A semelhança entre os nomes Porto Gole/Guiné-Bissau e Port Cole/Carolina do Sul será pura coincidência?
1. Comentário de Nelson Herbert ao poste P4858 (*):
Porto Gole ou Portocole (**)??? Enfim...
Numa das minhas deslocações à Carolina do Sul, por sinal o estado norte-americano com maiores traços de parecença com a Guiné - o clima quente e húmido, o cheiro a terra quando a chuva bafeja, os pântanos, as bolanhas, os mosquitos e a bicharada - confesso pois que reencontrei nele, pedaços da minha Guiné e deparei-me também com um Port Cole, um outrora importante porto fluvial que serviu de ponto de entrada de escravos naquela região, cuja população conserva ainda hoje traços fisionómicos, idênticos a de algumas etnias guineeses.
Port Cole, hoje uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos.
Haverá porventura alguma relação entre esses dois Portos "Goles" ou "Coles" ?
A curiosidade despertou em mim, a determinação de aprofundar a investigação desse facto.
Mantenhas
Nelson Herbert
USA
Guiné-Bissau > Porto Gole (2005) > Monumento erigido pela CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68).
Foto: © Jorge Neto (2005) Direitos Reservados
2. Baseado neste comentário do nosso Tertuliano Nelson Herbert que nos segue nos EUA, lancei o seguinte repto à tertúlia:
Caros camaradas
Eis uma questão curiosa para os expert em História.
Um abraço
Vinhal
3. Mensagem/resposta do nosso camarada Mário Beja Santos, um entendido da cultura e história da Guiné, reencaminhada para o Tertuliano Nelson Herbert:
Carlos, Querido Camarada,
Sem prejuízo da peregrina hipótese de um escravo beafada oriundo daquele ponto da então Senegâmbia, transbordado em Cabo Verde para a Carolina do Sul, ali ter deixado uma memória das suas origens, o mais provável é que não exista qualquer nexo entre Porto Gole e Port Cole.
Encontrei, ao longo de porfiadas leituras, as mais díspares referências a Porto Gole(no século XIX escrevia-se frequentemente Portoguole, e na certidão de óbito dos comandos guineenses ali fuzilados, em Dezembro de 1977, escreveu-se Portogole, o que bem comprova a falta de consolidação do termo).
Inclino-me para explicação que os Soncó me deram em Missirá, tratava-se de bastardização de a Porta do Cuore, efectivamente os limites originais do regulado do Cuor chegavam a este entreposto fundamental antes de se chegar às praças-presídio de Fá e Geba, os limites da presença do branco, até ao século XX.
Vou ficar atento a outras conjecturas, prometo voltar à biblioteca da Sociedade de Lisboa no início de Dezembro, depois volto ao assunto.
Recebe um abraço do
Mário
4. Resposta minha de agradecimento ao camarada Beja Santos
Caro Mário
Muito obrigado pela tua pronta e oportuna intervenção.
No nosso Blogue, és sem dúvida das pessoas mais conhecedoras da história da Guiné, tanto pelos ensinamentos colhidos nos diversos livros que procuraste e continuas a procurar incessantemente, como nos contactos com naturais da Guiné, de quem recolheste imensa informação. Estou a lembrar-me do que referes no teu Diário da Guiné, 1969-1970 - O Tigre Vádio.
Com votos de estejas bem, apesar das circunstâncias, deixo-te um abraço.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
5. Comentário de Nelson Herbert:
Caro Vinhal
Valeu!! Bloguista que se preze, não vira as costas a um bom desafio.
Interessante a perpectiva do Beja Santos. E curioso que coincidindo com a minha estada no Port Cole dos gringos, no local encontrava-se e em início de trabalho de campo numa das Plantations, uma equipa de arqueólogos do Senegal... em busca de vestígios da presenca de povos da Senegâmbia na região - disse-me na altura o líder da equipa de arqueólogos, cujo contacto retive e que vou tratar de reatar, quanto mais não seja, para conhecer o evoluir das pesquisas!
Mantenhas
Nelson Herbert
6. Comentário de CV
Caros Tertulianos ficamos na espectativa de alguém vir até nós responder à interrogação de Nelson Herbert, e desfazer a nossa dúvida quanto à relação entre os nomes das duas localidades.
Não queremos sugestões, mas dados concretos.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4858: Notas de leitura (16): Memórias do inferno de Abel Rei (Parte III) (Luís Graça)
(**) Vd. poste de 30 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXV: CCART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68)
Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4872: Controvérsias (26): Amílcar Cabral em Xangai (António Graça de Abreu)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 6 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P4901: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (16): Soldado anónimo
1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos mais um texto do seu baú de memórias:
Camaradas,
Continuando as minhas memórias retirei do meu velho baú este texto, a quem prestei uma pequena actualização.
Por acho o assunto sempre actual e de grande interesse colectivo.
Chamei-lhe:
"SOLDADO ANÓNIMO"
O "Soldado Anónimo" é uma figura de personalidade sensível mas muito forte, criada por mim e que eu muito estimo e admiro.
Ser “Soldado anónimo” não é o mesmo que ser clandestino, exilado ou objector de consciência.
“Soldados anónimo” foi todo aquele Homem, de várias raças e credos, a quem, atribuíram um simples número mecanográfico, serviu o melhor que pode e sabia, muito para além daquilo que o cumprimento do dever lhes exigia, nas Forças Armadas desta Nação, e que depressa foi passado ao esquecimento, pelos seus irresponsáveis e incompetentes políticos e instituições da Tutela.
Muitos Homens que passaram despercebidos num problemático conflito armado, apesar de se terem entregados de corpo e alma, em nome de valores que lhe eram incutidos. Valores uns patrióticos e outros moldados à causa de um regime político, que os chamava para bem longe das suas terras, famílias, escolas, amigos, etc.
Depois eram embarcados para uma guerra, em inúmeros casos via limites extremos, para a execução prática de missões perigosas e mortíferas, para as quais muitos estavam mal preparados, fracamente formados e, deficiente e obsoletamente armados.
