sexta-feira, 14 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6390: Agenda cultural (76): Memória do Campo de Concentração - Tarrafal, até 27 de Agosto no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2010:


Guineenses no Campo de Concentração do Tarrafal

Beja Santos

Em 1935, Salazar determinou a criação do Campo de Concentração do Tarrafal destinado a presos políticos e sociais. Por este campo passaram 357 deportados, na sua maioria portugueses. O Tarrafal só deixou de funcionar como colónia penal para criminosos políticos em Janeiro de 1954, tendo nele morrido 32 antifascistas. Em 1961, foi reaberto o Tarrafal, agora com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom. Em Fevereiro de 1962 chegou os primeiros 31 presos políticos, oriundos de Angola, e em Setembro desembarcam mais 100 nacionalistas guineenses. Entre 1968 e 1971, foram também ali encarcerados 20 presos políticos cabo-verdianos. No total, estiveram ali aprisionados 227 nacionalistas das ex-colónias de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Em 1 de Maio de 1974, pôs-se termo a mais de 30 anos de funcionamento do chamado “Campo da Morte Lenta”.

Até 27 de Agosto, é possível visitar no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, a exposição “Memória do Campo de Concentração do Tarrafal”, de colaboração com as Fundações Mário Soares e Amílcar Cabral.

Um importante catálogo permite passar em revista os desterros do Império, uma análise da consolidação do regime de Salazar, os estudos efectuados para instalar um campo de concentração para presos políticos, a natureza dos castigos e trabalhos forçados, a vida no campo, os mecanismos da solidariedade e como se repercutiu a acção dos movimentos de libertação na vida do Tarrafal. É assim que ficamos a saber que antes mesmo do início da luta armada (no calendário do PAIGC, Janeiro de 1963) 100 presos políticos guineenses foram deportados para o Tarrafal. De facto, em 13 de Março de 1962, a PIDE assaltou uma casa clandestina do PAIGC nos arredores do Bissau, prendendo os dirigentes Rafael Barbosa, Mamadu Turé e Albino Sampa. Na sequência destas prisões muitas outras se sucederam. Em Setembro desse ano chegaram ao Tarrafal 100 prisioneiros guineenses (entre os quais um cabo-verdiano) transportados no navio “África Ocidental”, escoltado pelo “Vouga”. O catálogo mostra importantes documentos referentes a estas prisões. Em 1969, numa tentativa de reconciliação, largas dezenas desses presos guineenses regressaram à Guiné.

A exposição mostra o dia-a-dia destes presos políticos, os protestos e castigos, as provas de solidariedade internacional. Morreram dois guineenses no Tarrafal, ambos em Novembro de 1962: Cutubo Cassamá e Biaba Nabué.
O catálogo ficará a pertencer à biblioteca do blogue.

Capa do catálogo da exposição patente até Agosto no Museu do Neo-Realismo
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6383: Agenda cultural (75): Iniciativas culturais na Livraria Verney e no Palácio da Independência (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6389: Bombolom XVI (Paulo Salgado): Morreu o Gomes - O anti-herói

Bissau > 31 de Agosto de 2004

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado* (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 8 de Maio de 2010:

Meus Caros Editores e camaradas e tertulianos
Se achardes bem, postai esta singela homenagem.

Saudações
Paulo salgado


Bombolom II (1)

Morreu o Gomes – o Anti-Herói


Soube há dias que o antigo soldado do meu grupo de combate, o Gomes, faleceu em Lisboa.

Vítima de doença cardíaca, partiu para algum além que nós, humanos, não sabemos onde é – os crentes (ainda que mais ou menos crentes) acreditam que há um além, um ser superior, como dizem os narcóticos anónimos – deixou-nos e eu quero deixar uma homenagem pública (neste nosso espaço que é público) a um anit-herói.

Depois do regresso, apenas o vi num almoço de confraternização da minha Companhia – a CCAV 2721, que todos os anos se reencontra. Andava com uma vontade enorme de o rever, como de rever o Novais, o Correia e tantos outros que me acompanharam pelas matas e bolanhas vizinhas do Morés (repito: vizinhas, para que fique bem claro, pois das pouquíssimas vezes que ousámos penetrar foi um arraial de pancadaria com consequências gravíssimas que me escuso de contar – já disse ao nosso primeiro Editor, Luís Graça que me recuso a mostrar a história da Companhia, a não ser por razões de feitura de trabalho investigatório…).

O Gomes era um senhor na vida civil. Ao sábado, mecânico de camiões, com bom salário, comia o seu bife a cavalo no Galeto, na Av. da República, Lisboa… como ele se divertia falando dos bifalhões, quando comíamos as sardinhas com feijão enlatado…lá no Olossato.

Estava na guerra absolutamente consciente de que os meses tinham que passar, estava na guerra porque não fugira para os bidonville algures em Paris; estava na guerra com um desprezo total do que se passava à sua volta; estava na guerra com uma postura de apenas fazer o mínimo. Um dia, queixou-se de que estava doente: teria paludismo e, portanto, não poderia fazer o patrulhamento. Claro que ficou na caserna. No final da actividade, fui à caserna saber da sua saúde. Lá estava, preparando uns passarinhos para ele e para a sua equipa Sentença do alferes: dois reforços de sentinela às 2 horas da madrugada – o castigo!

Vim a saber depois: ele conseguira levantar-se e preparar algo para os companheiros. Fui injusto.

O Gomes, pela sua postura, ensinou-me muito. Era preciso ter calma, era preciso ver as coisas profundamente. E sempre achei que ele sabia muito mais da vida do que eu. Nunca me esqueci da sua presença serena, meio malandra e meio sarcástica, também.

Pois é. Revi os três (o Novais, com quem tive uma maca que nunca nos esqueceu, a ambos; o Correia e o Gomes) passados 37 anos após o nosso regresso. Como habitualmente, levei uma prenda das muitas que trouxe comigo para ofertar, e que trouxe aquando das minhas viagens à Guiné-Bissau. Fez-se o sorteio… e, quer o destino destas coisas: a estatueta saiu ao Gomes…

Gomes: lá onde estiveres, fazes parte da minha história pessoal, não apenas pela por força da passagem pela guerra, como alguém que era um anti-herói, mas pela forma como abordavas a maneira de viver. Ou serias herói?

Paulo Salgado
Ex-Alf Mil Op Esp
CCAV 2721
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6360: Convívios (150): Encontro do pessoal da CCAV 2721, dia 28 de Maio de 2010 em Almeirim (Paulo Salgado)

Guiné 63/74 - P6388: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (8): Promessas

1. Do nosso Camarada Torcato Mendonça, ex-Alf Mil AT Art da CART 2339, Mansambo, 1968/69:

AO CORRER DA BOLHA - VIII

PROMESSAS


Espaço enorme.

Espaço bem definido, tendo num topo uma Basílica em construção e a antiga no outro. Entre as duas aquele espaço enorme, o lugar de culto com a pequena capela com a Senhora. Os visitantes e peregrinos, muitos, andavam por ali em oração ou, como eu, poucos, certamente, em observação.

