1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Julho de 2010:
Queridos amigos,
Foi no nosso blogue que teci uma boa parte dos elogios que agora ganharam forma no prefácio do livro que será publicado em Setembro.
Terei muito orgulho se dele quiserem fazer a competente publicitação.
Um abraço do
Mário
As armas e os barões assinalados da ignota Parada do Junco:
Reflexões à volta de uma obra-prima (até agora) envolta em mistério
por Beja Santos
Os melhores livros de guerra perfilham uma atitude comum: a de designarem permanentemente o outro e o outro lado da sua guerra; de irem ao encontro da dignidade desse outro, dos seus enigmas, do seu mistério e da sua identidade. A principal lição moral podia mesmo sintetizar-se nestes termos: quem combate quem? como? porquê?
João de Melo em “Os Anos da Guerra"
Prefácio do livro "Estranha Noiva de Guerra", de Armor Pires Mota, a publicar pela Âncora Editores**
Como é possível que uma obra-prima da literatura da guerra da Guiné, publicada em 1995 (embora numa edição discreta, de difusão restrita) tenha ficado completamente no olvido da crítica, nem mesmo muitos antigos combatentes, sempre ciosos por descobrirem testemunhos quem lhes permitam verem-se ao espelho, deram pelo relevante acontecimento literário? É hoje sabido que a literatura da guerra produziu um conjunto de obras que são objecto de estudo, obtiveram reconhecimento do público, inclusivamente foram, nalguns casos, rampas de lançamento de escritores que, a seguir, com maior ou menor intensidade, acabaram por cortar relações com esse veio literário: basta pensar em Manuel Alegre, Álvaro Guerra, José Craveirinha, José Martins Garcia, Lobo Antunes, Lídia Jorge, Pepetela e João de Melo.
Houve na verdade uma geração literária da guerra colonial, como questionou João de Melo em Os Anos da Guerra. Ao sabor das diferentes escalas da qualidade literária, este protagonistas deram forma às suas experiências, vazaram no papel as transformações sentidas, protestaram, plasmaram o sofrimento visto, testemunharam a reviravolta interior, de si e de quem comungou ou partilhou a camaradagem, no romance, no conto, na poesia, em memórias, em diários, até recordações esfarrapadas em depoimentos da mais variada índole. Foram, sobretudo, oficiais milicianos, mas também oficiais do quadro, sargentos, dos três ramos das Forças Armadas (incluindo as forças especiais), mulheres desses milicianos, em muito menor número praças, nas três frentes dos teatros de operações os obreiros desta literatura.
Impõe-se reflectir no porquê da incomodidade e da (ainda hoje) subalternidade desta escrita e até das razões dos sucessivos estados emocionais que têm presidido à sua elaboração.
Falando especificamente da Guiné, o primeiríssimo escritor foi Armor Pires Mota com o seu Tarrafo, inicialmente publicado no Jornal da Bairrada, sob a forma de crónicas, entre 1964 e 1965, e impresso em livro em 1965, rapidamente retirado do mercado pela polícia política de Salazar. Tanto quanto sei, foi o único caso de um escritor que publicou praticamente ao quente dos factos bélicos um punhado de crónicas, um verdadeiro diário público do combatente. Outros nomes salientes desta década foram os de Álvaro Guerra, Manuel Barão da Cunha e Amândio César. O primeiro escreveu romances onde episodicamente falou da frente da Guiné (onde combateu de 1963 a 1965). Álvaro Guerra vai depois para Paris e os seus livros espelham preocupações abrangendo o mundo da infância, o choque com o cosmopolitismo parisiense, onde se amalgamam episódios guineenses. Barão da Cunha exalta o soldado anónimo sob a forma de crónicas, Amândio César fez reportagens na Guiné, pôs-se inequivocamente ao lado das teses do regime. Em síntese, os anos 60, na perspectiva literária, aparecem codificados ou moralizantes, ficaram algumas páginas muito belas de Álvaro Guerra e a incursão de autenticidade num jornalismo de combate que foi Tarrafo.
Álvaro Guerra continuará a fazer um grande investimento nas suas memórias da guerra da Guiné. Edita em 1973 O Capitão Nemo e Eu onde nos deixa um dos mais espantosos parágrafos desta literatura de memórias de quem vestiu o camuflado, não resisto a transcrever: “Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injectou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar”. Por este tempo, é inegável uma literatura que não esconde o desencanto com a evolução da guerra, como será o caso de A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha.
Com o 25 de Abril, finda o tempo da literatura cabalística ou até da defesa do Império, surge a liberdade, a irreverência, até a hipercrítica à nossa participação na guerra colonial. José Martins Garcia e o seu Lugar de Massacre ocupam um lugar de relevo neste período. Mas aqui volta-se à questão: porquê a menoridade desta literatura de guerra, a sua apagada tristeza? A descolonização, a emancipação dos países como a Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, levam a que durante décadas se imponha a literatura do outro, quase se apagando a memória do combatente português, perplexo quanto à oportunidade e utilidade do seu testemunho. Acresce que estamos num período em que esta geração está a refazer a sua vida, para além dos constrangimentos do que representava falar das suas memórias, equivocamente tratadas como de um saudosismo palustre, sabe-se lá até se considerados como gente com tentações neocolonialistas ou com nostalgias do Império...
Os anos 80 mantêm testemunhos libertários, caso de Até Hoje, de Álamo Oliveira, aparece depois Cristóvão de Aguiar cujo Braço Tatuado permanece uma obsessão de um escritor que conserva um expressivo manancial de memórias da sua comissão e que tem vindo a aumentar a consistência dos seus relatos. Por esse tempo, Armor Pires Mota escreve uma colectânea de contos Cabo Donato Pastor de Raparigas que instala um novo olhar do autor do Tarrafo sobre as realidades da guerra, torna perceptível que a linha épica se está a deslocar para aspectos brejeiros do quotidiano militar. Os anos 90 em nada modificaram o registo que se preludiava nos anos 80. É uma época em que se publicam memórias de unidades militares, ganha forma uma certa literatura confessional, e chega-se mesmo ao dobrar do século com muitos testemunhos como os de Vasco Lourenço e Salgueiro Maia, os do político António Loja (que nos deixou páginas extraordinárias em As Ausências de Deus) ou do escritor Luís Rosa em Memórias dos Dias sem Fim (também cabe registar aqui algumas páginas de elevado recorte literário).
Estamos chegados ao ponto culminante que foi a descoberta (para mim) de Estranha Noiva de Guerra, o romance que Armor Pires Mota publica em 1995, e do qual não dispunha de qualquer informação. Li e reli, tudo me parecia inacreditável, já não bastava o facto de ele ser o mais persistente escritor da guerra colonial, vinha no contingente dos primeiros, continuava a não arredar pé. A sua escrita crescia em dimensão, amplificara-se a influência dos grandes mestres literários, sobretudo os do castiço e os da ruralidade: Aquilino Ribeiro, Tomaz de Figueiredo, Raul Brandão, Araújo Correia. Estes mestres faziam-se sentir na riqueza vocabular, no recurso à mais genuína imagem telúrica e, curiosamente, sentia-se a intercepção pelas simpatias com o neo-realismo e naturalismo e, por importação, as cadências de Hemingway ou Norman Mailer.
Eufórico pela descoberta, logo escrevi no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné onde tenho publicado as recensões sobre a literatura da guerra da Guiné: “A metáfora é da via-sacra, isto é, o herói, no cumprimento do seu dever, arrasta o corpo de um camarada morto em combate por caminhos inóspitos, sujeito a toda a casta de provações: o confronto com o inimigo, explícito e brutal; os jagudis devoradores do corpo à sua guarda; uma viagem que se torna delirante e dilacerante, dando azo a que o herói dê rédea solta a recordações de toda a ordem. A estrutura é a da narrativa na primeira pessoa, aliás é deste modo que abro o romance: “Eu, Bravo Elias – de nome completo José Joaquim Bravo Elias -, nado e criado em Parada de Junco, que não invento, por verdade ser o sangue e o tormento da hora, o dizer dos desasados momentos por que tive de passar, a cobra verde, o mosquito adejando raivoso, o olho miúdo mas generoso das suas velhas recitando o seu hamedulilai, a heróica rapariga, ah a rapariga, e, como dizia, picado no ouvido fito por violento tiroteio, muito lá para a frente, assarapantado, agarrei da G3 e cavei de onde estava para a cratera aberta. Premi o gatilho, com raiva patenteada nas mãos humedecidas, varrendo, da esquerda para a direita, todo o campo de tiro, aliás, como costumava fazer”. Bravo Elias é um furriel que combate na região do Morés. Com ele segue Júlio Perdiz, um morto em combate que não será abandonado em campo de batalha. É um relato extenuante, primorosamente estruturado. Trata-se de uma operação ao Morés, o que inicialmente parece um sucesso (um ronco) converte-se numa reacção poderosa por parte das forças do PAIGC. O contingente militar estaciona um pouco à deriva, a memória do Bravo Elias recorda nomes, situações cómicas ou destemperadas, há mesmo conversas trocadas na esplanada do Tropical ou no café Bento, ambos em Bissau. É nisto que o herói descobre que ali ao pé, enquanto a sua memória divaga, jaz Júlio Perdiz agonizante: “Tinha na cabeça um arrepio intranquilo de sangue e nenhum relincho era capaz de acordá-lo”. Perdiz distinguira-se um dia por se ter lançado, montado num burro contra uma força do PAIGC emboscada na mata densa. Os helicópteros sobem e descem, largam munições e água, transportam os feridos para Bissau. Bravo Elias sente-se sozinho, toma decisões, arremessa para os ombros o corpo do camarada. Iniciara-se a via-sacra. As sugestões literárias misturam-se, desde o neo-realismo até ao surrealismo. Logo no início da espinhosa jornada, quando ele convoca toda a sua identidade: “o meu avô, António Francisco Elias, que era um poço de bravura, em terra e no mar; o meu pai que com o seu arado acordava a terra para a festa das sementes, ainda o sol vinha longe; a minha mãe que pusera na cómoda a minha fotografia sobre a protecção de um quadro do Arcanjo S. Gabriel; a minha namorada, que não sabia que eu tinha uma história com uma negra, de belos traços; também a padroeira do lugar de Parada de Junco, Nossa Senhora do Livramento, e o próprio Deus”.
É nisto que surge nessa terra de ninguém uma rapariga dizendo: “Mim ajuda branco, mim vai ajuda branco”. Chama-se Mariama e promete levá-los até Mansabá. Este Bravo Elias já leva dezoito meses de guerra quando recebe auxílio desta rapariga bonita que sabe manejar as armas e é guerrilheira. É aqui que se começa a desenvolver uma das tónicas dominantes deste notabilíssimo romance: a convulsão da guerra que atrai os opostos, levando-os da confrontação à reconciliação. É a metáfora da paz, o mistério do amor cristão, a bonança a seguir à tempestade. Aqueles dois seres humanos levam a padiola do Perdiz, seguem esgotados, correndo todos os riscos, atravessando bolanhas fétidas, sujeitos a todas as inclemências da natureza. É irresistível não citar Armor Pires Mota e a sua prosa irrepetível: “Os incertos, àquela hora, estendiam pela mata a sua zanguizarra solene e impetuosa como um rio de vozes frescas rebentadas do chão. Mais longe, alguns macacos pincharolavam de festa, numa grulharia irritante e sádica, pois pareciam que estavam a troçar de mim e do Perdiz. Com gestos obscenos. Pelo alto, sarabandeavam muitos pássaros. Tantos que era difícil chamá-los pelo nome. Mesmo assim, reconheci, com a ajuda da rapariga, o barbilhão amarelo, o pássaro martelo, o jabiru, a pomba verde, o beija-flor”. Na romagem infernal integram-se um cão e um pássaro, de nome John. A paixão entre Mariama e Elias desperta. Passa-se pela região de Lala Samba, os jagudis voltam a atacar o finado, arrancam-lhe os olhos, metade de uma orelha, o nariz. Aos tombos, chegam a Cumbijã Sare, lavam o que resta do Perdiz. A trama ganha novos contornos com a chegada de dois guerrilheiros, depois chegam à tabanca de Sambuiá onde um velho, de nome Mamadú Keta, antigo alferes de segunda linha, irá oferecer um cachimbo ao Bravo Elias. Ali se falará do futebolista Eusébio e numa xícara da Vista Alegre. Depois de terem ladeado Tabassai, dá-se o reencontro com a tropa. Mas a via-sacra ainda não terminou, aliás nunca se saberá qual o seu ponto culminante. Segue-se um ataque a Mansabá, uma descrição como nunca encontrei na literatura da guerra colonial: o vigor da encenação, os sons, as imagens de sofrimento, as águas-fortes das correrias e dos rodopios. No durante o ataque os dois jovens guerrilheiros do Morés matam Mariama. O apocalipse prossegue, Bravo Elias consegue olhar com os olhos enxutos todo este mundo devastado em que até o pássaro John pia assustado, era um fio de voz que doía. E assim termina este romance incomparável: “Então, resolvi erguer-me de onde estava, aéreo e pardacento, e, cambaleando muito, fui à procura de John por cima de um mundo de destroços”.
Esta linha dominante da reconciliação, do diálogo entre os pólos opostos, será retomada num outro livro de inegável mérito A Cubana que Dançava Flamenco, a obra mais recente de Armor Pires Mota. Mas convém não perder de vista a questão central que é a bela metáfora, a epopeia do Bravo Elias e de Mariama à volta de um santuário mítico do PAIGC onde tem lugar uma romagem espantosa, cravejada de heroísmo, erotismo e do fantasma de Thanatos. Bela metáfora de um herói anónimo, quando regressa ao quartel de Mansabá, tudo quanto ocorreu parece não ter passado de uma mera formalidade. Bela metáfora de um Morés onde tudo é possível quando a camaradagem se sobrepõe à violência do meio. Qualquer uma daquelas batalhas podia ter sido vivida por um combatente, a romagem de padiola, aquela solidão a que se junta em solicitude Mariama e o seu afago, os presentes de um alferes de segunda linha a recordar que mesmo num local de franca carnificina os homens não esquecem os valores do passado. A morte ronda por toda a parte mas a missão de dar uma urna ao Perdiz sobrepõe-se à fadiga e aos medos. Até ganha plausibilidade conversar com guerrilheiros e entrar quase naturalmente em Mansabá, como nada tivesse acontecido. Parece que o horror da guerra se esfuma com a coroação de toda aquela ternura entre a guerrilheira e o combatente que não abandona um camarada nos ocasos da floresta. Uma trama engenhosa que desagua num mundo em destroços que não interessa completar porque a guerra não é cor-de-rosa e ninguém tem direito a saber o destino deste Bravo Elias que acaba de perder a sua estranha noiva de guerra.
Se há acontecimento mais feliz de um ano trágico da minha vida, em que ao perder uma filha procurei refugiar-me no estudo da trajectória da literatura da guerra colonial da Guiné, foi o de ter conhecido esta pedra preciosa que parecia guardada a sete chaves, inexplicavelmente.
É o momento preciso para que a cultura portuguesa se reencontre com uma obra-prima que reconcilia e abrilhanta, em todo o seu esplendor, a lusofonia que emergiu com o fim da guerra colonial.
Lisboa, 5 de Julho de 2010
Mário Beja Santos
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6715: Notas de leitura (129): Sobre a Unidade no Pensamento de Amílcar Cabral, de Sérgio Ribeiro (Mário Beja Santos)
(**) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5753: Notas de leitura (61): Armor Pires Mota (6): Estranha Noiva de Guerra, uma obra prima à espera de reconhecimento (Beja Santos)
Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6436: Bibliografia de uma guerra (56): Vindimas no Capim, de José Brás - Maneira mais cómoda para obter esta obra
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 13 de julho de 2010
Guiné 63/74 - P6726: Memórias do Bachile, chão manjaco (1): O que será feito do menino Augusto Martins Caboiana ? (António Branco, ex-1º Cabo Reab Mat, CCAÇ 16, 1972/74)
Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Bachile > CCAÇ 16 > O António Branco, junto ao obus 10,5 com a mascote da companhia, um menino do mato, Augusto Martins Caboiana, que todos os camaradas da CCAÇ 16 adoptaram e ajudaram a crescer...
Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Bachile > CCAÇ 16 > O António Branco e o João Pereira no espaldão do Mort 81.
Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Bachile > CCAÇ 16 > O António Branco, na "tradicional foto na árvore de grande porte" [, poilão].
Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Bachile > CCAÇ 16 > Natal de 1973 > O Augusto, feliz e sorridente, foi o motivo principal do cartão de boas festas do Natal de 1973.
Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Bachile > CCAÇ 16 > Natal de 1972 > Cartão de boas festas
Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Bachile > CCAÇ 16 > 22 de Julho de 1973 > Um convite criado pela "comissão de festas"...
Fotos: ©António Branco (2010). Direitos reservados
1. Mensagem do António Branco, um dos membros mais recentes da nossa Tabanca Grande (*)
Data: 11 de Julho de 2010 22:19
Assunto: Memórias do Bachile
Camaradas
Hoje resolvi partilhar um pouco, ainda que de forma superficial, a minha experiência vivida durante cerca de dois anos no Chão Manjaco, Bachile e CCAÇ 16.
Não pretendo evidenciar os momentos mais belicistas desta minha experiência, porque isso deixo para os mais entendidos na matéria, quero sim antes de mais realçar quanto para mim foi gratificante experienciar os contactos sociais mais diferenciados.
Na totalidade na companhia éramos apenas, se a memória não me falha, cerca de trinta metropolitanos das mais diversas origens, das mais variadas classes sociais e com níveis de cultura diferentes.
Mas estas diferenças não eram minimamente visíveis no dia-a-dia, porque entre todos sempre existiu uma enorme cumplicidade tal como se de uma família se tratasse.
O facto de a maioria dos camaradas terem ido para o Bachile em rendição individual, a meu ver proporcionou uma maior e mais forte aproximação, camaradagem e solidariedade entre todos.
Recordo com muita frequência que um problema, de qualquer um de nós, era um problema de todos e só descansávamos quando se possível o problema conseguia ser sanado.
Quando havia motivos para festejar, festejávamos todos, reforçando assim esse espírito familiar que se vivia.
Todos os dias e nas mais diversas situações, aprendíamos algo uns com os outros, todos os dias se cimentava a cumplicidade de um grupo de homens que, apesar da sua juventude, tinham bem presentes valores cada vez mais difíceis de encontrar.
Com os militares africanos sempre tive um extraordinário relacionamento, encontrei muito boa gente e compreendi muitas vezes as suas frustrações.
O Augusto Martins Caboiana, um menino que todos ajudámos a cria, e do qual gostava de saber o seu paradeiro, foi estou em crer um ponto marcante para todos que passaram pelo Bachile.
Em anexo algumas fotos do Augusto que camaradas de outras companhias, enfermeiras pára-quedistas e camaradas da Força Aérea concerteza recordarão.
Não refiro outros nomes para não ferir susceptibilidades, pois a memória e o tempo decorrido já não permite que os recorde a todos, até porque enquanto desempenhei funções no bar de sargentos foram muitos os camaradas de outras companhias com quem convivi quando da sua passagem pelo Bachile com destino a operações na zona da Caboiana.
Falta-me referir o privilégio que foi contactar com muita da população civil que nas mais diversas situações foi sempre de uma extrema cordialidade, humildade e sem dúvida merecedora de uma vida melhor.
Aprecio imenso todas as iniciativas de origem particular de apoio à população da Guiné e estou sempre muito atento a tudo o que com esta terra se relacione.
Tenho esperança de vir ainda a encontrar mais camaradas que estiveram no Bachile para que com a experiência de cada um contar a história daquele que foi um simples bocado de terra rodeado de mato por todo o lado e que hoje pouco ou nada sabemos como é.
Voltarei à tabanca com mais relatos de experiências guardadas na memória e com mais fotos que espero ajudem a reencontrar outros camaradas.
Um abraço para todos
António Branco
Exz-1º Cabo Reabastecimento Material
CCAÇ 16 -Bachile (1972/74)
_______________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 10 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6709: Tabanca Grande (228): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16, Bachile, 1972/74
(...) Sou natural de Lisboa onde nasci em 24-06-1950 e onde ainda resido. Estou presentemente reformado após ter passado por um período de três anos desempregado e sem poder exercer a minha actividade na área do sector automóvel que iniciei com quatorze anos.
Na sequência da situação de desempregado, ocupei o tempo disponível melhorando o meu nível de escolaridade completando o ensino secundário e consequentemente entrei no mundo das novas tecnologias.
Foi assim que acedi ao blogue que faz já parte dos meus favoritos e que visito diariamente pois sou fã incondicional de tudo o que diz respeito à Guiné e muito particularmente ao Bachile e à CCAÇ 16.
E foi através desta enorme família residente na tabanca que decorridos 38 anos consegui encontrar lá longe na China o ex-Capitão José Martins, o ex-1.º Cabo Operador Cripto Miranda, o ex-Furriel Bernardino Parreira, o ex-Furriel José Romão e mais recentemente o ex-1.º Cabo Mecânico Auto João Pereira. (...).
Vd. também poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6680: O Nosso Livro de Visitas (92): A. Branco, CCAÇ 16, Bachile, chão manjaco, 1971
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Os nossos camaradas guineenses,
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Guiné 63/74 - P6725: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (6): É tempo de dizer BASTA! (António Martins de Matos)
1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen PilAv Res), enviou-me, em 12 de Julho último, as suas conclusões sobre a matéria publicada nos postes – P6618 e P6705, a propósito do dia 10 de Junho e dos ex-Combatentes da Guerra do Ultramar.
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6705: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (5): Não há nada a fazer! (António Martins de Matos)
Dada a importância da comunicação pedi-lhe a devida autorização para passar a publicá-la, o que foi concedido de imediato.
Assim, com os devidos agradecimentos ao Autor, segue-se o texto:
É TEMPO DE DIZER BASTA!
Caro amigo,
Confesso ter ficado algo surpreendido com a aceitação que os meus textos dos postes P6618 e P6705 originaram.
Não que isso me autorize a olhar para o umbigo da vaidade, antes pelo contrário, que me permita ver o futuro de uma outra maneira.
Mas se os meus textos servirem para acordar alguns amigos menos atentos, óptimo.
E lá vem outra pergunta, que a perguntar é que a gente se entende:
- Quantos são os antigos combatentes? Alguém sabe?
Há dados referentes à Guerra Colonial que andam quase sempre escondidos e quem os conhece tenta normalmente manipulá-los de modo a daí tirar o devido proveito.
Diz o Carlos Matos Gomes e o Aniceto Simões no seu livro sobre “Os anos da Guerra Colonial” que mantínhamos em África anualmente cerca de 80.000 homens.
Ora, se a tropa era rodada a cada 2 anos e a guerra durou 13, num cálculo empírico e a arredondar por baixo poderei concluir que deve ter havido mais de 500.000 portugueses que passaram por África.
Já perceberam porque razão volta não volta vos dão pancadinhas nas costas?
Ou julgam que os 150 euros ou o desfile em Faro foram sem segundas intenções?
E não, não estou a fazer a apologia de nos transformarmos em partido, nós ex-militares somos apartidários, mas não somos nem apolíticos nem parvos (ou somos?).
E se há Instituições ou partidos ou entidades que nos querem manipular, é tempo de dizer BASTA.
Só queremos que nos respeitem e que prestem homenagem aos cerca de 10.000 que deram a vida em nome de uma Pátria que os quer esquecer.
Um Abraço,
Confesso ter ficado algo surpreendido com a aceitação que os meus textos dos postes P6618 e P6705 originaram.
Não que isso me autorize a olhar para o umbigo da vaidade, antes pelo contrário, que me permita ver o futuro de uma outra maneira.
Mas se os meus textos servirem para acordar alguns amigos menos atentos, óptimo.
E lá vem outra pergunta, que a perguntar é que a gente se entende:
- Quantos são os antigos combatentes? Alguém sabe?
Há dados referentes à Guerra Colonial que andam quase sempre escondidos e quem os conhece tenta normalmente manipulá-los de modo a daí tirar o devido proveito.
Diz o Carlos Matos Gomes e o Aniceto Simões no seu livro sobre “Os anos da Guerra Colonial” que mantínhamos em África anualmente cerca de 80.000 homens.
Ora, se a tropa era rodada a cada 2 anos e a guerra durou 13, num cálculo empírico e a arredondar por baixo poderei concluir que deve ter havido mais de 500.000 portugueses que passaram por África.
Já perceberam porque razão volta não volta vos dão pancadinhas nas costas?
Ou julgam que os 150 euros ou o desfile em Faro foram sem segundas intenções?
E não, não estou a fazer a apologia de nos transformarmos em partido, nós ex-militares somos apartidários, mas não somos nem apolíticos nem parvos (ou somos?).
E se há Instituições ou partidos ou entidades que nos querem manipular, é tempo de dizer BASTA.
Só queremos que nos respeitem e que prestem homenagem aos cerca de 10.000 que deram a vida em nome de uma Pátria que os quer esquecer.
Um Abraço,
António Martins de Matos
Ten PilAv na BA12
__________
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Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6705: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (5): Não há nada a fazer! (António Martins de Matos)
Guiné 63/74 - P6724: Parabéns a você (131): 13JUL2010 - Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Editores)
1. O nosso Camarada Rogério Ferreira, que foi Fur Mil Inf Minas e Armadilhas da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, completa hoje mais um aniversário.
2. É membro da nossa Tabanca Grande desde 30 de Setembro de 2008, praticou "turismo" em vários "ressorts" por quase toda a Guiné, cerrando fileiras junto de nós através do poste P3255, de que recordamos o seguinte trecho:
“Fui Fur Mil Inf e com a especialidade de Minas e Armadilhas. Pertenci a CCAÇ 2658/BCAÇ 2905. Estive em Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate e manga de LDG para ir do Xime até Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, aí até aos 19 meses, vindo os restantes meses para Bissau para o AGRABIS (600), ainda Nhacra umas duas semanas até ao barco.
Em Mareue, aldeia só com população, calhou-me construir um quartel, mas dessas peripécias contarei outro dia.
Calcorreei muito chão, do manjaco ao fula, do balanta ao mandinga.
Estive em Bambadinca pelo menos uma vez a beber umas bazucas com malta conhecida de Santarém, de onde sou, que era o Vitor Alves, furriel e um soldado ou cabo Orlando Rodrigues, já falecido depois do regresso. Conheço de algum modo a zona.
A estrada que ia do Xime para Bambadinca, quando cheguei, era só buracos pegados onde cabiam os unimogs mais pequenos e se deixavam de ver, demorando horas a atravessar.
Quando vim para a LDG estava tudo alcatroado, demorámos a volta de 20 minutos, lembro-me que habia soldados africanos a fazer-nos a segurança na orla da mata quem sabe se algum dos colegas que fazem parte do site e que são do meu tempo lá estariam a comandá-los.” 3. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos neste poste, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos não puderem enviar-te as suas mensagens, queremos:
Desejar-te neste teu aniversário os nossos maiores e melhores votos, para que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria. E mais te desejamos, que por longas e prósperas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários. Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 & outras cargas de trabalhos por tarrafos, matas e bolanhas da Guiné. Com montanhas de abraços fraternos.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados. __________ Notas de M.R.: Vd. último poste desta série em: 12 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6719: Parabéns a você (129): António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP (Editores)
Guiné 63/74 - P6723: Parabéns a você (130): António Tavares, ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912 (Editores)
Hoje dia 13 de Julho de 2010, completa mais um ano de vida o nosso camarada António Tavares que foi Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72.
Caro Tavares, em nome da tertúlia, os editores aqui estão para te desejar um bom dia de aniversário junto da tua família e roda de amigos.
São ainda nossos votos que tenhas um vida longa, tão boa quanto possível, com muitos almoços na Tertúlia da Tabanca de Matosinhos.
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6719: Parabéns a você (129): António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP (Editores)
Caro Tavares, em nome da tertúlia, os editores aqui estão para te desejar um bom dia de aniversário junto da tua família e roda de amigos.
São ainda nossos votos que tenhas um vida longa, tão boa quanto possível, com muitos almoços na Tertúlia da Tabanca de Matosinhos.
António Tavares, anos 70, quando em Turismo de Habitação por terras de Galomaro
__________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6719: Parabéns a você (129): António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP (Editores)
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Guiné 63/74 - P6722: Blogoterapia (152): Logo se vê... (Torcato Mendonça)
1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) com data de 9 de Julho de 2010:
Caro Carlos Vinhal
Vai para ti e para o blogue.
Li ontem à noite e comentei. Hoje voltei a ler. Tinha mexido comigo.
O P6698 do José Corceiro, levou-me, outra vez aos bons, maus e vilões - como costumo dizer. Ora muitos Camaradas nossos, além dos três majores, um alferes e três, creio eu, militares, foram barbaramente assassinados. Houve outros, houve Quirafo, houve ataque selváticos a populações indefesas. Houve e calar ou, pior que isso, confundir e acusar as NT, algum elemento das NT e quantas vezes sem se saber ou dizer o porquê. Não desculpabilizo qualquer atitude de violência gratuita, quanto mais assassinatos ou violações. Mas de quantas mentiras é feita a verdade (como diz o escritor angolano Águalusa)
Ou o P6694 do Beja Santos. Aí refiro-me ao fuzilamento de um amigo, o Capitão Comando Zacarias Saiegh, homem de Abril.
Sobre Cabral e Nini nada se diz. Está escrito.
Suavizo com a Poesia do Mexia Alves que tem mais que se lhe diga e eu gosto e releio. Enfim... ainda bem que há pessoas assim.
Anexo um texto em bruto. Fui ao arquivo dos textos e escolhi esse. Cuidado com ele. Vai assim e logo' irei ler. Sem rede e sem titulo.
Abraço amigo do Torcato
E esta porra de guerra que se entranha. Há um poilão em Candamã e logo conto... pode ser um desejo de velho... terra vermelha e ardente...
Titulo, logo se vê
A folha de papel em branco, ecrã neste caso, as ideias a quererem sair e não saber o que fazer ou por onde começar. Galomaro, COP 7, Madina.
É mais fácil, antes de teclar, escrever no papel. Será assim ou é defeito da idade? Questão que tem a ver com a idade, certamente. Quando era mais novo escrevia no papel, emendava no papel e depois passava ao teclado. Não era teclado de computador. Nesse tempo, para onde a memória agora me levou, os computadores usavam cartões perfurados e eram uma sala para um computador. Os teclados das Remington, Olivetti e outras eram barulhentos, letras noutras posições que não QWERT. Se bem me lembro eram HCESAR ou AZERT e quando um fulano se enganava era uma maçada.
Mas porque escrevo isto? Para arrefecer as ideias ou dar tempo a que elas se arrumem? Não sei. Continuo a não saber por onde começar. Claro que o assunto se prende com o Blogue, a Guiné e os escritos geradores de controvérsia. Felizmente geradores de controvérsias. Que seria um blogue, com tantos tertulianos ou membros do dito, a pensarem todos de igual forma. Era um estado novo. Bem isso não. Se fosse um estado novo pensavam de forma diversa mas poucos, muito poucos, divergiam em opinião expressa.
Isto, esta conversa, é como os teclados de computadores e máquinas de escrever: todos se lembram e quase todos já se esqueceram deles. Como se esqueceram ou relembram certas situações, então vividas, de forma diversa.
Li o escrito de Luís Graça sobre Madina Xaquili e a sua CCaç 12 e, também sobre Madina e a Guerra Vista de Bafatá de Fernando Gouveia.
Fui até lá. Andei por lá, relembrando aquela zona, o que por lá fiz e vivi. Voltei a reler, mais ao correr do rato, vendo as boas fotos e abrindo a memória, desbaralhando ou arrumando ideias. Depois procurei na velha agenda de 69 o mês de Julho/Agosto.
Que idade teria eu? Vinte e quatro e dezanove meses de Guiné. Era isso. Andava por aqueles lados, emprestado à Companhia de Galomaro e ao Cop 7. No historial da minha 2339 nada diz. Não convinha.
As ideias entram, agora em catadupa. É a Guerra vista do Fundão. Sem o querer vi a guerra de forma diferente de LG ou de FG. É lógico que assim seja. Arrumo as ideias, bato ao teclado, falo da minha guerra e digo: – A vossa foi diferente. Digo ou não? Digo. Se foi.
Madina Xaquili ficou indelevelmente no coração de FG. Foi a viagem ao mato, a aventura, o perigo. É um amante da natureza e um homem com uma enorme saudade da Guiné. Foi lá agora, em turismo de saudade – designação foleira não é?... e lastimo que não tenha ido a Madina.
Mas porque mandaram um oficial de Informações naquela missão? Que o In estava mais activo depois do abandono do Boé (e margem esquerda do Corubal) todos sabíamos, excepto o Administrador de Bafatá claro.
Certamente malhas que o império teceu. Gostei da Série de “A Guerra vista de Bafatá” e das fotos claro. Bafatá, para mim, era o contacto com outro mundo, quase o contacto com a civilização. Raramente lá ia. Da Série relevo ainda a parte relacionada com o morteiro 60, a ausência? Do prato e só 16 (dezasseis) granadas o que, no meu ver dava manga de ronco. Para quem fez a maior parte da comissão por Madinas e similares é natural que assim pense. Erro meu, má fortuna…
Quanto à CAÇ 12, socorri-me da velha agenda de 69. Folheei até ter os meses de Julho e Agosto. Dia 22 de Julho lá está a ida a Madina Xaquili. Ia com a coluna levar militares e trazia as viaturas para Galomaro. A Tabanca de Madina era um buraco e, já lá, disse a alguém, creio que de T-shirt branca, que o lugar era mau etc, etc. Não ia adiantar muito pois o meu trabalho era outro. Mas bastava olhar para os abrigos, a defesa, a mata, o ter que fazer a aproximação a ela em terreno aberto. Tinha que ser dada uma volta urgente. Era o normal em muitas Tabancas. Fracas auto defesas, geralmente protegidas por Milícias. Aconteceu-nos semanas depois quando, devido aos ataques e outros problemas fomos destacados para Nova Cansamba. Aí estava um pelotão de uma qualquer companhia e não haviam Milícias. Grande parte da população estava armada mas nada treinada e a confusão era enorme. Defesa deficiente e nem arame farpado colocado para impedir avanço de nada. Quando foi colocado pelos rolos gastos, deu cerca de três quilómetros de perímetro. Grande Tabanca. Deixemos Cansamba para depois e voltemos à agenda. Diz lá, e reproduzo muito sinteticamente. Mês de Julho: - a 13 saída de Candamã e Áfia e regresso a Mansambo;- a 16 vinda para Bambadinca para seguir para Galomaro; - a 22 Madina Xaquili; - várias saídas e ataques vários em zona que nos dizia respeito como Candamã, Mansambo, Cansamba já na área onde nos encontrávamos e outros. Quinze dias a mostrar forte actividade do In, mesmo com o COP 7 e os Páras a trabalharem na zona. Trabalho não faltava e a 1 de Agosto fomos para a enorme Tabanca de Nova Cansamba. Na Carta do P6686 a Tabanca deve situar-se onde está a palavra Fontes.
Uma confusão enorme naquela tabanca e, nessa mesma noite sofremos um ataque. Era o IN a mostrar estar informado e querer experimentar a nova tropa. Natural.
Aqui funcionou a nossa metralhadora pesada: Era, se visto agora, uma loucura. Funcionava do seguinte modo: cortava-se a tampa de um bidão de 200 litros totalmente e só metade do fundo. Lá dentro ia funcionar uma G3 em rajadas curtas.
Afirmo, mesmo hoje, que o barulho era tão grande que envergonharia a melhor vuvuzela. Um misto de loucura, gozo e dúvida. Que será aquilo dizia o chefe dos libertadores. Um tipo divertia-se assim… pois.
Depois deste ataque estivemos em trabalho normal. Aproveitamos para abrir valas, recuperar e construir abrigos e instruir os homens com armas distribuídas. Como no primeiro ataque foi disparado um dilagrama com bala real, causando a morte do atirador e ferimentos noutros, ensinamos a manusear essa arma também. Saímos a 15 de Agosto, passamos por Bambadinca e ficamos em Candamã. Fomos tentar encontrar a casa de mato do Mamadu Indjai. Encontrámos e, como não fomos convidados, deixámos isso para os pára-quedistas que no dia dezoito lá foram e partiram aquilo tudo.
Regressámos e o Coronel Hélio Felgas não nos deu o fim-de-semana prometido em Bafatá e o resto do mês foi o normal. De mais importante talvez uma ida ao Poidom sem resultados.
Não quero nem pretendo enaltecer a 2339 e, menos ainda, o Grupo de combate a que pertencia. Já eram rotinas e encaradas como normalidades. Anormalidade seria estar em Bissau, Bafatá ou Bambadinca.
A morte era também encarada com normalidade. Melhor não se pensava nisso. Medos todos têm. Se por azar um camarada tombava isso era uma sensação indescritível. Era a raiva, o vazio, um turbilhão de sentimentos e um homem vira fera. Era necessário ter cuidado e tentar manter a serenidade. Pouco tinha a ver com o inimigo. Aliás nunca vi matar ou matei qualquer inimigo. O IN sofria baixas e os elementos dos PAIGC eram abatidos ou eliminados. Baixas somente e não se usava a palavra morte. Seria uma violência tal designação. Mas disso não falo. Ouvia-se dizer isto ou aquilo mas nada de concreto sei. Logo não opino. Normalidades dentro da anormalidade.
Finalmente:
Concordo com a miséria e as dificuldades porque passavam as populações. Como foi possível estar cinco séculos e fazer-se tão pouco. Claro que antes de para lá irmos sabíamo-lo. Senão todos certamente muitos. Como sabíamos o que se passava com as nossas populações. Como era o Alentejo nos anos sessenta? Ou as Beiras? Sai fora do contexto.
Outro tema era o sexo e as NT. É tema a abordar com cuidado e tratado com, se possível, a, senão abertura total, a maior abertura possível.
Confesso que a principio foi difícil para mim. Depois foi encarado com naturalidade. Compreendo quem olhava à cor da pele, a juras de amor ou a fidelidades. Ultrapassei esses problemas com relativa facilidade. Eram estátuas de ébano, meigas e, ainda hoje ao passarem por mim sinto a saudade. Vidas.
Vivi de facto (sem acordo ortográfico – Chato). Por chato era necessário ter cuidado com eles. Principalmente de duas pernas e tiras doiradas nos ombros.
Vou continuar. Agora não. Agora vou dormir e espero sonhar com África. Era bom sonhar com Bafatá. Ia lá, raramente, e as esplanadas tinham gente à civil a beber e a rir, risos felizes e nós olhávamos uns para os outros e, passado um pouco, com mais ou menos esforço dos músculos da cara do riso esquecido, sorriamos e depois ríamos também, risos forçados e felizes os nossos risos.
Disseram-me que já não sabia viver em cidade. Eu e o bando que me acompanhava.
Talvez tivesse razão meu Coronel. Só que para vocês viverem felizes nas esplanadas, fornicarem debaixo das ventoinhas eu e muitos mais, muitos mais que eu vagueávamos como zombies por matos e savanas. Não só. E um dia voltámos e não sabíamos onde estávamos.
Para depois.
Fotos: © Torcato Mendonça (2010). Direitos reservados
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6637: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): E as crianças, Senhor, por que lhes dais tanta dor?
Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6506: Blogoterapia (151): Senti que já era o tipo que podia ter uma conversa séria com o velhote (João Santiago)
Caro Carlos Vinhal
Vai para ti e para o blogue.
Li ontem à noite e comentei. Hoje voltei a ler. Tinha mexido comigo.
O P6698 do José Corceiro, levou-me, outra vez aos bons, maus e vilões - como costumo dizer. Ora muitos Camaradas nossos, além dos três majores, um alferes e três, creio eu, militares, foram barbaramente assassinados. Houve outros, houve Quirafo, houve ataque selváticos a populações indefesas. Houve e calar ou, pior que isso, confundir e acusar as NT, algum elemento das NT e quantas vezes sem se saber ou dizer o porquê. Não desculpabilizo qualquer atitude de violência gratuita, quanto mais assassinatos ou violações. Mas de quantas mentiras é feita a verdade (como diz o escritor angolano Águalusa)
Ou o P6694 do Beja Santos. Aí refiro-me ao fuzilamento de um amigo, o Capitão Comando Zacarias Saiegh, homem de Abril.
Sobre Cabral e Nini nada se diz. Está escrito.
Suavizo com a Poesia do Mexia Alves que tem mais que se lhe diga e eu gosto e releio. Enfim... ainda bem que há pessoas assim.
Anexo um texto em bruto. Fui ao arquivo dos textos e escolhi esse. Cuidado com ele. Vai assim e logo' irei ler. Sem rede e sem titulo.
Abraço amigo do Torcato
E esta porra de guerra que se entranha. Há um poilão em Candamã e logo conto... pode ser um desejo de velho... terra vermelha e ardente...
Titulo, logo se vê
A folha de papel em branco, ecrã neste caso, as ideias a quererem sair e não saber o que fazer ou por onde começar. Galomaro, COP 7, Madina.
É mais fácil, antes de teclar, escrever no papel. Será assim ou é defeito da idade? Questão que tem a ver com a idade, certamente. Quando era mais novo escrevia no papel, emendava no papel e depois passava ao teclado. Não era teclado de computador. Nesse tempo, para onde a memória agora me levou, os computadores usavam cartões perfurados e eram uma sala para um computador. Os teclados das Remington, Olivetti e outras eram barulhentos, letras noutras posições que não QWERT. Se bem me lembro eram HCESAR ou AZERT e quando um fulano se enganava era uma maçada.
Mas porque escrevo isto? Para arrefecer as ideias ou dar tempo a que elas se arrumem? Não sei. Continuo a não saber por onde começar. Claro que o assunto se prende com o Blogue, a Guiné e os escritos geradores de controvérsia. Felizmente geradores de controvérsias. Que seria um blogue, com tantos tertulianos ou membros do dito, a pensarem todos de igual forma. Era um estado novo. Bem isso não. Se fosse um estado novo pensavam de forma diversa mas poucos, muito poucos, divergiam em opinião expressa.
Isto, esta conversa, é como os teclados de computadores e máquinas de escrever: todos se lembram e quase todos já se esqueceram deles. Como se esqueceram ou relembram certas situações, então vividas, de forma diversa.
Li o escrito de Luís Graça sobre Madina Xaquili e a sua CCaç 12 e, também sobre Madina e a Guerra Vista de Bafatá de Fernando Gouveia.
Fui até lá. Andei por lá, relembrando aquela zona, o que por lá fiz e vivi. Voltei a reler, mais ao correr do rato, vendo as boas fotos e abrindo a memória, desbaralhando ou arrumando ideias. Depois procurei na velha agenda de 69 o mês de Julho/Agosto.
Que idade teria eu? Vinte e quatro e dezanove meses de Guiné. Era isso. Andava por aqueles lados, emprestado à Companhia de Galomaro e ao Cop 7. No historial da minha 2339 nada diz. Não convinha.
As ideias entram, agora em catadupa. É a Guerra vista do Fundão. Sem o querer vi a guerra de forma diferente de LG ou de FG. É lógico que assim seja. Arrumo as ideias, bato ao teclado, falo da minha guerra e digo: – A vossa foi diferente. Digo ou não? Digo. Se foi.
Madina Xaquili ficou indelevelmente no coração de FG. Foi a viagem ao mato, a aventura, o perigo. É um amante da natureza e um homem com uma enorme saudade da Guiné. Foi lá agora, em turismo de saudade – designação foleira não é?... e lastimo que não tenha ido a Madina.
Mas porque mandaram um oficial de Informações naquela missão? Que o In estava mais activo depois do abandono do Boé (e margem esquerda do Corubal) todos sabíamos, excepto o Administrador de Bafatá claro.
Certamente malhas que o império teceu. Gostei da Série de “A Guerra vista de Bafatá” e das fotos claro. Bafatá, para mim, era o contacto com outro mundo, quase o contacto com a civilização. Raramente lá ia. Da Série relevo ainda a parte relacionada com o morteiro 60, a ausência? Do prato e só 16 (dezasseis) granadas o que, no meu ver dava manga de ronco. Para quem fez a maior parte da comissão por Madinas e similares é natural que assim pense. Erro meu, má fortuna…
Quanto à CAÇ 12, socorri-me da velha agenda de 69. Folheei até ter os meses de Julho e Agosto. Dia 22 de Julho lá está a ida a Madina Xaquili. Ia com a coluna levar militares e trazia as viaturas para Galomaro. A Tabanca de Madina era um buraco e, já lá, disse a alguém, creio que de T-shirt branca, que o lugar era mau etc, etc. Não ia adiantar muito pois o meu trabalho era outro. Mas bastava olhar para os abrigos, a defesa, a mata, o ter que fazer a aproximação a ela em terreno aberto. Tinha que ser dada uma volta urgente. Era o normal em muitas Tabancas. Fracas auto defesas, geralmente protegidas por Milícias. Aconteceu-nos semanas depois quando, devido aos ataques e outros problemas fomos destacados para Nova Cansamba. Aí estava um pelotão de uma qualquer companhia e não haviam Milícias. Grande parte da população estava armada mas nada treinada e a confusão era enorme. Defesa deficiente e nem arame farpado colocado para impedir avanço de nada. Quando foi colocado pelos rolos gastos, deu cerca de três quilómetros de perímetro. Grande Tabanca. Deixemos Cansamba para depois e voltemos à agenda. Diz lá, e reproduzo muito sinteticamente. Mês de Julho: - a 13 saída de Candamã e Áfia e regresso a Mansambo;- a 16 vinda para Bambadinca para seguir para Galomaro; - a 22 Madina Xaquili; - várias saídas e ataques vários em zona que nos dizia respeito como Candamã, Mansambo, Cansamba já na área onde nos encontrávamos e outros. Quinze dias a mostrar forte actividade do In, mesmo com o COP 7 e os Páras a trabalharem na zona. Trabalho não faltava e a 1 de Agosto fomos para a enorme Tabanca de Nova Cansamba. Na Carta do P6686 a Tabanca deve situar-se onde está a palavra Fontes.
Picada Afiá-Candamã
Uma confusão enorme naquela tabanca e, nessa mesma noite sofremos um ataque. Era o IN a mostrar estar informado e querer experimentar a nova tropa. Natural.
Aqui funcionou a nossa metralhadora pesada: Era, se visto agora, uma loucura. Funcionava do seguinte modo: cortava-se a tampa de um bidão de 200 litros totalmente e só metade do fundo. Lá dentro ia funcionar uma G3 em rajadas curtas.
Afirmo, mesmo hoje, que o barulho era tão grande que envergonharia a melhor vuvuzela. Um misto de loucura, gozo e dúvida. Que será aquilo dizia o chefe dos libertadores. Um tipo divertia-se assim… pois.
Depois deste ataque estivemos em trabalho normal. Aproveitamos para abrir valas, recuperar e construir abrigos e instruir os homens com armas distribuídas. Como no primeiro ataque foi disparado um dilagrama com bala real, causando a morte do atirador e ferimentos noutros, ensinamos a manusear essa arma também. Saímos a 15 de Agosto, passamos por Bambadinca e ficamos em Candamã. Fomos tentar encontrar a casa de mato do Mamadu Indjai. Encontrámos e, como não fomos convidados, deixámos isso para os pára-quedistas que no dia dezoito lá foram e partiram aquilo tudo.
Regressámos e o Coronel Hélio Felgas não nos deu o fim-de-semana prometido em Bafatá e o resto do mês foi o normal. De mais importante talvez uma ida ao Poidom sem resultados.
Não quero nem pretendo enaltecer a 2339 e, menos ainda, o Grupo de combate a que pertencia. Já eram rotinas e encaradas como normalidades. Anormalidade seria estar em Bissau, Bafatá ou Bambadinca.
A morte era também encarada com normalidade. Melhor não se pensava nisso. Medos todos têm. Se por azar um camarada tombava isso era uma sensação indescritível. Era a raiva, o vazio, um turbilhão de sentimentos e um homem vira fera. Era necessário ter cuidado e tentar manter a serenidade. Pouco tinha a ver com o inimigo. Aliás nunca vi matar ou matei qualquer inimigo. O IN sofria baixas e os elementos dos PAIGC eram abatidos ou eliminados. Baixas somente e não se usava a palavra morte. Seria uma violência tal designação. Mas disso não falo. Ouvia-se dizer isto ou aquilo mas nada de concreto sei. Logo não opino. Normalidades dentro da anormalidade.
Finalmente:
Concordo com a miséria e as dificuldades porque passavam as populações. Como foi possível estar cinco séculos e fazer-se tão pouco. Claro que antes de para lá irmos sabíamo-lo. Senão todos certamente muitos. Como sabíamos o que se passava com as nossas populações. Como era o Alentejo nos anos sessenta? Ou as Beiras? Sai fora do contexto.
Mansambo City > Vida nas Tabancas
Outro tema era o sexo e as NT. É tema a abordar com cuidado e tratado com, se possível, a, senão abertura total, a maior abertura possível.
Confesso que a principio foi difícil para mim. Depois foi encarado com naturalidade. Compreendo quem olhava à cor da pele, a juras de amor ou a fidelidades. Ultrapassei esses problemas com relativa facilidade. Eram estátuas de ébano, meigas e, ainda hoje ao passarem por mim sinto a saudade. Vidas.
Vivi de facto (sem acordo ortográfico – Chato). Por chato era necessário ter cuidado com eles. Principalmente de duas pernas e tiras doiradas nos ombros.
Vou continuar. Agora não. Agora vou dormir e espero sonhar com África. Era bom sonhar com Bafatá. Ia lá, raramente, e as esplanadas tinham gente à civil a beber e a rir, risos felizes e nós olhávamos uns para os outros e, passado um pouco, com mais ou menos esforço dos músculos da cara do riso esquecido, sorriamos e depois ríamos também, risos forçados e felizes os nossos risos.
Disseram-me que já não sabia viver em cidade. Eu e o bando que me acompanhava.
Talvez tivesse razão meu Coronel. Só que para vocês viverem felizes nas esplanadas, fornicarem debaixo das ventoinhas eu e muitos mais, muitos mais que eu vagueávamos como zombies por matos e savanas. Não só. E um dia voltámos e não sabíamos onde estávamos.
Para depois.
Fotos: © Torcato Mendonça (2010). Direitos reservados
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6637: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): E as crianças, Senhor, por que lhes dais tanta dor?
Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6506: Blogoterapia (151): Senti que já era o tipo que podia ter uma conversa séria com o velhote (João Santiago)
Guiné 63/74 - P6721: Agenda Cultural (83 ): o grande Kimi Djabaté no Festival de Músicas do Mundo, FMM Sines, 30 de Julho, 6ª feira, às 18h00, no palco do Castelo Medieval de Sines
Capa do álbum Karam [Educação, em mandinga], de Kimi Djabaté. Julho de 2009. Editora: Cumbancha. Cortesia de Cumbancha
FMM Sines 2010 – Festival Músicas do Mundo, 12ª edição, 28, 29, 30 e 31 de Julho de 2010, nos palcos do Castelo Medieval e da Praia Vasco da Gama, em pleno coração do centro histórico de Sines.
FMM Sines 2010 > 30 de Julho, 6ª feira, 18h00, no Castelo de Sines > Kimi Djabaté (Guiné-Bissau),
Excerto do Programa, com a devida vénia:
Um dos artistas emergentes do circuito das músicas do mundo, o cantor e guitarrista Kimi Djabaté representa a Guiné-Bissau na 1.ª divisão da música de tradição mandinga.
A música da África Ocidental, em particular a ligada à cultura mandinga e à prática dos “griots” [didjius], tem produzido alguns dos mais cultos e talentosos artistas do mundo.
Na nossa ignorância imperial, desconhecemos que a Guiné-Bissau se inscreve nessa tradição e tem músicos, como Kimi Djabaté, que rivalizam com os melhores do Mali, da Guiné Conacri ou do Senegal.
Nascido em 1975, [em Tabatô, a nordeste de Bafatá,], Kimi foi uma criança-prodígio estimulada por uma família de músicos profissionais. Começou a tocar o balafon (xilofone africano) com apenas três anos, seguindo-se a kora, percussões e a guitarra, em que é exímio.
A viver em Lisboa desde 1994, lança o seu primeiro disco, “Teriké”, em 2005 [bvd. capa à esquerda], mas é “Karam”, editado no ano passado pela Cumbancha, uma das maiores editoras de “world music”, que lhe dá exposição internacional e o torna uma das figuras emergentes do circuito.
Fundado na música mandinga, mas também interessado no gumbé, na morna, no jazz e nos blues, Kimi toca e canta a luta do povo africano nos palcos do mundo como o faziam os seus antepassados “griots” [djidius] nos terreiros das aldeias. Ouçamo-lo como merece.
http://www.myspace.com/kimidjabate
http://cumbancha.com/kimidjabate
Fonte: FMM Sines - Festival de Músicas do Mundo (com a devida vénia...)
[ Revisão / fixação de texto / título / bold a cor: L.G.]
_______________
Nota de L.G.:
Vd último poste desta série > 3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6671: Agenda cultural (82): Lançamento do CD "Ai Bissau!", do grupo Os Fidalgos, 2ª feira, 5, às 18h00, no Centro Cultural Português, em Bissau
Guiné 63/74 - P6720: Álbum fotográfico de João Graça (4): Uma noite memorável na terra de Kimi Djabaté, a tabanca jacanca de Tabatô
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 15/16 de Dezembro de 2009 > Músicos, homens e mulheres, da etnia minoritária jacanca (leia-se, djacanca), da famíla de Kimi Djabaté (*), tocando os seus instrumentos (balafón, kora...), experimentando os instrumentos (violino) do outro, mostrando a sua música, oferecendo a sua hospitalidade... Uma noite memorável que emocionou o João Graça (**), médico e músico, em viagem pelo Leste (Bambadina, Bafatá, Contuboel, Gabu...).
O João ficou, nessa noite, na casa dos Super Camarimba, o conhecido grupo de música afromandinga da aldeia de Tabatô, liderado por Mamadu Baio. No seu bloco de notas, o João registou (e a foto documenta...) que na casa havia uma pele de cascavel [?], de mais ou menos 7 metros, morta um mês antes. O João irá encontrar (e tocar com) os Super Camarimba, em Bissau, dois dias depois (haveremos também de publicar as fotos desse encontro)... Eles tinham acabado de participar num festival de música...
Esperemos que o João arranje tempo para publicar aqui as suas prometidas notas de viagem, e transmitir-nos as emoções que sentiu ao ver reunir-se à sua volta 20 músicos que tocaram e cantaram, para ele, nessa noite... Ele retribuiu essa magnífica hospitalidade tocando também, no seu violino, música do seu reportório "world music"...
"Eles agradeceram que um músico europeu tenha vindo a Tabatô", escreveu o João no seu bloco de notas.
De facto, "o momento da viagem [à região de Bafatá] foi a recepção em Tabatô. Inicialmente o Homem Grande (o tio do Kimi Djabaté) estava a ver TV, mas o Demba [, primo do Mamadu Baio e do Kimi,] lá o convenceu a mostrar o estaminé, à entrada da sua casa. Era preciso meter gasolina no gerador, mais ou menos 1000 francos (cerca de 1,5 €) para amplificar as vozes. Chegaram os balafons, o kora, os djambés, o coro feminino"...
Na sua biografia oficiosa, na sua página pessoal, em My Space / Kimi Djabaté, diz-se que Tabatô foi uma prenda do poder reinante na região, há muitos, muitos anos atrás, aos seus antepassados, músicos ambulantes, que vieram do Mali...e que encantaram os seus hóspedes com a sua música... Mais obscura parece ser a história da aldeia durante o período colonial... Kimi nasceu já depois da independência, em 1975, e como muitos outros meninos africanos (e portugueses...) conheceu a dura experiência de ter um "pai e patrão"...
Kimi Djabaté, o filho mais ilustre de Tabató, viveu aqui até aos 21 anos. Na última foto, aqui publicada (a contar de cima para baixo), vê-se o chefe da aldeia, que é tio do Kimi...
Centuries ago, Djabaté's ancestors, a wandering troupe of musicians from Mali, traveled to the region and the king of Guinea so loved their songs he invited them to stay and offered them the territory of Tabato.
Ever since, the area has been a recognized center for music, dance, handcrafts and other creative arts. Djabaté was born into a poor but musically accomplished family in Tabato on January 20, 1975.
His parents, two brothers and his sister were all professional musicians. Recognized as a prodigy, Djabaté began playing the balafón, the African xylophone, when he was just three years old and soon after learned to play many other traditional instruments. As a pre-teen he was sent to the neighboring village of Sonako to study the kora, which provided a foundation for subsequent accomplishments as a guitarist.
As his musicianship developed, Djabaté also mastered a wide variety of traditional drums and other percussion instruments. Music was not a past time or a hobby for the young Djabaté, however, and from a very young age he was obliged to contribute to the family's income by performing at weddings and baptism ceremonies.
Djabaté's early talents proved both a gift and a burden, as his family often forced him to sing and dance against his will, and he had little time to partake in the carefree fun and games of other children his age.
Djabaté's parents as well as his uncle, provided the young phenom with excellent training in traditional Mandingo music, but Djabaté was also interested in popular African genres such as the local dance music style gumbé, Nigerian Afrobeat, Cape Verdean morna, not to mention western jazz and blues.
In 1994, Djabaté toured Europe as a member of the national music and dance ensemble of Guinea-Bissau, and he decided to settle in Lisbon, Portugal. Djabaté's move to Europe proved to be one of the most difficult experiences of his life, and he faced many personal challenges adapting to a different culture and society. (...)
O cantor, guitarrista e exímio tocador de balafón [xilofone africano), vive em Portugal desde 1994. Próximos concertos do Kimi Djabaté (façam o favor de divulgar):
16 de Julho de 2010, 21h00 > Tom de Festa, ACERT, Tondela
30 de Jullho de 2010, 18h00 > Sines - Festival de Músicas do Mundo, Castelo de Sines, Sines
5 de Agosto de 2010, 21h30 > Festival Sons do Atlântico, Lagoa, Algarve
4 de Setembro de 2010, 21h30 > Festa do Avante, Seixal
Fonte: http://www.myspace.com/kimidjabate
Comprem o último álbum dele, saído em Julho de 2009, Karam (Educação, em mandinga), sob a prestigiada etiqueta norte-americana Cumbancha. É obrigatório comprar e ouvir muitas vezes... Um cheirinho (da sua música e da nossa querida Guiné...) pode ser sentido aqui:
Um dos músicos que toca com ele, é o Braima Galissá, o mestre do kora, já diversas vezes referido no nosso blogue. São dois grandes nomes da música e da cultura da Guiné-Bissau de hoje. (LG)
______________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste anterior desta série:
11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6713: Memória dos lugares (84): Tabatô, tabanca antiga de Djacancas, berço de didjius, terra de Kimi Djabaté (Pepito
(**) Vd.postes anteriores desta série:
1 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5577: Álbum fotográfico de João Graça (3): Os pescadores de Cananima, Rio Cacine
27 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5548: Álbum fotográfico de João Graça (2): O Fatango ou macaco fidalgo (Procolobus badius) do Parque Nacional do Cantanhez
24 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5531: Álbum fotográfico de João Graça (1): Médico em Iemberém por cinco dias
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Guiné 63/74 - P6719: Parabéns a você (129): António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP (Editores)
Postal de aniversário de autoria do Strelado Casal Pessoa
1. Neste dia 12 de Julho de 2010, o nosso camarada António Dâmaso, Sargento-Mor da FAP na situação de Reforma Extraordinária, deixa o clube dos SEXAS para ingressar no dos SEPTA. Grande promoção que registamos aqui com alegria.
Camarada Dâmaso, vimos dar-te os nossos parabéns pela sua entrada na década dos setenta. Votos muito sinceros de muita saúde e longa vida cheia de amor, já que não faltarão muitos familiares e amigos em seu redor.
Momentos de ternura não te faltarão pela vida fora como os que documenta a foto dos teus tempos de juventude.
Caro Dâmaso, renovados votos de felicidades. Marcamos encontro para daqui a um ano neste mesmo local.
Recebe um abraço da Tertúlia
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6665: Parabéns a você (128): Mensagens para a Tertúlia (José Firmino / Manuel Maia)
domingo, 11 de julho de 2010
Guiné 63/74 - P6718: Memória dos lugares (92): Contuboel e o meu amigo Braima Sissé (Eduardo Costa Dias)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O João Graça, médico e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emodulrada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [, islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a oputra confraria, tidjanya, é seguida pela maior parte dos fulas]. O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].
Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados
1. Mensagem do nosso amigo Eduardo Costa Dias, professor e investigador do ISCTE:
Luís:
Hoje estive no teu blog... e encontrei esta foto tirado pelo teu filho em Contuboel (*). Foi um choque. Não resisti: mando-vos duas fotografias do meu amigo Braima Sissé. Uma de 1992 tirada por mim, outra tirada por alguém em 1975 ou 1976.
Na mais antiga está ao centro o mesmo senhor cuja fotografia foi captada pelo teu filho: Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya. Nesta mesma fotografia Braima está à direita de chapéu vermelho, atrás de Fodé Irama está o meu amigo Sissau Sissé (já falecido) e "vestido à civil" Malan Sissé que foi quem em Bissau me mostrou a fotografia e me deixou tirar fotografia da fotografia. Entre Malan e Braima está Arafan Conte, aluno de Irama. Conheci toda esta gente.
Já agora o teu filho tem mais destas fotografias - de Contuboel, claro?!!
Um grande abraço
Eduardo
Hoje estive no teu blog... e encontrei esta foto tirado pelo teu filho em Contuboel (*). Foi um choque. Não resisti: mando-vos duas fotografias do meu amigo Braima Sissé. Uma de 1992 tirada por mim, outra tirada por alguém em 1975 ou 1976.
Na mais antiga está ao centro o mesmo senhor cuja fotografia foi captada pelo teu filho: Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya. Nesta mesma fotografia Braima está à direita de chapéu vermelho, atrás de Fodé Irama está o meu amigo Sissau Sissé (já falecido) e "vestido à civil" Malan Sissé que foi quem em Bissau me mostrou a fotografia e me deixou tirar fotografia da fotografia. Entre Malan e Braima está Arafan Conte, aluno de Irama. Conheci toda esta gente.
Já agora o teu filho tem mais destas fotografias - de Contuboel, claro?!!
Um grande abraço
Eduardo
Braima Sissé. 1992. Autor da foto: ECD
Foto: Eduardo Costa Dias (2010). Direitos reservados
Fotografia de fotografia, de autor desconhecido, datada provavelmente de 1975/76. Cópia: Cortesia de Eduardo Costa Dias (2010).
Legenda: Ao centro, Fodé Irama Sissé. O Braima Sissé está à direita, de chapéu vermelho; atrás de Fodé Irama, está Sissau Sissé (já falecido) e, "vestido à civil", Malan Sissé que foi quem em Bissau me mostrou a fotografia e me deixou tirar fotografia da fotografia. Entre Malan e Braima está Arafan Conte, aluno de Irama. (ECD).
____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6341: Antropologia (18): Elogio ao nosso blogue em comunicação sobre Régulos, almamis e mouros durante a guerra colonial, do Prof Eduardo Costa Dias
Último poste desta série > 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6713: Memória dos lugares (84): Tabatô, tabanca antiga de Djacancas, berço de didjius, terra de Kimi Djabaté (Pepito)
Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães
1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 8 de Julho de 2010:
Meus caros Luis, Carlos, Magalhães, Virginio e restante Tabanca Grande
É um estória que escapa ao que se entende por relatos da nossa passagem pela Guiné e os caminhos que lá nos levaram.
Qualquer dos factos podem com alguma alteração de redacção serem comprovados.
É a minha vida após o regresso, são os lugares que passei a frequentar e as pessoas que para além de alguns odores desconfortáveis, me acabaram por enriquecer.
Na aldeia de Boavista casei e morei mais de vinte anos, mas entenderei como legitimo a não publicação no blogue desta estória.
Um abraço
Juvenal Amado
DEPOIS DO MEU REGRESSO OU HOMEM QUE NUM CERTO DIA TEVE TRÊS MÃES
O Zé Lourenço quando regressou de Angola, foi a casa dos meus pais e admirou-se de eu ainda não ter regressado, uma vez que tinha embarcado para a Guiné primeiro. Penso que o meu atraso deu azo a que se fizesse conjecturas sobre algum castigo que eu tivesse por lá levado. Os vinte e sete meses custavam a engolir pelas pessoas conhecidas, não sendo poucas as vezes que a minha mãe, vislumbrou alguma dúvida nos olhos de quem por mim perguntava.
– Oh Dona Nita parece impossível tanto tempo! - pois é Dona X não sei porquê este atraso – primeiro diziam que eram 21 meses depois 24 e agora já ultrapassou os 25 e não há forma de saber com certeza, quando o mandam embora.
Não sabiam na verdade, que as rendições dos Batalhões se tinham atrasado a partir do momento em que o comando militar, tinha criado novos destacamentos na mata do Morés. Um Batalhão novinho em folha, foi pois atirado aos «bichos» e segundo se dizia só saíam das valas às vezes, tal foi a recepção que tiveram por parte do IN, que não gostou da intromissão. O meu amigo de infância José Eduardo, foi um desses felizardos mas a verdade, por nosso afastamento social e profissional, nunca com ele comentei esses episódios.
Mas voltando ao Zé Lourenço, que com quem andei na escola primária da Vestiaria, mais tarde fizemos a recruta e especialidade juntos, acabou por vir a casar com uma moça da mesma terra que a minha futura esposa. Por uma daquelas bocas que se querem engraçadas, acabei por não ir ao seu casamento.
O que não teve graça nenhuma
Quando regressei, fui convidado para todos os casamentos de jovens conhecidos. Ia eu já no 4.º ou 5.º disse em ar de gozo ao Zé, que deixava de falar ao próximo gajo que se casasse e me convidasse. Resultado ele não percebeu a brincadeira e não me convidou. No entanto a amizade manteve-se, as nossas filhas foram amigas, andaram na mesma escola, até também elas rumarem para os seus curso e suas vidas profissionais.
Nos bailes da Boavista, onde era local de namoro obrigatório e consentido, depois da série dançante com as respectivas namoradas, bebíamos uma cerveja e dávamos dois dedos de conversa, até que éramos interrompidos por aquelas personagens que existem em todos os lugares, que com o buxo sempre atestado de tinto, não tendo a quem pregar as secas, facilmente se aproximavam de nós, novos na terra a não querer causar má impressão.
Esta personagem era de todos bem conhecida.
Lá ouvíamos por vezes sem saber bem o quê, pelo o meio dos vapores do vinho, que para este apreciador mesmo quando já quase vinagre dizia muito sério, que ainda só tinha um leve pique.
Mas este homem era também dono de uma vontade muito própria, manifestava um critério nas amizades verdadeiramente surpreendente.
Tinha uma lista de convidados para o seu próprio funeral.
Assim mercê de lhe ser negado um copo de vinho, logo o responsável pela negativa, era riscado da famosa lista de convidados para o seu funeral, que era por sua vontade como atrás narrei, só para convidados a quem ele dava a honra dessa deferência.
Quanto a borrachos estava a pequena aldeia bem recheada. Famosos como o Zé da Ribera, os irmãos Júlio e Mário auto-intitulados como artistas da enxada, bem como alguns mais comedidos e discretos no acto de emborcar copos de 3.
Também largamente falado foi o senhor Coelho que todos anos enchia o barril, que acompanharia o seu próprio funeral. Dizia ele que se passava muita sede a empurrar a carreta pelo carreiro de pedras soltas, com subidas de fazer recuar os mais afoitos, desde a Boavista até ao cemitério dos Prazeres de Aljubarrota e que ele não queria, que tal acontecesse no seu enterro.
Assim se fez quando ele faleceu, o cortejo parou por diversas vezes no caminho, para os acompanhantes beberem do falado pipo um copito e alguns deles acrescentaram ao Ahhhh de satisfação estalando a língua, que a pinga não era nada má naquele ano.
Os enterros também eram famosos, por o padre se queixar de que só as mulheres é que apareciam na igreja. O cortejo fúnebre quando chegava ao largo da igreja, os homens ia recuperar das agruras da caminhada, numa taberna mesmo ao lado e deixavam para as mulheres, o piedoso cerimonial do corpo presente.
Motivo de muitas falas, foi um dia o Júlio resolver trocar os ditos copos de vinho, por copos de leite a acompanhar invariavelmente uma fatia de torta.
O facto deixou a Maria Augusta dona da taberna, café, mini-mercado sem fala e digo já, que era coisa difícil se não quase impossível.
Ficaram assim para sempre gravados para a posteridade, os dois acontecimentos.
Algum valor teve a troca que o Júlio fez, pois os outros já marcharam pelo tal caminho hoje arranjado e o Júlio ainda cá bebia o seu copo de leite há pouco tempo.
Mas voltemos ao Mário Gomes, que me tinha mais uma vez apanhado numa ida ao bar para beber uma cerveja.
Muito chegado a mim, perfumando-me com aquele bafo acompanhado de perdigotos, lá ele entendeu dar-me mais uma palavrinha para mal dos meus pecados.
Juro que não percebia nada do que ele dizia e ao mesmo tempo levantava a cabeça, a ver se alguém me salvava. O Zé ria-se a ver a minha aflição. Nisto a minha namorada percebeu - mais esse favor lhe fiquei a dever - e vem em meu auxílio, dizendo que estava a dar uma música para nós dançarmos.
Ele olhou para ela, fez um ar entre o meio alcoolizado e meio maroto, deitou-me para cima um bafo, que se eu fosse escanção rapidamente separaria por anos mais de cinquenta colheitas, abraçando-me, disse-me:
- Sabe o meu amigo, que logo no dia do meu casamento tive um prenúncio de que ia ser muito feliz?
Perante o meu ar incrédulo acrescentou.
– É que eu tive três mães nesse dia.
-Uma foi a minha mãe, que a chorar me chamou querido filho, a outra foi a minha sogra que me também tratou por filho e por fim a minha mulher, que às tantas da noite, também me disse ai filho!
Fui dançar, mas não parei de rir toda a noite e ainda falo nisso com o Zé.
Não me lembro de ter ido ao seu funeral, embora estivesse convidado.
Juvenal Amado
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6668: Estórias do Juvenal Amado (28): Ele voltará a crescer, ou a entrada na vida militar
Meus caros Luis, Carlos, Magalhães, Virginio e restante Tabanca Grande
É um estória que escapa ao que se entende por relatos da nossa passagem pela Guiné e os caminhos que lá nos levaram.
Qualquer dos factos podem com alguma alteração de redacção serem comprovados.
É a minha vida após o regresso, são os lugares que passei a frequentar e as pessoas que para além de alguns odores desconfortáveis, me acabaram por enriquecer.
Na aldeia de Boavista casei e morei mais de vinte anos, mas entenderei como legitimo a não publicação no blogue desta estória.
Um abraço
Juvenal Amado
DEPOIS DO MEU REGRESSO OU HOMEM QUE NUM CERTO DIA TEVE TRÊS MÃES
O Zé Lourenço quando regressou de Angola, foi a casa dos meus pais e admirou-se de eu ainda não ter regressado, uma vez que tinha embarcado para a Guiné primeiro. Penso que o meu atraso deu azo a que se fizesse conjecturas sobre algum castigo que eu tivesse por lá levado. Os vinte e sete meses custavam a engolir pelas pessoas conhecidas, não sendo poucas as vezes que a minha mãe, vislumbrou alguma dúvida nos olhos de quem por mim perguntava.
– Oh Dona Nita parece impossível tanto tempo! - pois é Dona X não sei porquê este atraso – primeiro diziam que eram 21 meses depois 24 e agora já ultrapassou os 25 e não há forma de saber com certeza, quando o mandam embora.
Não sabiam na verdade, que as rendições dos Batalhões se tinham atrasado a partir do momento em que o comando militar, tinha criado novos destacamentos na mata do Morés. Um Batalhão novinho em folha, foi pois atirado aos «bichos» e segundo se dizia só saíam das valas às vezes, tal foi a recepção que tiveram por parte do IN, que não gostou da intromissão. O meu amigo de infância José Eduardo, foi um desses felizardos mas a verdade, por nosso afastamento social e profissional, nunca com ele comentei esses episódios.
Mas voltando ao Zé Lourenço, que com quem andei na escola primária da Vestiaria, mais tarde fizemos a recruta e especialidade juntos, acabou por vir a casar com uma moça da mesma terra que a minha futura esposa. Por uma daquelas bocas que se querem engraçadas, acabei por não ir ao seu casamento.
O que não teve graça nenhuma
Quando regressei, fui convidado para todos os casamentos de jovens conhecidos. Ia eu já no 4.º ou 5.º disse em ar de gozo ao Zé, que deixava de falar ao próximo gajo que se casasse e me convidasse. Resultado ele não percebeu a brincadeira e não me convidou. No entanto a amizade manteve-se, as nossas filhas foram amigas, andaram na mesma escola, até também elas rumarem para os seus curso e suas vidas profissionais.
Nos bailes da Boavista, onde era local de namoro obrigatório e consentido, depois da série dançante com as respectivas namoradas, bebíamos uma cerveja e dávamos dois dedos de conversa, até que éramos interrompidos por aquelas personagens que existem em todos os lugares, que com o buxo sempre atestado de tinto, não tendo a quem pregar as secas, facilmente se aproximavam de nós, novos na terra a não querer causar má impressão.
Esta personagem era de todos bem conhecida.
Lá ouvíamos por vezes sem saber bem o quê, pelo o meio dos vapores do vinho, que para este apreciador mesmo quando já quase vinagre dizia muito sério, que ainda só tinha um leve pique.
Mas este homem era também dono de uma vontade muito própria, manifestava um critério nas amizades verdadeiramente surpreendente.
Tinha uma lista de convidados para o seu próprio funeral.
Assim mercê de lhe ser negado um copo de vinho, logo o responsável pela negativa, era riscado da famosa lista de convidados para o seu funeral, que era por sua vontade como atrás narrei, só para convidados a quem ele dava a honra dessa deferência.
Quanto a borrachos estava a pequena aldeia bem recheada. Famosos como o Zé da Ribera, os irmãos Júlio e Mário auto-intitulados como artistas da enxada, bem como alguns mais comedidos e discretos no acto de emborcar copos de 3.
Também largamente falado foi o senhor Coelho que todos anos enchia o barril, que acompanharia o seu próprio funeral. Dizia ele que se passava muita sede a empurrar a carreta pelo carreiro de pedras soltas, com subidas de fazer recuar os mais afoitos, desde a Boavista até ao cemitério dos Prazeres de Aljubarrota e que ele não queria, que tal acontecesse no seu enterro.
Assim se fez quando ele faleceu, o cortejo parou por diversas vezes no caminho, para os acompanhantes beberem do falado pipo um copito e alguns deles acrescentaram ao Ahhhh de satisfação estalando a língua, que a pinga não era nada má naquele ano.
Os enterros também eram famosos, por o padre se queixar de que só as mulheres é que apareciam na igreja. O cortejo fúnebre quando chegava ao largo da igreja, os homens ia recuperar das agruras da caminhada, numa taberna mesmo ao lado e deixavam para as mulheres, o piedoso cerimonial do corpo presente.
Motivo de muitas falas, foi um dia o Júlio resolver trocar os ditos copos de vinho, por copos de leite a acompanhar invariavelmente uma fatia de torta.
O facto deixou a Maria Augusta dona da taberna, café, mini-mercado sem fala e digo já, que era coisa difícil se não quase impossível.
Ficaram assim para sempre gravados para a posteridade, os dois acontecimentos.
Algum valor teve a troca que o Júlio fez, pois os outros já marcharam pelo tal caminho hoje arranjado e o Júlio ainda cá bebia o seu copo de leite há pouco tempo.
Mas voltemos ao Mário Gomes, que me tinha mais uma vez apanhado numa ida ao bar para beber uma cerveja.
Muito chegado a mim, perfumando-me com aquele bafo acompanhado de perdigotos, lá ele entendeu dar-me mais uma palavrinha para mal dos meus pecados.
Juro que não percebia nada do que ele dizia e ao mesmo tempo levantava a cabeça, a ver se alguém me salvava. O Zé ria-se a ver a minha aflição. Nisto a minha namorada percebeu - mais esse favor lhe fiquei a dever - e vem em meu auxílio, dizendo que estava a dar uma música para nós dançarmos.
Ele olhou para ela, fez um ar entre o meio alcoolizado e meio maroto, deitou-me para cima um bafo, que se eu fosse escanção rapidamente separaria por anos mais de cinquenta colheitas, abraçando-me, disse-me:
- Sabe o meu amigo, que logo no dia do meu casamento tive um prenúncio de que ia ser muito feliz?
Perante o meu ar incrédulo acrescentou.
– É que eu tive três mães nesse dia.
-Uma foi a minha mãe, que a chorar me chamou querido filho, a outra foi a minha sogra que me também tratou por filho e por fim a minha mulher, que às tantas da noite, também me disse ai filho!
Fui dançar, mas não parei de rir toda a noite e ainda falo nisso com o Zé.
Não me lembro de ter ido ao seu funeral, embora estivesse convidado.
Juvenal Amado
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6668: Estórias do Juvenal Amado (28): Ele voltará a crescer, ou a entrada na vida militar
Guiné 63/74 - P6715: Notas de leitura (129): Sobre a Unidade no Pensamento de Amílcar Cabral, de Sérgio Ribeiro (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2010:
Queridos amigos,
A minha preocupação é de procurar proceder ao levantamento da documentação que interesse a todos, aqui e na Guiné.
Não entender o que foi esta unidade, até ao extremo da irracionalidade, é não querer perceber as causas remotas e próximas da ruptura entre a Guiné e Cabo Verde.
Um abraço do
Mário
A questão da unidade no pensamento de Amílcar Cabral
por Beja Santos
O ensaio “Sobre a Unidade no Pensamento de Amílcar Cabral”, de Sérgio Ribeiro (Tricontinental Editora, 1983), aparece hoje completamente datado e provavelmente com reduzido interesse histórico e político, sobretudo se se pensar que são remotas as hipóteses de uma união política entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau. Ninguém desconhece que Amílcar Cabral invocara uma unidade mítica entre a Guiné e Cabo Verde para justificar um PAIGCV que a uma só voz e com uma só direcção representasse a luta libertadora das duas regiões. Digo unidade mítica na medida em que a aproximação da história e da sociedade tiveram um peso limitado, o que já não sucedeu com a economia das duas regiões, desde o povoamento de Cabo Verde que as relações económicas foram importantes, embora convenha prevalecer usando a expressão “Senegâmbia”, que é geograficamente mais ampla que a Guiné. A colonização de Cabo Verde não foi exactamente a que veio apregoada nos manuais do PAIGC: basta pensar na legião de judeus que o poder régio aqui desterrou. O arquipélago foi predominantemente, conheceu uma elevada taxa de alfabetização, dotou-se de uma língua veicular própria, ganhou identidade na música, na gastronomia, nas festividades, na literatura. É facto que a administração da Guiné teve historicamente uma presença elevadíssima de cabo-verdianos que, regra geral, conservavam os seus usos e costumes e não escondiam que se sentiam estatutariamente superiores. Durante décadas, desde a formação do PAI, nos anos 50, até à separação dos dois países, pretendia-se iludir as duas realidades à sombra de uma libertação que era entendida por Amílcar Cabral e os seus próceres cabo-verdianos como uma causa comum e alvo de unidade na acção. Após a ruptura de 1980, alguns intérpretes vieram dizer que afinal o pensamento de Amílcar Cabral no que tocava à unidade dos dois países tinha um alcance muito mais amplo do que alguns pretendiam: unidade africana, unidade combativa, unidade como meio e não como fim, unidade orgânica, etc.
O texto de Sérgio Ribeiro é um apanhado de reflexões que ele apresentou num simpósio dedicado a Amílcar Cabral, 10 anos depois do seu assassinato.
Cabral distinguia “unidade africana” (unidade a favor dos povos africanos, um meio e não um fim, uma construção, que ele encarava como uma cooperação e de acordo com a independência política e a coexistência das razoes de Estado) da “unidade Cabo Verde – Guiné” (prática revolucionária capaz de levar à libertação nacional, justificada pela natureza, história, geografia e até sangue). Escreve Sérgio Ribeiro para Amílcar Cabral que o problema desta unidade não existia, o que existia era o problema da união orgânica dos povos da Guiné e Cabo Verde, como fundamento nos laços de sangue e nos laços históricos que ligam esses povos. Goste-se ou não, foi desta análise enviesada (para não dizer completamente deturpada) que nasceu uma unidade que nunca existiu. O facto de ter havido, em meados do século XVI, um capitão geral nas ilhas de Cabo Verde e na Guiné, uma mesma organização e administração que se prolongou até 1889, de modo algum pode querer significar uma ligação histórica com vínculos poderosos a todos os níveis: os escravos vindos da “Costa da Guiné” não vinham todos da Guiné actual; a população das ilhas de Cabo Verde não provinha esmagadoramente da Guiné actual (aliás, mesmo que essa fosse a proveniência, a cultura sulcou, ao longo de séculos, distinções absolutas de que a religião, a língua e as atitudes civilizacionais passaram a ter um peso dominante.
Sérgio Ribeiro invocou um trabalho elaborado em 1980 para inventariar a proximidade de razões da história próxima, falando de comércio externo da divisão internacional do trabalho e da complementaridade que era desejável para essas duas economias que se julgava que iriam ficar planificadas, propondo mesmo uma união económica para essa complementaridade que pudesse ser forjada pelos panificadores. A história encarregou-se de separar os dois povos também pela abolição de economias planificadas.
Fica o registo, ainda há muito a escrever sobre esta unidade mítica que teve na sua base a contingência de os principais líderes do PAIGCVC terem sido de proveniência cabo-verdiana. Querer fingir que este problema não existiu só serve para esconder a realidade da história dos dois países.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6707: Notas de leitura (128): A Libertação da Guiné, de Basil Davidson (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
A minha preocupação é de procurar proceder ao levantamento da documentação que interesse a todos, aqui e na Guiné.
Não entender o que foi esta unidade, até ao extremo da irracionalidade, é não querer perceber as causas remotas e próximas da ruptura entre a Guiné e Cabo Verde.
Um abraço do
Mário
A questão da unidade no pensamento de Amílcar Cabral
por Beja Santos
O ensaio “Sobre a Unidade no Pensamento de Amílcar Cabral”, de Sérgio Ribeiro (Tricontinental Editora, 1983), aparece hoje completamente datado e provavelmente com reduzido interesse histórico e político, sobretudo se se pensar que são remotas as hipóteses de uma união política entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau. Ninguém desconhece que Amílcar Cabral invocara uma unidade mítica entre a Guiné e Cabo Verde para justificar um PAIGCV que a uma só voz e com uma só direcção representasse a luta libertadora das duas regiões. Digo unidade mítica na medida em que a aproximação da história e da sociedade tiveram um peso limitado, o que já não sucedeu com a economia das duas regiões, desde o povoamento de Cabo Verde que as relações económicas foram importantes, embora convenha prevalecer usando a expressão “Senegâmbia”, que é geograficamente mais ampla que a Guiné. A colonização de Cabo Verde não foi exactamente a que veio apregoada nos manuais do PAIGC: basta pensar na legião de judeus que o poder régio aqui desterrou. O arquipélago foi predominantemente, conheceu uma elevada taxa de alfabetização, dotou-se de uma língua veicular própria, ganhou identidade na música, na gastronomia, nas festividades, na literatura. É facto que a administração da Guiné teve historicamente uma presença elevadíssima de cabo-verdianos que, regra geral, conservavam os seus usos e costumes e não escondiam que se sentiam estatutariamente superiores. Durante décadas, desde a formação do PAI, nos anos 50, até à separação dos dois países, pretendia-se iludir as duas realidades à sombra de uma libertação que era entendida por Amílcar Cabral e os seus próceres cabo-verdianos como uma causa comum e alvo de unidade na acção. Após a ruptura de 1980, alguns intérpretes vieram dizer que afinal o pensamento de Amílcar Cabral no que tocava à unidade dos dois países tinha um alcance muito mais amplo do que alguns pretendiam: unidade africana, unidade combativa, unidade como meio e não como fim, unidade orgânica, etc.
O texto de Sérgio Ribeiro é um apanhado de reflexões que ele apresentou num simpósio dedicado a Amílcar Cabral, 10 anos depois do seu assassinato.
Cabral distinguia “unidade africana” (unidade a favor dos povos africanos, um meio e não um fim, uma construção, que ele encarava como uma cooperação e de acordo com a independência política e a coexistência das razoes de Estado) da “unidade Cabo Verde – Guiné” (prática revolucionária capaz de levar à libertação nacional, justificada pela natureza, história, geografia e até sangue). Escreve Sérgio Ribeiro para Amílcar Cabral que o problema desta unidade não existia, o que existia era o problema da união orgânica dos povos da Guiné e Cabo Verde, como fundamento nos laços de sangue e nos laços históricos que ligam esses povos. Goste-se ou não, foi desta análise enviesada (para não dizer completamente deturpada) que nasceu uma unidade que nunca existiu. O facto de ter havido, em meados do século XVI, um capitão geral nas ilhas de Cabo Verde e na Guiné, uma mesma organização e administração que se prolongou até 1889, de modo algum pode querer significar uma ligação histórica com vínculos poderosos a todos os níveis: os escravos vindos da “Costa da Guiné” não vinham todos da Guiné actual; a população das ilhas de Cabo Verde não provinha esmagadoramente da Guiné actual (aliás, mesmo que essa fosse a proveniência, a cultura sulcou, ao longo de séculos, distinções absolutas de que a religião, a língua e as atitudes civilizacionais passaram a ter um peso dominante.
Sérgio Ribeiro invocou um trabalho elaborado em 1980 para inventariar a proximidade de razões da história próxima, falando de comércio externo da divisão internacional do trabalho e da complementaridade que era desejável para essas duas economias que se julgava que iriam ficar planificadas, propondo mesmo uma união económica para essa complementaridade que pudesse ser forjada pelos panificadores. A história encarregou-se de separar os dois povos também pela abolição de economias planificadas.
Fica o registo, ainda há muito a escrever sobre esta unidade mítica que teve na sua base a contingência de os principais líderes do PAIGCVC terem sido de proveniência cabo-verdiana. Querer fingir que este problema não existiu só serve para esconder a realidade da história dos dois países.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6707: Notas de leitura (128): A Libertação da Guiné, de Basil Davidson (Mário Beja Santos)
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