Foi a grande massa de uma geração jovem, de uma Pátria, a quem deram o seu melhor como podiam e sabiam, sem nada pedir em troca, onde pouco ou nada podiam questionar e apenas… cumprir. Quem ousasse questionar, lembram-se, tinha logo a PIDE à perna, os calabouços e, certamente, o degredo político. Foram enviados para a guerra “evangelizados contra o turra” até á raiz dos seus seres e intencionalmente despolitizados.
Sofreram na pele todas as amarguras do conflito; sofrimento, fome, miséria, dor e morte mas, mesmo assim, foram magnânimos nas suas acções e espontâneos e correctos, sabe bem Deus como, na execução das suas comissões.
Foi uma geração inteira - a mocidade do meu país de então -, que ninguém conhecia em terras distantes de Além-mar, de quem nos últimos 35 anos se evita falar, a quem o poder tutelar não reconhece os méritos dos seus Feitos Históricos, como foram o defender a nossa Bandeira, da nossa Cultura, da nossa Religião e dos nossos Compatriotas que lá viviam, procriavam, construíam, negociavam, etc.
Embarcaram para África como “Soldados anónimos”, regressaram como proscritos, e como desconhecidos permanecem.
No regresso, perderam-se na plenitude duma Metrópole alheia aos problemas e conflitos africanos, na sua lufa-lufa de sobrevivência diária, do mesmo modo quase completamente despolitizada. Mesmo os Camaradas bem colocados na política ”esqueceram” os seus restantes Camaradas, em nome de interesses político-partidários.
Dividimo-nos todos, cerca de 1 milhão de ex-Combatentes, pelos motivos mais diversos e mesquinhos, a que não é alheio, fundamentalmente, o egoísmo e o egocentrismo pessoal, em maiores ou menores doses, de cada um.
Tornamo-nos assim incómodos, insignificantes e minúsculos para que nos vejam?
Quantas vezes não fomos envergonhados pelos nossos próprios amigos e familiares, por diversos motivos, e ostracizados e desprezados pelos sucessivos governos deste país?
Sujeitamo-nos a leis pseudo-progressistas, rotulagens, perseguições e paranóias pós-abrilistas, que nos marginalizaram e quase nos destruíram, e continuamos a perguntar a Deus, que mal fizemos para merecer tal sorte?
Concluamos que o que muitos nos desejam, consciente e criminosamente, é a morte!
Talvez depois de mortos ressurjamos das cinzas e nos prestem então (para quê?), a devida justiça e algumas tardias e bacocas homenagens e honrarias.
Esta é a saga de muitos milhares de anónimos, soldados como eu, que combateram por este País numa terra longínqua e então traiçoeira chamada… Guiné.
Terra esta, com um povo adorável, que nós estranha e enigmaticamente continuamos a sonhar!
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Imagem: Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados.
___________
Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
sábado, 5 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P4900: (Ex)citações (42): Resposta ao P4813 (J. Mexia Alves)
1. Mensagem de J. Mexia Alves (*), Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 20 de Agosto de 2009:
Resposta ao P4813
Caro Camarigo António Pereira da Costa
Não vou escrever muitas palavras a responder à tua resposta.
Já nos conhecemos de outras discussões e sabemos bem que se concordamos nalgumas coisas, noutras temos opiniões diferentes o que é muito salutar.
Julgo que nos envolve uma amizade especial, cimentada nos lugares do Xime e Bambadinca, pelo que estou à vontade, como tu estás, para podermos concordar e discordar.
Apenas dois ou três pontos:
1 - «Temos exemplos como do Ten. Veloso da FAP que desertou, em Moçambique, com avião, mecânico e tudo… É também uma forma de valentia.»
É opinião tua!
Para mim é uma forma desprezível de afirmar a sua discordância.
Se vamos por esse ponto de vista, também é valentia assaltar um banco!
2 – Quando digo que nós ganhámos a guerra e o PAIGC também, quero utilizar um sentido figurado.
Ganhámo-la porque fizemos ambas as partes o que nos era pedido, mas soubemos na maioria esmagadora dos casos, fazer as pazes connosco e com os outros.
Uma guerra só pode ser “ganha” por ambos os beligerantes, se as duas partes chegarem à conclusão de que a guerra nada resolve e que não é preciso morrer gente para que as pessoas se entendam.
3 – Eu nunca disse que ganhámos a guerra, disse sim que não a perdemos!
Continuo sem entender a necessidade de se afirmar que perdemos a guerra, (refiro-me às Forças Armadas Portuguesas), baseados sempre no que havia de vir.
Mas parece-me que para falar sobre isso tem de se entrar na politica e por aí eu não vou.
O 25 de Abril não precisa disso, justifica-se por si próprio.
Coisa bem diferente é o 26, 27 28 e por aí adiante e aqui também, já me estou a referir a outros textos em que se fala dos que foram deixados, dos que foram assassinados e dos que tendo vindo, continuam ostracizados.
Sem qualquer falta de respeito por ti ou por outros, não voltarei a este tema, ou melhor, não responderei a mais nenhuma resposta que eternize esta troca de opiniões.
Com a amizade que nos une, abraço-te camarigamente
Joaquim Mexia Alves
__________
Notas de CV:
Sobre o assunto em (Ex)citação vd. postes de:
11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4813: (Ex)citações (39): Resposta a J. Mexia Alves (A.J. Pereira da Costa)
13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)
12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (117): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)
OBS:- Lamentavelmente esta mensagem do nosso camarada Mexia Alves extraviou-se e perdeu a actualidade. Foi-nos reenviada e agora publicada. Julgamos estar o assunto devidamente escalpelado.
Resposta ao P4813
Caro Camarigo António Pereira da Costa
Não vou escrever muitas palavras a responder à tua resposta.
Já nos conhecemos de outras discussões e sabemos bem que se concordamos nalgumas coisas, noutras temos opiniões diferentes o que é muito salutar.
Julgo que nos envolve uma amizade especial, cimentada nos lugares do Xime e Bambadinca, pelo que estou à vontade, como tu estás, para podermos concordar e discordar.
Apenas dois ou três pontos:
1 - «Temos exemplos como do Ten. Veloso da FAP que desertou, em Moçambique, com avião, mecânico e tudo… É também uma forma de valentia.»