Ainda vi um ou outro camuflado, gente a caminhar de joelhos para admiração minha, gente de rostos sulcados pelas rugas e curtidos por mil sóis, em contraste com outros muito bem tratados. A diversidade era enorme quer no aspecto social quer no aspecto etário.

Ia observando e procurava a explicação para tudo o que me envolvia. Senti, talvez pela educação católica outrora recebida, por saber a história do local ou, certo é que algo me transmitia um misto de paz, de tranquilidade e de inquietação, uma necessidade de compreender. Sentia ser difícil de explicar aquele choque de sentimentos sentidos.

Observava uma grande espiritualidade e simultaneamente o peso enorme da parte material, o negócio, o dinheiro que por ali corria. Ia pensando, meditando em tudo e tentar explicação certamente para o inexplicável.

De repente vi-o. Estava parado, absorto nos seus pensamentos. Dirigi-me para ele e quase lhe toquei. Só então me olhou. Olhar vago, vazio, olhar impróprio nele.

Cumprimentamo-nos e nem esboçou um sorriso.

- Que fazes aqui, perguntou-me.

- Vim tratar de um assunto pessoal. E tu? Estranho ver-te aqui.

- Fácil de explicar, respondeu-me. Estou aqui porque, como tu, estive na Guiné. Hoje, vinha do Porto para Lisboa e virei para cá.

Vamos tomar um café e falamos um pouco.

Senti nele a necessidade de desabafar, de contar algo.

Sentados frente a frente deixei-o então falar. Se bem me lembro disse:

- Há muitos anos atrás, numa fria e enevoada manhã de Dezembro, aportei a Lisboa vindo da Guiné. Não tive grande dificuldade em encontrar meus pais no meio daquela multidão. Confesso que foi um encontro a marcar-me para sempre. Nunca tinha sentido aquela forma como me olhavam, abraçavam, tocavam. Tentava manter-me calmo. Falávamos a querer dizer tudo, a falar de forma estranha como se o tempo se fosse esgotar, como se alguém viesse impedir que falássemos. Difícil de explicar.

Claro que não posso fazer analogia com a partida. Nesse dia, a pedido meu, não tinha ninguém lá.

Mostraram, mais minha mãe, o desejo de aqui vir antes do regresso a casa.

Disse ser difícil para mim. Só estaria disponível dois ou três dias depois. Não sabia ao certo. Um dia viríamos. Um dia. Ainda falamos um pouco mais e escuso de referir. Falamos, posteriormente, em vir aqui algumas vezes.

Vi-o beber o café já frio.

- Nunca cá vieste, pois não? Perguntei-lhe

- Não. Vim hoje porque senti necessidade. Respondeu-me.

Mudou de tema e falamos de outros assuntos. Assuntos triviais, assuntos a dizerem não querer falar mais do porquê da visita ali.

Pouco depois despedimo-nos.

Ainda fiquei e pedi mais um café. Precisava. Se estava, digo mesmo, um pouco confuso, talvez agora sentisse uma maior necessidade de compreender certos porquês.

Enquanto bebia o café relembrava a forte religiosidade existente no meu Grupo de Combate, na minha Companhia.

Quantos, depois de voltar da Guiné ali teriam vindo?

Lá, quando caíam numa emboscada, faziam um assalto, sofriam um ataque ao aquartelamento, pensariam em religião? Qual seria o seu peso antes das operações?

Todos os Grupos tinham, se a memória me não atraiçoa, uma Senhora a quem rezavam em maioria.

E do outro lado, do lado dos nossos adversários ou inimigo, maioritariamente de outra religião, como pensariam?

Um dia, se isso for possível, tentarei perguntar aos camaradas do meu grupo.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6381: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (20): Choro na noite

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6305: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (7): Lágrimas secas

Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)



Guiné > Região do Oio > s/d > CCP 121 / BCP 12 (1969/71) > Algures no Morés > O Hoss com a MG 42


Guiné > s/l > s/d > CCP 121 / BCP 12(1969/71) >  Um soldado paraquedista  "gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore", e que foi assistido pelo Sold Enf Pára Sílvio Abrantes, mais  conhecido pelo seu nome de guerra,  Hoss.

Fotos (e legendas): © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes,  membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o  Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Foi soldado e enfermeiro, frazendo questão de andar com a MG 42.


2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (2ª parte)

Resumo da I Parte:

Seguíamos de Bissau para Teixeira Pinto,  de coluna, quando fomos atacados cerca de 3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado cifrou-se em 6 mortos e 9 feridos, alguns com gravidade. (...)

 
As  companhias [de caçadores paraquedistas] 121 e 122,  quando comandadas pelo meu amigo ex-Capitão Terras Marques, hoje Coronel na reforma,  sempre foram companhias bem armadas, desde os RPG às MG havia de tudo, eram companhias fortemente armadas.

A talho  de foice,  em poucas palavras , um dia chegamos a Bolama, comandados pelo Terras Marques, fomos recebidos pelo comandante chefe, um Sr. Coronel que ficou pasmado com o armamento que nós trazíamos ao ponto de pedir para que fosse disparado um tiro de RPG7 em frente à porta de armas onde estávamos formados.

Depois de avisado do que aconteceria a seguir,  o nosso homem não se importou, quis foi ver o róquete disparado. Imaginem o que aconteceu a seguir.

Acabada a comissão do  ex-Capitão Terras Marques , veio outro comandante de companhia, que no discurso de apresentação a  certa altura diz:
- Na  Guiné não há guerra.

Ainda  hoje essas palavras bailam no meu cérebro e de muitos dos meus colegas. Não tardou muito que fossem retiradas à companhia armas pesadas, pois não havia guerra. Mas há uma coisa, eu quero que fique bem explícito, nós não culpamos o comandante de companhia pelo sucedido, que fique bem claro.

Junto envio duas fotos. Uma minha,  com a magnânima MG, algures no Morés, e outro dum colega gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore. Ficou com as pernas e as costas totalmente crivadas de estilhaços. Perdeu muito sangue ao ponto de eu não poder meter o soro no braço devido à falta de pressão nas  veias. Tive que fazer uma coisa que antes nunca tinha feito,  foi às escuras que o fiz,  meter  o soro numa veia das costas da mão, mas graças a Deus correu bem.

Horas amargas, mais amargas do que o fel.  O que será feito deste  bravo? Será vivo? Continua a sofrer? Não teria sido melhor eu tê-lo deixado morrer? Passados estes anos todos,  ainda penso muito nele. Gostava de o ver, mas não me lembro do seu nome.

Depois da resfrega e feitas as evacuações, e com  tudo a postos,  retomámos a viagem para Teixeira Pinto com uma paragem no Pelundo, onde estava a rapaziada toda à nossa espera pois já sabiam do sucedido. No meio da parada havia um fontanário com água a correr, dirigimos-nos para lá a fim de nos refrescar. Entretanto há uma voz que atrás de mim diz:

- Ó Fagundes,  o que é que tens na cabeça?

Era um colega de escola, furriel do exército. Passo a mão na cabeça e vem sangue  seco. Foi o tal zumbido que ouvi quando estava em cima da viatura e ver onde o IN estava emboscado. Mais um centímetro à direita e hoje o Hoss já não era lembrado.

