadamael nesta altura (2), depois do inferno de Guidaje.

A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue. Mais um vez agradeço ao nosso herói de Gadamael, o Casimiro Carvalho, o carinho, a confiança, o apreço e a franqueza que ele teve para connosco, permitindo-nos entrar na sua intimidade, na intimidade da sua família, conhecer as suas emoções, as suas alegrias e tristezas. Espero que nos ajude a todos a conhecer melhor o duro quotidiano dos nossos camaradas que, em Maio/Junho de 1973, sofreram no sul da Guiné uma das maiores ofensivas do PAIGC em toda a história da guerra (LG) .




Ficar não era heroísmo, era suicídio


Gadamael, 19/6/73

Paizinho:

(…) Estou bem, àparte uma dor de estômago e diarreia, provocadas pela má alimentação e má água (…)

Isto, às 7 da manhã começa-se com cerveja, para acabar às 7 da noite. Já bebi mais cerveja aqui do que você em toda a vida. É o que nos vai aguentando.

Isto está a melhorar, só bombardeiam de vez em quando e fora do quartel, portanto sem consequências. Há agora muitas emboscadas feitas aos paraquedistas que cá estão (2 companhias). Já há alguns que foram evacuados: ficaram malucos com isto aqui. Eu ando porreiro.

Diga lá ao Fernando [ Carvalho, o irmão,] que se torna a mencionar a palavra cobarde, não lhe escrevo mais. Pois se eu fugi da emboscada [descrita em 3] é porque éramos 14 homens só com G-3 e quatro ficaram logo ‘prontos’; a outro encravou-se-lhe a arma e seis fugiram logo. Estava só eu a dar fogo e outro moço, eu fui o único que tirei outro carregador e o disparei. Ficar lá nestas condições, não era um acto heróico mas sim um suicídio. Portanto, cuidado com as palavras, sr. Fernando. Eu não estou zangado. Eu não devia falar na quantidade de homens. Adeus.



Em Gadamael, estamos a dormir nas cabanas dos pretos que fugiram


Gadamael, 20/6/73

Minha querida mãezinha:

Como você me pediu, cá estou eu a escrever-lhe como posso. Se não lhe escrevi mais amiúde foi por causa da situação, pois nem tínhamos com que escrever, roubaram tudo e nem apetecia fazer nada porque andávamos a fugir das granadas, e desmoralizados com isto tudo. Até tínhamos medo de ir tomar banho.

Além de tudo, não tínhamos condições para nada pois nunca parávamos em sítio certo. Agora estamos a dormir e viver em cabanas dos pretos que fugiram , cheias de ratos e mosquitos. Mas pelo menos já dormimos, e eu com um Lusospuma.

Pode acreditar que me encontro bem, felizmente, pois agora acabou a história dos bombardeamentos. Agora só há emboscadas, quando saímos para o mato. Vamos cheios de medo e eu principalmente, pois vou à frente sempre porque, voluntariamente, levo uma metralhadora ligeiro. É uma defesa pessoal e de grupo muito boa. Eu levo 200 balas e a minha equipa 400.

Outro dia eu e o meu grupo comprámos 5 cabritinhos e eu é que os cozinho, Sou elogiado por oficial e soldados que os comem, pois tornei-me AQUELE cozinheiro. Desenrasco-me muito bem. Limparam-me também a máquina fotográfica.

Informem-me também do que se diz acerca disto aí, pois eu gosto de saber. Como já disse, vou outra vez, mais a Companhia, para o Cumeré onde estive quando cheguei à Guiné.

O irmã da Ana [, a namorada,] não está em Catió mas sim em Cufar.

(…) Parece que Guileje fica abandonado. O General Spínola não deu nenhuma ordem acerca de Guileje. A aviação vem aqui todas os dias bombardear à volta do quartel e todos os dias as antiaéreas turras ripostam.

Não vou ficar aqui muito tempo. Ando com uma diarreia maluca. Mas há-de passar. Continuo a sair para o mato.

Vamos para o Cumeré porque a nossa cmpanhia tem muitos mortos e mais feridos, para virem mais soldados completar a Companhia.

Eu devo levar um louvor, e não só mo darão se forem injustos. Pois andei debaixo de fogo a transportar mortos e feridos e a curá-los (não havia enfermeiros) numa BERLIET que eu conduzia e a transportar motores de botes para ser possível fazer as evacuações. Transportei feridos graves (a pé), debaixo de fogo. Mas ESTOU OK!

Seu filho que a ama.



Grande ronco dos paraquedistas, em 23 de Junho de 1973 (2)


Gadamael, 24/6/73

Queridos pais:

Estou óptimo, verdade! E vocês, como têm passado ? Sempre em sobressalto, mas sem razão. Pois isto agora está mais ou menos normal, embora vivamos sem condições de higiene e de habitação.

(…) Ontem, uma das companhias paraquedistas que aqui está, surpreende um grupo de turras, entre os quais cubanos, e pô-los em debandada, apanhando-lhes fardamento, alimentos, armamento, munições, coisas que eles tinham apanhado no Guileje, etc. Dois mortos deles e muitos feridos (2).

Estamos perto de abandonar esta vida, pois devemos ir para Cumeré.

Gosto muito das cartas da mãezinha, nunca deixe de me escrever. Pois dão-me umas horas de vida, enquanto penso nelas. E o meu velhinho ? Então tem-se esquecido do seu filho ? (…).



Vêm aí os periquitos: vai haver bebedeira pela certa


Gadamael, 26/6/73

Now we have peace

Minha querida mãezinha:

É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana (…).

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B.B. & Irmão (…).

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)(3)

(...) "13 de Junho de 1973: aliviando a pressão sobre Gadamael

"No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar [de Cacine] a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os paraquedistas da CCP 122, aonde iriam recuperar durante um curto período.

"Chegados ao destacamento [ de Gadamael], verificámos que o estado do mesmo era na verdade aterrador, fruto dos constantes ataques, sendo bem visíveis os buracos dos rebentamentos das granadas do IN. Era evidente que quem lá tinha estado anteriormente, tinha passado por uns maus bocados.

"As nossas duas companhias de paraquedistas que se encontravam aqui estacionadas estavam em permanentes patrulhamentos no exterior do aquartelamento, indo a este simplesmente para remuniciamento e reabastecimento. Desta forma fomos alargando o raio de acção indo até junto à fronteira, para conseguir referenciar os locais de onde o PAIGC fazia os ataques, para dar indicações à nossa Artilharia e Força Aérea. A impossibilidade de referenciar, por ar, estes alvos, levou-nos a ocupar as zonas em que o IN poderia instalar as suas bases do fogo e deste modo a fazê-lo afastar-se. Foi o que, realmente, veio a acontecer.

"A partir desta altura fomos ao encontro dos locais de onde se ouviam os disparos das bocas de fogo e ocupámos essas áreas mesmo junto à fronteira, algumas vezes chegámos mesmo a ultrapassar a linha de fronteira com alguma profundidade - nunca por períodos longos, mas apenas porque havia aí bases de fogo IN. Nunca conseguimos apanhá-los desprevenidos, pois havia sempre forças de infantaria do PAIGC que os alertava com tiros acabando por retardar a nossa progressão.

"No entanto os ataque a Gadamael deixaram de ser tão frequentes, passando as flagelações a a realizarem-se com menos intensidade e sem a precisão até aí evidenciada, além de feitas a partir daí sempre de locais diferentes. Quando as nossas forças aí chegavam, já eles tinham partido para outro local.

"Mesmo já quando as forças do PAIGC não flagelavam o destacamento com tanta frequência, fomos mantendo a actividade de patrulha ao mesmo ritmo, por forma a manter as áreas próximas do braço do rio que dava acesso a Gadamael e que era a nossa única via de ligação para o exterior.

"Consequentemente a eficácia de tiro até aí verificada por parte do IN deixou de existir e a intenção e pressão inicial caiu por terra, as forças do nosso exército voltaram ao destacamento e com os paraquedistas fizeram vários patrulhamentos transmitindo-lhes os nossos conhecimentos e mais confiança nos deslocamentos em plena mata até aí de arrepiar" (...).


"23 de Junho de 1973: atolados num campo minado!


"A 23 de Junho de 1973, recebemos ordens para novo patrulhamento. Manhã cedo arrancámos desta vez saindo pela que era considerada porta de armas virada para o rio, o qual atravessámos. Avançámos para o local indicado pelos nossos superiores, em progressão lenta e com cuidados redobrados.

"Esta zona não era para brincadeiras. Nesse dia éramos acompanhados por 2 militares do exército que eram sapadores e montavam minas no terreno tentando proteger o destacamento da acção do inimigo. Passado algum tempo, recebemos ordens para parar na frente, estávamos num local minado pelos nossos novos companheiros e a sua missão era indicar-nos a localização das minas para podermos contornar o local sem qualquer incidente (...)".
(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. O BCP nº 12, a duas companhias (CCP 122 e CCP 123) é enviado para Gadamael a 2 de Junho, seguindo-se a 13 a CCP 121, do Victor Tavares. Regressa a Bissau a 7 de Julho (as CCP 122 e 123) e a 17 de Julho (a CCP 121). Os páras cosneguiuram travar a ofensiva do PAIGC a partir do momento em que se instalam em Gadamael.
Eis como Carvalho descreve o seu ferimento, que deve ter ocorrido em finais de Maio de 1973 (a situação mais crítica em Gadamel é nos dias 31 de Maio, 1 de Junho e na noite de 1 para 2 de Junho; o cap Quintas, da CCAV 8350, é gravemente ferido na tarde do dia 1 de Junho, sendo ajudado pelo Fur Mil Carvalho, que estava operacional e foi um dos derradeiros defensores do aquartelamento antes da chegada dos páras - CCP 122 e 123 - a 2 de Junho) (4):
(...) "Em Gadamael, fugindo das morteiradas certeiras do 120
"Aqui vão alguns itens, e falo assim para não ser acusado de subverter a verdade dos factos.Em Gadamael não havia casamatas como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar, quando ouvíamos as saídas, tínhamos 22 ou 23 segundos até as granadas 120 caírem em cima de nós ou , muito raramente, caírem mais além. O pessoal começou a fugir para o rio, e as granadas caíam no rio, o pessoal corria para o parque Auto e as granadas caíam no parque Auto, o pessoal saltava para as valas e as granadas iam cair nas valas.Numa dessas quedas (voos) para a vala - e já lá ! -, senti as nádegas húmidas e, ao pôr lá a mão, esta veio encharcada em sangue... Berrei que estava ferido e fui evacuado num patrulha da Marinha para Cacine (entretanto no barco fui tratado e apaparicado pelos marujos).
"Em Cacine verificaram que era um estilhaço de morteiro 120 do IN, e que não havia necessidade de ser transferido para Bissau, pelo que fui nomeado chefe de limpeza em Cacine (um Ranger, imaginem) .
"Quando começaram a chegar as vítimas desse holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhar, deu um clique na minha cabeça e peguei numa Kalash que eu tinha, virei-me para um oficial e disse:- Ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou eu varro já esta merda!" (...)
(5) Ainda sobre o referido ferimento em combate, o Carvalho continua sem me responder às questões factuais (datas, etc.)... Enfim, a esta distância no tempo e no espaço, não se lhe pode pedir muito mais... Eis o que ele me escreveu, num mail recente:
"Fui ferido em Gadamael, por estilhaço de 120 (?) quando em voo para a vala. Fui evacuado por um patrulha até Cacine, onde me trataram e não viram motivo para ir para Bissau. Fiquei a ser chefe da limpeza em Cacine (um ranger...) até que me passei dos carretos a ouvir os bombardeamentos e a ver os meus camaradas a chegarem feridos aos magotes e resolvi voluntariar-me para regressar a Gadamael (insensatez própria da idade e da valentia de ser especial (Ranger).
"O Fernando é meu irmão mais novo e a Ana era minha namorada e hoje esposa".