É opinião tua!
Para mim é uma forma desprezível de afirmar a sua discordância.
Se vamos por esse ponto de vista, também é valentia assaltar um banco!
2 – Quando digo que nós ganhámos a guerra e o PAIGC também, quero utilizar um sentido figurado.
Ganhámo-la porque fizemos ambas as partes o que nos era pedido, mas soubemos na maioria esmagadora dos casos, fazer as pazes connosco e com os outros.
Uma guerra só pode ser “ganha” por ambos os beligerantes, se as duas partes chegarem à conclusão de que a guerra nada resolve e que não é preciso morrer gente para que as pessoas se entendam.
3 – Eu nunca disse que ganhámos a guerra, disse sim que não a perdemos!
Continuo sem entender a necessidade de se afirmar que perdemos a guerra, (refiro-me às Forças Armadas Portuguesas), baseados sempre no que havia de vir.
Mas parece-me que para falar sobre isso tem de se entrar na politica e por aí eu não vou.
O 25 de Abril não precisa disso, justifica-se por si próprio.
Coisa bem diferente é o 26, 27 28 e por aí adiante e aqui também, já me estou a referir a outros textos em que se fala dos que foram deixados, dos que foram assassinados e dos que tendo vindo, continuam ostracizados.
Sem qualquer falta de respeito por ti ou por outros, não voltarei a este tema, ou melhor, não responderei a mais nenhuma resposta que eternize esta troca de opiniões.
Com a amizade que nos une, abraço-te camarigamente
Joaquim Mexia Alves
__________
Notas de CV:
Sobre o assunto em (Ex)citação vd. postes de:
11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4813: (Ex)citações (39): Resposta a J. Mexia Alves (A.J. Pereira da Costa)
13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)
12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (117): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)
OBS:- Lamentavelmente esta mensagem do nosso camarada Mexia Alves extraviou-se e perdeu a actualidade. Foi-nos reenviada e agora publicada. Julgamos estar o assunto devidamente escalpelado.
Guiné 63/74 - P4899: Convívios (159): XIV Convívio dos ex-Combatentes da Freguesia de Campia – 22AGO2009 (Artur Conceição)
1. Mensagem do Artur Conceição, ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém(1965/67):
XIV Convívio dos ex-Combatentes
Freguesia de Campia
22 de Agosto de 2009
Realizou-se no dia 22 de Agosto, mais um convívio dos ex-Combatentes da freguesia de Campia.
O convívio contou com a presença de cerca de uma centena de pessoas, não obstante o mês de Agosto não ser dos mais favoráveis, para este tipo de eventos.
Mas, graças ao esforço de divulgação por parte da Comissão Organizadora, poderá considerar-se mais um sucesso.
Na parte da manhã teve lugar a cerimónia de boas vindas e colocação de uma coroa de flores na base do Monumento aos Combatentes do Século XX, tendo sido proferidas algumas palavras alusivas ao acto, pelo Senhor Presidente da Junta de Freguesia, António Ferreira, também ele um ex-Combatente.
Seguiu-se o desfile até à Igreja Paroquial tendo sido celebrada missa em memória de todos os que, entretanto, já partiram.
Após a Eucaristia teve lugar a romagem ao Cemitério onde, novamente, foi ouvida a oração dos Combatentes. Toque de silêncio e de alvorada, e a colocação de flores nas campas dos mortos em combate.
Do mesmo modo foi colocada, em local apropriado, uma coroa de flores em homenagem a todos os ex-Combatentes que já nos deixaram.
Terminadas as cerimónias religiosas teve início, cerca das 13 horas, o almoçam convívio mais uma vez servido no Restaurante “O Sacristão”.
Está de parabéns o Carlos Duarte que, como vem sendo habitual, se esmerou na confecção dos produtos mais ao sabor dos participantes, deixando-nos a promessa de que para o ano teremos o almoço em novas instalações, mais amplas e adequadas.
Ao fim da tarde ainda houve tempo para um momento cultural, em que o Carmindo Ramos nos brindou com um momento de poesia, bem como umas “modinhas” no seu acordeão.
Que para o ano possamos estar todos de novo.
Capitão Álvaro Dório Correia Tavares, quando se dirigia ao Monumento com a coroa de flores
Interior da Igreja Paroquial durante a Eucaristia
Quem os conhece? Estiveram todos na Guiné:
Da esquerda para a direita: Manuel Marques Pereira (esteve sempre em Bissau 1970-72), Adamastor Dias (esteve sempre em Bissau 1971-73), José Rodrigues (Compª 2316 - Guillege), Mejo (Bula, Cacine, Gandembel e Gadamael - 1968-70), Celso Farias (Compª 2440 - Piche e Nova Lamego - 1967-69), José Marques Pereira (Compª 1591 - K3, Fulacunda e Mejo - 1965-67), Artur Conceição (Compª 730 -Bissorã e Jumbembem -1965-67) e Manuel Pereira Tavares (26ª Compª de Comandos - 1970-72).
Foto de família antes da partida para o almoço
Veteranos da Índia. Da esquerda para a direita: Capitão Hipólito Nogueira (ex-prisioneiro de guerra), Mário Azevedo e Carmindo Ramos
MOMENTO DE POESIA
Quem somos nós...
I
Quem somos nós afinal!
Que estamos aqui presentes
Neste evento tão legal
Como outros feitos antes.
II
Somos aqueles resistentes
De experiências vividos
Um grupo de ex-combatentes,
Seus familiares e amigos.
III
Viemos uma vez mais
Conviver em harmonia
Por causas bem sociais
Na nossa terra, Campia
IV
Prestámos as homenagens
Como sempre se tem feito
E fizemos as romagens
Com grande amor e respeito
V
Por aqueles que já partiram
Desta vida para o além
Que lá no céu as ouviram
E nós sentimo-nos bem
VI
P'ra uns a vida foi curta
Outros, foi assim assim
Mas toda ela uma luta
Com princípio, meio e fim
VII
Estejamos pois atentos
Em cada dia que nasce
Ponderando nos momentos
Que faltam pró desenlace
VIII
E como alguém nos dizia
Sem qualquer tom de vaidade
O tempo da fantasia (para nós)
Acabou. É bem verdade
IX
Estamos mais que maduros
Pensamos melhor agora
Enquanto os dias futuros
Um a um se vão embora
X
Nesta fase das nossas vida
O tempo passa depressa
Prega-nos sempre partidas
Mas a questão nem é essa
XI
Os anos parecem meses
E os meses, as semanas
Nesta ilusão que às vezes
Queima mais que as próprias chamas
XII
Assim... vamos convivendo
E não menos divertidos
E que Deus nos vá guiando
Enquanto estivermos vivos
XIII
Termino o meu poema
É tempo de reflectir
Com a alma bem serena
E o amor sempre a fluir.
Por: Carmindo Pereira Ramos
Um abraço,
Artur Conceição
Sold Trms Inf e Cond Auto da CART 730
Fotos: Artur Conceição (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P4898: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (6): Os amores do Soldado Valença
1. Neste episódio de Gavetas da Memória, Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, conta-nos uma bonita história de amor.
Os amores do soldado Valença
Chamava-se Luís António Rodrigues, mas era mais conhecido por Valença, por ser natural daquela vila nortenha, onde ajudava o pai numa bomba de abastecimento de gasolina. Quando atingiu a idade do serviço militar, deram-lhe uma farda especial camuflada, uma espingarda metralhadora e enfiaram-no num navio que mais lembrava um barco de negreiros navegando agora em sentido contrário. Em vez de sair de África era para lá que se dirigia.
Primeiro foram os patrulhamentos, depois as emboscadas, as operações de vários dias, debaixo de um sol inclemente, chafurdando em pântanos tenebrosos, comido por hordas de mosquitos insaciáveis que suportava com uma incrível paciência. A tudo resistia, taciturno e a tudo ia sobrevivendo.
Nos poucos momentos livres, sentado à porta da caserna, distraía-se brincando com uma pequena cadelita de pêlo amarelo que um dia lhe apareceu por ali e logo correu a lamber-lhe as mãos.
Sempre tinha tido jeito para lidar com os animais. Por onde passava encaminhavam-se logo para ele como se atendessem ao chamado do dono. Era uma atracção que ele tinha, diziam os colegas, que até se serviam disso para fazerem chacota.
- Eh, pá, contenta-te com a cadela, pois com as mulheres és capaz de não teres tanta sorte!
O Valença não dizia nada, mas entre dentes lá ia murmurando:
- Cambada de burros! Não têm respeito por nada!
Até que um belo dia, as canseiras pelos arredores de Bissau terminaram e a Companhia foi enviada para o interior da Guiné encarregada de outras missões.
Sem abandonar a pequenina cadela, a Dourada, o nosso Valença lá chegou às novas paragens, feliz como quem vai emigrando para o Paraíso.
Quando se achou por fim livre entre o céu e as sombras profundas dos grandes mangueiros, corria pela pequena pista de aviação, perseguido pela cadela, dando largas à sua ânsia de liberdade.
Brincavam como duas crianças.
Os dias foram passando, veio a monotonia dos largos meses sempre iguais e um certo dia a Dourada desapareceu.
Logo ao alvorecer, o soldado Valença estranhou ela não estar debaixo da cama, onde sempre ficava. Veio cá fora, deu uma olhadela pela parada, pela cozinha, inspeccionou até os abrigos das sentinelas um por um, e nem rasto da Dourada. Assobiou várias vezes por ela, mas nada.
Ninguém a tinha visto e apesar de todos se disponibilizarem para a procurar, indo mesmo com o Unimog até à bolanha, onde as raparigas da aldeia lavavam a roupa, nada, nem sombras da cadela.
Durante vários dias, mas cada vez mais desanimado, o Valença não descansou. Todos os dias vagueava pelos arredores do aquartelamento sempre com a esperança que, de um momento para o outro, se ouvissem os latidos alegres da sua amiga. Mas nada.
E os dias iam passando, sempre cada vez mais iguais, e nada de novidades da Dourada. Alguém, ou alguma coisa, a tinha feito desaparecer de vez, com certeza.
Veio a época das chuvas e os soldados passavam o tempo abrigados debaixo do telheiro da caserna, no pequeno bar da cantina a jogar as cartas ou num pequeno casebre mesmo em frente do arame farpado que rodeava o quartel. Aí, um mestiço, tinha um estabelecimento tipo super mercado do mato, onde havia sempre tudo o que se precisava para uma emergência ou para o mais trivial, um arame, uma corda, uma lata de petróleo ou um Petromax, arroz, pneus de bicicleta, uma aspirina, mas principalmente, e também, a aguardente de cana, sofregamente bebericada pelos bêbados do costume, determinados em esquecer ali aquela pasmaceira, aquela opressão de um sol que desde que nascia até que se deitava, pesava como chumbo derretido.
Atrás do balcão, duas adolescentes, lindas e misteriosas como só as cabo-verdianas sabem ser, a Ermelinda e a Argentina, que com o tio vieram para aquele fim do mundo, quando ficaram sós, após a morte da mãe em Bissau, vítima de tuberculose. Restou-lhes então aquele tio, irmão da mãe, que logo as tinha ido visitar assim que soubera do óbito. No regresso, não hesitou e trouxe-as também com ele, pois até estava a precisar de uma ajuda lá na venda.
As meninas, habituadas já a todo o tipo de trabalho duro nem estranharam, mas conservaram aquele ar de desenvoltura da cidade grande, do falar bonito, sem espantos nem gritos, como gente mais instruída.
Eram, sem dúvida, o principal e o mais interessante atractivo da venda do velho Passarinhas que desde logo soube tirar rendoso proveito dessa novidade, mantendo-as sempre em bom recato, como um valioso tesouro.
O pobre do Valença, inevitavelmente, não tardou a que lá fosse cair. Quando o serviço no quartel terminava, era ali que o podiam encontrar, sentado cá fora, debaixo do alpendre, bebericando uma cerveja, com os olhos postos na estrada, sempre na esperança de ver surgir a Dourada, a companhia que tinha lhe sido roubada, por algum malandro, dizia ele.
Aos poucos e poucos a Ermelinda, a mais velha das duas irmãs, habituou-se à sua presença e quando ele não aparecia, era ela que vinha cá fora, olhar para os barracões do aquartelamento. E ajeitando o cabelo, soltava de vez em quando um profundo suspiro.
Mas nos dias em que ele aparecia, corria logo a servir-lhe uma cerveja bem gelada. O Valença de inicio, não lhe ligava grande importância, mas aos poucos e poucos, foi começando a reparar e a demorar mais o olhar naquela negrinha que lhe sorria sempre. Passados tempos também ele lhe correspondia, agradecido. E de repente começaram a trocar confidências, perguntas sobre a família, a terra natal, o futuro. Como quase um namoro, sem que ambos dessem por isso.
O Tio Passarinhas, de princípio não gostou nada da brincadeira. Dizia que a sobrinha se estava a enredar de mais com aquele branco portuga, que isso só poderia trazer manga de chatice. Mas com o passar do tempo e perante a mansidão do Valença e da sua conversa mole, até ele começou a ficar enredado na situação. Apesar de, lá no fundo, não acreditar muito no futuro daquele romance.
Agora era o Valença que lhe dava sugestões para melhorar o negócio, ajudando em tudo que era preciso, e a coisa até resultava!
E não foi ele também que, num belo dia, começou a dizer que havia de se juntar com a Ermelinda, casar mesmo com ela, abandonar a tropa, não voltar para a terra e ficar por ali a viver com eles?
Não era mesmo uma coisa de maluco? Só podia ser!
Mas o Valença insistia, contando como é que iria pedir autorização ao Capitão para no fim da comissão não regressar a Portugal e ficar a viver na Guiné para sempre. Que não tinha para onde ir (o pai, entretanto, tinha falecido de repente), agora era aqui a sua nova terra. Que aqui é que ele se sentia bem. E não arredava pé, convencendo-se cada vez mais a si, e aos que o ouviam.
O Alferes, do Pelotão do Valença, nem queria acreditar quando lhe foram contar o que ele andava a tramar. Ainda tentou ter uma conversa de homem para homem, à porta da taberna, mas perante o olhar apaixonado dos futuros noivos, nem teve palavras.
Finalmente como sempre acontece, chegou o momento fatal. Enquanto os colegas davam saltos de alegria e cantavam abraçados, bêbados de felicidade pelo bendito dia do regresso ter enfim aparecido, o nosso Valença, no escuro do casebre do Tio Passarinhas, estreitava contra si a chorosa Ermelinda, prometendo-lhe que logo que tivesse tratado de todos os papéis para deixar a tropa, voltaria a correr para os braços da sua amada.
No alvorecer do dia fantástico, uma desconjuntada coluna de camiões carregados como se fossem carroças de mudanças, abandonou a aldeia, deixando para trás tantos sonhos tantos medos, tantas bebedeiras e tantas promessas deitadas ao vento, tudo condenado a ficar coberto pela poeira vermelha daquela terra de que agora já se iam esquecendo. A pouco e pouco foram-se deixando de ouvir os gritos doidos dos soldados que nem para trás quiseram olhar quando desapareceram na curva da bolanha.
E quando a coluna de camiões chegou finalmente a Bissau, foi um lufa-lufa para descarregar as bagagens para à velha caserna que já os tinha acolhido no primeiro dia. Ali ficaram alojados até ao embarque, de novo no mesmo navio negreiro, transformado agora pela mirífica imaginação de todos, em paquete de luxo. Ao fim da tarde desse mesmo dia passearam pela Baixa, com um sorriso estampado no rosto, maior que o mundo, exibindo a fitinha verde e rubra que o Coronel do Batalhão numa arremedo de homenagem para heróicos combatentes (?), lhes tinha espetado no peito. Era a medalha dos feitos cometidos na guerra, o reconhecimento pela dádiva de dois anos da sua juventude, do passado que passou, que nem era bom lembrar. Agora ninguém mais os segurava!
Mas inesperadamente, o nosso soldado Valença debatia-se num dilema. Largar tudo e todos, fugir e voltar para trás, ou deixar-se levar com a carneirada, até ao lúgubre quartel que os aguardava lá na Metrópole, onde iriam depositar tudo o que traziam, os farrapos das fardas, as velhas armas, as botas rotas, as mantas, os colchões, os tachos e as panelas ainda com restos da picante gordura africana?
Todos lhe diziam que era isso mesmo que deveria fazer. Que esquecesse a companhia da pretinha que, por muito apetitosa que fosse, não era modo de vida para ele. Era à terra natal, à velha Metrópole que pertencia e estava tudo dito.
Mas o soldado Valença revolvia-se na cama, incapaz de se esquecer do sorriso de Ermelinda, daquele jeito tímido de lhe afagar o ombro quando trazia a cerveja gelada.
Os longos fins de tarde, contemplando juntos a silenciosa agonia do sol, que caía lá para trás dos grandes mangueiros da velha aldeia.
E tanto batalhou, tanto procurou e tanto massacrou a cabeça do Primeiro-Sargento da Secretaria que este, só para se ver livre dele, tratou de lhe fazer a vontade.
Ali mesmo se procedeu à entrega do material que o estado lhe tinha emprestado, quando o mandara para a guerra, e num abrir e fechar de olhos ficou livre como um passarinho.
Vestido com a pouca roupa civil que ainda possuía, com resto das suas coisas metida numa decrépita mala de cartão e acariciando no bolso uma meia dúzia de notas em dinheiro guineense, correu, ligeiro como um gamo, fugindo pela porta de armas em direcção à cidade, para procurar um transporte qualquer que o levasse de volta ao Paraíso, ao regaço da sua Ermelinda que nunca deveria ter abandonado.
Lá longe, no interior desconhecido de uma África ignorada, num mundo perdido, era aí que morava o destino que desejava e que, se calhar, lhe fora por isso traçado.
Foi o culminar da uma existência, desaparecendo como um rio que, sinuosamente, percorre as terras rasas em busca de um final feliz, numa reunião de amor com o mar oceano das nossas lágrimas.
Nunca mais se soube dele.
Viana, 23 Junho de 2009
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4879: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (5): A CART 676 chega a Pirada
Os amores do soldado Valença
Chamava-se Luís António Rodrigues, mas era mais conhecido por Valença, por ser natural daquela vila nortenha, onde ajudava o pai numa bomba de abastecimento de gasolina. Quando atingiu a idade do serviço militar, deram-lhe uma farda especial camuflada, uma espingarda metralhadora e enfiaram-no num navio que mais lembrava um barco de negreiros navegando agora em sentido contrário. Em vez de sair de África era para lá que se dirigia.
Primeiro foram os patrulhamentos, depois as emboscadas, as operações de vários dias, debaixo de um sol inclemente, chafurdando em pântanos tenebrosos, comido por hordas de mosquitos insaciáveis que suportava com uma incrível paciência. A tudo resistia, taciturno e a tudo ia sobrevivendo.
Nos poucos momentos livres, sentado à porta da caserna, distraía-se brincando com uma pequena cadelita de pêlo amarelo que um dia lhe apareceu por ali e logo correu a lamber-lhe as mãos.
Sempre tinha tido jeito para lidar com os animais. Por onde passava encaminhavam-se logo para ele como se atendessem ao chamado do dono. Era uma atracção que ele tinha, diziam os colegas, que até se serviam disso para fazerem chacota.
- Eh, pá, contenta-te com a cadela, pois com as mulheres és capaz de não teres tanta sorte!
O Valença não dizia nada, mas entre dentes lá ia murmurando:
- Cambada de burros! Não têm respeito por nada!
Até que um belo dia, as canseiras pelos arredores de Bissau terminaram e a Companhia foi enviada para o interior da Guiné encarregada de outras missões.
Sem abandonar a pequenina cadela, a Dourada, o nosso Valença lá chegou às novas paragens, feliz como quem vai emigrando para o Paraíso.
Quando se achou por fim livre entre o céu e as sombras profundas dos grandes mangueiros, corria pela pequena pista de aviação, perseguido pela cadela, dando largas à sua ânsia de liberdade.
Brincavam como duas crianças.
Os dias foram passando, veio a monotonia dos largos meses sempre iguais e um certo dia a Dourada desapareceu.
Logo ao alvorecer, o soldado Valença estranhou ela não estar debaixo da cama, onde sempre ficava. Veio cá fora, deu uma olhadela pela parada, pela cozinha, inspeccionou até os abrigos das sentinelas um por um, e nem rasto da Dourada. Assobiou várias vezes por ela, mas nada.
Ninguém a tinha visto e apesar de todos se disponibilizarem para a procurar, indo mesmo com o Unimog até à bolanha, onde as raparigas da aldeia lavavam a roupa, nada, nem sombras da cadela.
Durante vários dias, mas cada vez mais desanimado, o Valença não descansou. Todos os dias vagueava pelos arredores do aquartelamento sempre com a esperança que, de um momento para o outro, se ouvissem os latidos alegres da sua amiga. Mas nada.
E os dias iam passando, sempre cada vez mais iguais, e nada de novidades da Dourada. Alguém, ou alguma coisa, a tinha feito desaparecer de vez, com certeza.
Veio a época das chuvas e os soldados passavam o tempo abrigados debaixo do telheiro da caserna, no pequeno bar da cantina a jogar as cartas ou num pequeno casebre mesmo em frente do arame farpado que rodeava o quartel. Aí, um mestiço, tinha um estabelecimento tipo super mercado do mato, onde havia sempre tudo o que se precisava para uma emergência ou para o mais trivial, um arame, uma corda, uma lata de petróleo ou um Petromax, arroz, pneus de bicicleta, uma aspirina, mas principalmente, e também, a aguardente de cana, sofregamente bebericada pelos bêbados do costume, determinados em esquecer ali aquela pasmaceira, aquela opressão de um sol que desde que nascia até que se deitava, pesava como chumbo derretido.
Atrás do balcão, duas adolescentes, lindas e misteriosas como só as cabo-verdianas sabem ser, a Ermelinda e a Argentina, que com o tio vieram para aquele fim do mundo, quando ficaram sós, após a morte da mãe em Bissau, vítima de tuberculose. Restou-lhes então aquele tio, irmão da mãe, que logo as tinha ido visitar assim que soubera do óbito. No regresso, não hesitou e trouxe-as também com ele, pois até estava a precisar de uma ajuda lá na venda.
As meninas, habituadas já a todo o tipo de trabalho duro nem estranharam, mas conservaram aquele ar de desenvoltura da cidade grande, do falar bonito, sem espantos nem gritos, como gente mais instruída.
Eram, sem dúvida, o principal e o mais interessante atractivo da venda do velho Passarinhas que desde logo soube tirar rendoso proveito dessa novidade, mantendo-as sempre em bom recato, como um valioso tesouro.
O pobre do Valença, inevitavelmente, não tardou a que lá fosse cair. Quando o serviço no quartel terminava, era ali que o podiam encontrar, sentado cá fora, debaixo do alpendre, bebericando uma cerveja, com os olhos postos na estrada, sempre na esperança de ver surgir a Dourada, a companhia que tinha lhe sido roubada, por algum malandro, dizia ele.
Aos poucos e poucos a Ermelinda, a mais velha das duas irmãs, habituou-se à sua presença e quando ele não aparecia, era ela que vinha cá fora, olhar para os barracões do aquartelamento. E ajeitando o cabelo, soltava de vez em quando um profundo suspiro.
Mas nos dias em que ele aparecia, corria logo a servir-lhe uma cerveja bem gelada. O Valença de inicio, não lhe ligava grande importância, mas aos poucos e poucos, foi começando a reparar e a demorar mais o olhar naquela negrinha que lhe sorria sempre. Passados tempos também ele lhe correspondia, agradecido. E de repente começaram a trocar confidências, perguntas sobre a família, a terra natal, o futuro. Como quase um namoro, sem que ambos dessem por isso.
O Tio Passarinhas, de princípio não gostou nada da brincadeira. Dizia que a sobrinha se estava a enredar de mais com aquele branco portuga, que isso só poderia trazer manga de chatice. Mas com o passar do tempo e perante a mansidão do Valença e da sua conversa mole, até ele começou a ficar enredado na situação. Apesar de, lá no fundo, não acreditar muito no futuro daquele romance.
Agora era o Valença que lhe dava sugestões para melhorar o negócio, ajudando em tudo que era preciso, e a coisa até resultava!
E não foi ele também que, num belo dia, começou a dizer que havia de se juntar com a Ermelinda, casar mesmo com ela, abandonar a tropa, não voltar para a terra e ficar por ali a viver com eles?
Não era mesmo uma coisa de maluco? Só podia ser!
Mas o Valença insistia, contando como é que iria pedir autorização ao Capitão para no fim da comissão não regressar a Portugal e ficar a viver na Guiné para sempre. Que não tinha para onde ir (o pai, entretanto, tinha falecido de repente), agora era aqui a sua nova terra. Que aqui é que ele se sentia bem. E não arredava pé, convencendo-se cada vez mais a si, e aos que o ouviam.
O Alferes, do Pelotão do Valença, nem queria acreditar quando lhe foram contar o que ele andava a tramar. Ainda tentou ter uma conversa de homem para homem, à porta da taberna, mas perante o olhar apaixonado dos futuros noivos, nem teve palavras.
Finalmente como sempre acontece, chegou o momento fatal. Enquanto os colegas davam saltos de alegria e cantavam abraçados, bêbados de felicidade pelo bendito dia do regresso ter enfim aparecido, o nosso Valença, no escuro do casebre do Tio Passarinhas, estreitava contra si a chorosa Ermelinda, prometendo-lhe que logo que tivesse tratado de todos os papéis para deixar a tropa, voltaria a correr para os braços da sua amada.
No alvorecer do dia fantástico, uma desconjuntada coluna de camiões carregados como se fossem carroças de mudanças, abandonou a aldeia, deixando para trás tantos sonhos tantos medos, tantas bebedeiras e tantas promessas deitadas ao vento, tudo condenado a ficar coberto pela poeira vermelha daquela terra de que agora já se iam esquecendo. A pouco e pouco foram-se deixando de ouvir os gritos doidos dos soldados que nem para trás quiseram olhar quando desapareceram na curva da bolanha.
E quando a coluna de camiões chegou finalmente a Bissau, foi um lufa-lufa para descarregar as bagagens para à velha caserna que já os tinha acolhido no primeiro dia. Ali ficaram alojados até ao embarque, de novo no mesmo navio negreiro, transformado agora pela mirífica imaginação de todos, em paquete de luxo. Ao fim da tarde desse mesmo dia passearam pela Baixa, com um sorriso estampado no rosto, maior que o mundo, exibindo a fitinha verde e rubra que o Coronel do Batalhão numa arremedo de homenagem para heróicos combatentes (?), lhes tinha espetado no peito. Era a medalha dos feitos cometidos na guerra, o reconhecimento pela dádiva de dois anos da sua juventude, do passado que passou, que nem era bom lembrar. Agora ninguém mais os segurava!
Mas inesperadamente, o nosso soldado Valença debatia-se num dilema. Largar tudo e todos, fugir e voltar para trás, ou deixar-se levar com a carneirada, até ao lúgubre quartel que os aguardava lá na Metrópole, onde iriam depositar tudo o que traziam, os farrapos das fardas, as velhas armas, as botas rotas, as mantas, os colchões, os tachos e as panelas ainda com restos da picante gordura africana?
Todos lhe diziam que era isso mesmo que deveria fazer. Que esquecesse a companhia da pretinha que, por muito apetitosa que fosse, não era modo de vida para ele. Era à terra natal, à velha Metrópole que pertencia e estava tudo dito.
Mas o soldado Valença revolvia-se na cama, incapaz de se esquecer do sorriso de Ermelinda, daquele jeito tímido de lhe afagar o ombro quando trazia a cerveja gelada.
Os longos fins de tarde, contemplando juntos a silenciosa agonia do sol, que caía lá para trás dos grandes mangueiros da velha aldeia.
E tanto batalhou, tanto procurou e tanto massacrou a cabeça do Primeiro-Sargento da Secretaria que este, só para se ver livre dele, tratou de lhe fazer a vontade.
Ali mesmo se procedeu à entrega do material que o estado lhe tinha emprestado, quando o mandara para a guerra, e num abrir e fechar de olhos ficou livre como um passarinho.
Vestido com a pouca roupa civil que ainda possuía, com resto das suas coisas metida numa decrépita mala de cartão e acariciando no bolso uma meia dúzia de notas em dinheiro guineense, correu, ligeiro como um gamo, fugindo pela porta de armas em direcção à cidade, para procurar um transporte qualquer que o levasse de volta ao Paraíso, ao regaço da sua Ermelinda que nunca deveria ter abandonado.
Lá longe, no interior desconhecido de uma África ignorada, num mundo perdido, era aí que morava o destino que desejava e que, se calhar, lhe fora por isso traçado.
Foi o culminar da uma existência, desaparecendo como um rio que, sinuosamente, percorre as terras rasas em busca de um final feliz, numa reunião de amor com o mar oceano das nossas lágrimas.
Nunca mais se soube dele.
Viana, 23 Junho de 2009
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 29 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4879: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (5): A CART 676 chega a Pirada
Guiné 63/74 - P4897: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (13): Alferes Foitinho, Comandante Interino da CCAÇ 675
1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 13ª estória divertida, que integra o seu livro "Golpes de Mao's - Memórias de Guerra", com data de 29 de Agosto de 2009, que mais uma vez muito agradecemos.
Camaradas,
No seguimento do envio das minhas histórias para publicação, aqui está uma delas mais bem disposta e alegre.
O oficial Foitinho foi condecorado com a Cruz de Guerra enquanto Tenente, ainda na Guiné. Sei que comandou mais tarde o Regimento de Tomar.
Alferes Foitinho, Comandante Interino da C.Caç. 675
Quarenta e tal anos depois... o nosso Coronel Fernando Gonçalves Foitinho (na foto ao lado).
Na sua longa carreira de Oficial do Exército a sua passagem por Binta e pela “675” preencherá (talvez) apenas duas ou três linhas no seu currículo.
Julgamos, no entanto, não ser exagero afirmar que a nossa “Companhia” o marcou de maneira especial.
E a confirmá-lo está, ao longo dos anos, a sua presença assídua nos convívios anuais das “675”.
Numa viagem de autocarro de Lisboa para Évora fomos companheiros de “banco”. Foram quase duas horas de amena cavaqueira que deram para “troca de memórias” que, apesar do tempo decorrido – os tais quarenta e tal anos depois – nunca mais acabam.
Uma “estória” de que foi protagonista único o então”Alferes Foitinho” tocou-nos particularmente. Tem a ver com uma demorada caminhada de... apenas umas dúzias de metros!
O nosso Alferes, depois de cerca de um mês a comandar interinamente a C.Caç. 675, prepara as suas “coisas” para voltar ao Batalhão pois o nosso Capitão Tomé Pinto, regressado do HM 241, de Bissau, tinha voltado a Binta.
A terminar o seu relatório(verbal) o Alferes Foitinho refere finalmente que tinha colocado uma «armadilha» – granada defensiva com arame de tropeçar – num trilho do lado do Cacheu, frente a Binta. No Oio.– Fizeste bem mas antes de ires para Farim vais lá desarmá-la. Só tu é que sabes exactamente o local – disse com sua voz tranquila de comando o nosso Capitão.
O Alferes Foitinho olhou para os seus pertences e... não tinha que enganar.
Teriam que esperar mais algum tempo pelo dono!
Um militar levou-o de piroga e atravessou o rio (Rio Cacheu).
- Aguardas aqui uns minutos que eu não me demoro.
- Às ordens, meu Alferes, mas vou para a sombra que está um brasa que até queima!
O Alferes Foitinho orientou-se e encontrou o trilho sem dificuldade. Estava à vista mas... onde é que era o local certo!? Como apenas num mês tinha crescido tanto o capim!
Onde é que estaria exactamente a armadilha e o seu arame “mortífero”!?
O nosso Alferes coçou a cabeça, ajoelhou-se e... deitou-se no chão. Teria que rastejar, cautelosamente, centímetro a centímetro até encontrar (e tocar) no arame sem nele... tropeçar. Começou a rastejar e a suar... copiosamente.
O calor da tarde estava por todo o lado. Com uma mão à frente da cabeça ia afastando, lenta e cuidadosamente, as ervas do trilho.
Na floresta a passarada foi-se habituando à sua presença silenciosa e recomeçou a fazer... o que tinha interrompido.
O problema era mesmo do Alferes Foitinho!
Uma macaca e os seus filhotes passaram por perto, pararam momentaneamente e... afastaram-se. O que faria por ali, com tanto calor, aquele jovem branco!?
O Alferes Foitinho suava e ia rastejando. Onde estará o arame!? Passaram mais alguns minutos que lhe pareceram horas.
Sentou-se para respirar melhor e descansar um pouco.
A roupa colava-se-lhe ao corpo e o suor, que lhe corria copiosamente da testa ,quase não o deixava ver...Calma... tens que ter calma. O arame há-de estar por aí.
Tenho que o ver antes... de lhe tocar.
Armadilha do cara... do caraças!
E pensar eu que a malta da Companhia está do outro lado a dormir a sesta! Que calor, porra!
Bem vamos a isto...
Rastejar com calma e... passo certo. Já passei por coisas piores.
Macacos me mordam se... não é o arame!
Porra... já não era sem tempo.
Afinal ali estava ele. O sacana do arame!
Agora... é com calma. Levantar-me devagarinho e afastar as ervas.
Ok. Está à vista.
E... está feito.
Armadilha do cara... do caraças.
- Até que enfim, meu Alferes. Está tudo bem?
- Ok, pá. Atravessa lá o rio e…vai pela sombra.
Voltei ao aquartelamento. O Capitão Tomé Pinto preparava uma operação para o dia seguinte.
– Demoraste, pá. Já pensava que te tinhas ido embora sem te despedires.
Mais uma vez obrigado por tudo o que fizeste.
Cumprimentos ao nosso Ten. Coronel Cavaleiro e... vai dizendo coisas.
Depois de uma chuveirada, fardei-me pela segunda vez e ala para Farim, onde me esperava o meu Pelotão de Morteiros 980.
Olhei mais uma vez para lá do Cacheu.
Ia jurar que tinha emagrecido 5 quilos nas últimas duas horas...
3 Armadilha do cara... do caraças!
Nota 1: Fotografias.
1) Coronel Foitinho na actualidade (2009)
2) Rio Cacheu frente a Binta. O Oio ficava do outro lado, frente ao cais, mas não se vê na foto.
3) O Alferes Foitinho em 1965
Nota 2:
Em recente conversa telefónica com o meu Coronel Foitinho tive oportunidade de recordar alguns momentos importantes da sua carreira.
Começou em Mafra como Instrutor do C.O.M e partiu para a Guiné em Maio de 1964 como Alferes, comandando o Pelotão de Morteiros 980, que se fixou em Farim (BCav. 490).
Foi durante cerca de um mês – Agosto de 1964 – Comandante Interino da C.Caç. 675. Passados alguns meses foi promovido a Tenente e foi comandar a C.Caç. 656, que estava instalada em Enxalé.
Como Tenente foi condecorado a Cruz de Guerra de 4ª. Classe.
Regressou a Lisboa em finais do ano de 1965, já como o posto de Capitão.
Chegou portanto à Guiné como Alferes e regressou à Metrópole como Capitão!
Foi colocado no Reg. Infantaria nº. 3 de Beja, onde comandou uma Companhia de Instrução.
Promovido a Major prestou serviço no Quartel-general da Região Militar de Lisboa. Frequentou mais tarde o Curso de Estado-Maior e, como Ten. Coronel, foi Professor na Área de Logística durante cerca de 8 anos.
Quando foi promovido a Coronel rumou a Tomar, para comandar o Reg. Infantaria nº. 15.
Seguiu-se a Repartição de Logística do E.M.E., em Lisboa.
Passou à situação de reserva nos Serviços Sociais das Forças Armadas, tendo ainda chegado a desempenhar funções na Cruz Vermelha Portuguesa).
Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
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