Com tantos ferido ficámos sem medicamentos. Passados 2 ou 3 dias,  passa um avião T6 e apanho boleia para Bissau para ir buscar medicamentos. Quando aterramos  em Bissau,  diz o piloto:
- Gostaste da viagem?
- Claro que gostei ! - respondo eu com as pernas a tremer,  que mais pareciam bandeiras desfraldadas ao vento.

Vejam só,  o Hoss armado em cagarola e dias antes tinha andado aos tiros na guerra como se andasse a caçar coelhos numa coutado no Alentejo. É que o piloto daquela coisa voadora fez tudo para me enjoar,  mas não foi capaz.

Da pista sigo para a enfermaria para fazer a devida requisição dos medicamentos,  na passagem páro na secção fotográfica da Base Aérea para deixar os rolos de fotos que tínhamos tirado na emboscada. Pelo caminho reparo que,  quando o pessoal quando me via,  fugia. 

Chego à secção fotográfica e ao balcão estava um cabo que,  quando me viu,  fugiu, parecia que tinha visto um fantasma.  Do lado de dentro do balcão e à direita havia uma porta, espero um pouco,  aparece o sargento a espreitar. Eu pergunto:
-  Que é que se passa,  meu sargento? Já não me conhece, não sabe quem eu sou?

Então o bom do amigo,  muito excitado,  diz:
- Corre a voz que tu morreste.

Enigma resolvido. Imaginem. Dali sigo para a enfermaria,  quando entro fez-se silêncio. Ninguém disse nada, então eu quebrei o gelo e disse:
- Ainda não morri,  estou aqui bem vivo.

A tenente enfermeira Zulmira  e a sargento Maria do Céu,  emocionadas,  deram-me um forte abraço. Feita a encomenda,  sigo à procura do ex-Capitão Terras Marques  e ex-comandante da companhia. Fui encontrá-lo na messe dos oficiais. Quando me viu,  disse:
- Foram os meus homens que morreram.

Mais palavras para este homem? Creio que não são necessárias.

A Sargento Maria do Céu nunca mais a vi. A Tenente Zulmira encontrei-a há 23 anos,  no Dia da Unidade,  em S. Jacinto – Aveiro. Imaginem como foi o nosso reencontro.

Hoss


[ Fixação / revisão de texto: L.G.]
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Guiné 63/74 – P6386: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (32): Loureiro, Oliveira e passados…

1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 11 de Maio de 2010:

Camaradas,
Estou a recuperar a minha boa forma - depois de ter andado algumas semanas com um joelho "ao peito" - e envio-vos uma nova história, que tem a ver com um recente convívio da minha C.Caç. 675 e festejou o seu 44º. Convívio no passado dia 9 de Maio, na E.P.I., em Mafra.
Entretanto aproxima-se o nosso V Encontro de Monte Real e a possibilidade de vos dar um abraço.

Loureiro, Oliveira e passados…
Nem sempre o que parece é!
Nesta história de vida, que nos propomos dar à estampa, o Loureiro, o Oliveira não são árvores mas apelidos de dois ex-militares que se conheceram na Guiné na década de 60.
Também nesta história os “passados” nada têm a ver com os frutos secos, que se costumam comer a partir do final do Outono, mas com “tempos” diferentes de vida…
Aqui os passados reportam-se a tempos recentes e distantes que circunstâncias diferentes da vida fizeram cruzar…
Em passado recente, mais propriamente no passado dia 9 de Maio, o Loureiro e o Oliveira encontraram-se em Mafra, na E.P.I. (Escola Prática de Infantaria) num convívio de ex-militares da sua Companhia da Guiné.
Cabe aqui esclarecer, para os menos conhecedores do “meio”, que estes convívios são muito frequentes de norte a sul do País e a maioria deles ocorre durante o mês de Maio.
O Loureiro e o Oliveira estiveram assim no 44º. Convívio da C.Caç. 675, que foi a “família” de 170 jovens militares no período de 1964 a 1966.
Em relação à viagem de regresso - de Bissau a Lisboa em 3 de Maio de 1966 - já lá vão portanto 44 anos…
Regressando a esse passado distante é tempo de dizer que o Loureiro é natural da Marinha Grande. O responsável por estas linhas – o tal Oliveira do título – é de Alcobaça.
Personalizando…
O facto de sermos vizinhos na vida civil facilitou a nossa proximidade “militar”numa relação que, a correr bem, ia durar pelo menos dois anos.

Da esquerda para a direita: Furriéis Loureiro, Oliveira e Moreira, e o 2º Sargento Marques no Café do Bento, em Bissau
O Loureiro - Leonel João Gil Loureiro de seu nome completo – era o Furriel das Transmissões.
O facto de na sua missão ser obrigado a sigilo, por lidar com informações e documentos confidenciais, explica (de algum modo) o seu comportamento reservado para com a maioria dos camaradas. Independente disso era de facto um tipo “fechado”, mas com quem sempre tive um bom relacionamento.
Não muito íntimo mas um relacionamento leal e amigo, que norteou a nossa vivência num aquartelamento de dimensões reduzidas.
Foi pois com surpresa que descobri em 9 de Maio de 2010 um Loureiro que falou de si e da sua vida – sem parar – mais de uma hora.
E aconteceu por motivos imprevistos. Avaria do carro do Loureiro que obrigou a uma viagem a dois.
Obviamente que, logo que soube que o Loureiro estava “apeado”, lhe ofereci uma boleia até aos nossos sítios, pois continuamos a viver nas terras onde nascemos – Alcobaça e Marinha Grande, separadas por 30 kms.

E foi nessa viagem de retorno às origens que conheci um “novo”Loureiro.
Bem mais velho que o dos tempos da Guiné mas “novo”… porque já não se mostrava “fechado”.
Quarenta e tal anos depois de Binta estava sentado no meu carro, ao meu lado, um Loureiro que falava “pelos cotovelos”…
O Loureiro falou, falou…e durante 100 Kms quase que não abri a boca.
Fiquei a saber que o Loureiro teve desde jovem uma vida dura. Nascido na Marinha Grande passou, como muita gente do seu tempo, pelas “artes do fogo”, trabalhando na indústria vidreira...
Viveu portanto, desde cedo, à entrada do “inferno”…pois quem se iniciava na indústria passava longas horas nas proximidades dos fornos, que cozem a altas temperaturas.
Estudou durante a noite num curso de comércio. Conseguiu arranjar um emprego melhor mas nunca teve uma vida desafogada.
Em termos familiares passou por grandes traumas.
Seu pai, vítima de doença prolongada, pôs fim à vida. E sua mãe faleceu meses depois quando o Loureiro já cumpria serviço militar na Guiné.
Nesta fase do seu regresso ao passado o Loureiro confessa o desgosto por não se ter despedido da sua mãe.
Não o fez simplesmente… porque não foi capaz.
Sabia que lhe ia dar um grande desgosto e… encarregou uma tia, com quem tinha uma relação muito próxima, de informar a mãe que ia para a guerra do Ultramar.
E só escreveu à mãe… quando já estava na Guiné!
E foi em Binta, no Norte da Guiné, que veio a receber a dolorosa notícia da morte da sua mãe.
O Furriel Loureiro refugiou-se no seu trabalho de transmissões e aguentou o desgosto sozinho.
Como amigo, e também como enfermeiro, não me lembra de um único queixume do Loureiro. Era rijo o homem da Marinha Grande…
Cumpriu os seus dois anos de Guiné e, quando regressou, apressou-se a cumprir o doloroso dever de visitar a campa de sua mãe. Na Marinha Grande, na terra onde tinha visto pela última vez viva a sua mãe. Mãe de que não se tinha despedido…
Depois… começou “as lutas” da vida civil.
Novo emprego, casamento, pequeno empresário, filhos, divórcio… Altos e baixos numa vida de luta…
Voltava “à guerra” uma vez por ano nos convívios da sua Companhia da Guiné.
E os anos iam passando.
Em 1989 morre uma sua irmã. Em relação à morte da sua mãe tinham passado 24 anos.
O Loureiro sentiu de novo na pele o desgosto da perda de mais um familiar. No dia do velório da sua irmã resolveu a certa altura ir ao cemitério para ver como estavam a correr as coisas.
Chegou junto do coveiro que estava a abrir a cova para a sepultura da sua irmã.
O coveiro interrompeu o seu trabalho e disse ao Loureiro que havia um problema.
- Olhe que se calhar vamos ter que atrasar o funeral. Acabei de encontrar o caixão da sua mãe que está “inteiro”.Não vai caber aqui outro caixão.
O Loureiro ficou sem palavras e sem saber o que fazer.
Ali estava, à vista, o caixão de sua mãe… de que ele não se tinha despedido…
Passou-lhe uma coisa pela cabeça e pediu ao coveiro para abrir a tampa do caixão.
Foram momentos em que quase não respirou.
Retirada a tampa do caixão viu o corpo da sua mãe. Inteiro. Mirrado mas sem sinais de decomposição.
Até tirei as mãos do volante e… disse finalmente alguma coisa.
- Eh pá, que coragem tiveste!
O Loureiro continua e descreve o momento com tranquilidade.
- Parecia que tinha estado ali todos aqueles anos à minha espera. Consegui finalmente despedir-me da minha mãe e… senti uma paz imensa…
Questionei o meu amigo e companheiro da C.Caç. 675:
- Vês alguma coisa de místico, de sobrenatural no facto do corpo da tua mãe estar intacto?
- Eh pá não pensei nisso. Não sei explicar. Naquele dia senti que tinha que ir ao cemitério antes do funeral. E vi a minha mãe. E ganhei uma paz que não tinha…
Pensei cá com os meus botões:
- Para um tipo calado, fechado que nem uma ostra, naqueles cento e poucos quilómetros que tínhamos percorrido juntos, o Loureiro tinha falado mais que em dois anos de Guiné!

Quarenta e tal anos… conheci um novo Loureiro.
Despedimo-nos com um grande abraço e com uma fotografia. Para mais tarde recordar…
A história está a chegar ao fim.
Apesar de algumas referências à morte acho que é uma extraordinária história de vida…
Quanto ao futuro… costuma dizer-se que a Deus pertence.
No dia do convívio da C.Caç. 675 ouvi dizer (e fixei…) que só tem futuro quem honra o passado…
Acho que o Loureiro o fez.
Em nome do passado – e para efeitos futuros – aqui fica o meu testemunho.

Um grande abraço de Alcobaça
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6385: Estórias avulsas (34): Ataque a Jumbembem no dia de Carnaval de 1974 (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512)


1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 10 de Maio de 2010:

Jumbembem - Ataque ao quartel (ao arame) no dia de Carnaval

2 das páginas da minha agenda/diário da Guiné
25-02-1974:
O meu 2º pelotão fez a picagem a Sare Tenem, para se realizar a coluna ao destacamento de Canjambari.
Tudo correu normalmente durante o dia não se tendo feito o patrulhamento nesta área, porque no decorrer da picagem pareceu-nos tudo normal.
Como era dia de Carnaval (velha tradição metropolitana), fugi às normas que eu próprio havia estabelecido para mim e fui-me vestir à civil, assim como outros camaradas da Companhia, apenas com a ideia de mudar de visual, umas 2 ou 3 horas e matar saudades das roupas civis.
Ao contrário do que era esperado, por volta das 20h00, fomos surpreendidos com um forte ataque ao quartel (com o IN junto ao arame).
Ouvi as primeiras rajadas das “costureirinhas”, logo de seguida o som estridente dos rebentamentos de granadas de morteiro 82 mm e RPG, e corri para a vala para me proteger.
Logo que pude corri (mais rápido do que na instrução em Lamego) de novo para o meu quarto, já arrependido de me ter equipado com roupa civil e equipei-me com o camuflado, as cartucheiras e a G3, em +/- 1 minuto.
Saí em corrida em direcção à vala mais próxima do meu quarto, ainda a apertar o cinturão, e aguardei até que amainasse novamente o ataque, que foi o primeiro deste tipo a ser dirigido ao nosso quartel.
Como as morteiradas explodiam muito perto instalou-se o caos no pessoal da companhia, com este ataque surpresa, que, em correrias desnorteadas, procurava rapidamente as valas e os abrigos, construídos em vários pontos do quartel, e que, obviamente, eram os refúgios preferidos da quase totalidade da malta.
Entretanto eu saí da vala onde me havia instalado, para tentar chegar à caserna do meu 2º pelotão. Como o quartel estava sendo fortemente iluminado por “very-lights” lançados pelo IN, se nos movimentássemos, de pé, éramos alvos fáceis.
As granadas dos RPGs assobiavam por cima de mim e só tive tempo de me lançar para uma vala, perto do posto de transmissões, que estava repleta de homens e onde além dos rebentamentos ouviam-se alguns gemidos, com vários palavrões à mistura, dos que estavam por baixo a suportar o peso dos que se iam amontoando, em cima deles, e lhes dificultavam a respiração.
Alguns dos militares estavam feridos, principalmente devido a quedas durante as corridas para a vala e ao lançarem-se para dentro desta.
Por instantes o ataque abrandou e eu saí da vala, começando a correr em direcção á caserna do meu pelotão, ao encontro dos meus homens. No entanto tive que parar, outra vez, porque recomeçou o “fogachal” vendo-se os clarões de novos “very-lights”, rajadas de costureirinhas, morteiradas de 82 mm e granadas de RPGs a estourarem por perto.
Por momentos consegui abrigar-me perto do depósito da água, onde os soldados da companhia habitualmente tomavam o seu duche, e dei comigo a observar aquele cenário de iluminação, fogo tracejante e os “flashes”das explosões, como um filme cujo guião só poderia ter derivado de uma mente mestrada em ficção, terror, destruição e morte, um misto de Nicolau Maquiavel e Dante Alighieri.
Voltei à realidade e notei que dali até à caserna distavam +/- 40 metros. Como os “very-lights” continuavam a iluminar bem aquela zona (parecia dia), e eu via o rasto das balas tracejantes a cruzarem o ar por cima da minha cabeça, decidi rastejar alguns metros… mas, como a área era muito descoberta, comecei a pensar que me ia expor demasiado a ser atingido, no percurso entre o depósito da água e o meu pelotão.
Assim, resolvi que seria mais útil colocar-me na zona frontal e central da parada, onde calculei que seria o ponto fulcral, para qualquer investida que fosse feita pelo IN, para dentro dos arames.

Jumbembem > 1973 > Parada do quartel
Entretanto apagaram-se todas as luzes do quartel, certamente para não sermos referenciados.
Naquela escuridão, todos os “gatos eram pardos”.
Eu via vultos a deslocarem-se à minha frente no meio da parada, mas não distinguia bem quem eles eram, de modo que só quando se aproximavam mais de mim, eu apontava a G3 e perguntava: “Quem vem lá?”
Vá lá que todos me foram respondendo.
Depois de refeitos da surpresa, começamos então a responder com o morteiro de 81 mm, com o armamento instalado no posto nº 2 (salvo erro), a “Dreyse”que estava colocada à saída para a picada de Canjambari e a “Bazuca” posicionada no posto nº 3 à saída para a picada de Cuntima (se não estou errado).
Só o obus é que não entrou em acção, dada proximidade do inimigo.
Começamos então a reagir melhor e a concentrar mais acertadamente o nosso fogo, para a zona de onde iniciara e se referenciara o ataque, entre a picada de Canjambari e a picada de Cuntima, calculando que o IN devia estar entre +/- entre 50 a 100 metros do arame farpado e nós, inicialmente, estávamos a “bater” uma zona mais para trás.
Só posteriormente fomos rectificando a distância do tiro da “Bazuca” a partir, como disse, do posto nº3 (?).
O IN não atingiu as instalações como tencionava, apenas me recordo de 1 RPG entrar no telhado do edifício de comando ao lado do meu quarto, onde estava instalado o nosso 1º Sargento Teixeira, caindo a empenagem no meio da cama e o copo da dentadura ficar perfurado com estilhaços, que teve muita sorte em não estar lá nessa altura.
Pode-se ver o pormenor da beira do telhado no edifício de comando destruída, em duas fotografias que estão colocadas no poste P6271, dedicado à ocupação de tempos livres, em que estou a marcar um “penalty” num jogo de andebol contra a CCAÇ 4616.
Pela manhã, fomos fazer o reconhecimento nas imediações do arame farpado, de onde o inimigo disparara e para onde tínhamos concentrado o nosso poder de fogo (mais destruidor com a bazuca), e detectamos além de vestígios de sangue, vários objectos dos quais já não recordo nada e as marcas no terreno da instalação dos morteiros de 82 mm.
Que me lembre, este ataque não nos causou qualquer ferido, nem danos relevantes no aquartelamento, nem na tabanca.
Este é o relato que mantenho gravado na memória desse explosivo dia de Carnaval.

Jumbembem > 1974 > Pessoal deambulando pela parada num qualquer domingo
Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P6384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (29): Diário da ida à Guiné - 09/03/2010 - Dia seis

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 1 de Maio de 2010:

Caro Carlos:
Mando em anexo mais um relato da minha ida à Guiné, esperando que aquele país, onde tão bem me senti, não venha a descambar, face às últimas notícias.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATA - 29

Diário da ida à Guiné – Dia seis (09-03-2010):

Finalmente Bafata à vista.

O percurso da “operação” era longo e por picadas não percorridas há mais de quarenta anos. Por essa razão se partiu mais cedo que o habitual. Porque o “objectivo da operação” era “um golpe de mão” a Bafata, mais uma vez pedi ao Chico Allen para ser eu a conduzir a carrinha. Conhecia bem o terreno, principalmente na aproximação ao “objectivo”.

Também queria ser eu a ter a experiência de passar as caricatas (não me canso de o dizer) barreiras policiais, no entroncamento de estradas de Safim. Primeira corda com os farrapinhos. O polícia às voltas ao carro, não lhe dou troco, pergunta-me o que ando por ali a fazer, digo-lhe que somos turistas portugueses, que pertencemos a uma ONG, meia verdade. Mais uma volta ao carro, o Allen vendo o precioso tempo a decorrer adianta-se ao condutor e estende uma barrinha de cereais ao guarda. A corda que era accionada por outro guarda, baixa acto contínuo, como se o primeiro a tivesse baixado com um telecomando. Passados duzentos ou trezentos metros, nova corda. Já levava uma barra de cereais na mão. Foi só oferecer o mata-bicho e logo seguimos. Muito lamento não ter uma foto destas situações mas parece que eles não gostavam nada disso e o Allen não queria confusões com a polícia.

Até Mansoa passámos por Nhacra e Jugudul. Boa estrada alcatroada. Normalmente a velocidade de cruzeiro era de 120 km por hora. O Allen disse-me logo no início que a estrada de Mansoa a Mansabá estava muito má e que portanto era melhor ser ele a conduzir nesse troço. Se partisse a carrinha estragava o que era dele. Pedi-lhe para conduzir nessa estrada 5 km, à minha responsabilidade. Ao fim de uns 2 ou 3 km entreguei-lhe o volante. A estrada tinha sido de asfalto mas tinha buracos de metro, de metro a metro, com as bordas do alcatrão em aresta viva. Se se conduzisse por aí teria que se fazer uma média de 2 ou 3 km por hora. A maior parte desse percurso foi feito pela berma, fora do alcatrão mas, de vez em quando, por haver árvores ou outros obstáculos, lá se tinha que descer cada roda em cada buraco e tornar a tirá-la. 50 km assim foi um autêntico suplício. Mais tarde ver-se-ão as consequências desta e de outras odisseias.

Estado do piso da estrada de Mansoa a Mansabá.

Ao fim de uma eternidade chegou-se a Mansabá, a “guerra” do Pimentel e do Mesquita, e ainda tínhamos que ir para Bafata, Uma hipótese seria regressar a Mansoa. Logo ali se decidiu que por aquela estrada nunca mais, embora a alternativa fosse ir directamente de Mansabá a Bafata pela antiga picada, que o Pimentel e o Mesquita tinham percorrido há quarenta anos, numa operação inédita, em que numa atitude de algum arrojo o Comandante Chefe resolveu transferir um batalhão com armas e bagagens de Mansabá para Galomaro (é certo que ele não faria o percurso…). Curiosamente fui eu próprio que planeei a operação de segurança na zona de entrada no Sector Leste, pelas bandas de Sare Banda (já referi isso noutra estória).

Em Mansabá o Pimentel e o Mesquita viram o que tinham que ver. Muitos dos edifícios ainda existiam mas já muito degradados. Na antiga piscina nasceu uma grande árvore que, enorme, lá está implantada.

O estado do edifício do comando do antigo Quartel.

Mansabá. Junto do que foi a piscina. Um antigo guerrilheiro do PAIGC, eu, o Pimentel, o Allen e um Professor. A foto foi tirada pelo Mesquita.

Outra nota de registo foi o Pimentel, dentro de uma escola, falava com o professor. Resolvi entrar para, como já costumo dizer, não perder pitada. No momento em que entrei aconteceu uma coisa que já não fazia parte das minhas recordações das últimas décadas, todos os alunos se levantaram. Fiz um gesto para se sentarem com uma forte dose de emoção à mistura.

Tínhamos que ir almoçar a Bafata, metemo-nos à picada e depois de alguns quilómetros ainda pensámos duas vezes em usar a estrada esburacada, por Mansoa. O estado deste caminho veio a mostrar-se também tenebroso. Tinha valas transversais, longitudinais, e buracos talvez de antigos rebentamentos de minas, onde a carrinha tinha que entrar e depois sair. O que ajudava era que de vez em quando a picada tinha dois ou três quilómetros de bom piso e quase sempre grandes árvores a ladeá-la.

O estado da picada de Mansabá a Bafata.

Picada de Mansabá a Bafata.

Passámos por muitas tabancas, pelo cruzamento para Geba, pela derivação para o Empreendimento Turístico do Capé. Um pouco antes da descida para a Ponte Nova pedi ao Allen para parar junto a umas árvores que se começaram a ver. Daquele local via-se já Bafata ao longe. Podem crer camaradas que, até neste momento em que estou a escrever, estou altamente emocionado. O Mesquita estava de boca aberta por, passados quarenta anos, eu me lembrar daquelas árvores. Tirei umas fotos e seguimos.

Foto de há 40 anos em que se vê Bafata ao longe.

Foto actual, tirada do mesmo local, só que as árvores cresceram.

Atravessámos a Ponte Nova (Oliveira Salazar) e entrámos em Bafata pela tabanca da Ponte Nova. Reconheci algumas moranças mas não parámos pois estávamos com pressa para almoçar.

Já se sabia que havia um restaurante que servia bem, na zona de construções coloniais da cidade. É de um casal de portugueses. Para lá nos dirigimos. Enquanto nos preparavam o almoço, saltei para a carrinha e fui directo para o que era o meu primeiro objectivo em Bafata: Tabanca da Ponte Nova.

Já me tinham dito que, com a morte do célebre ourives Tchame, que tinha os dentes com coroas de ouro colocadas por ele próprio, a oficina era agora gerida por um seu filho. Tinha sido perto dali que há 40 anos tinha visto, por uma única vez, uma bajuda à qual tinha tirado uma foto. Foi a bajuda mais espectacular que vi na Guiné durante toda a minha estadia de 2 anos.

O actual Tchame filho do ourives que conheci há 40 anos.

Ia pois perguntar ao filho do Tchame, que agora tem mais de 50 anos, se conhecia a agora mulher-grande da foto que lhe iria mostrar. Antes porém, e para que ele se tornasse colaborante, mostrei-lhe e dei-lhe de imediato, uma bela foto do pai com os seus dentes de ouro. A colaboração que eu esperava foi total.

O ourives Tchame de há 40 anos (foto que dei ao filho).

Mal viu a foto da bajuda disse: - É a Kadidja, se quiser mando-a chamar aqui. As minhas pulsações devem ter disparado. Precisava de a ver, precisava de a fotografar de novo. Como estavam à minha espera para almoçar disse que passado uma hora ali estaria. Almocei e lá saltei outra vez para a carrinha em direcção à oficina do Tchame.

A bajuda que vi uma única vez há 40 anos, que agora soube chamar-se Kadidja.

Claro que se a visse na rua talvez a não reconhecesse, mas ali sentada à minha espera, vi logo que era ela, até porque tinha os mesmos brincos de ouro de há 40 anos. Mulher agora com 56 anos, sem uma ruga e impecavelmente vestida. Disse que me reconheceu e à minha pergunta se sabia onde eu lhe tinha tirado a foto, ela estendeu o braço e indicou a direcção, pois ainda era longe dali. Abraçámo-nos, e só não chegámos às lágrimas.

Kadidja. A alegria em nos revermos foi mútua (Fotograma de filme).

A mulher grande, Kadidja, que um segundo antes sorria. As máquinas digitais são o que são.

Disse-me que Samba era o nome do marido, que tinha tido quatro rapazes e três raparigas e já tinha alguns netos. Ofereci-lhe umas “t-shirt” para os netos, tirámos várias fotos juntos, filmei-a tendo registado a sua voz. Quando lhe pedi para tirar o lenço da cabeça a fim de a fotografar, ela disse que não por causa dos seus cabelos brancos. Achei curioso. Despedi-me e prometi-lhe voltar. Quando me afastava ainda lhe disse as duas únicas palavras que sei em fula: - Kadidja, djarama, djarama bui (obrigado, muito obrigado), obtendo um último sorriso dela.

Cheguei a ir outra vez a Bafata mas por se ter partido uma mola à carrinha e ter acontecido outra série de encontros deste género, que mais tarde descreverei, não cheguei a revê-la nem a conhecer o marido, cujo nome é o mesmo que o do único amigo africano que tive em Bafatá há 40 anos. Só faltava que fosse o mesmo Samba… Ainda cheguei a comprar prendas para os dois, mas não lhas cheguei a entregar.

Fui ter com o grupo ao restaurante e para abreviar direi: Palavra puxa palavra, descobri que o dono do restaurante foi quem, há 40 anos, me deu boleia de Bambadinca para Bafatá no regresso das minhas últimas férias na Metrópole, que já descrevi noutra estória. Foto da praxe e regresso a Bula, agora pela boa estrada alcatroada.

Com o Sr. João Marques Dinis que há quarenta anos me deu uma boleia de Bambadinda para Bafata.

Ainda fomos jantar a Bissau pois tinha de tratar na TAP do adiamento, por uma semana, da minha vinda para Portugal. Teria que ir outra vez a Bafata.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6330: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (28): Diário da ida à Guiné - 08/03/2010 - Dia cinco

Guiné 63/74 - P6383: Agenda cultural (75): Iniciativas culturais na Livraria Verney e no Palácio da Independência (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, com data de 3 de Maio de 2010:

Agradeço o favor de confirmarem a vossa desejada presença no lançamento da colecção «Fim do Império», para efeito de reserva de lugar adequado aos prelectores da tertúlia «Fim do Império».

LANÇAMENTO DO 1.º LIVRO DA COLECÇÃO FIM DO IMPÉRIO

No dia 18 de Maio de 2010, 3ª feira, às 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney, na rua Cândido dos Reis, n.º 90, no centro histórico de Oeiras, decorrerá o lançamento do 1.º livro da colecção Fim do Império, Crónicas dos últimos dias de Timor Português e outras histórias de guerra, do coronel Rui Marcelino, com a participação do autor, do general António Barrento (que apresentará a obra) e dos tenentes generais Chito Rodrigues e Sousa Pinto, presidentes, respectivamente, da Liga dos Combatentes e da Comissão Portuguesa de História Militar, instituições que coordenam e apoiam a colecção, conjuntamente com a Câmara Municipal de Oeiras e com a colaboração da DG Edições.

Ocorrerá, também, uma singela homenagem ao escritor João Aguiar referido numa das badanas da obra:

Como muito bem refere o grande escritor João Aguiar, houve um império, com as suas grandezas e misérias, sendo saudável tentar reflectir, serenamente, sobre esse período da nossa História.

«(…) qualquer obra literária sobre o assunto, se escrita com sinceridade e com honestidade, assume grande importância, independentemente de concordarmos, ou não, com a perspectiva que nos apresenta; porque, sendo essa perspectiva honesta, ela decerto reflectirá, pelo menos, uma parte, uma faceta de uma realidade que foi vivida e sentida, que é componente da nossa História. (…)»

Este testemunho do coronel Rui Marcelino é um valioso contributo para esse efeito, muito especialmente no que se refere a Timor.

Assim, com todo o mérito, abre a colecção Fim do Império, complementar da tertúlia com o mesmo nome que se tem desenvolvido na Livraria Galeria Municipal Verney/Centro Neves e Sousa. Ambas as iniciativas procuram contribuir para uma reflexão tão serena e objectiva quanto possível sobre este importante período da nossa História, para melhor esclarecimento da nossa sociedade, sendo desejável que também possam ajudar ao trabalho dos historiadores. (…)

Para mais informações, contactar: http://www.blogger.com/mbaraocunha@gmail.com, 917519280.

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2. Mensagem de Mário Bejas Santos, com data de 12 de Maio de 2010:

Queridos Amigos,
Esteve cá o António Estácio para me oferecer o livro (prometo fazer a recensão).
Não posso ir ao lançamento, vou passar o dia na Universidade do Algarve. Ele pede ao blogue que contribua para a divulgação do evento.

Cordiais cumprimentos,
Mário


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3. Mensagem de Mário Bejas Santos, com data de 12 de Maio de 2010:

Luís,
O Manuel Barão da Cunha pede-te muito para estares presente. Faz questão que todos os anteriores prelectores assistam a este evento. Havendo condições, peço-te a respectiva divulgação no blogue. Vou ver se me é possível participar.

Um abraço do
Mário


CONVITE

Enviamos convite para mais uma iniciativa cultural a ter lugar na Livraria Galeria Municipal Verney, no próximo dia 18 Maio, pelas 15h00.
Contamos com a sua visita.

CMO/Divisão de Cultura e Turismo/Livraria Galeria Municipal Verney


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6380: Agenda Cultural (74): Luís Rosa, autor de Memórias dos Dias sem Fim, dia 14, 6ª feira, às 19h, na Biblioteca-Museu República e Resistência, Benfica, Lisboa

Guiné 63/74 - P6382: (Ex)citações (71): Djaló, o teu irmão Braima morreu (Do Comandante do BCAÇ 3883, para o Alf Comando Graduado Amadu Djaló, em 25 de Setembro de 1973)


Senegal > Dacar > 1998 > Amadu Djaló, com a sua filha Ana Djaló, que vive em Londres (*)

Foto: © Amadu Djaló  (2010). Direitos reservados


Do livro de Amadú Bailo Djaló, Guineense, comando, português: 1º volume, comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, pp. 264/265 (**):

O Braima, meu irmão mais novo, frequentou o curso de Comandos de 1972, em Fá Mandinga. Estivemos juntos nos Comandos quase perto de um ano. Uma vez, íamos efectuar um assalto com helicópteros a oeste de Madina do Boé. O assalto era para ser desencadeado depois do bombardeamento da aviação. Quando era assim tínhamos que sair dos helicópteros com o dedo no gatilho.


Calhou o meu irmão ir no meu grupo e, quando chegámos à BA 12, eu só tinha olhos para o meu irmão. Cada vez que levantava a cara, só o via a ele. Então pedi ao Capitão Folques para mandar o meu irmão para outro grupo, para que fosse numa situação menos perigosa. O capitão aceitou o pedido e trocou-o.

Realizámos o assalto sem problemas do nosso lado. O bombardeamento causou vítimas ao PAIGC, apoderámo-nos de vários materiais e regressámos a Bissau, de helicóptero também.

Depois, em 5 de Junho de 1973, eu e mais oito oficiais fomos transferidos para a CCAÇ 21. A nossa companhia ficou com sede em Bambadinca[] e passámos a actuar na zona leste.

Em Setembro estávamos em Piche. A coluna regressava nesse dia [, 25 de Setembro de 1973] , vinha trazer géneros. Eu estava sentado no posto da administração, a conversar com os funcionários, quando chegou um soldado europeu.
- Meu alferes, o nosso Tenente-Coronel mandou-o chamar.

No caminho, o militar perguntou-me se eu tinha algum irmão nos Comandos.
- Sim, tenho – Respondi.
- Morreu! Mas o meu alferes não diga nada ao nosso Tenente Coronel. [Ten Cor Inf Manuel António Danas, Comandante do BCAÇ 3883].

Fiquei sem ter nada para dizer- Quando chegueui à sala de operações, o Tenente-Coronel disse-me

- Djaló, o teu irmão morreu. A coluna já partiu para Bambadinca, mas tens aí uma viatura para te levar e, depois, a viatura regressa com a coluna.

Não esperei mais nada. Tomei lugar no carro, rumo a Bafatá. Quando cheguei a minha casa, encontrei lá muita gente. O condutor parou. Dei-lhe dinheiro para almoçar no restaurante e disse-lhe que aguardasse ao pé da estrada,pela coluna de regresso.

O meu irmão Braima Djaló morreu na Cobiana (#), numa operação da 3ª CComandos. Nesse dia perdi o meu irmão mai amigo. (pp. 264/265)
_ __________

(#) Segundo nota do editor (Virgínio Briote) (p. 265), foi no decurso da Op Gema Opalina, na região de Cobiana, de 24 a 27 de Setembro de 1973. Um dos agrupamentos, com 40 homens, depois de helitransportado para a zona, caiu numa forte emboscada montada da mata para o tarrafo. As NT sofreram 3 mortos (Fur Quintino Rodrigues e Sold Lama Djaló e Braima Djaló) e 7 desaparecidos (Tem Jalibá Gomes, 1º Cabo Albino Tuna e Sold Ali Jamanca, Braima Turé, Vicente Djata, Demba Só e Eusébio Fodé Bamba). Destes desaparecidos soube-se, dias depois, que 4 tinham sido aprisionados pelo PAIGC, incluindo o Ten Jalibá Gomes que foi levado para Conacri, passando a partir de então a colaborar com o PAIGC até à independência. Com os vencimentos atrasados que o Exército lhe pagou, comprou depois um táxi. Morreu em Bissau, de acidente com o táxi, que se incendiou.

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Notas de L.G.:

(*)   Vd. postes de:



(**)  Vd. poste de:

Guiné 63/74 – P6381: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (20): Choro na noite

Choro na noite, mais uma Estória de Mansambo, de autoria do nosso camarada Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).
ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 20

CHORO NA NOITE


Noite clara e a chegar rápida.
O cansaço a tomar conta deles, a paragem a ser feita na bolanha do Bissári.

De repente choro de criança, choro de bebé a soar forte, a cortar a noite, a avisar o inimigo da posição.

- Vai com um milícia dizer à mãe para calar o gaiato.

Traziam três mulheres, uma ou duas com bebés e dois ou três rapazes. Vinham de Cancodea Beafada. Traziam os prisioneiros porque tudo ficara destruído e essas eram as ordens.

O choro parou e o sono foi tomando conta dele e dos outros.

De repente o som forte a cortar a noite. Choro de bebé novamente.

- Foda-se, vai calar o bebé.

- A mãe não percebe. É balanta ou beafada.

- Anda comigo.

A mulher olha-os, embala a criança, afaga carinhosamente o corpito, tenta dar-lhe a mama, cala-se por breve momento o bebé, breve muito breve e volta a chorar forte.

Por gestos tenta fazer-se entender. Sente que o som põe em perigo todos aqueles homens.

E agora? Agora, em gesto brusco, olhar de louco puxa da faca enorme e encosta-a ao seu pescoço. Faz o gesto de degolar.

Na pouca claridade da noite sente o olhar de terror daquela mulher a fundir-se com o seu, sente a criança a ser mais fortemente apertada, sente, nas outras mulheres o medo.

Levanta-se. Sente, ele mesmo, ser um selvagem. Mesmo sendo impossível concretizar a ameaça. Volta com a cabeça a latejar e ouve barulho noutro lado.

- O rapaz mais velho fugiu e outro está ferido…

Fala com o Capitão e rápido iniciam a marcha de regresso. Passos apressados, fatigados, caminhar de gente farta de andar e pouco depois ouvem a saída e o estrondo da granada de morteiro, logo mais outra e curtas rajadas… cabrões… foi o rapaz… Estavam perto… o gaiato ou o rapaz?

Apressam o passo. Andam, mexem as pernas como autómatos e esgotados param uns quilómetros à frente. Consultam o guia, a carta e a bússola, metem-se debaixo do “ponche”, encostam-se ombro com ombro sentados nos calcanhares… só uma hora… fuma um cigarro e “vê” o olhar da mulher… sente-o… raios o partam.

Voltou a vê-la com a criança já em Mansambo. Ela olha-o com terror… afasta-se dali… pede ao Leonardo, chefe da tabanca, para lhe darem o que ela quiser e conta-lhe. O velho ouve-o, bate-lhe no ombro e sorri ao afastar-se.

O olhar dela, daquela mãe não sorri… andou muitas noites de suor com ele e, mesmo agora que alinho letras, se fechar os olhos vejo-o ali… mesmo ali… e arrepio-me…

Mansambo 18 de Março de 1969
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6375: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (19): Tabanca de Fá Mandinga

Guiné 63/74 - P6380: Agenda Cultural (74): Luís Rosa, autor de Memórias dos Dias sem Fim, dia 14, 6ª feira, às 19h, na Biblioteca-Museu República e Resistência, Benfica, Lisboa



3º Ciclo de Conferências Memórias Literárias Guerra Colonial > Biblioteca-Museu República e Resistência / Grandella > Lisboa, Estrada de Benfica, 419 > 14 de Maio de 2010, às 19h > O Luís Rosa , natural de Alcobaça, tal como o nosso querido amigo Jero, vai falar do seu último livro, "Memórias dos Dias Sem Fim"

Sobre o livro e o autor, já aqui escreveu o nosso camarada Beja Santos (*):


(...) "MEMÓRIA DOS DIAS SEM FIM é o romance mais recente de Luís Rosa (autor de O Claustro do Silêncio, O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo, O Amor Infinito de Pedro e Inês, Bocage – A Vida Apaixonada de Um Genial Libertino e O Dia de Aljubarrota), são as suas recordações da Guiné, onde terá combatido entre 1964 e 1966. Terá combatido, na justa medida em que a estrutura da obra não leva o autor a apresentar-se autobiograficamente, há distâncias que são propositadamente confundidas entre o relator e o experimentador das memórias.

"É um livro com uma enorme carga poética e em que se procura responder ao acervo de inquietações de quem combateu e aprendeu a crescer, guardando saudades e regressa ao teatro dos acontecimentos sem rancores nem pedidos de explicação. São sucessivos episódios, balizados pela cronologia de quem parte para a sua viagem no cais do Pidjiquiti e regressa à Guiné reencontrando-se em Lisboa com um comandante de uma unidade de guerrilha do Sul da Guiné. É desse cais do Pidjiquiti que ele partirá para Sangonhá, o seu destino era a fronteira sul, além-Cacine, que ele assim define: 'Um corredor estreito de cerca de três quilómetros, esganado entre o rio Cacine e a linha imaginária da fronteira. Terra de imprevistos, onde a guerrilha se movia à vontade, e se construía uma linha de quartéis, tentando conter a infiltração'..

"Durante a viagem, dá-se uma versão da revolta que ocorreu em 3 de Agosto de 1959, o que historicamente está provado que não foi assim, já havia movimentos independentistas em gestação, o massacre de 3 de Agosto foi mais um detonador de consciências de que o fermento da luta armada. O narrador fascina-se com o relato do comandante Nalu sobre os acontecimentos do Pidjiquiti e rende-se às belezas das florestas, ao rendilhado das águas, ao imputo do tornado e, enfim, a sua embarcação chega a Cacine. Sabemos agora que o narrador é alferes, coube-lhe a missão de construir um quartel em Sangonhá, entre Gadamael e Cacine" (...)


Autor: Luis Rosa (, foto à esquerda)
Título: Memória dos Dias sem Fim: O amor, o sentir das gentes e a crueza da guerra colonial de África
Editora: Presença
Ano: 2009
Colecção: Grandes Narrativas
Nº na Colecção: 453
Nº pp: 268
Preço: c. 15€

Sinopse: 

Com a publicação de Memória dos Dias sem Fim [, clicar aqui para ler um excerto,] o novo livro de Luis Rosa, o romance histórico português rasga novos horizontes, simultaneamente mais vastos e profundos, reveladores da própria dimensão humana. É a realidade da guerra em toda a sua desconformidade e falta de sentido, capaz de denunciar as muitas faces ocultas do homem, desnudando-o e mostrando-o como realmente é - sofredor, idealista, solidário, cruel. 

Mas, patentes nestas páginas de grande intensidade psicológica e sociológica, estão também outras realidades - as culturas, comportamentos e mentalidades da sociedade guineense que permeiam o quotidiano da guerra, a solidariedade que a crueza das circunstâncias comuns faz surgir entre negros e brancos, ou ainda a amizade incondicional que nasce espontaneamente entre irmãos de armas. O sentimento intenso do absurdo da guerra narrado por quem o viveu na primeira pessoa, a manifestação de um homem oculto que se expressa na luta pela sobrevivência no horizonte intenso dos dias sem fim.
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Nota de L. G.:

(*) Vd. postes de:

19 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5503: Notas de leitura (44): Memória dos Dias Sem Fim, romance de Luís Rosa - I (Beja Santos)

9 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6137: Notas de leitura (91): Depois da guerra, as recordações da região de Cacine... e algo mais , de Luís Rosa - II (Beja Santos)