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segunda-feira, 2 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23220: Notas de leitura (1442): "Pedaços de Vidas", por Angelino Santos Silva; Mosaico de Palavras, 2010 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Há que confessar que nada me fora dado a ler como esta encruzilhada de vidas em que somos levados de meados do século XX até ao princípio deste século, tudo começa no meio rural, talvez na Freguesia de Recarei, Concelho de Paredes, percorre Caldas da Rainha e Santarém, Lamego e uma intensa atividade operacional na Guiné, no centro da trama estão dois amigos fraternos; mas como temos aqui uma encruzilhada de vidas, muito provavelmente se conta a história de alguém que se conhece bem que levou uma vida conjugal infernal e que tudo vai contar, desde os primeiros episódios de um ciúme obsessivo até à tentativa de espoliar o marido e viver em permanente quezília com os filhos, temos aqui uma galopada de episódios pintalgados de dramatismo, seguramente que Angelino Santos Silva ganhou coragem para este desnudamento em que expõe a sua vida, recorrendo ao escudo da malha ficcional.

Um abraço do
Mário



Pedaços da vida de um antigo Comando na Guiné e em Portugal, obra singularíssima

Mário Beja Santos

Convém, antes de mais, justificar no título o uso de “obra singularíssima”. Angelino Santos Silva dá-nos conta do seu currículo, fez parte da 26.ª Companhia de Comandos, combatendo na Guiné de 1970 a 1972, levou uma vida de trabalho, introduz no seu currículo casamento e divórcio e orgulha-se de ter sido um competente diretor de vendas. Homenageia os camaradas e execra os praticantes do ciúme, veremos adiante que a singularidade desta obra assenta em duas histórias entrelaçadas, uma envolve dois jovens, amizade inquebrantável, António e Augusto, que combaterão juntos na mesma Companhia de Comandos; e a outra a de um casal que, de peripécia em peripécia, como iremos assistir, descobrirá o inferno relacional, tudo começa em obsessões de ciúme, culminará num golpe de baú e num divórcio litigioso onde iremos presenciar, a toda a largura, o lavar da roupa suja.

Como, nestas coisas da literatura da guerra colonial, acabamos sempre de falar de nós, mesmo com recurso aos artifícios de entrepostas pessoas e até de lugares e tempos tidos por convenientes numa tentativa de afastar suspeitas de incursões autobiográficas, há que conferir coragem a Angelino Santos Silva por esta memória e esfrangalhada diatribe familiar levado ao caos. Tudo começa pela história de António Daborda e Augusto Marques, furriel e primeiro-cabo dos Comandos, e do infausto casal Mário Oliveira e Maria Carolina. Os jovens vão às sortes, apurados para todo o serviço, o Mário e a Carolina casam quando ele regressou de África. A família de Augusto socorre-se de um pilantra, o Arnaldinho, a quem entregam 50 contos, na tentativa de safar o filho de África, mal sabe Ti João que o Arnaldinho é doido por jogo e por passear com meninas, não houve cunhas nem o Augusto queria. Iremos acompanhar a vida dos jovens em Lamego, cenas de brutalidade não faltarão, tudo justificado pelos instrutores em nome da resistência que é indispensável para as tropas especiais. E as páginas vão-se sobrepondo com os primeiros anos da vida do casal Mário e Carolina e as brutalidades em Lamego, não faltarão cantis com água e urina, tudo para beber e começam os ciúmes na vida familiar, a intromissão das irmãs de Carolina na vida do casal, surgem os primeiros delírios da Carolina, forja amantes para o marido, em Lamego António Daborda revela as suas competências, tem suficiente força de caráter para todos aqueles aturdimentos e gritarias durante a noite, altifalantes e ordens para formar na parada, é a vez de Augusto chegar a Lamego, se aquela amizade feita na aldeia já era sólida vai ganhando a consistência do aço; Mário leva uma vida amargada, acaba sempre por arredar a ideia de se separar daquela mulher errática, quer ver os filhos a viver em meio familiar, sujeita-se aos caprichos de Carolina, cada vez mais dominada pelas manas e exigindo ao marido um sem-número de excursões, que tanto podem ser a Cuba, como à República Dominicana, como a Tenerife; os dois grandes amigos reencontram o meio familiar sempre que há férias, o Arnaldinho reaparece como um fantasma, os filhos de Mário e Carolina vão crescendo e, para seu espanto, a mão maltrata-os, chega a inventar envenenamentos.

O romance segue o seu curso, mais brutalidade em Lamego, vamos ter agora uma Companhia de Comandos, no meio de trabalho de Mário começa a haver inquietações, Carolina não faz outra coisa que dizer mal do marido, começa-se a duvidar da sanidade mental da senhora.

Chegou a hora do embarque, chega-se à Guiné naquele estranhíssimo período de março/abril de 1970 em que parecia que se ia chegar a um acordo de paz, havia para ali umas negociações secretas, tudo redundou, em 20 de abril, num selvático retalhamento de vários oficiais e seus acompanhantes, caíram numa cilada, a guerra recomeçou, e a vida operacional de 26.ª Companhia de Comandos seguiu o seu rumo. Carolina consegue induzir o marido para um negócio de um ginásio onde vão também participar os sobrinhos, filhos de uma muita amada irmã, Carolina disparata a toda a hora com as empregadas e vai preparar o golpe do baú, retira os dinheiros da conta comum, leva as joias e outros bens, anuncia para quem a quer ouvir que o marido a espanca e ela sofre a mais terrível das crueldades mentais daquela besta. Os filhos do casal questionam como é que o pai aguenta aquela mãe tão disfuncional, entretanto monta-se a estratégia do divórcio, António e Augusto vão com a sua Companhia até Bula, parece estar tudo calmo, ainda não se deu a tragédia do 20 de abril, estas duas histórias que andam a par vão ganhar eletricidade quer na sala do tribunal, quer na atividade operacional da 26.ª Companhia de Comandos que percorre a Guiné, assaltando bases, apoiando colunas, intervindo para resolver encrencas.

E se o julgamento clarifica que Mário está inocente de todas as acusações, a vida de Augusto e António tem outro desenlace, a Companhia tem dado apoio ao alcatroamento de uma estrada entre Mansabá e Farim, o tapete vai chegar ao K3. Há necessidade de bater uma zona, procurar uma base de morteiros, os helicópteros não conseguiam localizá-la, tal a camuflagem, vai também tropa africana. A tragédia surge no terceiro dia de operação, na mata tudo parecia calmo, está-se perto do objetivo, pede-se apoio a um helicóptero, o seu canhão mete respeito. O furriel António está a dar ordens, mas não acaba a frase, uma violenta explosão atira-o a uma distância bem folgada, não ouve nada, não sente as mãos, não sente as pernas, tenta dar alguns passos, mas volta a cair, vê alguns camaradas estendidos no chão e outros a correr, descarregando as suas armas. Deitado no chão sente a correntes de ar das pás do helicóptero, é para ali transportado, ali desmaia, acorda no hospital militar de Bissau, está intacto, apenas com umas ligeiras queimaduras nas costas, tal como aconteceu a Angelino Santos Silva, na guerra que ele viveu. Mas Augusto, o seu amigo fraterno, sucumbiu. Em janeiro de 1972, António vê-se novo no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, com os seus camaradas segue para Lamego, metem-se à estrada num táxi de Lamego a caminho de casa, viagem acidentada até ao Porto. Em São Bento toma o comboio para casa, a sua aldeia espera-o, aparece enregelado à família, tem o aspeto de desenterrado. Mete-se na cama e durante três dias esteve em silêncio, contabiliza ganhos e perdas, isto enquanto no tribunal a advogada de defesa dá os parabéns a Mário que confessa que não está feliz: “Não é uma sentença em papel, ainda que justa, que sossega a besta que em mim foi despertada por duas bestas que me infernizaram a vida e marcaram para sempre a minha e a dos meus filhos”.

Como nada até hoje li como estes pedaços de vidas, de gente que chega ao destino com todas as convicções abaladas a classifico como “obra singularíssima”.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23211: Notas de leitura (1441): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (4) (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23215: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (21): Notícias de Mansabá

 


Guiné-Bissau > Região do Oio > 28 de abril de 2022 > "Estrada que liga Mansabá e Bafata, por onde muitos passaram,  muito bonita e reparada... É  a melhor estrada para se chegar a Bafatá".


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > 28 de abril de 2022 > Praça Central (1)


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > 28 de abril de 2022 > Praça Central (2)



Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > 28 de abril de 2022 > Praça Central (3)


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > 28 de abril de 2022 > Praça Central (3): duas pachorrentas aves, um jagudí, talvez juvenil   e uma peralta, um flamingo pequeno. (Convida-se o leitor a identificar as aves, de acordo com o Guia das  Aves Comuns da Guiné-Bissau, aqui disponível em pdf. )... Mas, vendo melhor, parecem ser peças escultóricas, decorativs, em madeira, barrou ou folha de Flandres: o flamingo, por exemplo, já tem cabeça!... (LG)


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > 28 de abril de 2022 > "Centro de saúde: viemos reparar o abastecimento de água"


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansabá > 28 de abril de 2022 >  "A festa da água na tabanca de Cussarabá"

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Fotos, legendadas, que o nosso colaborador permanente (para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau), Patrício Ribeiro, nos mandou há dois dias.  

Tem estado em Bafatá, e a sua empresa, a Impar Lda, está a fazer trabalhos de manutenção no interior da Guiné-Bissau. Desta vez publicamos fotos de Mansabá,

De acordo com a página oficial da empresa, com sede em Bissau, a Impar Lda presta serviçoa na área da energia solar, água, comunicacão e geradores

(...) "Desde 1991 que trabalhamos na Guiné Bissau no fornecimento de serviços essenciais de energia, água e comunicações. Instalamos sistemas de abastecimento de energia solar em todo o país incluindo ilhas. Temos centenas de instalações de bombas solares de água. Vendemos e damos manutenção a geradores a diesel e instalamos rádios base VHF e HF em toda a Guiné, instalamos também GPS marítimos e Radares." (...) 

Ver aqui a fotogaleria com alguns dos muitos projetos realizados.

O nosso Patrício Ribeiro, "retornado de Angola", crescido no Huambo (antiga Nova Lisboa), está na Guiné-Bissau desde 1984. O antigo fuzileiro integra, por sua sua vez, a nossa Tabanca Grande, desde 2006. 
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23205: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (20): De Bolama até Bissau, de canoa, na véspera do 25 de Abril... que aqui ninguém sabe o que é ou o que foi...

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23170: Humor de caserna (48): o major art José Joaquim Vilares Gaspar, o "Gasparinho", visto por Salgueiro Maia: loucura ou contestação do sistema?

1. Trancrição de um excerto do poste P3262 (*), da autoria do nosso saudoso amigo, Leopoldo Amado (1960-2021), historiador guineense,  vítima da pandemia de Covid-19:


(...) O exemplo mais sonante de loucura, traço muito comum à literatura de guerra colonial, é-nos dado por Salgueiro Maia, ao referir-se à caricata figura do major Gaspar, cuja irreverência abeirava-se da loucura, aliás, motivo pelo qual acabou ser hospitalizado:

(...) o major Gaspar vai comandar o CAOP 2 em Mansabá, onde, dando boa conta do recado, é solicitado para se deslocar a Bissau, à reunião semanal do Com-Chefe, onde deveria ser salientado o seu compor­tamento. Só que a coluna que, vinda de Farim, o devia transportar a Bissau nunca mais chegava. 

Farto de esperar, avança para Mansoa só com o condutor, percorrendo um itinerário onde eram frequentes as emboscadas, pois passava ao lado do Morés. À sua chegada a Mansoa, umas centenas de elementos da população agitam-se, pe­gando nas suas mercadorias com vista a ocupar lugar na coluna. Aí, o major Gaspar acha conveniente mandar parar o jipe. A população acerca-se e ele explica: 

«Meu povo, permaneçam mansos, porque a coluna ainda não vem aí, só vem o Gaspar.» 

Continua só em direcção a Bissau. Começa por visitar os seus amigos páras à entrada da cidade, depois o seu amigo director do Hospital Militar, os seus amigos comandos, etc. 

Entra em Bissau feliz e, desejando dar saída à sua alegria, descobre que o único sítio da Guiné onde havia uma peanha para um polícia dirigir o trânsito tinha um PSP guineense, que o major Gaspar considerou estar a fazer mal o seu trabalho. 

Fez parar o jipe ao lado da peanha e fez sair o polícia do sítio e, de pistola-metralhadora ao pescoço, o major Gaspar foi dirigir o trânsito. Lá, como noutros sítios, os condutores, apesar de na maioria serem militares, não eram obe­dientes, e assim o nosso amigo fartou-se de desobediências. Tanto, que atirou uma rajada por cima de uma camioneta da engenharia militar que não lhe obedeceu. 

Continuou em funções, mas surge mais uma camioneta, do Depósito de Adidos, que também não lhe obedece, e aí vai o resto do carregador. 

O Palácio do Governo, onde se encontrava o general Spínola, distava uns 400 m em linha recta, pelo que os disparos eram nítidos e originaram que a polícia do Exército fosse chamada ao local.

Postas perante a realidade, as entidades competentes determi­naram a baixa à neuropsiquiatria do major Gaspar. Mas alguns, suficientemente conhecedores da maneira de ser do «doente», con­seguiram autorização para o director do Hospital Militar conven­cer o major a descansar uns dias no Hospital, onde os amigos o visitaram com assiduidade, criando talvez o único período de ver­dadeiro descanso e convívio que este homem teve ao longo de vários anos de guerra e de guerras com o sistema. 

As histórias do major Gaspar foram para muitos combatentes o escape natural nas vicissitudes da vida em campanha; quem o conheceu guarda dele a imagem do lutador pela dignidade e pela justiça, a certeza de que a sua luta foi imortal (...) ”[19] )**)

[ Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Realce a amarelo, para  efeitos de publicação deste poste no blogue: LG]
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Nota do Leopoldo Amado:

[19] Maia, Salgueiro, O Acaso, In Capitão de Abril – Memórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, pp. 56 e 57.
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Notas do editor:


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22849: Notas de leitura (1402): Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969: A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui fica o relato que António Martins Moreira dedicou à sua CART 1690, de vida tão atribulada, no setor de Geba, nunca pensei que os meus vizinhos para lá da ponte do rio Gambiel atingissem tal nível de sofrimento. No início da guerra houve uma separação radical da população no regulado de Mansomine, região onde o PAIGC passou a dispor de algumas bases como Sinchã Jobel, e mais para o interior Sara-Sarauol, confinando, um pouco mais abaixo, com Belel, aqui estacionavam, tal como em Madina, os meus atacantes. Ficamos a dever a António Martins Moreira um belo depoimento, ele não se cansa de afirmar que comandou gente de bravura e de enorme capacidade de sacrifício. Veio a tempo, felizmente, uma importante narrativa para que não se esqueça o que foi a vida dura no setor de Geba entre 1967 e 1969.

Um abraço do
Mário



Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969:
A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição do Município de Idanha-a-Nova, com data de 2018, são as memórias do então alferes António Martins Moreira, que combateu na região de Geba, entre 1967 e 1969, não quis o destino que nos conhecêssemos, éramos vizinhos, ele estava para lá da ponte do Rio Gambiel, eu para cá, e quando ele diz que a paisagem era deslumbrante, estou à vontade para o confirmar. Este nativo de Penha Garcia foi para Mafra em janeiro de 1966, onde permaneceu até julho, promovido a aspirante foi transferido para o Regimento de Infantaria em Abrantes, e aqui mobilizado e colocado na CART 1690, do BART 1914, frequentou o curso de operações especiais, em Lamego, ainda andou por Lisboa, Torres Novas e Oeiras, desembarcou no Pidjiquiti em 15 de abril de 1967, quem comanda a companhia é o Capitão Manuel Carlos Guimarães. Faz-se a viagem sacramental até Bambadinca, seguem para Bafatá, é-lhes atribuído o setor de Geba. Nesta localidade substituem a CCAÇ 1426. A Companhia dissemina-se por quatro destacamentos. A 17, avança para Banjara, que ele classifica como pior destacamento a seguir a Madina do Boé. “Banjara era um destacamento de alto risco, situado na estrada de Bafatá-Mansabá, a cerca de 40 quilómetros de Geba, e outros tantos de Bafatá, na mata do Oio”

Descreve Banjara e o seu perímetro. O destacamento era um verdadeiro inferno se bem que só tenha havido uma flagelação, era o isolamento, não havia população civil, os abastecimentos e o correio chegavam uma vez por mês. Banjara tinha um grupo de combate, reforçado por uma seção de autometralhadoras, Granadeiros da Cavalaria de Bafatá, um Esquadrão de Reconhecimento, 15 milícias, uma seção de armas pesadas, num total de 70 a 80 homens. “Lá passámos os 8 mais longos meses da nossa juventude”. Descreve as atividades desenvolvidas em Banjara.

Em 21 de agosto morre o comandante da Companhia e o seu guarda-costas, caíram num campo de minas anticarro e antipessoal na estrada de Geba-Banjara, depois de terem ultrapassado o destacamento de Sare Banda. O Alferes Domingos Maçarico passou a comandar a Companhia, Martins Moreira e Maçarico trocam posições, Martins Moreira vai para Geba. O histórico desta unidade militar é marcado por várias infelicidades, para além da morte do Capitão Guimarães, os alferes Maçarico e Marques Lopes foram evacuados com ferimentos em combate. Recorda situações penosas como quinze dias de alimentação sem sal e depois dá-nos uma descrição do destacamento de Cantacunda, a cerca de 35 quilómetros para norte, refere os efetivos, não esquecem o nome do comandante do pelotão de milícias, Samba So, o destacamento tinha população civil e régulo. 

Parecia calmo e seguro, mas era profundamente vulnerável, como se comprovou em abril de 1968, um numeroso grupo do PAIGC apanhou a guarnição descontraída, tomou de assalto a caserna e os abrigos, aprisionou 12 elementos, assassinou um à facada. Muitos militares conseguiram escapar e chegaram a Geba depois deambularem pelo mato uma noite inteira. Dez destes prisioneiros virão a ser resgatados em 1970, no âmbito da Operação Mar Verde.

O novo comandante da CART 1690 passou a ser o Capitão Sarmento Ferreira, é chamado a Bafatá onde lhe entregam uma ordem de operações para uma batida de Sinchã Jobel, uma importante base do PAIGC, vão dois destacamentos, a CART 1690 com três grupos de combate, Martins Pereira está em Banjara, mas dá-nos a versão dos acontecimentos. Quando os efetivos chegaram as imediações do objetivo já estavam bem referenciados pelas sentinelas, as nossas tropas caíram numa emboscada brutal, procuraram reagir abatendo os atiradores que estavam na copa das palmeiras, mas o embate era fortíssimo, retiraram deixando para trás alguns mortos e feridos e cerca de 25 desaparecidos que só se conseguiram recuperar, completamente extenuados e famintos, no dia seguinte. 

O Alferes Fernandes foi assassinado a sangue frio, conforme testemunhou o seu guarda-costas, que nessa ocasião se fingiu de morto. O Alferes Fernandes tinha substituído o Alferes Marques Lopes, ferido em 21 de agosto. O resultado desta operação foram nove mortes e cerca de vinte feridos.

O autor refere que faltavam cerca de 25 elementos, no rescaldo desta ida a Sinchã Jobel foi recuperar os desaparecidos, na manhã seguinte. Ao amanhecer, estavam em frente ao objetivo, foram aparecendo soldados a correr em grupos, completamente exaustos, um deles vinha gravemente ferido. Teve apoio aéreo e um dos pilotos avisou que à frente, a cerca de 2 quilómetros, aguardava-os uma forte emboscada, inverteram a marcha, novo aviso que há emboscada à frente, então afastam-se da picada e embrenham-se na mata até à margem do rio Geba.

 Repetiu-se a operação de resgate no dia seguinte, ainda faltavam 9 ou 10 homens, recuperaram todos com exceção do assassinado Alferes Fernandes e de um capturado, gravemente ferido e levado para Ziguinchor. “Ficou ainda o Armindo Correia Paulino, o magarefe da Companhia, também assassinado, fria e cobardemente, à facada por vários elementos do PAIGC, depois de o terem cercado e aprisionado”.

Fazendo o balanço da situação, o autor estima que em maio de 1968 a sua unidade vivia numa situação muito difícil, o comandante Companhia morto em combate, dois alferes evacuados, o Alferes Fernandes assassinado, em abril passado o assalto a Cantacunda com resultados trágicos, a Companhia estava desmoralizada. 

Em junho, o destacamento de Sare Banda, na estrada Bafatá-Mansabá, com quarenta milícias, foi tomado de assalto pelo PAIGC, com a cumplicidade do chefe de tabanca. Os guerrilheiros incendiaram todas as moranças. “Sare Banda era um destacamento vital que nos garantia a progressão a poente na direção de Mansabá até ao nosso destacamento de Banjara, o mais isolado. Retornava-se, pois, imperioso reocupar, reconstruir e reforçar este destacamento. Foi esta a missão que recebemos”

E dá-nos conta dos trabalhos de reconstrução, ergueram-se seis abrigos subterrâneos, construiu-se uma autêntica fortaleza. Findas as obras, Martins Moreira regressa a Geba. Em 12 de junho, o PAIGC ataca Sare Gana, o pelotão de milícias reage com bravura, houve que recuar, PAIGC instalou-se, na manhã seguinte as nossas tropas puseram os atacantes em debandada. Ao fim de 19 meses no setor de Geba, a CART é transferida para Bissau, teve uma comovente despedida em Geba, os últimos 4 meses foram relativamente tranquilos, fazendo colunas, rusgas, preceitos da rotina, várias emboscadas sem confronto, em 2 de março de 1969 embarcam para Lisboa. Há ainda alguns textos soltos, a completar a missão.

Um relato bem sentido da história de uma unidade militar que conheceu o martírio e o pleno sofrimento, muitos mortos, sequestros, homens devastados e perdidos depois de uma tempestade de fogo. E enternecedor, atenda-se que António Martins Moreira já não é criança, mas exigiu-se ao dever da memória, fielmente cumprido.

António Martins Moreira, no lançamento do seu livro na Câmara Municipal de Idanha-a-Nova
Bafatá
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22828: Notas de leitura (1401): "Adeus... até ao meu regresso": livro de memórias fotográficas de 56 antigos combatentes, naturais de Vila Real, incluindo o Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) - Parte I

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22774: O meu sapatinho de Natal (1): Outono, uma refexão de Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732


1. Em mensagem do dia 1 de Dezembro de 2021, do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos um texto a que deu o título:

OUTONO

As notas da música caem compassadas com suavidade, sobre o meu cérebro, o meu coração já morreu por desgaste e mau uso. Música pura, sem palavras, que ameniza as adversidades e estimula a imaginação.
A estética, comum a todas as artes, cria pontes de comunicação entre elas, quando escrevo procuro muitas vezes a ajuda da música, essa arte tão universal, e tão ancestral como a linguagem. Os povos primitivos actuais e os que desapareceram dizimados pelos colonizadores fazem ou faziam sons com ritmo e harmonia, com conchas, paus, pedras, canas, outros utensílios simples e com as cordas vocais naturalmente.

O meu neto mais novo, agora com dois anos, desde muito cedo começou a tamborilar em todos os objectos disponíveis e adaptáveis que encontrava para esse efeito e a dançar ao ritmo dos sons que produzia.
Já o meu neto mais velho, quando tinha um ano, a avó deu-lhe um bombo que comprou nas festas da Senhora da Agonia, que teve que se tirar do seu alcance, porque ele não parava de batucar. Quando tinha três ou quatro anos ficava enlevado quando ouvia música clássica.

Nos meus tempos de garoto não havia rádio em minha casa, em toda a aldeia haveria rádios somente em duas casas. Alguns homens e rapazes tocavam gaitas de beiços a que chamavam realejos. Havia outros músicos, só já conheci alguns dado que a maioria era do tempo dos meus avós ou mais velhos. Tocavam guitarra, viola, violão, violinos e por vezes juntavam-se à noite a fazer "rondas" com música e cantigas, pelas ruas da aldeia.
Estive dois anos completos na Guiné, durante a vida militar, e nunca tive a sorte de assistir a um batuque africano, mais autênticos e genuínos embora menos elaborados do que os brasileiros. Buba, onde passei mais tempo, tinha uma população reduzida, vinte ou trinta milícias fulas, (tropas auxiliares), e as respectivas mulheres, nunca ouvi falar lá de qualquer cerimônia tradicional, com música e bailado.

Em Mansabá, para onde fui acabar a comissão, havia uma tabanca grande, de mandingas oingas, mas nada recordo das suas festas ou cerimônias.

Considero os povos africanos, apesar da sua pobreza, os mais felizes da Terra, porque dentro deles parece viver a melodia e o ritmo do Universo. Reparem no brilho do olhar e no gingar dos corpos das mulheres africanas, sendo mulheres mais sintonizadas com a criação e com o movimento e com o som, que o acompanha, dos astros.

Dia de outono, frio, com chuva, triste que se derrama, com neblina próxima, quase sem se mostrar. Tempo sem flores, com folhas multicolores que cobrem as árvores caducas e se vão desprendendo para atapetar o solo, ao ritmo da passagem dos dias da estação.
O tempo mudou ainda ontem era um dia de sol claro e eu sentado na esplanada deserta do Parque da Cidade, a admirar a natureza que me envolvia, que ao despedir-se do Verão, mostrava uma imagem decadente e bela.

Sempre gostei de esplanadas desertas ou não, para companhia uma bebida com espírito e a vista duma paisagem natural, com árvores, com campos, com floresta, com rio, mar por onde a vista se alonga e todo o nosso ser entra em comunhão com todos esses elementos essenciais e primordiais.
Dias curtos e claros de Outono, em que os raios solares mais oblíquos e menos fortes dão uma luminosidade mais calma e repousante a esta quadra, que em Novembro nos avivam as saudades dos nossos mortos, das festas com eles, com os magustos, em tempo frio, a descascar e comer os bilhós quentes (castanhas descascadas) à volta da lareira, nos mata-porcos com a companhia e o calor de toda a família alargada, avós, tios e primos.

Na continuação da quadra, com o frio seco do planalto, a ser combatido pelos toros da lareira, em Dezembro, entre verdades, milagres e mitos, a religião católica trazia-nos o renascimento da vida com o Natal que festejávamos como uma verdade sagrada.

Em Janeiro, a vida continuava com o mesmo ritmo, os mesmos trabalhos, com os mesmos deuses, santos e santas dos céus que nos protegiam de todos os males e que sem festejos nos davam entrada no Novo Ano, como se entrássemos na Eternidade que nos era prometida.

Bom Natal e Bom Ano Novo, a todos os camaradas e amigos!

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Nota do editor

Esta é a primeira colaboração, que se espera de muitas, deste Natal de 2021.
O mote está lançado, venham mais reflexões e histórias relacionadas com os nossos natais, seja os passados na Guiné ou os vividos em família.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22566: Os nossos regressos (39): Regressei em 1972 da guerra Guiné mais queimado por dentro do que por fora (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 22 de Setembro de 2021, falando-nos do seu regresso da Guiné:


O REGRESSO (1)

Regressei em 1972 da guerra Guiné mais queimado por dentro do que por fora já que quando passados dois meses tentei estudar para fazer o exame de aptidão à Universidade, me pareceu que não conseguia fixar as matérias em estudo.

Desiludido com a minha perda de capacidades e consciente de que, tendo saído da tropa, não poderia continuar a deixar arrastar os dias ao sabor das quatro estações depois de viver em África sob as estações secas e das chuvas e na sucessão dos dias calmos, intercalados por alguns dias agitados, com tiros, com granadas, com bombas, que me despertavam desse torpor da melhor ou da pior maneira. Sim porque muitos de nós gostávamos da guerra sem mortos nem feridos para quebrar a monotonia em que vivíamos.

Como oficial miliciano tinha um vencimento com que nunca tinha sonhado e porque somente podia enviar dois terços para a Metrópole sobrava-me muito dinheiro para alimentar diversões e vícios que criei para entreter os dias. Tinha parado no tempo e porque não morri na guerra, como outros que tiveram esse infeliz destino, dei-me conta que ainda poderia ter um longo futuro para gerir à minha frente. Teria que arranjar trabalho. Por percalços relacionados com a minha independência e rebeldia falhei a minha entrada em dois bancos que o meu pai, um negociante honesto com boas relações com bancos e com um industrial de cortiça de Lourosa, me garantiam, sendo um a Caixa Geral de Depósitos que nesse tempo até pagava bem.

Para não me tornar num indigente a viver às sopas dos meus pais, em fins de 1972, decidi concorrer à Caixa de Previdência e dos Serviços Médico Sociais do Porto que tinha aberto um concurso de entradas, com formação e provas e dava prioridade a ex-combatentes do ultramar. Éramos quatro ex-militares e duas jovens que tinham acabado de tirar um curso superior. Fizemos boas provas de ingresso e todos fomos admitidos. Dentre esses camaradas criei uma relação mais próxima com o Barcelos Monteiro por afinidades várias, éramos ambos transmontanos, com formação liceal na área de letras, tínhamos alguma curiosidade política e literária, ele bastante extrovertido, eu um pouco introvertido.

No ano de 1973 houve mais uma farsa de eleições para a Assembleia Nacional, a que a Oposição concorreu muito limitada na campanha eleitoral sem poder falar da censura da pide, dos presos políticos,   da guerra colonial, de outros assuntos que eram tabu para o regime.

Com pouca formação política e sem estarmos inscritos em qualquer partido, mas porque sentíamos o ambiente político opressivo em que se vivia, participamos em algumas manifestações e comícios da oposição, como apoiantes, e por vezes tivemos que fugir à polícia como os outros.

O ano foi passando, entre calmo e agitado, alegando, com razão, falta de liberdade para fazer campanha, a Oposição Democrática desistiu das eleições, como no geral acontecia e a União Nacional ocupou todos os lugares da Assembleia da República, com a benção da Igreja e de Salazar, esse santo hipócrita, que já estava no céu dos pardais.

Ganhava-se pouco, o trabalho, com tarefas repartidas, tipo trabalho à peça, era pouco interessante. Na secção para onde entrei, com cerca de 30 pessoas a maior parte mulheres, era chefiada por um homem, inteligente, competente, mal alinhado com o regime, por vezes bem humorado mas com uma pancada própria que o levavam a ter atitudes pouco racionais. Tinha um adjunto com quem não se entendia bem e para o castigar, tinha-lhe distribuído um trabalho, que consistia em carimbar documentos todos os dias, à Mariana que trabalhava junto dele a dactilografar-lhe os ofícios e a fazer outros trabalhos, raro era o dia em que não a fazia chorar a recriminá-la com ou sem razões. Em toda a instituição trabalhavam sobretudo mulheres sendo porém os chefes praticamente todos homens.

As mulheres casadas algumas eram pequenas burguesas quando os maridos tinham rendimentos bastante superiores aos delas, outras equilibravam os vencimentos com o dos maridos para pagarem as prestações da casa, do carro e para alimentarem a família. As raparigas solteiras suspiravam, algumas bem alto, pelos namorados que estavam no ultramar a lutar pela Pátria uns e outros pela vida. Havia a Rosa, era casada e tinha duas filhas, a mulher mais generosa e solidária que já conheci, frequentemente a ser chamada ao guichet para tratar de assuntos de muitos amigos e amigas, pobres ou ricos que tinha por toda a cidade e arredores. Ajudava igualmente os colegas em tudo o que podia e no trabalho sempre activa e faladora, distribuia boa disposição por todos. Pouco convencional era capaz de se sentar nas minhas pernas ou de outro colega, para escândalo de algumas mais conservadoras, outras vezes fazia-lhes perguntas que as embaraçava, do género nunca fizeste amor dentro do carro e terminava dizendo que era muito bom. Um dia já depois de almoço acercou-se de nós, a Amélia, uma colega da minha idade, casada, com um filho, vinha nervosa e disse-nos com tristeza, pedindo segredo, que de manhã tinha ido fazer um aborto. Dramas que aconteciam nesse tempo, ainda hoje talvez com mulheres de todas as classes e condições sociais.

No final desse ano as senhoras organizaram uma festa de Natal numa pequena sala contígua à secção, com enfeites, com música, boa comida e alguma bebida, memorável.

Em Abril de 1974 dá-se a Revolução dos Cravos, com que eu tanto tinha sonhado que já não me parecia que fosse possível. Há todo um povo que adere se levanta, e procura os novos caminhos e o sabor da liberdade que desconhece.

A propaganda politica surge por toda a parte, nas praças, nas avenidas, nos locais de trabalho, nas cidades nas aldeias, com slogans da Revolução Francesa, das revoluções comunistas, Russa e Chinesa, é sobretudo a esquerda que no antigo regime estava amordaçada que agora fala e grita bem alto.

As chefias dos serviços públicos, que eram afectas ao regime caído, por convicção, por obrigação ou necessidade, ficaram apáticas e temerosas. Nem todas, pois um conhecido Chefe de Serviços da Instituição, que segundo testemunhas de crédito, recebia pides regularmente no seu gabinete, filiou-se num partido de esquerda e em Julho, soube depois, pois eu estava de férias, encabeçou uma manifestação em direcção ao Quartel-General do Porto, para exigir o saneamento dos fascistas.

O meu amigo Barcelos Monteiro adere logo, de alma e coração, a um partido vermelho e não se cansa de procurar convencer os outros das verdades em que acredita. Está sempre presente em comícios e manifestações, onde procura conquistar também o coração e o calor de algumas camaradas, a revolução sexual, de vento em popa nos outros países da Europa, estava-se a expandir finalmente em Portugal.
Vende o jornal do partido à porta do trabalho e nas ruas e praça mais próxima.

Durante muito tempo insiste comigo para o acompanhar, eu vou resistindo, os anos de tropa e de Guiné tinham esmorecido o meu fervor revolucionário, estava diferente, mais maduro e tinha reflectido muito sobre acontecimentos mundiais que desvirtuavam os amanhãs que cantam. No entanto pela insistência dele ou por curiosidade acabo para aderir. Nunca me senti bem dentro desse partido pois cedo me apercebi que as ideias e opiniões dos militantes de base não eram escutadas. A direcção partidária pensava por todos, os outros não tinham esse direito. Nós simplesmente tínhamos que obedecer às ordens emanadas superiormente, encher os comícios, bater palmas a tudo o que os dirigentes dissessem e fizer todo o trabalho físico que nos fosse determinado. Saí pelo meu pé, um ano depois, entregando uma carta de demissão que nunca teve resposta.

Com o passar dos anos, pela comunicação social e por conversas com militantes doutros partidos. apercebi-me que em relação à democracia interna, todos eles duma forma mais ligeira ou acentuada, eram semelhantes.
No antigo regime ouvíamos falar da democracia, o melhor dos regimes políticos, como uma miragem.

A democracia criada em Atenas dava direitos iguais a todos os cidadãos mas atente-se que, os metecos (estrangeiros) e os escravos, em número muito superior aos cidadãos livre , não tinham quaisquer direitos.

A nossa democracia, nascida com a Revolução dos Cravos, dá voz aos partidos que interpretam a seu bel-prazer a vontade dos seu seguidores, por isso ela definha, vejam-se as votações.
Contudo eu prefiro a democracia a qualquer outro regim , devia ser mais participada pelos cidadãos e respeitada pelos políticos.

Este texto já vai longo, longo demais, para quem o quiser ler. Terá continuação se se achar que poderá interessar a alguém.

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21213: Os nossos regressos (38): Comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70): uma longa viagem de nove dias, no velhinho T/T Carvalho Araújo, de 16 a 26 de junho de 1970, com um dia no Funchal (Fotos: Otacílio Luz Henriques)

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22366: Notas de leitura (1365): “Oito Viagens, Uma Voz”, por Sérgio Matos Ferreira; Edições Vieira da Silva, Lisboa, 2018 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Possuímos vários testemunhos de quem assistiu às negociações com o PAIGC, na fase que preludia o reconhecimento do Novo Estado. É admissível que este texto de Sérgio Matos Ferreira, recentemente publicado, seja o seu fiel testemunho do que se passou no encontro, o primeiro, na Mata do Morés entre uma comitiva de homens grandes da região de Mansabá acompanhados por militares e uma representação político-militar do PAIGC. Acima de tudo o que apetece relevar é a qualidade, o fulgor da narrativa, um documento que recorda algo que se passou há 44 anos atrás, deixa vincado um estado de espírito de militares que recusavam continuar a guerra.

Um abraço do
Mário


Sérgio Matos Ferreira volta à Guiné, no fim do Império

Beja Santos

A obra mais recente de Sérgio Matos Ferreira, “Oito Viagens, Uma Voz”, Edições Vieira da Silva, Lisboa, 2018, marca o regresso deste autor à Guiné e, tanto quanto parece, é depoimento autobiográfico, conta a história de um furriel-artilheiro em Mansabá, já houve o 25 de abril, o furriel acompanha uma comitiva que se interna no Morés, chegou a hora das primeiras negociações.
Em recensão feita no blogue em 2016, falou-se da sua obra “O descascar da pele”,[*] datada de 1982, uma narrativa muito ao gosto da corrente literária chamada O Novo Romance que também suscitou a atenção de outros escritores, caso de Álvaro Guerra, a corrente literária gozou de vida efémera, a proposta de Alain Robbe-Grillet não provocou entusiasmo perdurável no mundo das letras.

Também o mais recente escrito de Sérgio Matos Ferreira é constituído por uma sequência de narrativas em diferentes tons onde além daquela de que vamos falar, com o título “A inesperada reunião na Mata do Morés na Guiné”, há salpicos da vida militar, da atmosfera da caserna, de alguém que passou pela Guiné.

A narrativa sobre a reunião na Mata do Morés encerra alguns belos parágrafos, conserva a linha original do escritor de “O descascar da pele”, imagens poéticas e sonoridades, é uma escrita que consegue registar a moleza e o tédio, goza de uma grande economia na descrição do interior do quartel de Mansabá, é brutal quanto baste na crueza da linguagem de caserna. Já houve o 25 de abril, o autor fala-nos a partir de Mansabá:
“Uma revolução sem balas e com cravos espetados nos canos das metralhadoras. Corria o boato das intenções de Lisboa proclamar a tese de Estados federativos em vez da independência. Suspeitava desta solução para acabar com uma guerra estendida a um mar de anos. Este ocasional encontro no meio de um cessar-fogo incerto não lhe dava grande confiança. As ações dos guerrilheiros não pararam. O PAIGC aproveitou este interregno para circular com mais facilidade, tomar posições estratégicas e abastecer-se fortemente de material enviado por países de Leste Europeu em navios que atracavam em Conacri.

Uma semana mais tarde a novidade chegou. Uma ordem dos bastidores autorizava um grupo de comissários políticos do PAIGC a expor aos homens grandes da zona o verdadeiro significado da guerra, as dúvidas que persistiam e os futuros objetivos num país empobrecido. Uma das imposições do nosso Comando em Bissau foi a necessidade de um pequeno grupo de militares acompanhar os civis até ao local do encontro.”

Iniciaram-se os preparativos: “Saíram, desarmados, na direção da porta de armas. O grupo de notáveis da aldeia aproximava-se com ânimo leve, quase flutuante, alma lavada de esperança. Trocaram saudações e aguardaram pelo elemento afeto ao PAIGC que os levasse ao local do deparo, onde comissários políticos aguardavam para a sessão de esclarecimento”.

Chegou o homem do Morés, “um homem alto, vestido à ocidental, acompanhado por seis guerreiros engatilhados, dirigiu-se para a porta de armas. Cumprimentou os homens mais importantes da tabanca. De seguida, devolveu o olhar para os militares. O capitão avançou, apresentou-se com a saudação militar e só depois apertaram as mãos. O gelo estava quebrado”. E começou a viagem: “Tomaram a direção da cerradíssima Mata do Morés através de uma picada irregular. Um caminho de sal e terra com homens de sangue igual e mortes diferentes. Num ápice, foram engolidos por uma vegetação espessa, de um verde gelatinoso. Andavam numa fila única ou a dois, conforme a largura do trilho. Um cacarejar de vozes juntava-se ao ranger das botas dos militares e das alparcatas dos guerrilheiros em cima do folhado seco. Caminhavam há um pedaço de tempo. Os dois guerrilheiros, descontraídos, riam. Os furriéis na sua ingenuidade gracejavam. Os oficiais mais reservados falavam baixo. Os homens da aldeia trocavam palavras. E o oficial de ligação na cabeça do cortejo a comandar este grupo assimétrico”.

E o encontro vai realizar-se, numa clareira onde a comitiva é esperada pelos comissários políticos. Segue-se a descrição:
“No silêncio do mato a voz de um dos comissários entoava a melodia da vitória. Avançou um indivíduo baixo, entroncado, acentuada a cor preta da pele, e com um vozeirão espanta pássaros. Sem cerimónia em português, evidenciou o curso do PAIGC desde a passagem da fase política à insurreição nacional contra os colonialistas. Houve um momento que despertou a vigilância do artilheiro. O comissário entroncado começou a falar em dialeto. Atento, olhou para os civis inquietos com a sonoridade agressiva das palavras. Não passou despercebida esta alteração de voz aos militares. Alguma coisa o comissário dissera para provocar um sussurro alongado. Passou a mão pela testa suada. Olhou para ambos os lados, dois guerrilheiros fitavam-no. Olhos de carvão fixos no alvo. Um deles tamborilou os dedos no carregador da metralhadora. Um sapateado metálico que o sobressaltou. O comissário certamente avisou os civis de um possível desaire nas negociações. O guerrilheiro entregou-lhe uma mensagem mais curta, eficiente, na culatra da Kalashnikov.

Sem receios, com os olhos caídos no capitão, traduziu:
- Enquanto o governo de Lisboa não reconhecer a independência e os militares não partirem, a guerra continua. Estamos num período de tréguas, mas sejam rápidos a decidir.”

Dá-se o regresso. E assim remata a narrativa:
“Naquela noite, durante o jantar particularmente silencioso, um furriel-atirador inserido na companhia bebeu num trago o copo de vinho e sem olhar para ninguém, com os olhos embaciados na face vidrada do copo, berrou:
- Tomem nota, a minha G3 ainda não disparou e assim vai continuar.

Todos, sem exceção, fixaram o homem que acabara de nascer. O artilheiro, por sua vez, acreditava na esperança e na clareza dos homens que, em Lisboa, decidiam as vertentes da revolução. O desenlace do conflito era evidente: nem mais um tiro, nem mais um militar.”
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Notas do editor:

[*] - Vd. poste de 5 DE SETEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16450: Notas de leitura (877): Ida à Feira da Ladra, sábado, 27 de Agosto: a Guiné estava à minha espera, antes, durante e depois da guerra (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22344: Notas de leitura (1364): “O Colonialismo Europeu no Continente Africano”, por Mário Gonçalves Martins; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21921: Tabanca Grande (515): António Afonso de Melo Graça, ex-Fur Mil Cav do EREC 2641 (Bula, Nhamate, Mansabá e Bachile, 1970/72) que se senta no lugar 837 da nossa Tertúlia


1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano António Afonso de Melo Graça(*), ex-Fur Mil Cav do EREC 2641 (Bula, Nhamate, Mansabá e Bachile, 1970/72), com data de 13 de Fevereiro de 2021, com a sua apresentação à Tertúlia:

Boa tardw,  Camarada

Aqui vai a minha inscrição. Anexo as duas fotos.

Especialidade: Reconhecimento Panhard (EBR) na EPC, Santarém no último trimestre de 1969. 
Colocado no RC3, Estremoz, início Janeiro 1970 para o IAO, com mobilização para os Dragões de Angola.

Apresentado a 7 de Janeiro 1970 são dados 6 dias de licença a BFIE, finda a qual redireccionado para o RC7, Lisboa. Já não ia para Angola, porque a Guiné precisava de nós...

Em Fevereiro de 1970 fui "encaminhado" para a Escola Prática de Engenharia, em Tancos, para fazer um curso em Minas e Armadilhas. Regresso a Lisboa (onde residia) ao RC7 para nova especialização, agora nas AML Panhard.

Em 8 de Agosto 1970 parte o EREC 2641 (2.ªfase) no n/m "Carvalho Araújo" para a Guiné. Escala no dia 14 o Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde. Chegados "quais periquitos" a Bissau no dia 17 de Agosto 1970. No mesmo dia, sediados em Bula.

Durante a comissão de serviço fiz destacamentos em Nhamate, Mansabá e no Bachile.

Regresso a Lisboa a 24 de Junho 1972, voo num 707 da Força Aérea.

Após a chegada da Guiné fiz a licenciatura em Economia no ISE (ex-ISEF). Durante 36 anos fui professor, os últimos 24 no activo a desempenhar funções de Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária Alfredo da Silva, no Barreiro.

Actualmente estou reformado.

Saudações.
António Afonso de Melo M. F. Graça

Parada do Quartel de Bula, Setembro de 1970 > Com a Panhard distribuída

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2. Comentário do editor CV:

Caro Afonso de Melo, sê bem-vindo à Tertúlia.

Permite-me que seja portador de um abraço de boas-vindas para ti, da tertúlia e dos editores deste Blogue, que te desejam boa estadia entre nós.

Permite-me um apontamento pessoal porque pertenci à madeirense CART 2732, unidade de quadrícula em Mansabá entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972.

Devo-te portanto muito, porque muitas foram as vezes que nos fizeste segurança nas inúmeras colunas auto que fazíamos para Sul, Mansoa, e para norte, K3, principalmente durante as obras de asfaltagem do itinerário entre o Bironque e o Rio Cacheu, em frente a Farim. Acredita que para além da segurança efectiva que nos proporcionava, o EREC 2641 muito contribuiu para o nosso conforto emocional nas deslocações quase diárias que éramos obrigados a fazer.

Tenho bem na memória aquela trágica noite de 12 de Novembro de 1970, com alguns estragos dentro do aquartelamento, como a enfermaria atingida, produto das armas pesadas do PAIGC, mas com piores consequências na tabanca onde arderam algumas moranças e pereceram 14 civis.

Como tu, também fiz um Curso de Minas e Armadilhas em Tancos, o meu o XXXIII, que decorreu entre Outubro e Dezembro de 1969.

Contamos contigo para registares aqui as tuas memórias e a actividade do teu EREC, não só na minha área de acção mas também nos outros locais onde os teus préstimos foram garantidamente importantes.

Deixo-te o meu abraço
Carlos Vinhal

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Notas do editor:

(*) - Vd. poste de 3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21846: O nosso livro de visitas (208): Afonso de Melo, ex-fur mil cav, EREC 2641 (Bula, 1970/72)

Último poste da série de 18 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21914: Tabanca Grande (514): Eduardo Ablu, ex-fur mil, CCAV 678 (Ilha do Sal, Bissau, Fá Mandinga, Ponta do Inglês, Bambadinca, Xime, 1964/66): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 836

sábado, 9 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21751: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte VIII: atividade operacional: março/abril de 1967: destaque para a Op White Label: golpe de mão ao acampamento de Cã Quebo, no Oio, que dispunha de abrigos de cimento


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gã Quebo, a oeste de Mansabá, em plena região do Oio. ( A região do Oio está dividida em 5 setores: Bissorã, Farim, Mansabá, Mansoa e Nhacra).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)
 


 

Brasão da 3ª Companhia de Comandos (1966/68)




1. Começámos a publicar, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)

O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos,  é da autoria de João Borges, ex-fur mil comando, já falecido (em 2005). Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: 

"Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges". 

Uma cópia foi entregue ao nosso blogue para publicação. (*)

[O José Lino [Padrão de] Oliveira foi fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, MansoaCumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; tem dezena e meia de referências no nosso blogue; vive em Paramos, Espinho]



História da 3ª Companhia de Comandos 
(1966/68) (*)

3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges
Parte VIII (pp. 21-22)






(Sobre a posição relativa de Gã Quebo, na região do Oio, vd. infografia acima)

Vd. postes anteriores:

27 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21699: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte VI: atividade operacional: Susana (Arame), Jababá (Flaque-Cibe e Bissilão), novembro de 1966

20 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21667: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte V: atividade operacional: Jugudul (Ansonhe e Ponta Bará), Tite (Jorge), outubro de 1966

16 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21650: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte IV: atividade operacional: Tite (Nova Sintra, Flaque Cibe, Jabadá, Jufá), setembro de 1966

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21708: Álbum fotográfico de José Carvalho (3): A CCAÇ 2753, ”Os Barões”, e o K3 (II e última Parte)


 Foto nº 9 > Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2753  (1970/72) >  K3 >  Jantar de inauguração da messe de oficiais e sargentos. Da esquerda para a direita; Furriéis Milicianos Chambel Prates, JoãoTavares, João Serralha, Manuel Moutinho, Alf Mil Ramires, 1º Sargento Leão, Alferes Milicianos Vitor Junqueira, Cândido Pereira, Furriéis Milicianos Alfredo Silveira, [elemento não identificado],  Enf Almerindo Carvalho, Manuel Tavares [, elemento não identificado], e, de costas,  2º Sargento Manuel Mexia



Foto nº 8 > Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2753  (1970/72) > K3 >    Elementos da CCaç 2753 na margem sul do Rio Cacheu: em 1º plano Alf Mil Ramires, José Carvalho, Vitor  Junqueira, Fur Mil A. Silveira e Pedro; em 2º plano, Fur Mil António Tonhá e 1º Cabo Cond [Ildeberto] Medeiros


Fotos (e legendas): © José Carvalho (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Álbum fotográfico do José Carvalho > 
CCAÇ 2753 - ”Os Barões” e o K3 (II e última parte) (*)

José Carvalho: (i) ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 
(ii) médico veterináruio; 
(iii) vive no Bombarral]

 

 A companhia,  também apelidada “Os Açorianos" [Foto nº 8, acima], enceta um conjunto de trabalhos na área da reabilitação das edificações, melhorando consideravelmente a zona da cozinha, da cantina, casernas e construindo a messe de oficiais e sargentos, com zona de refeições e bar.  [Foto nº 9, acima]

Também deixámos um espaço com piso cimentado, dedicado à prática do voleibol e ainda a escola ficou com a “cara lavada”.

 Em Maio de 71, o COP 6 passa a ser comandado por um homem e militar notável, o Major de Cavalaria António Valadares Correia de Campos.

Operacionalmente,  “Os Barões” tinham já angariado um estatuto de boa reputação operacional, nas diversas situações em que estiveram envolvidos, pelo que,  com o novo comandante do COP 6, foram-lhe atribuídas missões mais exigentes e complexas.

Durante a permanência no K3, a companhia realizou múltiplas operações em conjunto, particularmente com a 27ª Companhia de Comandos, mas também com forças paraquedistas [, BCP 12],  a CCaç 2732 e outras.

Realizou várias operações, helitransportadas, igualmente por via fluvial com desembarques de LDM, em vários locais na margem sul do rio Cacheu.

No conjunto destas operações, “Os Barões” não registaram qualquer vítima mortal, tendo um ferido grave (mina A/P) e alguns ligeiros. O IN sofreu considerável número de baixas confirmadas, bastantes feridos, destruição de acampamentos, várias capturas de armamento, até de combatentes e de população sob o seu controlo.

Vários foram os louvores do Comando e,  numa das operações face aos resultados obtidos, com número assinalável de baixas ao IN, com captura de elevada quantidade de armamento (armas e munições), destruição de várias moranças, celeiro e recuperação de população controlada pelo IN, deslocou-se ao terreno, o General Comandante Chefe, António de Spínola, para felicitar o comandante das forças da CCAÇ 2753.

Do jornal "Nhau" publicaram-se somente 5 números, todos enquanto permanecemos no K3 e hoje sorrio quando observo a frase "Visado pela censura", seria provavelmente uma pequena provocação...

Admitindo o Comandante Chefe encontrar, ao comando das NT, um oficial de patente mais elevada, ficou surpreso quando o Alf Mil Vitor Junqueira se lhe apresentou como comandante das forças no terreno, naquele dia. Em muitas outras situações de sucesso, este valente e corajoso oficial miliciano foi o actor principal! [O Vitor Junqueira é membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora, vive em Pombal, tem cerca de 90 referências no nosso blogue.]

A companhia revelava um elevado espírito de corpo, grande capacidade operacional, elevada disciplina em combate e uma sólida camaradagem entre os seus elementos.

Em Outubro de 1971 o Comandante da Companhia, Cap Mil Art João Domingos da Rocha Cupido, escreve no número 4 do jornal da companhia, "Nhau", o porquê da designação de “Os Barões”.
Assim escreve a dada altura:

”(...) Ao longo de já catorze meses de comissão, não há dúvida que os soldados da 2753, pela forma como reagiram a todo o esforço que lhe foi pedido, como reagiram a todas as contrariedades, como encararam com toda a confiança as missões mais arriscadas, mostraram bem as suas qualidades, mostraram bem a sua nobreza, mostraram bem que merecem o nome de “Os Barões, mas a nobreza, nobreza de carácter, acarreta obrigações, cria responsabilidades. Eis pois o lema da companhia: A Nobreza Obriga”


Uma página (a 2 ?) da  "Nhau", revista da CCAÇ 2753", nº 4, outubro de 1971. Diretores: alf mil Carvalho, fur mil Silveira... Destaque o editorial "Noblesse Oblige", assinado pelo cap mil J. Cupido.


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Foto nº 10 > Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2753  (1970/72) > Madina Fula >     O Alf Mil José Carvalho (à esquerda) com o Cap Mil Art João Cupido, na véspera da mudança da CCaç 2753 para o K3, na estrada, em frente ao destacamento de Madina Fula.



Durante a permanência de “Os Barões” no K3, o IN perdeu alguma iniciativa ofensiva, malgrado as informações de reforços de efectivos e armamento pesado, na região do Morés, reagindo sempre fortemente às frequentes penetrações das NT, em zonas de refúgio e acampamentos. 

Saliquinhedim, por sua vez, sofreu algumas flagelações com morteiro 82 e canhão S/R, a última das quais no dia 1 de Janeiro de 1972. 



Foto nº 11 > Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2753  (1970/72) >  K3 >  Início da noite de 31 de Dezembro 1971 > 1º Srgt Leão, Fur Mil Chambel Prates, Fur Mil Mec Auto Francisco Godinho, Fur Mil Pedro, Sold. Corneteiro (barman da messe) Manuel dos Santos, [, elemento não identificado], eu, Fur Mil José Faia e, ao fundo Sold Reis.



O IN reagiu á provocatória noite de passagem de ano, em que um grupo da CCaç 2753 foi festejar o Novo Ano, na zona de Madina Fula, com disparos de armas ligeiras, após o “Toque de Silêncio”, executado pelo nosso corneteiro, o saudoso Manuel dos Santos. [Foto nº 11]

A artilharia de Farim, resolvia estas situações, com as nossas indicações, dos prováveis locais de origem dos ataques.

Na fotografia com que termino este álbum, estou com vários elementos do meu pelotão na parada, com uma gazela abatida, a quando da realização de uma coluna auto a Mansabá.[Foto nº 12]

O animal atravessou a estrada, umas dezenas de metros à frente da primeira viatura (, uma Berliet, ) onde eu ia, e com um único tiro de G3, incrédulo,  vi o animal tombar, a cerca de 100 metros da estrada. Recuperada e colocada na viatura, ainda mais incrédulo fiquei quando verifiquei que a bala tinha
atingido a gazela no pescoço, junto à base do crânio. Garanto que não é história de caçador…




Foto nº 12 > Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2753  (1970/72) > K3 >    Alguns elementos do 2º Pelotão. A partir da esquerda: Roberto Mendonça, eu, Barbosa, Santos Carvalho, [, elemento não identificado], [elemento não identificadio], ”Faial”, Freitas, [elemento não identificadi],  Grilo, Bettencourt e José Estrela

Em finais de Fevereiro de 1972 deixámos o K3 e novo desafio esperavanos em Mansabá!




Bombarral, José Pimentel de Carvalho, 2020
  [, médico veterinário  e novo membro da Tabanca Grande, nº 807]
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