1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2011:
Ao ler tantas mensagens de carinho, deixei falar o coração.
Tenho de ter algum cuidado por como está perto da boca, por vezes atraiçoa.
Desta vez passei ao papel o que o coração me queria dizer.
Aqui vai como profundo agradecimento a todos quantos se lembraram de mim neste dia, muito em especial ao Miguel Pessoa e ao Peixoto.
José Teixeira
O Tempo que passou pela minha vida
O tempo devora-nos em cada dia que passa.
Vai comendo pouco a pouca a vida.
Quantas vezes tão suavemente, qual traça,
Que a madeira corrói.
Tão suavemente,
Que quase não se sente…
Não dói.
Sente-se sim.
Quando paramos e para trás olhamos.
Há tempos em que a ânsia de viver nos inebria.
Cega nossos olhos,
Abafa a ação do tempo, do dia-a-dia.
Há momentos no tempo que me apetece gritar.
Oh tempo pára. És tão belo!
Esse é o tempo o sonho e da criação,
Do amor e da beleza. DoaçãoTempo da liberdade.
Tempo.
Fugaz momento que nos transporta à eternidade,
Alegremente.
É, nesse instante do tempo, que o tempo ganha sentido
E merece ser vivido. Plenamente.
Até a angústia da morte, que com o tempo caminha.
Se ajoelha perante a vida,
Lhe canta um hino, uma ladainha..
Outros tempos há,
Em que o tempo atua com tal dureza.
Rapa, da vida toda a beleza.
Tempo do futuro, que vai passando.
Tempo que me consome, caminhando.
Tempo dum presente que não existe.
Já passou.
Tempo de um passado que me vai matando
Tempo do tempo que meus sonhos levou,
E me deixou penando.
Tantos anos que o tempo me açambarcou…
Quero conjugar o tempo.
No passado,
No presente e no futuro.
No passado, que deixa saudades.
Passado sem saudosismo.
“Antigamente é que era bom”
Um passado que se ausentou,
Mas… lições de vida me deixou.
Passado, onde assenta o tempo construtor,
De um futuro promissor.
Com o que ficou,
Quero construir o presente.
Presente a que se segue sempre,
Outro presente.
Quero vivê-lo intensamente.
Fazer com ele um pacto de amor,
Combater a sua ânsia de me devorar,
Que provoca sofrimento, dor.
Presente que já passou.
Presente que um pouco da vida me levou.
Quero no presente aprender com o passado.
Projetar o meu futuro,
Com a vida que sobrou.
Esperemos, não seja tão duro,
Como o tentam espelhar,
Quero acreditar que é só para assustar.
Tempo que se espalha no horizonte,
Como a água fresca e pura que brota da fonte.
Se “perde” na seca e árida terra,
Transformando-a em vida.
Ato de Amor.
Beleza.
Aprazível lugar.
Espelho.
Que o futuro projeta sem temor.
Ah quanto eu quero parar no tempo!
Absorver do tempo o seu eterno sabor…
No dia em que fiz 65 anos.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7730: Parabéns a você (214): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381 (Tertúlia e Editores)
Vd. último poste da série de 17 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7627: Blogpoesia (109): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (10) (Manuel Maia)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Guiné 63/74 - P7739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (57): Na Kontra Ka Kontra: 21.º episódio
1. Vigésimo primeiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 6 de Fevereiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
21º EPISÓDIO
Quase todo o pessoal continuou por algum tempo à mesa, comentando a visita do Comandante de Bafata. Todos manifestaram a ideia que o tinham achado um homem duro, distante e até ríspido de mais para com o Alferes. Este explicou que era a maneira de ser do Coronel mas quem o conhecia bem, como ele próprio, o achava cordial e principalmente um homem justo, com quem se podia contar.
Todos continuam a conversar menos o Alferes que se cala ficando pensativo. Passados poucos minutos levanta-se e sem sequer se despedir, contrariamente aos seus hábitos, dirige-se à sua morança. Entra, sai, vai ao “quarto de banho”, sai, vai carreiro abaixo em direcção à fonte, pára, volta para trás, entra novamente na sua morança, tira a roupa e deita-se.
Efectivamente está nervoso. O adiamento da conversa com o pai da Asmau deixa-o assim. Sabe que também os africanos se recolhem nas horas de maior calor, pois no princípio da época das chuvas, a temperatura chega muitas vezes aos quarenta e cinco graus à sombra. Um verdadeiro inferno. Só quando chove, o que acontece quase todos os dias, se sente um certo alívio. Tem que rapidamente falar com o Chefe de Tabanca mas terá que esperar pelo fim da tarde.
Tenta dormir mas não consegue. Deixa passar umas três horas. Apesar de o pai da Asmau já saber do pedido, o Alferes não o quer incomodar pois ele ainda pode estar a dormir. Também não fez falta ao seu pessoal pois o Furriel dirige os trabalhos.
Levanta-se, passa um pouco de água pela cara, veste-se e não espera mais tempo. Como se de um acto de guerra se tratasse, resolve “atacar”. Com o pacote de cola que o João lhe tinha emprestado, desta vez não vai a eito, feito autómato, nem tão pouco pelo carreiro mais directo para a morança do Adramane. Vai em zig-zag pelos carreiros de forma a demorar mais tempo. Nunca era demais pensar bem no que iria dizer ao pai da Asmau. Embora já se tivesse aconselhado com o João e este lhe tivesse dito que se o pai de uma bajuda aceitar o casamento, tudo se resolve com “um toma lá dá cá”, também lhe tinha dito que faz parte conversarem durante bastante tempo para dar ideia a quem está cá fora, que o “negócio” foi difícil. Desta vez até iria ser. Chegado ao seu destino chama como da vez anterior:
- Adramane, Adramane.
O Chefe de Tabanca vem à porta e como já sabe ao que o Alferes vem, manda-o entrar.
Não se sabendo o que se passou dentro da morança, é fácil imaginar, tendo em conta a expressão de satisfação do Alferes, ao sair.
Mais tarde, já sentados à mesa para o jantar, o Alferes Magalhães comunica que se vai casar com a bajuda Asmau e que o casamento será daí a três ou quatro dias, o tempo necessário para se preparar a festa. Irá haver cabritos e galinhas para todos tirarem a barriga de misérias. Para o nosso Alferes não só a barriga mas também o… coração. Foram-se levantando da mesa, ficando só o Furriel e o Alferes. É então que este tem o desabafo:
- Quero dizer-lhe que não foi difícil conseguir a Asmau mas, contrariamente ao que me tinha dito o João, que com uma vaca e uns cabritos já se conseguia uma bajuda, neste caso o pai não “abriu mão” dela a não ser por duas vacas mais os cabritos. Claro que não me custou a desembolsar o dobro do que pensava. Mal ele sabia que eu estava disposto a dar três ou mais vacas. O Adramane não sabe o que ali tem, ou só sabe em parte.
- Só lhe posso dar os parabéns, meu Alferes.
No dia seguinte não teve que se preocupar muito com os preparativos da festa. Apesar de também lhe competir a sua parte, como ali é costume, os pais da Asmau, compreendendo a situação, assumem quase tudo. Cai na realidade. Pensa que para além da alegria que sente por ir desposar aquela maravilhosa bajuda, também está em guerra e não pode agora permitir que o PAIGC vá ofuscar a sua felicidade.
Estar com a Asmau a sós não pode, por força do acordo feito com o pai dela. Assim, e depois de escolher um grupo de homens, brancos e africanos como era costume, vai fazer um patrulhamento de uns quilómetros à volta da tabanca. Além de conhecer melhor as imediações, a principal razão era ver se eram detectados vestígios da passagem de algum elemento da guerrilha.
A saída para mais um patrulhamento.
Esta pequena operação decorreu sem a detecção de qualquer indício o que lhe aumentou a sensação de bem estar. O nosso Alferes, ao passar pelas sentinelas que estavam na mata para os lados de Padada aproveitou para as posicionar melhor, no sentido de terem um melhor campo de visão através da mata, que por ali era bastante aberta.
Chega para o almoço, dorme uma sesta, como já não acontecia há dias e ainda procura ver a Asmau para saber como ela tinha reagido ao “pedido de casamento”. Não demora a vê-la passar por entre as moranças. Dirige-se ao seu encontro.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7719: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (56): Na Kontra Ka Kontra: 20.º episódio
Guiné 63/74 - P7738: (Ex)citações (128): Coisas mais importantes da vida do que a questão do sexo dos anjos (José Brás)
1. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 6 de Fevereiro de 2011:
Carlos, meu amigo
Com um abraço e consciente de que estou a amolar-te o juízo.
Um abração
José Brás
VAMPIROS
Nunca direi que não me agrada uma boa discussão à volta de coisas mais importantes da vida do que a questão do sexo dos anjos.
Me chamariam logo mentiroso se o dissesse, e eu não teria senão que aceitar o epíteto, sem garantir mesmo que não tenho enfiado já a minha peta por aí, coisitas pequenas e sem influências na vida de cada um e por isso, na verdade, pode dizer-se que mentiroso não sou.
Fartos de saber que troco um dia de vida por uma boa polémica, estão vocês todos, os que concordam com o que eu digo ...e os que não.
E até diria, sem qualquer preconceito ou complexo, sem medos de acusações de fora ou insinuações de insanidade, ou de pelo menos, de não ter os alqueires certos, direi que, uma vez ou outra, até eu discordo de mim.
Não riam porque o assunto é mais sério do que possa parecer e acho mesmo que ser gente obriga ao exercício de cada um de se contestar, de se experimentar, de se contrastar consigo próprio de vez em quando, na busca do caminho que lhe parece o mais certo, que oi seja ou não porque isto de caminhos está o mundo cruzado por biliões e se calhar são todos certos e todos errados.
Já aqui disse uma vez em forma de interrogação para dentro de mim que "se não discutir com os amigos discutirei com quem" e o Luís fez dessa pergunta a frase de uma semana.
Repito que gosto de polemizar com os amigos, tendo que avisar que meu amigo pode ser quase qualquer um. Quase, repito.
Sem dúvidas que tenho no blogue muitos amigos, a maior parte deles discordando de mim muitas vezes, concordando outras, já se vê, numa salutar forma de convívio que tem por chapéu a certeza de que há coisas fundamentais com as quais comungamos sem constrangimentos e que são o direito de qualquer cidadão à vida desde que nasce até que morra; o direito ao livre pensamento; o direito à dignidade e ao respeito; o direito à família; o direito à liberdade, o direito a deus... o dever do respeito pela identidade do outro; o dever de aceitar regras de convívio social escolhidas em liberdade; o dever do trabalho na multiplicação dos bens da comunidade, tudo isto em total entendimento que não há raças nem credos nem ideologias que possam pôr em causa o profundo sentimento de que o homem é uno e múltiplo e assim deve continuar a ser para bem do mundo.
Descendo um pouco mais à terra, porque isto de listar direitos e deveres é o mais fácil do exercício, não apontarei exemplos de tal discordância salutar, por não me parecer necessário de tão evidentes as diferenças e porque sei que os próprios também sabem.
Não estorvam o abraço, nem a mim, nem aos diferentes, sempre que nos encontramos, porque a certeza de que a diferença se constrói em nós naqueles princípios e na realidade que deu forma a cada um, crescendo cada qual em seu ambiente social e cultural, formando olhares sobre os fenómenos da vida e valores diversos, mas mantendo esse profundo respeito pela coisa sagrada que é a humanidade.
Discutirei com alguma satisfação, com os que acham que a descolonização foi mal feita, que houve graves e pressas demasiadas, e, talvez mesmo algumas traições, quando sei que os adversários de discussão, estão de acordo com a sua inevitabilidade histórica.
Poderei mesmo discutir sem azedumes que restem, com os que ainda lamentam a perda do império, embora me custe mais o debate aí, na remissão a que não consigo fugir de outros impérios que atravessaram a história do homem com devastações, com massacres, com aniquilação de povos inteiros, Unos, de Bizâncios, de Cartagos, de Romanos, e mais modernamente, de Castelhanos, de Britânicos, de Russos e o famigerado Austro-Húngaro do pintor de tabuletas.
Mas enfim, faço o esforço porque reconheço que um ou outro camarada tome o imperialismo português apenas como a natural expansão de um povo apertado entre Castela e o mar, pensando com alguma simplicidade que as terras onde os nossos heróicos navegadores semearam cruzeiros, onde tantos portugueses deram o seu sangue e o seu sonho, passaram de direito a ser portuguesas.
Evidentemente, não tenho ilusões sobre as extremidades que a própria humanidade pode assumir, criando e desenvolvendo criaturas que se destacam em santidade ou em monstruosidade.
Não falo de santos porque sobre eles assumo que não há divisão.
Falo dos outros, embora garanta que com eles não discutirei porque com eles não há nada que discutir. Podem vir ao quintal sem portões largar o veneno, ao pinhal do rei provocar, trazer falas antigas e tácticas da velha pide, dos tribunais plenários, do medo nocturno que espalhavam no outro tempo e gostariam de recuperar, ameaças de palhaço, burra inversão de valores pondo ao contrario conceitos como independência, autonomia de pensamento, liberdade, noção de pátria e de povo, que de mim não terão qualquer resposta.
Sei que me liquidariam de facto ou de alma, se pudessem; que me proibiriam o pensamento, que me colocariam em grades e em tortura, que perseguiriam a minha família, que me abririam fichas e me investigariam os passos, tal qual fizeram nos longos anos de escuridão e de atraso deste País.
E apenas porque esta macaqueação de democracia invadiu o mundo e a nossa terra de imbecis e de ladrões, de incompetentes e abusadores, de insatisfação e de dificuldades, pensam que o seu tempo, a sua noite, pode voltar.
Poisam nos prédios e nas calçadas, provavelmente organizam-se e, se puderem, abrirão feridas.
Mas já não senhores do "mundo" nem mandadores sem lei.
Os despojos antigos que trazem apodreceram e saem-lhe da boca em mau hálito... apenas.
Não os temo como não temi antes.
Não tenho que conviver com eles enquanto tiver espaços plurais onde respirar.
Entendem?
José Brás
____________
Nota de CV:
Último poste da série > 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7662: (Ex)citações (127): Um lição de artilharia... A propósito do obus 14, de Bedanda, bem como dos artilheiros e infantes... (C. Martins)
Guiné 63/74 - P7737: A Guerra Colonial e a extinção da tradições portuguesas: o dia de 'ir às sortes' na minha terra, Sabugal (José Corceiro)
1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 5 de Fevereiro de 2011:
Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Atendendo ao facto de terem passado 50 anos desde o início da Guerra Colonial, recordei-me hoje, duma consequência nefasta, que esse trágico acontecimento que foi a guerra, teve no acelerar a morte duma tradição na minha terra, que com tanta intensidade era vivida pelo povo da minha aldeia, Vale de Espinho - Sabugal.
Deixo ao vosso critério a publicação.
Um abraço
José Corceiro
A GUERRA COLONIAL E A EXTINÇÃO DE TRADIÇÕES PORTUGUESAS
O assalto à Prisão de Luanda ocorreu no dia 4 de Fevereiro de 1961, data que marcou o início da Guerra Colonial, ou do Ultramar, como se queira apelidar, sendo que para mim é a Guerra onde eu andei.
A Guerra Colonial tirou a vida a milhares e milhares de pessoas, deixando outras tantas estropiadas até ao fim dos seus dias. O fenómeno da Guerra foi também um factor influente que contribuiu para desvanecer algumas tradições e costumes, que estavam enraizados na cultura do povo português.
Tanto quanto me lembro desde a minha meninice, que na minha aldeia, Vale de Espinho – Sabugal, o dia da inspecção militar ou sortes era um dia festivo para toda a povoação, mas com proeminente destaque para os mancebos naturais da aldeia, que completassem nesse ano o 20.º aniversário, pois a festa era deles. Nos anos 1950 e princípios de 1960, na minha aldeia, o grupo de rapazes que iam anualmente a dar o nome para a tropa ultrapassavam sempre as duas dezenas, ou bem mais, e era raríssimo que quando chegasse o dia das sortes algum deles faltasse. O dia da inspecção revestia-se dum certo ritual, tradicional típico, que continha valor e particularidades para um estudo etnográfico.
Os preparativos para o esperado dia iniciavam-se com algum tempo de antecedência, pois era determinante que no dia da festa tudo corresse de feição. Sempre foram perceptíveis ao longo dos anos, explícitos laivos de ciúme, meio encapotado é certo, mas que levava alguns dos ex-inspeccionados a vangloriar-se ao dizer que a festa deles tinha sido a melhor. Ora, este espírito de geração competitiva, impulsionava a rapaziada a um apego de brio viril, que os empenhava em melhorar a sua festa em comparação com as dos anos anteriores.
Para muitos dos jovens, o dia da inspecção seria também a primeira vez que iriam estrear um fato novo, composto por calças, casaco e colete (terno), pois até ao presente não tinham tido a possibilidades de comprar o tecido e mandá-lo confeccionar no alfaiate da terra, visto ser escasso o suporte económico da família. Era também provável que a partir dessa data, o jovem pudesse começar a amealhar um pezinho de meia, fruto de algum trabalho que executasse com direito a remuneração, jornal ou a passar contrabando, pois até esta altura tudo o que tinha ganho reverteu a favor do agregado familiar.
Quando o esperado dia chegava, nada podia falhar.
O fato estava à espera de ser vestido…
Os foguetes já tinham sido comprados e entregues ao mestre-de-cerimónias, que os utilizava conforme a mensagem que queria anunciar, lançando-os para estoirar no ar. A primeira mensagem é logo cedinho, às 05h00, a lembrar que é preciso deixar a cama e levantar, para aqueles que nela se deitaram, nessa noite, porque alguns fizeram directa. Pois têm que se apressar, ainda há um percurso longo de 16 quilómetros que é preciso trilhar, sempre a cavalgar, até chegar ao Sabugal, concelho da freguesia, onde tem lugar a inspecção.
Foto 1 - Briosos mancebos inspeccionados em 1968, com saudosismo do passado. Foto tirada no dia da inspecção, no Sabugal, junto ao antigo edifício camarário onde teve lugar a inspecção. É também visível o edifício da antiga prisão.
O cavalo, adereçado com os seus melhores arreios estava pronto e à espera. Ricamente aparelhado. A sela, a cinta, o cabresto, as rédeas e o freio foram diligentemente limpos e engraxados, as fivelas e os estribos foram polidos até ficarem a brilhar, sem esquecer as patas do equídeo que foram aparadas, limadas e convenientemente ferradas, pois há mais de 30 quilómetros para calcorrear, ida e regresso, com o mancebo sempre montado e a espicaçar, e quiçá poderá surgir algum amigo mais íntimo que o queira apadrinhar e arrisque a boleia no lugar da garupa, e o ritmo tem que ser constantemente a trotear.
O acordeonista foi atempadamente contratado, personagem aglutinadora e imprescindível, que nunca pode faltar esperando-se sempre dele alguma novidade musical, para excitar o bailarico e a festa abrilhantar.
Os vitelos ou cabritos, cuja quantidade depende do número de mancebos e seus convidados, foram antecipadamente encomendados ao açougueiro, e já estão prontos e preparados com algum tempero à espera para se dar início ao apetecido assado, realizado sempre em local aprazível, junto à margem do rio Côa e por tradição no sítio do Freixial.
Foto 2 - Largo das Eiras, no centro da aldeia de Vale de Espinho. Nas redondezas não havia outra povoação que tivesse um largo tão grande, embora já tenha sido roubado pelas construções da estrada, escola, lar de idosos, junta de freguesia etc.
Por volta do meio-dia o povo aguardava impacientemente, no Largo das Eiras, a chegada do mensageiro, que se antecipava ao regresso dos mancebos. O arauto açoitando o seu cavalo incutia-lhe celeridade, para se adiantar e mais rápido chegar para a notícia poder dar, metia-se por atalhos e veredas para o caminho encurtar, e lá chegava ele ofegante à freguesia onde revelava, com voz de pregão, os nomes dos mancebos que ficaram livres e os que foram apurados para o serviço militar. Quando se ouvia o nome dum mancebo que ficou apurado era sempre um momento de regozijo, algazarra geral, com aplausos, acompanhados de vivas e parabenização à família, contrastando com o comportamento da multidão, que ao ouvir o nome do mancebo que ficou livre, reagia com tristeza e constrangimento, sobretudo os seus parentes.
Mais uma largada de foguetes, anunciavam que a comitiva dos heróis estava prestes a chegar. A multidão eufórica, que não tinha arredado pé do Largo das Eiras, estava curiosa e queria ver ao vivo a chegada dos briosos mancebos. Uns ostentavam com orgulho e altivez na lapela do casaco a insígnia, fita verde, que os declarava aptos para o serviço militar. Esta distinção podia ser um trampolim para uma vida melhor, com mais possibilidades para um emprego, quiçá Polícia, Guarda-Fiscal ou Republicana, ou Exército, ou alguma Repartição Estatal. A fita vermelha era colocada nos inaptos, e notava-se neles um ar de acanhamento, quase vergonha, por suportar na lapela o estigma que os remetia para a exclusão de prestar serviço militar, era como que o apontarem-lhes que eram débeis, ou tinham uma deficiência física, e isso não era tranquilizante para o seu ego.
Depois de dadas as boas-vindas, procedia-se a mais uma largada de foguetes, a convidar toda a povoação para que houvesse união e acompanhassem festivamente os mancebos, que iriam desfilar montados nos seus cavalos, ao som da concertina, pelas ruas da procissão. Findo esse percurso, duma maneira geral, toda a juventude se dirigia para o local onde os esperava o assado, já devidamente confeccionado.
Foto 3 - Tirada em 1968, no Freixial, junto ao rio Côa, durante o assado, onde estão a meia dezena de mancebos que foram nesse dia à inspecção, juntamente com juventude convidada e onde não podia faltar o meu professor da 4.ª cCasse, Zé André, que está de pé no canto direito da foto, com camisa preta.
Manjar ansiosamente esperado, a desejada carne grelhada era um pitéu divinal. A carne é seleccionada, excelentemente grelhada com apuro na brasa, bastante condimentada com um molho assaz apimentado, comida acompanhada de batata bem apaladada acabada de tirar da terra e assada na borralheira, tudo regado convenientemente com molho, iguaria que provoca no mais prudente dos mortais anseios que o incitam a deixar-se seduzir, e a exagerar no beber a boa pinga, que inebria qualquer convidado fazendo-o esquecer as amarguras do dia-a-dia, até surgir um comensal mais inspirado, que se encoraja e ousa desafiar a qualquer um para uma salutar desgarrada… e a partir daqui tudo incita a que a folia seja inflamada!
E toda a tarde era passada em farra agitada, sempre regada de boa pinga em ambiente de animado bailarico, onde não era permitido a nenhuma moça recusar dançar com qualquer que fosse o mancebo dos inspeccionados, uma recusa dessas, era interpretada como ofensa familiar.
Com o surgir da guerra nos anos 1961/1962, a juventude da minha terra abandona a aldeia, em massa, e vai a salto para o estrangeiro. O número dos mancebos que anualmente iam a dar o nome para a tropa caiu das duas ou três dezenas que eram habituais, para menos de meia dúzia.
O início da Guerra Colonial praticamente acabou com a tradição festiva do dia da inspecção. Provocou uma reviravolta de 180 graus no valor do conceito de apto e inapto para o serviço militar. É surpreendente, que no espaço de dois ou três anos o conceito de opinião que se tinha da selecção de apto, que era considerado o boníssimo, se tenha invertido o valor, e o apto passou a ser o maligno, pois a partir do início da guerra o que se valoriza, no querer dos familiares e mancebos, é que fiquem inaptos para o serviço militar, a condição de inapto passou a ser o óptimo! São os dinamismos sociais da adaptação dos interesses!
Continuaram-se a comprar vitelos, cabritos e até porcos inteiros, para satisfazer a gula dos falsos profetas que só anunciavam desgraça e tinham bem estudada a arte da mentira, pois aos crédulos muito prometiam, mas nada faziam. Convenciam os inocentes que lhes livravam os filhos da guerra, e alguns caíram na ratoeira, mas cedo se convenceram que nada lhes tinha sido feito. E lá vinham a terreiro os profetas com argumentações abonatórias, utilizando desculpas esfarrapadas…
PS: - Significado do termo “Sortes” aqui utilizado, que creio estar certo, pela ideia que me ficou segundo aquilo que ouvi noutros tempos:
Antigamente, devido ao grande número de jovens que se apresentavam à inspecção, eram muitos os que ficavam aptos, e para os aptos não havia lugar para todos no serviço militar. Para solucionar o excesso dos já seleccionados, procedia-se a um sorteio aleatório entre os que tinham ficado aptos, para assim se apurar aos que cabia a sorte de cumprir o serviço militar.
Um abraço e boa saúde, para todos.
José Corceiro
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7678: Casos de azar e sorte (1): Camarada ferido pelo impacto de granada que não explodiu (José Corceiro)
Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Atendendo ao facto de terem passado 50 anos desde o início da Guerra Colonial, recordei-me hoje, duma consequência nefasta, que esse trágico acontecimento que foi a guerra, teve no acelerar a morte duma tradição na minha terra, que com tanta intensidade era vivida pelo povo da minha aldeia, Vale de Espinho - Sabugal.
Deixo ao vosso critério a publicação.
Um abraço
José Corceiro
A GUERRA COLONIAL E A EXTINÇÃO DE TRADIÇÕES PORTUGUESAS
O assalto à Prisão de Luanda ocorreu no dia 4 de Fevereiro de 1961, data que marcou o início da Guerra Colonial, ou do Ultramar, como se queira apelidar, sendo que para mim é a Guerra onde eu andei.
A Guerra Colonial tirou a vida a milhares e milhares de pessoas, deixando outras tantas estropiadas até ao fim dos seus dias. O fenómeno da Guerra foi também um factor influente que contribuiu para desvanecer algumas tradições e costumes, que estavam enraizados na cultura do povo português.
Tanto quanto me lembro desde a minha meninice, que na minha aldeia, Vale de Espinho – Sabugal, o dia da inspecção militar ou sortes era um dia festivo para toda a povoação, mas com proeminente destaque para os mancebos naturais da aldeia, que completassem nesse ano o 20.º aniversário, pois a festa era deles. Nos anos 1950 e princípios de 1960, na minha aldeia, o grupo de rapazes que iam anualmente a dar o nome para a tropa ultrapassavam sempre as duas dezenas, ou bem mais, e era raríssimo que quando chegasse o dia das sortes algum deles faltasse. O dia da inspecção revestia-se dum certo ritual, tradicional típico, que continha valor e particularidades para um estudo etnográfico.
Os preparativos para o esperado dia iniciavam-se com algum tempo de antecedência, pois era determinante que no dia da festa tudo corresse de feição. Sempre foram perceptíveis ao longo dos anos, explícitos laivos de ciúme, meio encapotado é certo, mas que levava alguns dos ex-inspeccionados a vangloriar-se ao dizer que a festa deles tinha sido a melhor. Ora, este espírito de geração competitiva, impulsionava a rapaziada a um apego de brio viril, que os empenhava em melhorar a sua festa em comparação com as dos anos anteriores.
Para muitos dos jovens, o dia da inspecção seria também a primeira vez que iriam estrear um fato novo, composto por calças, casaco e colete (terno), pois até ao presente não tinham tido a possibilidades de comprar o tecido e mandá-lo confeccionar no alfaiate da terra, visto ser escasso o suporte económico da família. Era também provável que a partir dessa data, o jovem pudesse começar a amealhar um pezinho de meia, fruto de algum trabalho que executasse com direito a remuneração, jornal ou a passar contrabando, pois até esta altura tudo o que tinha ganho reverteu a favor do agregado familiar.
Quando o esperado dia chegava, nada podia falhar.
O fato estava à espera de ser vestido…
Os foguetes já tinham sido comprados e entregues ao mestre-de-cerimónias, que os utilizava conforme a mensagem que queria anunciar, lançando-os para estoirar no ar. A primeira mensagem é logo cedinho, às 05h00, a lembrar que é preciso deixar a cama e levantar, para aqueles que nela se deitaram, nessa noite, porque alguns fizeram directa. Pois têm que se apressar, ainda há um percurso longo de 16 quilómetros que é preciso trilhar, sempre a cavalgar, até chegar ao Sabugal, concelho da freguesia, onde tem lugar a inspecção.
Foto 1 - Briosos mancebos inspeccionados em 1968, com saudosismo do passado. Foto tirada no dia da inspecção, no Sabugal, junto ao antigo edifício camarário onde teve lugar a inspecção. É também visível o edifício da antiga prisão.
O cavalo, adereçado com os seus melhores arreios estava pronto e à espera. Ricamente aparelhado. A sela, a cinta, o cabresto, as rédeas e o freio foram diligentemente limpos e engraxados, as fivelas e os estribos foram polidos até ficarem a brilhar, sem esquecer as patas do equídeo que foram aparadas, limadas e convenientemente ferradas, pois há mais de 30 quilómetros para calcorrear, ida e regresso, com o mancebo sempre montado e a espicaçar, e quiçá poderá surgir algum amigo mais íntimo que o queira apadrinhar e arrisque a boleia no lugar da garupa, e o ritmo tem que ser constantemente a trotear.
O acordeonista foi atempadamente contratado, personagem aglutinadora e imprescindível, que nunca pode faltar esperando-se sempre dele alguma novidade musical, para excitar o bailarico e a festa abrilhantar.
Os vitelos ou cabritos, cuja quantidade depende do número de mancebos e seus convidados, foram antecipadamente encomendados ao açougueiro, e já estão prontos e preparados com algum tempero à espera para se dar início ao apetecido assado, realizado sempre em local aprazível, junto à margem do rio Côa e por tradição no sítio do Freixial.
Foto 2 - Largo das Eiras, no centro da aldeia de Vale de Espinho. Nas redondezas não havia outra povoação que tivesse um largo tão grande, embora já tenha sido roubado pelas construções da estrada, escola, lar de idosos, junta de freguesia etc.
Por volta do meio-dia o povo aguardava impacientemente, no Largo das Eiras, a chegada do mensageiro, que se antecipava ao regresso dos mancebos. O arauto açoitando o seu cavalo incutia-lhe celeridade, para se adiantar e mais rápido chegar para a notícia poder dar, metia-se por atalhos e veredas para o caminho encurtar, e lá chegava ele ofegante à freguesia onde revelava, com voz de pregão, os nomes dos mancebos que ficaram livres e os que foram apurados para o serviço militar. Quando se ouvia o nome dum mancebo que ficou apurado era sempre um momento de regozijo, algazarra geral, com aplausos, acompanhados de vivas e parabenização à família, contrastando com o comportamento da multidão, que ao ouvir o nome do mancebo que ficou livre, reagia com tristeza e constrangimento, sobretudo os seus parentes.
Mais uma largada de foguetes, anunciavam que a comitiva dos heróis estava prestes a chegar. A multidão eufórica, que não tinha arredado pé do Largo das Eiras, estava curiosa e queria ver ao vivo a chegada dos briosos mancebos. Uns ostentavam com orgulho e altivez na lapela do casaco a insígnia, fita verde, que os declarava aptos para o serviço militar. Esta distinção podia ser um trampolim para uma vida melhor, com mais possibilidades para um emprego, quiçá Polícia, Guarda-Fiscal ou Republicana, ou Exército, ou alguma Repartição Estatal. A fita vermelha era colocada nos inaptos, e notava-se neles um ar de acanhamento, quase vergonha, por suportar na lapela o estigma que os remetia para a exclusão de prestar serviço militar, era como que o apontarem-lhes que eram débeis, ou tinham uma deficiência física, e isso não era tranquilizante para o seu ego.
Depois de dadas as boas-vindas, procedia-se a mais uma largada de foguetes, a convidar toda a povoação para que houvesse união e acompanhassem festivamente os mancebos, que iriam desfilar montados nos seus cavalos, ao som da concertina, pelas ruas da procissão. Findo esse percurso, duma maneira geral, toda a juventude se dirigia para o local onde os esperava o assado, já devidamente confeccionado.
Foto 3 - Tirada em 1968, no Freixial, junto ao rio Côa, durante o assado, onde estão a meia dezena de mancebos que foram nesse dia à inspecção, juntamente com juventude convidada e onde não podia faltar o meu professor da 4.ª cCasse, Zé André, que está de pé no canto direito da foto, com camisa preta.
Manjar ansiosamente esperado, a desejada carne grelhada era um pitéu divinal. A carne é seleccionada, excelentemente grelhada com apuro na brasa, bastante condimentada com um molho assaz apimentado, comida acompanhada de batata bem apaladada acabada de tirar da terra e assada na borralheira, tudo regado convenientemente com molho, iguaria que provoca no mais prudente dos mortais anseios que o incitam a deixar-se seduzir, e a exagerar no beber a boa pinga, que inebria qualquer convidado fazendo-o esquecer as amarguras do dia-a-dia, até surgir um comensal mais inspirado, que se encoraja e ousa desafiar a qualquer um para uma salutar desgarrada… e a partir daqui tudo incita a que a folia seja inflamada!
E toda a tarde era passada em farra agitada, sempre regada de boa pinga em ambiente de animado bailarico, onde não era permitido a nenhuma moça recusar dançar com qualquer que fosse o mancebo dos inspeccionados, uma recusa dessas, era interpretada como ofensa familiar.
Com o surgir da guerra nos anos 1961/1962, a juventude da minha terra abandona a aldeia, em massa, e vai a salto para o estrangeiro. O número dos mancebos que anualmente iam a dar o nome para a tropa caiu das duas ou três dezenas que eram habituais, para menos de meia dúzia.
Foto 4 - Castelo Branco, Dezembro de 1968.
O início da Guerra Colonial praticamente acabou com a tradição festiva do dia da inspecção. Provocou uma reviravolta de 180 graus no valor do conceito de apto e inapto para o serviço militar. É surpreendente, que no espaço de dois ou três anos o conceito de opinião que se tinha da selecção de apto, que era considerado o boníssimo, se tenha invertido o valor, e o apto passou a ser o maligno, pois a partir do início da guerra o que se valoriza, no querer dos familiares e mancebos, é que fiquem inaptos para o serviço militar, a condição de inapto passou a ser o óptimo! São os dinamismos sociais da adaptação dos interesses!
Continuaram-se a comprar vitelos, cabritos e até porcos inteiros, para satisfazer a gula dos falsos profetas que só anunciavam desgraça e tinham bem estudada a arte da mentira, pois aos crédulos muito prometiam, mas nada faziam. Convenciam os inocentes que lhes livravam os filhos da guerra, e alguns caíram na ratoeira, mas cedo se convenceram que nada lhes tinha sido feito. E lá vinham a terreiro os profetas com argumentações abonatórias, utilizando desculpas esfarrapadas…
PS: - Significado do termo “Sortes” aqui utilizado, que creio estar certo, pela ideia que me ficou segundo aquilo que ouvi noutros tempos:
Antigamente, devido ao grande número de jovens que se apresentavam à inspecção, eram muitos os que ficavam aptos, e para os aptos não havia lugar para todos no serviço militar. Para solucionar o excesso dos já seleccionados, procedia-se a um sorteio aleatório entre os que tinham ficado aptos, para assim se apurar aos que cabia a sorte de cumprir o serviço militar.
Um abraço e boa saúde, para todos.
José Corceiro
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7678: Casos de azar e sorte (1): Camarada ferido pelo impacto de granada que não explodiu (José Corceiro)
Guiné 63/74 - P7736: O Alenquer retoma o contacto (3): Actividades do Pel Rec Fox 42 em Janeiro e Fevereiro de 1963 (Armando Fonseca)
1. Mensagem de Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64), com data de 5 de Fevereiro de 2011:
Caro camarigo Carlos Vinhal
Aqui estou para descrever mais um capítulo dos meus arquivos; se acharem por bem publiquem para conhecimento de todos os camarigos da Tabanca.
Armando Fonseca
O Alenquer retoma o contacto (3)
Actividades do Pel Rec Fox 42 em Janeiro e Fevereiro de 1964
Autometralhadora
No dia 21 de Janeiro pelas 07h30 o Pelotão FOX 42 saiu de Bissau, com destino indefinido, passando por Mansoa, Mansabá foi chegar a Bafatá por volta das 17h30.
A marcha foi vagarosa e cheia de precauções devido às possibilidades de sofrer emboscadas ou de encontrar minas, mas chegamos sem anormalidades, pernoitando aí para prosseguir no dia seguinte.
No dia seguinte às 07h30 lá seguimos rumo a Sul agora acompanhados por pessoal da CCav 154 que estava sediada em Bafatá, chegando ao Saltinho pela hora do almoço. O percurso foi muito vagaroso visto seguirem à frente dos carros camaradas a pé com detectores de minas e até picando a estrada com sabres para ser certificada a ausência de minas, entretanto a meio do percurso houve um pequeno ataque seguido por largada de abelhas que deixou todos desnorteados uns para cada lado e ainda houve camaradas mordidos pelas abelhas, mas, depois de tudo reorganizado seguimos a viagem.
Depois do almoço saímos do Saltinho com destino a Aldeia Formosa e, entretanto veio ao nosso encontro o Pelotão de Reconhecimento Fox 888 que estava sediado naquela localidade junto com uma companhia de caçadores da qual não me lembro o número.
À nossa chegada não havia pão e muito menos vinho, mas lá comemos qualquer coisa e fomos procurar acomodarmo-nos para aí permanecer algum tempo.
Mas no dia 23 logo pelas 07h45 lá íamos outra vez, agora a caminho de Buba para aí pernoitar. Durante a tarde foram feitas duas saídas aos arredores em reconhecimento e no dia seguinte foi então o regresso a Aldeia Formosa com mantimentos para aquele destacamento, visto que o transporte era feito de barco até Buba e depois por terra para abastecer os destacamentos daí dependentes.
Durante as saídas para de reconhecimentos nos arredores de Buba, o alferes de minas e armadilhas aproveitou para efectuar algumas operações nos caminhos que se julgava serem percorridos pelo IN.
A dormida em Buba foi no chão com uma manta por colchão, visto aquele destacamento não estar preparado para receber mais um pelotão e os condutores das viaturas que se destinavam a trazer as cargas.
Durante os dois dias que se seguiram não houve nenhuma saída mas no dia 27 lá fomos até Guileje fazer um reconhecimento, onde nada existia além de laranjeiras carregadas de frutos e algumas bananeiras com bananas que mesmo muito verdes, depois de uns dias embrulhadas em papel dentro da mala do carro, já marchavam.
Havia também alguns ananases mas muito poucos. Nesta altura Guileje não passava de um matagal com algumas árvores de fruto pelo meio.
Foram passando os dias com algumas saídas a Buba escoltar as viaturas que iam buscar mantimentos até que; no dia 4 de Fevereiro pelas 02h30 da manhã lá vamos a caminho de Guileje agora para montar um aquartelamento onde ia ficar instalado um pelotão de caçadores e alguns milícias fulas com as suas famílias.
Nos dias que se seguiram foi a preparação do aquartelamento a capinagem a montagem de tendas e depois o inicio das construções e a preparação dos terrenos onde mais tarde foi feita a pista para as avionetas aterrarem e levantarem voo.
Durante esta permanência no dia 13 foi o meu Pelotão deslocado a Bedanda para deitar fogo através das balas incendiarias, das metralhadoras instaladas no meu carro, a umas casas de mato que se encontravam muito perto do rio que separava a zona onde estavam as nossas tropas e o reduto do IN. O rio era a baliza, nem os militares passavam para lá nem o IN se aventurava a passar para cá, no entanto, haviam constantes ataques a morteiro de ambas as partes.
Os dias foram passando com algumas idas a Aldeia Formosa e a Buba e a partir de certa altura chegou informação de que o IN iria dinamitar a ponte sobre o rio Balana e então nunca mais se juntaram os dois pelotões Fox do mesmo lado do rio; quando nós passávamos para um lado o pelotão 888 passava para o outro.
Já veio descrito em postes anteriores o trágico final do destacamento de Guilege e aparece agora descrito o início da formação deste mesmo destacamento.
Segue-se depois Gantoré e Gadamael mas fica para um próximo episódio.
Com um abraço para todos
Armando Fonseca
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7668: O Alenquer retoma o contacto (2): Os primeiros grandes sustos (Armando Fonseca)
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Guiné 63/74 - P7735: Tabanca Grande (264): António Cunha, ex-1.º Cabo da CCAÇ 763 “Os Lassas” – Cufar 1965/66 (Mário Fitas/António Cunha)
1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, reenviou-nos uma mensagem com a apresentação de mais um nosso Camarada, da sua CCAÇ 763, que se junta a nós nesta Tabanca Grande – o ex-1º Cabo António Cunha -, com data de 30 de Janeiro de 2011, que o Mário muito bem complementou com a informação que podemos ver no ponto 2:
Olá Mário, tudo bem?
Aqui esta o texto que disse que enviava.
Cufar, 24-2-1966 dia em que eu fiz 23 anos. Foi nesse dia que a CCAÇ 763 e outra (de que eu não recordo no número), saímos para montar segurança aos sapadores que iam limpar a estrada de Bedanda.
Aqui esta o texto que disse que enviava.
Cufar, 24-2-1966 dia em que eu fiz 23 anos. Foi nesse dia que a CCAÇ 763 e outra (de que eu não recordo no número), saímos para montar segurança aos sapadores que iam limpar a estrada de Bedanda.
Parecia uma tarefa fácil, mas não foi, porque eram 04h00 da manhã quando fomos emboscados até as 08h00. O nosso camarada e grande amigo Fur. Mil. Humberto Gonçalves Vaz, natural de Viana do Castelo, tombou ali morto junto a nós.
Aqui vão as fotografia que combinamos (uma actual e outra militar), para colocar no blogue.
Se achares que o texto não está bem, compõe a tua maneira.
Aqui vão as fotografia que combinamos (uma actual e outra militar), para colocar no blogue.
Se achares que o texto não está bem, compõe a tua maneira.
Um abraço, deste grande amigo,
António Cunha.
1º Cabo da CCAÇ 763
2. Camaradas, este foi um dos e-mails que estiveram aqui parados no meu correio, por causa do meu “gripanço” (ver poste anterior P7733).
Dada a minha amizade com o 1º. cabo António Cunha e ao meu grande companheiro Humberto Vaz, aliás como todos os soldados da C.CAÇ. 763, permitam-me que transcreva da história da CCAÇ 763 o relatório da referida operação:
"24 - A Companhia a 3 GCOMB tomou parte na operação TESTE que visava a abertura da estrada Catió - Cobumba. A Companhia tinha como missão instalar-se na estrada a fim de impedir o acesso do IN da região de Cabolol e garantir a segurança de uma coluna auto que se deslocaria de Catió para Cobumba.
A Companhia saiu do aquartelamento pelas 00H30 progredindo pela estrada com a CCAÇ 1500 à sua retaguarda.
Cerca das 04H00 a testa da Companhia atingiu o caminho para Cabolol Nalu, região onde as NT se deveriam instalar.
No momento em que a Companhia se preparava para proceder à sua instalação foi violentamente emboscada pelo IN que abriu fogo ao longo da estrada na direcção norte-sul batendo também o flanco direito da Companhia.
O IN enfiou ambos os lados da estrada com 2 MP 12,7 com balas tracejantes; atacou o flanco direito da Companhia com armas automáticas e MP; bateu o troço da estrada onde a Companhia se encontrava com LGF e Mort. 82 mm; atacou a testa da coluna com granadas de mão; colocou toda a Companhia na zona de morte.
A intensidade de fogo do IN manteve-se cerca de 50 minutos ao fim dos quais sofreu um decréscimo; nesta ocasião e após o lançamento de diversos verilaites de cor verde sobre a zona de acção foi avistado um helicóptero voando no sentido Cansala - Cabolol Nalu tendo aterrado nesta região não foi possível alveja-lo por se ter oculto por detrás do arvoredo.
Após o aparecimento do helicóptero cessou por alguns minutos o tiroteio, o qual cerca das 05H15 recrudesceu com grande intensidade de fogo de LGF e Mort. 82 mm.
As NT reagiram eficazmente tendo conseguido silenciar o IN pouco depois das 06H30.
Em virtude da intensidade de fogo desencadeado pelo IN as NT sofreram 2 mortos 1 desaparecido e 17 feridos, sendo um dos mortos Furriel Miliciano Humberto Gonçalves Vaz.
Considerando o grande número de feridos e a necessidade de de remuniciamento da Companhia cerca das 07H00 acompanhada da CCAÇ 1500 deslocou-se na direcção Camaiupa a fim de procurar um local propício para as evacuações.
Cerca das 07H35 a Companhia contactou na estrada com a CCAÇ 728 que se deslocava para o norte escoltando a coluna auto.
As NT instalaram-se junto à mata de Camaiupa onde se procedeu à evacuação dos mortos e feridos e remuniciamento.
Pelas 08H20 e considerando o grande número de baixas sofridas e o grande esgotamento do pessoal a operação foi dada por terminada.
Estiveram no aquartelamento no decorrer da operação TESTE o Comandante do Agrupamento 17, o Com. do BCAÇ 1858, acompanhados dos oficiais de operações, do oficial de transmissões do médico e capelão.
O médico do B.CAÇ. 1858 manteve-se em Cufar."
António Cunha.
1º Cabo da CCAÇ 763
2. Camaradas, este foi um dos e-mails que estiveram aqui parados no meu correio, por causa do meu “gripanço” (ver poste anterior P7733).
Dada a minha amizade com o 1º. cabo António Cunha e ao meu grande companheiro Humberto Vaz, aliás como todos os soldados da C.CAÇ. 763, permitam-me que transcreva da história da CCAÇ 763 o relatório da referida operação:
"24 - A Companhia a 3 GCOMB tomou parte na operação TESTE que visava a abertura da estrada Catió - Cobumba. A Companhia tinha como missão instalar-se na estrada a fim de impedir o acesso do IN da região de Cabolol e garantir a segurança de uma coluna auto que se deslocaria de Catió para Cobumba.
A Companhia saiu do aquartelamento pelas 00H30 progredindo pela estrada com a CCAÇ 1500 à sua retaguarda.
Cerca das 04H00 a testa da Companhia atingiu o caminho para Cabolol Nalu, região onde as NT se deveriam instalar.
No momento em que a Companhia se preparava para proceder à sua instalação foi violentamente emboscada pelo IN que abriu fogo ao longo da estrada na direcção norte-sul batendo também o flanco direito da Companhia.
O IN enfiou ambos os lados da estrada com 2 MP 12,7 com balas tracejantes; atacou o flanco direito da Companhia com armas automáticas e MP; bateu o troço da estrada onde a Companhia se encontrava com LGF e Mort. 82 mm; atacou a testa da coluna com granadas de mão; colocou toda a Companhia na zona de morte.
A intensidade de fogo do IN manteve-se cerca de 50 minutos ao fim dos quais sofreu um decréscimo; nesta ocasião e após o lançamento de diversos verilaites de cor verde sobre a zona de acção foi avistado um helicóptero voando no sentido Cansala - Cabolol Nalu tendo aterrado nesta região não foi possível alveja-lo por se ter oculto por detrás do arvoredo.
Após o aparecimento do helicóptero cessou por alguns minutos o tiroteio, o qual cerca das 05H15 recrudesceu com grande intensidade de fogo de LGF e Mort. 82 mm.
As NT reagiram eficazmente tendo conseguido silenciar o IN pouco depois das 06H30.
Em virtude da intensidade de fogo desencadeado pelo IN as NT sofreram 2 mortos 1 desaparecido e 17 feridos, sendo um dos mortos Furriel Miliciano Humberto Gonçalves Vaz.
Considerando o grande número de feridos e a necessidade de de remuniciamento da Companhia cerca das 07H00 acompanhada da CCAÇ 1500 deslocou-se na direcção Camaiupa a fim de procurar um local propício para as evacuações.
Cerca das 07H35 a Companhia contactou na estrada com a CCAÇ 728 que se deslocava para o norte escoltando a coluna auto.
As NT instalaram-se junto à mata de Camaiupa onde se procedeu à evacuação dos mortos e feridos e remuniciamento.
Pelas 08H20 e considerando o grande número de baixas sofridas e o grande esgotamento do pessoal a operação foi dada por terminada.
Estiveram no aquartelamento no decorrer da operação TESTE o Comandante do Agrupamento 17, o Com. do BCAÇ 1858, acompanhados dos oficiais de operações, do oficial de transmissões do médico e capelão.
O médico do B.CAÇ. 1858 manteve-se em Cufar."
Eu e o Humberto Vaz (de óculos escuros)
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
__________
Nota de M.R.:
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
5 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7723: Tabanca Grande (263): João Pinho dos Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 618/BCAÇ 619 (Susana e Binar, 1964/66)
Guiné 63/74 - P7734: Agenda cultural (107): Hoje, na SIC, Grande Reportagem, às 21h15, retoma-se um episódio bem amargado da guerra na Guiné, já tratado exaustivamente no nosso blogue há mais de 3 anos...
Guiné > Região do Cacheu > Bula > CAV 2487/BCAV 2862 (1969/70) > Sábado, 18 de Outubro de 1969 > Dois mortos e um ferido no final da Op Ostra Amarga (também ironicamente conhecida como Op Paris Match)... As NT (2 Gr Comb da CCAV 2487, comandadas pelo Cap Cav Sentieiro, hoje Coronel), caiem num emboscada do PAIGC... O combate é presenciado por jornalistas estrangeiros e registado em filme por uma equipa da televisão francesa, "embebbed" nas NT... Entre esses jornalistas estava Geneviève Chauvel (na foto, em primeiro plano, sentada e, em segundo plano, o Cap Cav Sentieiro, no rescaldo da emboscada).
Foto: © José Sentieiro (2007) (Gentilmente cediada ao nosso co-editor, Virgínio Briote).
1. A SIC, no seu programa Grande Reportagem, na edição de hoje, às 21h15, dedicada ao início da guerra colonial há 50 anos, em Angola (4 de Fevereiro de 1961), diz no seu sítio que o episódio de hoje, "A Emboscada", conta a história de um ataque a uma patrulha portuguesa na Guiné... E garante: "Imagens inéditas... A guerra colonial como nunca a viu" (*)...
Na realidade, este episódio já foi aqui tratado por nós há mais de 3 anos, de maneira exaustiva e com grande profissionalismo, graças sobretudo à competência e ao empenhamento do nosso co-editor Virgínio Briote... Não sabemos se há ou não factos novos na apresentação e análise deste episódio de guerra (ocorrido no sector de Bula, num sábado, 18 de Outubro de 1969, no ano em que o homem pôs o pé na lua...), por parte da equipa da Grande Reportagem (no vídeo de menos de 4 minutos que está disponível do sítio da SIC > Grande Reportagem, há apenas curtas intervenções do Cor Cav Ref José Sentieiro, da ex-enfermeira pára-quedista e membro da nossa Tabanca Grande, Rosa Serra, e ainda e do nosso camarada, natural de Peniche, Leonel Martins, que viu morrer a seus pés o seu amigo e conterrâneo Henrique Ferreira da Costa; o outro morto foi o António da Silva Capela, de Ponte de Lima; as NT pertenciam à CCAV2487 / BCAV 2862, Bula, 1969/70)...
Mesmo que a televisão trate, em geral, com superficialidade este e outros acontecimentos da nossa história contemporânea, já recomendámos aos nossos leitores a atenção para a emissão da Grande Reportagem de hoje... Mas não se diga que as imagens são "inéditas" (sic): o trabalho da SIC utiliza excertos do vídeo produzido pela equipa da televisão francesa, ORTF (**), e já amplamente divulgado e enquadrado por diversos postes nossos em Novembro e Dezembro de 2007, portanto há mais de 3 anos...
Também Diana Andringa e Flora Gomes, no seu documentário As Duas Faces da Guerra (2007), já haviam utilizado excertos desse vídeo, francês, de 14 minutos... No filme, já eram entrevistados o Cor Cav Ref José Sentieiro e outros dois protagonistas dos acontecimentos, o Leonel Martins e o Pedro Gomes (este entretanto falecido).
Não sei se a equipa da Grande Reportagem conseguiu contactar, como pretendia, alguns dos jornalistas franceses que iam "embebbed" na coluna emboscada (antes de se tornar moda)... Como dissemos na altura, havia pelo menos uma mulher, uma jornalista francesa (hoje, escritora, autora de romances históricos, Geneviève Chauvel , de seu nome)... Ela terá sido uma das raras mulheres, jornalistas, estrangeiras, a testemunhar uma cena de combate no TO da Guiné, no período da guerra colonial, no decurso da Op Ostra Amarga (também designada ironicamente por Op Paris Match) (***).
Recorde-se aqui o excelente trabalho dessenvolvido pelo Virgínio Briote (VB): Na sequência de contactos com Cor Cav Ref José Sentieiro, a viver em Torres Novas, o nosso co-editor localizou, na Internet, a bela e misteriosa jornalista francesa e correspondeu-se com ela...
Já demos conta desse aventura... à procura do tempo perdido, publicando parte da correspondência entre ambos...
Como editor do blogue, manifestei, na altura, o meu grande apreço pelas diligências feitas pelo VB, a sua persistência, a sua inteligência emocional, a capacidade de utilização da sua rede de contactos sociais (ou não tivesse sido ele um homem do marketing farmacêutico, a par de um grande operacional, comando, na Guiné)...
Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2862 (1969/70) > Sábado, 18 de Outubro de 1969 > Spínola, que dera cobertura à operação jornalística, apressa-se a aparecer no local, acompanhado pelo seu ajudante de campo, Almeida Bruno bem como pelo comandante do BCAV 2862, Ten Cor Morgado... Na foto, de costas, o Cap Cav José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485, que por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir este patrulhamento. ~
Imagem obtida no rescaldo da emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487. Cópia da imagem do Paris-Match.
O General Spínola, ladeado pelo Major Alameida Bruno (de G3 e luvas), Major João Marcelino (2º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o Ten Cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada no local, no rescaldo após a emboscada. Imagem extraída da edição do Paris-Match nº 1071, de 15 de Novembro de 1969.
2. Sobre o General Spínola, escreveu Chauvel no semanário Paris-Match, quase um mês depois da emboscada:
Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.
Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.
Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”.
Fonte: Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).(****)
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 >Guiné 63/74 - P7679: Agenda cultural (103): Programa na SIC com o Cor. Sentieiro - o Capitão da "Ostra Amarga" – 6 Fevereiro 2011 (Virgínio Briote)
(***) Vd poste de 15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)
Vd. também os postes de:
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)
11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)
13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)
(****) Último poste desta série > 5 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7725: Agenda cultural (106): Programa e Convite do 50.º Aniversário da Guerra do Ultramar (Liga dos Combatentes)
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José Sentieiro (Cap),
Op Ostra Amarga,
Rosa Serra,
Spínola,
televisão,
Virgínio Briote
Guiné 63/74 - P7733: Estórias avulsas (48): Eu, com o Furriel Miliciano Humberto Vaz, falecido em combate na operação Teste (Mário Fitas)
1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 4 de Fevereiro de 2011.
Eu com o Furriel Miliciano. Humberto Vaz, falecido em combate na operação “TESTE”Camaradas,Envio a foto onde se pode ver eu e o Fur Mil Humberto Vaz, morto na operação TESTE. O Fur Mil Vaz está de óculos escuros.
Um problema de gripe forte atirou-me para a cama durante oito dias, o que me retirou a possibilidade de abrir o computador.
Ontem à noite ao abrir a máquina, deu-me vontade de fugir! Tinha próximo de trezentos e-mails e a Tabanca Grande tinha rodado a uma velocidade tal que me senti perdido.
Passei os olhos por algumas coisas, mas o mais grave foi não ter dado, publicamente, os parabéns aos aniversariantes, como é meu hábito, e ainda por cima ao nosso Chefe de Tabanca.
Solicito que, através deste meu texto, me fosse permitido apresentar as minhas desculpas a todos aqueles a quem não tive oportunidade de, em devido tempo, Felicitar.
Ainda deu para ver algumas coisas que gostei!
Mas!...
Eu sou o culpado de pedir a saída das G3 para dar um pouco de vida ao debate. Penitencio-me!
Agora essa da "INTIFADA"?... Camarigos (perdoa a usurpação, Jaquim), não!
À pedrada, nunca!
Lá na Planície quando havia jogos e grandes rivalidades entre aldeias é que se resolvia à pedra.
Calma! Já estou a 18 meses de atingir a Cota do Picado e mais alguns por aí. Temos de nos emendar, não acham?
Vai aquele abraço de sempre com duplo vigor para os aniversariantes e, como sempre, do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
__________
Ontem à noite ao abrir a máquina, deu-me vontade de fugir! Tinha próximo de trezentos e-mails e a Tabanca Grande tinha rodado a uma velocidade tal que me senti perdido.
Passei os olhos por algumas coisas, mas o mais grave foi não ter dado, publicamente, os parabéns aos aniversariantes, como é meu hábito, e ainda por cima ao nosso Chefe de Tabanca.
Solicito que, através deste meu texto, me fosse permitido apresentar as minhas desculpas a todos aqueles a quem não tive oportunidade de, em devido tempo, Felicitar.
Ainda deu para ver algumas coisas que gostei!
Mas!...
Eu sou o culpado de pedir a saída das G3 para dar um pouco de vida ao debate. Penitencio-me!
Agora essa da "INTIFADA"?... Camarigos (perdoa a usurpação, Jaquim), não!
À pedrada, nunca!
Lá na Planície quando havia jogos e grandes rivalidades entre aldeias é que se resolvia à pedra.
Calma! Já estou a 18 meses de atingir a Cota do Picado e mais alguns por aí. Temos de nos emendar, não acham?
Vai aquele abraço de sempre com duplo vigor para os aniversariantes e, como sempre, do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7530: Estórias avulsas (101): Passados mais de 42 anos (Jorge Teixeira - Portojo)
31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7530: Estórias avulsas (101): Passados mais de 42 anos (Jorge Teixeira - Portojo)
Guiné 63/74 - P7732: Memória dos lugares (134): Algumas fotos da minha breve passagem pelo Pelundo (António Teixeira)
1. Mensagem de António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73), com data de 5 de Fevereiro de 2011:
Ora vivam camarigos.
Algumas fotos da minha breve passagem pelo Pelundo:
António Teixeira
Foto 2 - Entrada para o aquartelamento do Pelundo. Foi aqui que de deu a transmissão do poder militar para o PAIGC
Foto 3 - Messe de Oficiais . Não me recordo dos nomes mas o Alferes que está à esquerda com o boletim de totobola na mão era o médico da Batalhão. O outro que está à minha esquerda, era o cabo "barman" lá da messe.
Foto 5 - Eram célebres estas viaturas. Creio que se chamavam GMC.
Foto 6 - Pôr-do-Sol no Pelundo
Foto 9 - Outro pôr-do-sol
Foto 10 - "Avenida" Principal da povoação
Foto 18 - Realmente África dá-nos paisagens de cortar a respiração.
Foto 29 - Apresentação da Companhia de Instrução ao General. Foto tirada no dia do Juramento de Bandeira dos Milícias.
Foto 30 - Revista às tropas da minha Companhia de Instrução.
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7726: Memória dos lugares (133): Bissau dos anos 70 (António Teixeira)
Guiné 63/74 - P7731: Blogoterapia (176): Assinar a petição dos ex-combatentes e lembrar tempos difíceis de meu pai (Ana Paula Ferreira)
1. Mensagem da nossa amiga Ana Paula Ferreira, filha do ex-1.º Cabo Fernando Ferreira da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66:
Olá a todos,
Já não visito o blogue há algum tempo, por isso já não estou muito familiarizada com a forma de comunicar com a Tabanca Grande.
Fora essas "debilidades técnicas" gostava de vos informar que também assinei a petição e com muito orgulho, em nome do meu pai: Fernando das Neves Ferreira.
Falei-vos dele pela primeira vez em 2006*, creio. O blog parou uns meses depois, mas mesmo assim voltava lá de vez em quando, porque me ajudava ler aquelas palavras e ver as fotografias. Tudo era para ele, sobre ele e todos os que embarcaram um dia, para defender a Nação e porque nunca ninguém lhes perguntou se quereriam realmente lutar naquela guerra, matar naquela guerra, ver morrer naquela guerra. A Nação precisava desse sangue? Mas ninguém lhes perguntou e assim não responderam a não ser com as suas vidas e os seus destinos mais ou menos fatídicos. Ninguém lhes perguntou, porque em ditaduras, nada se pergunta, apenas se ordena.
Não tenho visitado o blog, como já referi, mas continuei a ler todos os emails que recebia e continuei as minhas pesquisas, as minhas leituras... ontem ouvi Manuel Correia de Oliveira a cantar Roseira Brava (acrescentei a letra no final do email).
Quando era pequena e passavam aqueles pequenos documentários sobre a Guerra, as imagens eram sempre as mesmas, homens lutando para andar, enterrados em lama e àgua até ao pescoço, com os braços esticados para o céu segurando as armas, caminhando entre vegetação fustigada pelo corropio do helicóptero que se aproximava, carregando dois a dois, longos panos brancos com corpos mutilados... e a música era quase sempre esta: Roseira Brava de Manuel Correia de Oliveira. Por isso quando ontem a ouvi, tornei a ver tudo de novo. E pela primeira vez, hoje, depois de ter conseguido estes dados há mais de dois anos, contactei , ou tentei contactar colegas do meu pai: da mesma secção. Confesso que rezava enquanto marcava o número, não ferir ninguém a perguntar por alguém que poderia já cá não estar. A maior parte dos números já não eram reconhecidos, outros, não atenderam, restando apenas três. Três da lista de secção que eu tinha : 1 atirador, condutor e um furriel.
Tentei da melhor forma explicar porque ligava, até que a senhora que me atendeu, interrompe as minhas desculpas com "está engana, o meu marido nunca esteve na tropa". Titubeei ainda que estava com os dados do senhor à frente, mas a resposta foi irredutível e breve na despedida.O segundo, que sim, tinha estado, mas de repente, quando lhe pergunto se conhecia alguém daquela secção, não, não tinha estado lá como militar, mas como empresário. Mais uma vez apresentei as minhas desculpas pelo engano. