sábado, 29 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4877: Estórias do Fernando Chapouto (FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO) (1): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O embarque no Niassa

1. Do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, publicamos neste poste a primeira parte das suas memórias, referente ao embarque da sua Companhia no navio Niassa e à sua tranquila 1ª patrulha:

Camaradas,

Embarquei no dia 18 de Agosto de 1965, junto com a minha Companhia, com destino à Guine no navio Niassa, em Lisboa.

Foto no Cais da Rocha Conde de Óbidos, onde se pode ver, ao fundo, a ponte sobre o Rio Tejo, então ainda em fase de construção.

Nesta foto lá ia eu, em pleno mar alto, a jogar ténis de mesa

Chegamos a Bissau no dia 24 do mesmo mês, de madrugada ainda a dormir.

Quando acordei, levantei-me e fui espreitar pela janela.

O barco estava parado, em frente ao cais de Pidjiguiti, e apenas vi nativos.

Fixei-os bem (só negros) e, de repente, pareceu-me que a “alma” me caiu aos pés, mas logo pensei na missão a cumprir e que nada tinha a temer já que acreditava, com a minha fé, que o meu destino só a Deus pertence.

Durante a manhã desembarcamos e fomos para o quartel de Santa Luzia, junto ao Quartel-General.

No primeiro dia no quartel de Santa Luzia andei com o camuflado

Mais tarde mudei de farda e estreei a de piriquito (a minha Companhia foi uma das primeiras a usá-la na Guiné)

Permanecemos naquele aquartelamento até meados de Outubro, como companhia de intervenção.

Durante este período efectuamos vários patrulhamentos e operações.

PRIMEIRA PATRULHA DE RECONHECIMENTO

Ao quarto ou quinto dia, o comandante de pelotão chamou-me e disse-me que, no dia seguinte, ia fazer um patrulhamento a uma tabanca para os lados do aeroporto, com a minha secção.

Um patrulhamento por um piriquito que tão mal conhecia a zona!?

Perguntei: - Uma secção?

- Não há problemas, aqui em volta não há nada e a viatura já está tratada.

Fui dormir. De manhã, a seguir ao pequeno-almoço, chamei os meus soldados para se equiparem transmitindo-lhes que íamos sair.

Eu já estava pronto e como me disseram que não havia nada a temer, fui equipado com a máquina fotográfica. Arranjamos um guia e lá fomos visitar as tabancas referenciadas na carta.

Felizmente correu tudo bem. Falou-se com os chefes das tabancas e tiraram-se umas fotografias com as bajudas, após o que regressamos ao quartel.

Ali tive de fazer um relatório do que se passou. Como não era escritor, nem possuidor do dom de fácil e boa prosa, pedi ajuda ao Fur Mil Vaqueiro.

O relatório lá acabou por sair, seguindo o caminho habitual.

Conclui que, para começar as minhas actividades operacionais, não estava nada mau.

Foto da minha secção na 1ª patrulha nos arredores de Bissau. Da esquerda para direita: Soldados Matos e Guerreiro, Eu, 1º Cabo Alfredo, um soldado nativo (que nos serviu de guia) e o Soldado Leonel (fins de Agosto de 1965)

Foto das bajudas mexendo o milho (1ª patrulha nos arredores de Bissau)

Aqui as vêm-se as bajudas pilando o arroz numa Tabanca (1ª patrulha nos arredores de Bissau)

Mal eu adivinhava que o pior ainda estava para surgir.

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCaç 1426

Fotos e legendas: © Fernando Chapouto Direitos reservados.
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Notas de MR:

Este é o primeiro poste desta série.

Vd. último poste do autor em:

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4876: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (VIII): Estadia em Contuboel e Sonaco com a Otília (JAN-AGO 1966)

Continuação do Diário de Guerra, de Cristovão de Aguiar (VIII)

Contuboel, 12 de Janeiro de 1966

Ontem o nosso batalhão, Sete de Espadas, so­freu dez mortos numa emboscada. Tinha ficado com o meu pelotão na base, para montar a segurança e dar apoio logístico, quando, pouco depois de terem par­tido para uma operação no mato do Caresse, terra-de-ninguém e de muita pancada, se ou­viram grandes rebentamentos na direcção que tinham tomado. Uma hora e pouco mais tarde, chegou uma viatura com os mortos a trouxe-mouxe sobre o es­trado da carroça­ria. Ti­nham morrido ali como tordos, de­pois de os guerrilheiros te­rem lan­çado algumas gra­na­das defensivas para o interior da GMC. Fiquei encar­regado de transportar aquela carne humana para Fa­jon­quito, sede de uma compa­nhia tam­bém pertencente ao nosso bata­lhão.


Fajonquito, 13 de Janeiro de 1966

Enquanto o capelão procedia às exéquias fú­nebres e rezava missa campal por alma dos dez mortos irreconhecíveis, safei-me, re­voltado, para um canto solitário, longe de toda aquela cruel comédia desumana. E pe­guei da esferográfica e do meu caderninho e fui escrevinhando:

O VISIONÁRIO

Rasguem-se as corti­nas do sacrário,
Onde ficou Jesus aprisionado
Tal como há dois mil anos no Cal­vário
Pregado num madeiro, ensanguentado...

Era Sua Pala­vra pão sagrado
E o gentio que escutava o Visionário
De tal arte ficou maravi­lhado
Que O elegeu seu re­volucionário...

Depois, o tirano, opressor do povo,
Julgando apagar esse Sol novo
Mandou matar o vate desordeiro...

Crucificaram-no então no Calvário:
- Está agora a ferros num sacrário,
Não vá Ele tornar-se guerrilheiro...


Bissau, 17 de Janeiro de 1966

Vim ao aeroporto de Bissalanca esperar a Otília, que vem passar uns meses comigo nesta guerra. Se calhar, foi uma loucura da mi­nha parte. Sem dúvida que foi. E egoísmo. Chame-se-lhe o que se quiser, mas, an­tes de morrer, gostava de deixar descendência. Ficámos instalados no Grande Hotel de Bis­sau, que só tem grandeza no nome.


Contuboel, 19 de Janeiro de 1966

Acabámos de chegar de Bissau, eu e minha Mulher. A nossa casa é um espaço vago, quarto e corredor, que me cedeu o Chefe de Posto e que fica contíguo ao edifício. Não há água nem electricidade. Alumiano-nos a petro­max. A água virá todos os dias do quartel, que fica a meia dúzia de pas­sos, para um barril que coloquei na extremidade do corredor oposta à porta de en­trada, onde, com um reposteiro, fiz um pequeno compartimento que vai servir de cozinha. Antes de minha Mulher chegar, arranjei o nosso quarto o melhor que pude: consegui uma cama de casal, pus cortinas nas janelas, cujo pano comprei no comércio do libanês e que um alfaiate indígena depois talhou, acertou e coseu, mandei fazer uma mesa de boa ma­deira africana. Este é que é verdadeiramente o chamado amor e uma ca­bana.


Contuboel, 14 de Fevereiro de 1966

A Otília está grávida, pelo menos tem to­dos os sintomas de uma mulher nesse estado: enjoos, vómitos. Se for mesmo ver­dade, isto significa que, se me for desta para melhor com um qualquer tiro desgo­vernado, já deixo rastro atrás de mim. Um filho engendrado na guerra!


Contuboel, 16 de Março de 1966

Fomos hoje a Fajonquito, povoação a mais de vinte quilómetros de distância, onde também se encontra uma Companhia de Ca­çado­res. A Otília foi comigo, a fim de consultar o médico, meu companheiro da República Corsários das Ilhas, em Coimbra, e muito nosso amigo. A Otília queixa-se das pernas, parecem picadas de mosquitos, mas não são. O Ormonde de Aguiar, assim se chama o meu velho companheiro de Coimbra, disse que se tratava de uma qualquer doença de pele e deu-lhe uns medicamentos para o efeito.


Contuboel, 7 de Abril de 1966

Quando vou para o mato por dois ou três dias, a Otília não tem medo de ficar sozinha em casa. É mesmo uma mulher de armas! Fica bem guardada pelas sentinelas que os cipaios fazem dia e noite ao Posto Ad­ministra­tivo, além de ter o quartel à mão de semear. O medicamento que o Or­monde lhe recei­tou fez muito bom efeito: já não tem nada nas pernas.


Contuboel, 23 de Abril de 1966

Faz hoje um ano que desembarcámos em Bis­sau. Não me esqueci de des­carregar a cruz na casa do calendário. Esta é já a tricen­tésima, sexagésima sexta, se me não engano. Esta­mos já a dobrar o cabo tormentó­rio. A partir de agora, começa o tempo a de­s­cer. É a altura de se principiar a ter muito cuidado com a vida, que a morte gosta de pregar partidas nestas ocasiões lembra­das.


Sonaco, 30 de Julho de 1966

O meu pelotão foi finalmente destacado para aqui, que, no meio deste inferno, é um lugar sofrível. A Otília prefere aqui estar. Temos uma espécie de casa de paredes de adobes e coberta de colmo, mesmo ao lado do quartel, mais fresca do que a de Contuboel. Da porta de trás da casa, dou as minhas ordens ao pessoal da cozinha sobre a ementa do dia. Temos aqui uma pista térrea onde poisa uma Dornier com facilidade. É lá que treino a minha con­dução no jipe que per­tence ao destacamento.


Sonaco, 9 de Agosto de 1966

A Otília fez hoje anos e por isso houve rancho me­lhorado. Dormimos com as janelas das traseiras abertas por via do calor e do peso da humidade. Para evitar que os mosquitos e outra bicheza, aqui aos milhares, mordam a gente, mantemos aceso um repelente do qual se evola uns fuminhos cujo odor intenso os afugenta. O pior são os gatos que vêm ao cheiro da comida e fa­zem, por vezes, uma estreloiçada de me pôr maluco. Ando com os nervos em franja, por isso qualquer barulho, por mais pequeno que seja, põe-me transtornado. Uma noite destas fui acor­dado e apanhei tal susto que peguei logo da espingarda, encostada à parede, à ilharga da cama do meu lado, acordei a Otília, disse-lhe que ia disparar, que se não assustasse, poisei o cotovelo esquerdo na sua já proeminente barriga, apoiei o cano da arma na mão canhota meio em concha, encostei a coronha ao ombro direito, fiz pontaria e dis­parei, uma, duas vezes. Matei um gato e os ou­tros desape­garam-se. A Otília não me disse sequer uma palavra mais azeda e tinha toda a ra­zão para o fazer. Virou-se para o ou­tro lado e principiou logo a dormir.
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Notas de CV:

Cristóvão de Aguiar foi Alf Mil da CCAÇ 800, Contuboel, 1965/67

Vd. último poste da série de 25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4860: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (VII): Estadia em Contuboel e Dunane (OUT-DEZ 1965)

Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

1. Quarto poste da série Cartas, e primeiro da 2.ª Fase - Mato, de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.


2.ª Fase: O Mato

Pirada, 15 Out 1964
Cá me encontro na terra prometida. Corresponde em tudo ao que imaginava. É um lugar maravilhoso!
O aquartelamento está por enquanto em más condições e os soldados ainda não têm sequer camas para dormir, mas tudo se há-de arranjar.
Estou cá eu e o Cardoso, os meus furriéis e o meu Grupo de Combate. Os oficiais estão praticamente aboletados em casa de um comerciante daqui, um tipo formidável que nos enche de whiskies, gins tónicos e belas jantaradas.
Mas comecemos pelo princípio…

Saímos de Bissau em duas lanchas de desembarque, pois o Castro também veio connosco, estando desde já instalado em Paúnca, uma aldeia perto daqui.
Pernoitámos em Bambadinca, onde fomos muito bem recebidos pela tropa local que nos encheu de cerveja. Por volta das duas da tarde de domingo, chegámos a Bafatá, onde tivemos grande recepção com um almoço oferecido pelo Comandante de Batalhão (do qual ficamos agora a depender). Nesse mesmo dia partimos para Nova Lamego (Gabú) em camiões, onde chegámos às 19H00. Fomos recebidos pelo Tenente que comanda a Companhia lá estacionada e pela esposa que, é também a professora primária daquela pequena vila. Depois de termos jantado com eles, fomos até um clubezito organizado pelos comerciantes cá da terra. Mais um bocado de cavaqueira e mais uns whiskies terminando tudo num sono reparador em belíssimas camas postas à nossa disposição.

Nova Lamego é uma vila bastante simpática. Tem luz eléctrica, biblioteca e em breve, o tal clube inaugurará uma sala de cinema.

Segunda-feira de manhã partimos para Pirada, onde depois de uma natural balbúrdia com a mudança das coisas do pelotão de tropa nativa que, íamos render, nos instalámos finalmente na nossa nova casa.
O quartel, ou melhor, a caserna para os soldados, era um antigo celeiro de mancarra (amendoim), sumariamente transformado, com uma cerca de arame farpado em toda a volta e uns abrigos feitos com cimento, um em cada canto, para defesa e vigilância.
A aldeia consta de uma meia dúzia de casas de pedra e cal cobertas com telhas de barro. As primeiras que aparecem são para os diversos entrepostos comerciais colocados na berma da única estrada. Depois surge uma escola com uma sala de aula exactamente com o mesmo traçado das nossas escolas primárias estilo Estado Novo. Seguem-se dois edifícios, um com as acomodações para o Chefe de Posto, a autoridade civil indispensável numa zona fronteiriça como esta, e outro para um até surpreendente Posto Sanitário. A toda a volta e, a perder de vista, um aglomerado confuso de cubatas e pequenas barracas cobertas de colmo onde se aloja uma numerosa população curiosa e ao mesmo tempo receosa à nossa chegada. A estrada, e único arruamento digno desse nome que divide a povoação ao meio, segue depois, como um carreiro, para norte, na direcção do Senegal que começa a poucos metros dali, assinalado por um pequeno marco fronteiriço.

Começámos logo por ser apresentados ao comerciante mais importante cá da terra, o Sr. Mário Soares, um grande amigalhaço de toda a tropa que por aqui tem permanecido. Acompanhado de um empregado que segurava um enorme cesto cheio de pão fresco acabado de sair do forno. Ali mesmo no meio da estrada, começou a distribui-lo pelos soldados que o recebiam boquiabertos de espanto. Não poderia haver melhor recepção de boas vindas. Um verdadeiro luxo.
(Daqui em diante, sempre que mencionar esta personagem, designá-lo-ei pelo pseudónimo, M. Santos, para não suscitar quaisquer parecenças, com a figura pública actual que todos conhecem)

Como ele já sabia com antecedência, do dia da nossa chegada, muito oportunamente, tinha mandado reparar uma casa que estava desabitada e em ruínas, mesmo defronte do seu estabelecimento e que vai servir às mil maravilhas para alojar pelo menos, os oficiais e alguns sargentos. Ficou logo combinado o possível aluguer.
(Com a rendição de um pequeno pelotão nativo que era até ali toda a guarnição de Pirada, por uma Companhia de mais de 200 homens, os problemas de alojamento eram inevitáveis, pois para um oficial e um furriel que comandavam o pelotão nativo era fácil a sua instalação numa das casas comerciais, agora para cinco oficias e mais de vinte furriéis e sargentos a coisa já se tornava mais complicada.)
Momentos depois de nos termos instalado provisoriamente, tomado um banho e feito a barba, apareceu uma avioneta que aterrou numa pista de aviação existente mesmo por detrás da nossa nova casa. Inesperadamente surgiu então o Capitão da nossa Companhia que, conseguira à última hora, aquele meio de transporte para poder vir até cá e poder dar uma primeira vista de olhos. Concordando logo com o aluguer da casa, decidiu que ali passaria a ser também a Messe dos Oficiais. Como trouxera com ele, um Engenheiro Militar, tratou-se de ver o que era preciso fazer para aumentar o aquartelamento e ficarmos suficientemente bem instalados. Por enquanto os sargentos ficarão a dormir, um em casa do Chefe de Posto, um velhote muito simpático e conversador, outros aqui na nossa casa e ainda outro no Posto Sanitário.
Quanto à nossa casa é esplêndida. Tem um grande quintal, com um poço no meio e uma larga extensão cimentada debaixo de um enorme alpendre, encostado à casa, sob o qual tomaremos as nossas refeições, quando tivermos aqui a nossa Messe. A casa é fresquíssima e dorme-se aqui muito bem, pois não tem mosquitos! Faltam apenas os móveis, mas temos cá um carpinteiro indígena muito habilidoso que já nos está a fornecer mesas e cadeiras. Camas temos duas de casal, uma em madeira, outra em ferro, emprestadas pelo M. Santos. Os sargentos estão a dormir em camas de ferro militares, que trouxemos.
A casa está toda arranjada de novo. Tem as paredes caiadas de amarelo e as portas e as janelas pintadas de vermelho. As colunas do alpendre também são em vermelho e a armação do poço em azul. Temos várias árvores no quintal que dão umas grandes flores vermelhas muito exóticas. As águas que utilizamos para os banhos vêm do poço. Num quarto ao lado da casa de banho, fora do edifício principal da casa, fica instalado o nosso impedido que fará de vigia e ao mesmo tempo os pequenos trabalhos necessários, tais como cuidar para que o bidão de água para o banho esteja sempre cheio. A casa de banho tem retrete e posteriormente terá um lavatório e um chuveiro, pois já tem um ralo no chão para escoar a água.

Contactámos com a população daqui e creio que estamos a causar boa impressão. A carne de 1.ª é a 150$00 o quilo e as bananas, de excelente qualidade, custam 10$00 cada grupo de 4. As galinhas variam entre 10$00 e 15$00 cada e os cabritos 50$00.
Quanto à luz eléctrica, por enquanto não está montada, embora tenhamos um gerador trifásico de 220 Volts, movido por um motor a diesel. Só estamos à espera de arranjar fio para fazer a instalação por toda a aldeia. Contamos que lá para Janeiro se possam pôr de lado os Petromax e se pense até na possibilidade de sessões de cinema com uma máquina de projectar do Sr. M. Santos.
É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta.
É o nosso Anjo da Guarda. Todos os dias manda cá o criado dele, o Demba, com uma garrafa de água filtrada e um termos com cubos de gelo, para que nunca nos falte água fresca no quarto. É um indivíduo que, mesmo aqui, longe da nossa civilização, não descura todos os pormenores de conforto para criar à sua volta um ambiente requintado e de um bom gosto que se julgaria inacreditável encontrar por estas paragens. Vive como um nababo indiano rodeado por uma família tranquila (a esposa e duas filhas) e que, pelo menos, aparenta a mais completa felicidade.
Um verdadeiro achado que vim encontrar aqui neste fim do mundo mas, estou bem em crer, quase princípio do Paraíso.

Já começou a afluir gente vinda de todo o lado, até do Senegal, para se tratar no nosso posto clínico, pois a novidade de termos um médico na Companhia, depressa se espalhou. Aliás, a dois passos daqui, estão os nossos principais informadores, nas pessoas do chefe da polícia e outros funcionários administrativos da aldeia senegalesa nossa vizinha, com quem o nosso amigo M. Santos mantém fortes relações de interesses mútuos. São eles os primeiros a comunicar a presença de grupos armados que habitualmente passam por esta zona a caminho da região centro da Guiné, o Oio. Está até combinada uma jantarada em que eles serão nossos convidados.
O régulo de Pirada é um velhote todo bem-posto e que gosta imenso de conversar. É alferes de segunda linha, posto que lhe foi atribuído pela Administração Civil, mas que na verdade não passa de um título quase carnavalesco. Mesmo assim tem bastante autoridade e estamos sempre a recorrer aos seus préstimos e conselhos.

Sinchã Samba Taco, 03 Nov 1964
Eu e mais dois soldados do meu pelotão, o 1.º Cabo Maqueiro Melo (o Preto) e o 1.º Cabo Atirador Bonifácio (o Vilarinho) resolvemos acompanhar o Sr. Barbosa, o Chefe de Posto, que nos convidou para, durante dois dias, testemunharmos o recenseamento das populações, que ele vai ter de fazer na região de Propana, aqui a sul de Pirada. Tal ocasião veio servir às mil maravilhas para assim conhecermos em pormenor toda esta região e também para sermos apresentados de um modo mais informal e menos bélico a toda esta gente que é sempre admirável em hospitalidade e cortesia. É uma das maneiras de fazer a chamada psico, o aliciamento psicológico e indolor das populações para a nossa causa.

Em todas as tabancas, o cabo maqueiro, ajudado pelo Vilarinho, não tinha mãos a medir, fazendo pequenos curativos, aplicando pomadas, distribuindo analgésicos, deixando toda a gente extremamente agradecida. Os miúdos, a princípio, estavam uns bocados desconfiados e berravam como desalmados quando, por exemplo, lhes queriam meter um termómetro na boca, mas depois reinava a alegria.
Em todo o lado nos oferecem galinhas e cabritos. O Land-Rover do Chefe de Posto parece agora um galinheiro. Em todas as tabancas tenho de apertar as mãos a toda a gente que se acotovela para se aproximar de mim.

Nesta noite dormi numa palhota muitíssimo asseada, com uma bela cama de ferro com colchão de rede, lençóis e tudo. Os fulas, apesar de viverem em palhotas, têm sempre as casas muito limpas, mais do que qualquer uma das nossas casas do Alto Minho. Esta tabanca onde estou agora é bastante grande. Tem umas boas dezenas de palhotas e as pessoas são quase todas de feições muito finas. Dir-se-iam brancos se não fosse o tom escuro da pele. Os traços do rosto, nariz e lábios são bastante semelhantes aos nossos.
À noite juntaram-se todos diante da porta da nossa palhota e estivemos um bocado à fresca conversando com o xerife ou seja, o régulo de toda esta região. É um indivíduo com bastante cultura. Tem o equivalente ao nosso 5.º ano do Liceu em estudos árabes.
(Actualmente as nossas escolas estão divididas em: Básicas, até ao 9.º ano de escolaridade e Secundárias, até ao 12.º ano. Em Novembro de 1964, data em que foi escrita esta carta o 5.º ano do Liceu, correspondia ao que hoje é o 9.º ano de escolaridade)
As bajudas (raparigas solteiras) e as mulheres grandes (casadas ou viúvas) vieram todas apertar-nos as mãos, dar-nos as mantenhas (cumprimentos), sentando-se também à nossa volta. Só vos digo que havia algumas que fariam corar de inveja muita morena aí da Metrópole.
Mas nada de maus pensamentos, pois deitámo-nos cedo, eu e o Chefe de Posto numa mesma palhota e os outros dois soldados numa outra aqui ao lado.
De manhã trouxeram-nos água em grandes cabaços e fizemos a toalete nas traseiras da casa, um autêntico quintal cercado com carentim, uma espécie de vedação feita com cana de bambu entrançada, que até tinha, num canto, uma retrete habilmente dissimulada por uns arbustos, tudo impecavelmente limpo.

Hoje continuou-se com o recenseamento. Enquanto o Chefe de Posto vai chamando pelos homens, eu sento-me num banco que prontamente me vieram trazer e vou observando esta gente. Algumas mulheres grandes revezam-se para terem o privilégio de abanar, com grandes lenços, o ar à minha volta, afastando as moscas e mantendo a temperatura mais agradável. Sinto-me um autêntico bwana, o verdadeiro Grande Caçador Branco.
Amanhã regresso a Pirada. Foram uns dias bem passados a comer galinhas à cafreal ao almoço e caldeirada de cabrito ao jantar. Os pequenos-almoços constavam invariavelmente de ovos mexidos com salsichas à boa maneira anglófona. O Sr. Barbosa até levou com ele um cozinheiro privativo.

Quanto aos pequenos tratamentos e curativos que fizemos por entre a população, calculo que foram mais de 500. Como depois todos se sentiam, quase sempre, muito melhor, vinham inevitavelmente trazer-nos mais uma galinha, uma saca de laranjas ou de ovos, repetindo constantemente: Djarama, djarama!, (Obrigado, muito obrigado!).
É um povo extraordinariamente afável e cativante.
Mal cheguei a Pirada já sentia vontade e voltar atrás para ir novamente brincar com as crianças tão sorridentes sempre a rodear-nos, umas mais afoitas que outras, estendendo-nos as mãos, oferecendo limões e laranjas.

Madina do Boé, 21 Nov 1964
Espero que não andem preocupados com a minha falta de notícias, mas acontece que agora é um bocado difícil escrever-vos pois, desde segunda-feira (dia 17) que me encontro fora de Pirada. Fui enviado com o meu Grupo de Combate para Nova Lamego (Gabú) e de lá para aqui, por haver fortes suspeitas que o inimigo quer atravessar a fronteira com a Rep. da Guiné, para depois se instalar nesta zona. Encontro-me na região do Boé, junto àquele ângulo mais côncavo da fronteira da Guiné-Bissau com a Rep. da Guiné. Não era a mim que me competia vir, mas porque a tropa para aqui destinada estava ainda em Bissau, viemos nós, mais dois pelotões de Nova Lamego. Espero não me demorar mais que uma semana, até porque afinal os boatos parecem não ter fundamento. Já patrulhámos quase toda a fronteira virada a Sul sem quaisquer resultados.

Estamos todos alojados numa escola primária e os soldados, de manhã, têm de tirar as armas, as mochilas e as camas improvisadas para que as crianças fiquem com a sala de aulas livre para as lições dadas por um professor também negro.
Dormimos no chão há já uma data de dias e eu, por acaso, ainda não me queixo de dores no corpo, embora aqueles mais magrinhos se comecem a queixar da dureza do colchão. Fomos no outro dia fazer uma patrulha até à fronteira e bebi água de uma ribeira que ficava já na República da Guiné.

Ah! É verdade, já me esquecia de contar o que aconteceu no domingo passado, em Pirada.
Um grupo de notáveis senegaleses, entre eles o Chefe da Guarda-Fiscal, o Chefe da Polícia e vários professores primários de uma povoação vizinha, fronteiriça com Pirada, apareceram para realizar um desafio de futebol entre as duas comunidades. Por acaso ganhámos 2-0, mas os tipos jogavam bem.
No final houve uma grande almoçarada e ao fim da tarde fomos todos levar os nossos convidados de regresso a casa nas camionetas da tropa. Fiquei assim a conhecer mais terra estrangeira e a sua gente. Apesar do corte de relações diplomáticas entre os nossos dois países, as autoridades destas povoações aqui perto da fronteira fazem o possível para manter a melhor forma de convivência pois, como também vivem numa quase penúria de tudo, longe dos grandes centros de decisão vêm abastecer-se do que precisam aqui a Pirada e vice-versa.
Foi um grande dia de festa, deixando toda a gente satisfeita, creio eu. Como na grande maioria são muçulmanos e portanto não bebiam vinho, gastámos litros e litros de laranjada para lhes matar a sede mas, não se olhou a despesas. À noite houve manga de batuque. Veio gente de toda a parte tal como acontece aí na Metrópole, quando há uma romaria. Era tanta gente que cheguei a ter algum receio, em termos de segurança, pois era impossível controlar todas aquelas pessoas, mas felizmente eram apenas pacíficos camponeses, e lá continuámos na bela paz do Senhor.

Voltando aqui a Madina do Boé, acabou hoje a nossa estadia por cá. Recebi esta tarde ordem para regressar a Pirada. O mais caricato é que me parece não haver meios para o fazer. Teremos de atravessar um larguíssimo rio (o Corubal) e o único processo era uma velha jangada, mas esta foi ao fundo ontem à noite, quando tentaram colocar-lhe em cima uma viatura demasiado carregada. Agora terei de esperar que a ponham de novo a flutuar ou então terão de me vir buscar de avião, o que seria muito mais divertido.

A guerra aqui no Boé não passou de boatos. Até os comandos vieram para aqui cheios de ideias e de truques, dizendo que faziam e aconteciam e depois não encontraram ninguém. Até metiam dó de tão desconsolados que andavam.
(No entanto estava bem enganado, pois logo na segunda-feira seguinte, após o meu regresso, o grupo de comandos caiu numa violenta emboscada, tendo sofrido numerosas baixas. Começou então um verdadeiro inferno para a diminuta guarnição do aquartelamento que não teve outra alternativa senão retirar. Os guerrilheiros tomaram conta da situação e fizeram de Madina do Boé o primeiro território independente da Guiné-Bissau. E eu, mais uma vez, escapava intacto, mas por pouco.)

Pirada, 01 Dez. 1964
Professores primários formados aqui, são autêntico ouro! Fartaram-se de fazer escolas à pressa, por toda a parte, mas esqueceram-se dos professores, até porque toda a gente sabe que para aqui ninguém gosta de vir.
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Tivemos mesmo de comprar as cadeiras, pois não tínhamos mobília nenhuma. A tropa que cá estava não nos deixou nada, pois também eram uns pobres desgraçados que mais parecia terem sido desterrados para este fim de mundo.
Um alferes e três sargentos brancos, todos os outros eram tropa indígena. E, como cá, a tropa indígena é paga pelo governo da província, viviam das economias que podiam ir fazendo com o dinheiro do rancho…

Nós, agora estamos quase instalados. Estivemos mais de um mês com toda a gente a dormir no chão, pois nem camas havia, nem carro para as ir buscar a Nova Lamego.
Presentemente, temos em Pirada três camiões grandes (GMCs), duas pequenas camionetas (Unimogs) e dois jeeps.
Já nos deslocamos com relativa facilidade e rapidez, tanto para Nova Lamego como para Bafatá sempre que nos falta qualquer coisa.

Bafatá é uma vilória bastante razoável. Tem um clube que até dá cinema todos os dias. A energia eléctrica é fornecida por um gerador a diesel, um bocado velho e a luz está constantemente a ir abaixo. Mas é melhor que nada. Fui lá este fim-de-semana com o M. Santos e a família, e não deixei escapar a oportunidade de farejar um pouco de civilização.
Hoje também posso dizer:

- Olhem, sabem? No sábado fui ao cinema! Agora não são só vocês que me dizem isso em todas as cartas que me escrevem.

Por acaso até era um filme do Jerry Lewis, que já tinha visto, “Jerry, Primeiro Turista do Espaço”.

Jantámos em casa de um comerciante amigo do M. Santos e, no domingo, almoçámos em casa do Secretário da Administração, outro amigo dele e que, conforme vim a descobrir, depois, é de Viana! Falámos sobre a nossa terra, recordando os tempos em que andou no Liceu, que nessa altura seria ainda, evidentemente, o Liceu Velho.

A situação da guerra continua sensivelmente na mesma. Entrámos na época seca e começou a moda das minas nas estradas. Não nas estradas aqui do Norte, felizmente, mas sim nas do Sul. Não há dúvida que sou um tipo com sorte. Poderia estar agora em Catió ou Bedanda, mas não, encontro-me em Pirada, confortavelmente instalado, descansadinho da vida, onde, à noite, podemos dar um passeio pelas redondezas até casa de alguém conhecido, comer um pouco de amendoim torrado, beber umas cervejas geladas, ouvir um batuque qualquer e voltar tranquilamente para casa, de pilha eléctrica na mão só para não tropeçar e cair nalgum buraco. Fazemos patrulhamentos de rotina que mais parecem passeios dominicais de carro.

Estamos quase no Natal. Como o tempo passa e como o passado nos vai desaparecendo da memória! Tenho receio de parecer um verdadeiro estranho quando regressar.
Pensamos fazer uma festa de Natal para os soldados. Pelo menos o bacalhau com couves não há-de faltar. Sim, porque conseguimos fazer uma horta, atrás do quartel, que promete muitas e belas couves para o Natal. Aqui tudo se dá, desde que seja bem regado e bem tratado. Quase todos os dias comemos às refeições uma bela salada de alface e tomate.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4861: Cartas (Carlos Geraldes) (3): 1.ª Fase - Agosto e Setembro de 1964

Guiné 63/74 - P4874: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (20): Adeus Binar, até sempre

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 21 de Agosto de 2009, com mais um episódio dea série Viagem à volta das minhas memórias:

Amigo Vinhal, um grande abraço.

Continuando na “Viagem à volta das minhas memórias”, Adeus Binar… até sempre fecha mais uma etapa da minha passagem pela Guiné e vai abrir uma nova, de certo modo diferente, noutros contextos e noutras condições.

Um abraço para todos os que têm a pachorra de me irem lendo.
Luís Faria


Adeus Binar... até sempre!

As primeiras molhas começavam a desabar, de volta em vez verdadeiros dilúvios que davam para tomar banho ensaboado e desensaboar, como se estivéssemos num chuveiro de forte jacto de água da civilização!!

Os ponchos saíram dos sacos e viram a luz do dia. O ribombar dos trovões a par com os riscos aleatórios dos relampejos, traduzia-se num espectáculo quase único e de rara beleza, especialmente na noite, criando a par um outro, este mais fantasmagórico, o da dança do arvoredo como se de figuras de Dante se tratasse !

Estávamos em Maio de 1971 e as minhas primeiras férias na Metrópole já à vista.

Aí pelos vintes, a “FORÇA” a dois GCOMB (1.º e 2.º), começa a arrumar as trouxas e a despedir-se das instalações do antigo sanatório da Doença do Sono - onde ficou aquartelada cerca de dois meses - e daquela boa gente de Binar que connosco foi convivendo sem quaisquer problemas, durante esse tempo.

Para trás iam ficar os jogos futebolísticos, os reordenamentos e seus (do 1.º GCOMB) engulhos, os jogos da treta improvisados, as tardes de sorna, o primata equilibrista, os belos manjares na Tabanca, o bordel ao ar livre, o tenor canino, os voluntários da noite e as jogatinas de Póker… enfim !!

Vão ficar para trás os dias de relativa calma operacional não interventiva que a 1.ª REP do CTIG nos tinham ofertado, talvez como paga das muitas Operações desenvolvidas pela Companhia - creio terem sido dezanove no curto espaço de tempo – que originaram mais de uma dúzia de confrontos directos com as forças inimigas, - alguns dos quais por mim já referenciados em “Viagem à volta das minhas memórias” – que por sua vez nos causaram nas matas um morto e vários feridos, infelizmente.

Éramos uma Companhia de Intervenção e como tal, ao que parecia íamos lá para Teixeira Pinto, fazer protecção aos trabalhos na estrada Teixeira Pinto – Cacheu, onde já se encontrava o nosso 4.º GCOMB desde Janeiro. O 3.º GCOMB continuaria em Bissum.

Se assim fosse, o que me custava a acreditar, tudo bem, não devia haver problemas ou perigos de maior, comparando com o que já tínhamos passado em Ponta Matar e Choquemone, onde pelo menos para já, não voltaríamos a meter as botas, felizmente.

Assim, na hora aprazada, a coluna arranca a 25 de Maio de 1971, pelo meio dos olhares e acenares de adeus e algazarra do Pessoal, entrando preparados e bem atentos na estrada/picada em direcção a Bula , não fosse as gentes amigas do Choquemone nos querer proporcionar uma festa surpresa de despedida menos simpática !?


A viagem continua em direcção ao novo destino

O início das minhas férias está a uma quinzena. A contagem é regressiva e imagens do futuro próximo no Puto pintalgam-me os pensamentos.

Para trás fica Bula e o desvio para João Landim e enquanto as viaturas aceleram pela estrada alcatroada em andamento normal e com distâncias, os olhos atentos a qualquer eventualidade, vão-se também passeando por paisagens que começam a ser desconhecidas.

Có, à nossa esquerda fica para trás, assim como umas bocas e nova algazarra ao avistamento de bajudas ou militarada. A viagem prossegue com boa disposição, e ao que julgo recordar, apesar de já estarmos na época das chuvas nem um pingo caiu sobre nós!

Chegada ao Pelundo, a coluna pára, não recordo porque e o pessoal desentorpece as pernas, talvez a mãos com umas bazucas e uns dedos de conversa com o Pessoal lá aquartelado, recomeçando pouco depois a viagem.

Na minha cabeça para além de pensar como seria Teixeira Pinto e o que nos esperava por lá, perfilavam-se dois pensamentos: as férias, daí a quinze dias e o Cap. Mamede a dar-me o patacão que me devia das jogatanas de Póker, e que me pagaria a passagem de avião… ida e volta !!!

Porreiro… a vida era bela!!?!!

Teixeira Pinto está à vista… porra esta merda parece uma cidade… tem avenida e tudo.!!!? Isto é o quartel…? Espectáculo… fo…!!


Luís Faria 1971


Entrados no novo quartel, o pessoal salta das viaturas.
Teixeira Pinto ia passar a ser parte do nosso futuro, não sabia por quanto tempo.

Luís Faria
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4844: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (19): Dias em Binar - 4

Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)

1. Mensagem, com pedido de divulgação, de José Moreira, Presidente da Direcção da Associação Humanitária Memórias e Gentes, com data de 26 de Agosto de 2009:

“O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores”
(Paulo Quintana)

Instituição de Utilidade Pública / Reconhecimento e registo como ONG pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros

Natureza jurídica: Pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, inserida no regime do mecenato cultural previsto nos Códigos do IRS e do IRC, matriculada na C.R.C. de Coimbra / NIPC 508 343 461

Sede: R. Prof. Guilherme Tomé (instalações J.F.Taveiro) - Apartado 45
3046-801 TAVEIRO (COIMBRA)

Contacto: E-mail: http://www.blogger.com/j.moreira@sapo.pt
ou http://www.blogger.com/guine@coimbraeventos.com

Telemóvel: 964 028 040

Parceiro especializado da LIGA DOS COMBATENTES para acções humanitárias


Senhoras e Senhores Associados, Parceiros Institucionais, Associativos e Sociais, Media Partners, Sponsors e Amigos

Com dedicação, muito trabalho, empenhamento, sacrifício e espírito solidário de TODOS … porque ajudar faz bem! Tivemos o merecimento de, por ofício datado de 04.08.2009, o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, através do IPAD-Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, IP, concedendo-nos o reconhecimento e registo como ONG, nos termos da Lei nº 66/98, de 14 de Outubro, a partir do dia 26 de Junho de 2009.

Com este reconhecimento tão agradável para todos nós e feita uma leitura atenta à citada Lei, obviamente com direitos e deveres, ressalta-nos em primeiro lugar, termos adquirido automaticamente a natureza de pessoa colectiva de UTILIDADE PÚBLICA (Artº 12º) e que aos donativos em dinheiro ou em espécie obtidos, para financiar projectos de interesse público, reconhecidos pelo M.N.E., será aplicável, o regime do Mecenato Cultural previsto nos Códigos do IRS e do IRC (Artº 13º), assim como o gozo de direitos dos dirigentes das Ong´s, enquanto trabalhadores por conta de outrem, como estudantes (Artº 10º). Além da indicada lei, temos outra, que estabelece o enquadramento jurídico do agente da cooperação portuguesa e define o respectivo estatuto jurídico, que é a Lei nº 13/2004, de 14 de Abril, na qual, por exemplo, as entidades promotoras ou executoras da cooperação podem recrutar livremente candidatos para desempenhar tarefas.

Face ao exposto, tenho a certeza de que todos nós, sem excepção, vamos continuar a fazer como até aqui, que é restabelecer a esperança e resgatar a dignidade daqueles que as perderam na injustiça social, independentemente do reconhecimento oficial agora conferido, pois a próxima Expedição à Guiné-Bissau (Fevº/Março/2010), já está em marcha.

BEM-HAJAM, POIS TODOS NÓS SEREMOS MAIS RICOS SEM A POBREZA!

Cumprimentos,
José Moreira
(Presidente da Direcção)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4300: Ser solidário (35): Criação da Associação Portuguesa de Apoio Cultural e Económico à Guiné-Bissau (Zé Carioca)

Guiné 63/74 - P4872: Controvérsias (33): Amílcar Cabral em Xangai (António Graça de Abreu)

1. Mensagem de hoje, do nosso camarada e amigo Anónio Graça de Abreu, em viagem pela China (foto à esquerda, com a esposa):

Meus caros Luis, Carlos e Eduardo

Peço vos que publiquem este meu texto como comentário ao do Beja Santos. Coloquem os acentos, por favor, porque o computador com que escrevo não tem teclado português (*).

Desde Xangai, um abraço,
Antonio Graça de Abreu



Amílcar Cabral em Xangai
por António Graça de Abreu


Mario Beja Santos fala com simpatia da figura importante de Amílcar CabraAdicionar imageml e reconhece a "capacidade genial de Cabral para liderar um movimento revolucionário." Mas o seu texto parece-me por demais contraditório (**).

Beja Santos conclui a sua análise ao Le Pouvoir des Armes, de Cabral, afirmando que os textos do revolucionário do PAIGC são uma "referência de um pensamento desajustado aos imperativos do desenvolvimento". Beja Santos diz também a propósito de propaganda que "misturava-se fantasia com realidade, realidade com desejos, factos lógicos com dados irracionais". Factos que ninguém põe em causa.

Noutra citação, leio, Cabral "era rigoroso quando enunciava a estrutura social da Guiné, mesmo quando camuflava as divergências profundas entre as etnias que mais apoiavam o PAIGC e aquelas que mais se opuseram."

Num breve comentário meu, como se pode ser "rigoroso" camuflando "as divergências profundas entre as etnias"?

Beja Santos diz ainda que Cabral era "marxista" e que "referiu em diferentes intervenções que a "libertação" da Guiné restaria ou teria uma influência decisiva em toda a África Austral, modificaria as influências de todo o imperialismo em África."

Cabral era ingénuo, e esta ingenuidade tem provocado tanto, demasiado sofrimento, e morte, aos povos amigos da Guiné-Bissau, e de tantos outros infelizes países africanos!

Mais abaixo, Beja Santos que acredita ainda na vitória militar do PAIGC sobre as tropas portuguesas, fala de uma terra que (como é possível?) passou de "um país triunfante para a situação de esmoler da caridade internacional"

E mais: "No seu entusiasmo, Cabral ficcionou cidadãos livres e uma economia próspera dirigida pelo PAIGC que, como é de todos sabido, se veio revelar um insucesso estrondoso"

Quanta contradição, digo eu...

Um comentário final.

Amílcar Cabral foi um revolucionário de acordo com um pensamento político que passou à História e falhou estrondosamente. Os seus textos são peças de um museu da utopia. E se é verdade, como dizia o poeta Sebastião da Gama, que "pelo sonho é que vamos", quando nos sonhamos o mundo melhor, a sociedade mais justa, o homem novo, tudo parece estar ao alcance de todos. Depois acordamos no mundo real, e o homem é velho, as sociedades são como são, luta-se sempre, trabalha-se para que nós e o mundo "pule e avance", mas em política, no governo dos povos, importa o real, sem utopias nem sonhos.

Escrevo-vos desde Xangai, República Popular da China, um país oficialmente marxista, com um partido comunista no poder, mas que, para crescer, prosperar, para se modernizar, deitou as ideologias para o caixote do lixo da História (onde já está o pensamento de Amílcar Cabral!), libertou-se das utopias e avançou para o estranho capitalismo real, com todas as injustiças que o capitalismo traz.

A China, que conheceu e conhece bem a Guiné-Bissau, é hoje um dos países mais poderosos do mundo.

Desde Xangai, um abraço do tamanho do rio Amarelo.
António Graça de Abreu

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Notas de L.G.:

(*) Em 14 de Agosto tinha-nos escrito o seguinte mail:

Meu caro Luís

Sei que estás de férias e não te vou chatear com coisas da Guiné. Vai apenas o reencaminhamento deste mail, para teu conhecimento [, dirigido ao Beja Santos, e a propósito da da missa do 7º dia da morte da sua filha Maria da Glória].

Da minha parte, abraço o Beja Santos, sempre, o pai, o camarada da Guiné.

O mail vai do computador do hotelzinho rasca onde me alojo por 4 dias, nas montanhas Wuling, Zhangjiajie, província de Hunan) a mesma onde nasceu Mao Zedong, a uns 300 kms daqui).

Tenho feito fotografias espantosas, que um dia, lá para Setembro, Outubro, com uma introdução minha ligando a Guiné à China, peço que publiques no blogue, talvez no antes e depois.

Entre picos de montanhas, respirando o fluir da magia da névoa, vai um forte abraço do

António Graça de Abreu


(**) Vd. poste de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4870: Notas de Leitura (17): Le pouvoir des armes, de Amílcar Cabral (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P4871: Memória dos lugares (36): Bissau 1968 (José Nunes, ex-1º Cabo, BENG 447, Brá, 1968/70)

1. O nosso Camarada José Nunes (José Silvério Correia Nunes), ex-1º Cabo, BENG 447 (Brá, 1968/70) esteve na Guiné de 15JAN68 a 15JAN70, enviou-nos uma reportagem fotográfica sobre um “passeio” pela saudosa, acolhedora e belíssima Bissau, no ano de 1968, a que deu o título de:

Bissau, de encantos tamanhos

Camaradas,

Aqui vão fotos de Bissau. Fui um felizardo, passei grande parte da Comissão em Bissau e grandes momentos no mato com Camaradas de diversas unidades, onde sempre me trataram com grande Amizade.

Por isso, o meu mais profundo respeito pelos Camaradas operacionais.

Eu tive mais sorte.


Junto à porta do Museu

Em plena Avenida da República

Junto a uma estátua

Ponte do Cais do Ilhéu do Rei


Entrando no autocarro da linha Brá - Bissau

Ao Esforço da Raça

Junto à estátua a Teixeira Pinto

No exterior do Forte da Amura

Com o meu Camarada Baiona de Andrade

Junto à porta da Sé Catedral

Um Abraço de Amizade,
José Nunes 1º Cabo do BENG 447

Fotos: © José Nunes (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4870: Notas de Leitura (17): Le pouvoir des armes, de Amílcar Cabral (Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 27 de Agosto de 2009:

“Le pouvoir des armes” ["O Poder das Armas"]
Um clássico obrigatório, de Amílcar Cabral

Em Janeiro de 1970, a conceituada editora François Maspero dá à estampa nos “Cahiers libres” (colecção onde foram publicados Ernest Mandel, Eduardo Galeano, Che Guevara, Régis Debray e Malcom X, entre outros pensadores revolucionários) uma escolha de intervenções de Amílcar Cabral retirada de artigos, conferências e seminários, e referente ao período de 1962 a 1969: Le pouvoir des armes.

Cabral, ao tempo, é já o mais prestigiado dos líderes teóricos dos movimentos de libertação envolvendo o Império Colonial Português. Fora entrevistado numerosas vezes pelos media de todo o mundo. Livros que gozavam de enorme fama na luta anticolonial como Lutte armée en Afrique, de Gérard Chaliand, e Révolution en Afrique, de Basil Davidson, tratam-no com indiscutível respeito pela solidez do seu pensamento, pela sua indesmentível capacidade organizativa e pela aplicação estratégica revolucionária sobre as condições concretas da Guiné.

Todos os jornalistas que percorrem os territórios de guerrilha pasmam com a luta armada face à presença militar dos portugueses e dos seus aliados guineenses. Ao longo desses anos 60 ele é respeitado sempre que a comparação se impõe com as revoluções falhadas de África e a ascensão do neocolonialismo. Foi decisivo no lançamento das bases da estratégia do PAIGC, revelou-se brilhante na análise da estrutura social das diferentes etnias que compõem o mosaico guineense, foi Cabral que paciente e minuciosamente organizou em simultâneo a acção política e a militar.

Nesta obra percebe-se como o seu nome já se impusera ao nível da teoria revolucionária, graças à leitura original que ele fazia da luta de classes em países subdesenvolvidos e o papel histórico da pequena burguesia nas lutas dos movimentos de libertação.

A admiração é tanto maior se pensarmos que na época a Guiné (quase do tamanho da Suíça) teria uma população próxima da de Liverpool ou São Francisco. Como se sabe, Cabral referiu em diferentes intervenções que a “libertação” da Guiné restaria ou teria uma influência decisiva em toda a África Austral, modificaria as influências de todo o imperialismo em África e não excluía consequências radicais na vida política de Portugal.

A diferentes títulos, Cabral foi singular: revelou-se insubstituível como teórico do PAIGC, nenhum dos seus companheiros veio a mostrar preparação como a dele, nem cultura, nem poder argumentativo; marxista convicto, era subtil entre os apoios que recebiam de Moscovo, de Pequim, do Terceiro Mundo e também das sociais-democracias; pudera percorrer toda a Guiné no início dos anos 50, a pretexto de um recenseamento agrícola, conhecera o mosaico étnico, indispensável para o longo trabalho clandestino que veio a desenvolver; e a sua análise partia sempre da Guiné, das singularidades da opressão colonial, caracterizando-a num misto de razão e paixão, mesmo que misturasse o azeite com água, caso da Guiné confundido com a situação colonial de Cabo-Verde; era rigoroso quando enunciava a estrutura social da Guiné, mesmo quando camuflava as divergências profundas entre as etnias que mais apoiavam o PAIGC e aquelas que mais se opuseram; com desassombro, impôs o papel da pequena burguesia com indispensável na direcção revolucionária, mas nunca escondendo que esta se podia transformar rapidamente numa força apoiante do neocolonialismo.

Lidos estes textos à distância de meio século, permitem discernir a capacidade genial de Cabral para liderar um movimento revolucionário mas também as suas fraquezas maiores que, após 1974, irão levar um país triunfante para a situação de esmoler da caridade internacional. Prisioneiro duma carapaça utópica da “Guiné de Cabo-Verde”, contribuiu para uma sangrenta separação e para um relacionamento com ódios ocultos.

No seu entusiasmo, Cabral ficcionou cidadãos livres e uma economia próspera dirigida pelo PAIGC que, como é de todos sabido, se veio revelar um insucesso estrondoso.O livro correu mundo, foi cartão-de-visita junto das entidades revolucionárias, despertou mais interesse em conhecer Cabral.

Hoje, é uma referência de um pensamento desajustado aos imperativos do desenvolvimento, mas merece ser relido para se saber que Cabral foi um político invulgar que amava a cultura portuguesa e que escrevia primorosamente português, basta ver a sua obra científica relacionada com a sua especialidade de engenheiro agrónomo.Le pouvoir des armes vai ficar na biblioteca do blogue, seu novo proprietário.



Comentário: este mapa era prato obrigatório da propaganda do PAIGC, dava como adquirido 2/3 do território libertado, outro em disputa, outro controlado temporariamente pelas Forças Armadas Portuguesas, referindo os quartéis como locais sitiados. Como se sabe, misturava-se fantasia com realidade, realidade com desejos, factos lógicos com dados irracionais. Mas era propaganda!

(Beja Santos)

Imagens: © Beja Santos (2009). Direitos reservados.
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Notas de MR:

Vd. último poste da série em:

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4869: Histórias de José Marques Ferreira (6): A morte à frente dos olhos… perdão, à frente da avioneta!



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, enviou-nos com data de 25 de Agosto de 2009, mais uma engraçada (para nós diz ele) estória:

Camaradas,

A morte à frente dos olhos… perdão, à frente da avioneta!

As velhinhas e saudosas avionetas “Auster” eram uma maravilha, para transportes rápidos nas guerras coloniais.


A “Dornier” era muito melhor, com mais bojo de capacidade e mais espaço, permitia que fôssemos sentados na base que servia de apoio do aparelho sobre o pavimento.

Todos nós temos algumas ‘estórias’ com estes aparelhos da Força Aérea.

Eu tenho algumas e, numa delas, pareceu-me que não chegaria ao destino, tal foi a reacção que o “Gregório” me provocou, que me agoniou o estômago...

Precisamente porque o piloto passou a viagem a fazer piruetas, subindo e descendo constantemente, em “picanços” de arrepiar. Isto de Bissau até Ingoré. A missão era entregarmos o correio, através do postigo lateral, junto dos respectivos aquartelamentos, nomeadamente no dos meus camaradas de Sedengal.

Um dia, surgiu a necessidade de ir ao quartel-general a Bissau, fazer qualquer coisa que não me recordo. O que eu não esqueço foi o que aconteceu antes de partirmos para Bissau, melhor dizendo, quase nem chegávamos a sair de Ingoré.

Havia uma serração próximo do aquartelamento. Certo dia, apareceram lá pessoas responsáveis pela empresa proprietária dessa serração, numa avioneta (creio que uma “Auster”), que apenas tinha capacidade para três passageiros.

O comandante da companhia contactou essas pessoas, no sentido de nos permitirem essa deslocação a Bissau. E quem havia de ir na aeronave, eu, «o administrador da companhia».

A preocupação foi saber qual o peso que eu transportaria, já que não levaria armas, nem cartucheiras, nem munições. Nada mais do que uma pasta comportando, talvez, meia dúzia de documentos.Feitas as apresentações, lá entramos na avioneta. Como certamente devem estar a adivinhar, nada percebo de avionetas ou veículos do género.

Com a avioneta a funcionar, dirigimo-nos para o início da pista (coisa que outros pilotos com veículos idênticos não faziam), e senti, estranhamente, uma aceleração do motor muito anormal. Avançamos em grande velocidade em direcção à estrada que estava no topo da pista. Na berma, do lado contrário, existiam algumas moranças nativas.

Em Ingoré, esta pista, de terra batida, ficava junto à estrada para S. Vicente, a pouca distância daquela localidade.Voltando à pista, o aparelho deslizava rapidamente, mas não via modo nem jeito de o mesmo levantar voo. E eu via a aproximação da berma da estrada e das referidas moranças a uma velocidade vertiginosa. Pensei então que íamos ficar esborrachados algures por ali, até que, numa espécie de golpe rápido, a avioneta levantou, com o ruidoso roncar do seu motor, por cima das moranças e toca de ganhar altura.

Só vos digo que foi um susto pior que alguns tiros em terra firme… quase borrei as calças, ou calções que trazia vestidos…

Mas, lá em cima, já com perfeita noção que o pior tinha passado, comecei a verificar que quem pilotava ia em direcção, não de Bissau, mas um pouco desviado para nordeste, pelo que, passado pouco tempo, estaríamos no Senegal. Íamos na direcção de Barro, um pouco “inclinados” para a fronteira, portanto, iríamos entrar por lá dentro, mais perto ou mais longe, sem licença de quem quer que fosse.

Quando olhei para a paisagem e vi as vias que eu já bem conhecia, só me restou fazer uma coisa simples; bater no ombro de quem pilotava (pois a barulheira lá dentro era tamanha que não se conseguia contactar com ninguém) e, por gestos, dizer-lhe que a direcção a tomar era a da estrada, que estava por debaixo e atrás de nós, melhor dizendo, na direcção do nosso lado direito.

O homem viu que ia mal, mudou de direcção em ângulo recto e começou a orientar-se pela dita estrada que ia de Ingoré-S.Vicente-Bula-Bissau.

Chegamos, finalmente e em pouco tempo, a Bissau. E só aqui é que me apercebi, que aquele aparelho, excluindo talvez a bússola, não tinha qualquer outro tipo de aparelho de orientação: um mapa, um rádio, nada…

Afirmo isto porque, para aterrar no aeroporto, demos uma volta e aguardamos que da torre de controlo, através de sinalética com bandeiras, no passadiço exterior (não sei como se chamam as áreas de varandas que rodeiam estes equipamentos), lhe fosse dada autorização para aterrar.

Caros camaradas só posso dizer-vos uma coisa: isto pode não ter graça nenhuma para vós, ou interesse algum, mas, para mim, foi uma experiência que me provocou um cagaço tal, que gosto pouco e nem quero recordar muitas vezes…


Nota: - Na foto, o homem que não tinha vocação para piloto de helicópteros (mas oportunidades não lhe faltaram, como esta). Prefiro bem mais andar com os pés assentes no chão… acho que é melhor!

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira

Foto 1: © Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados.
Foto 2: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em: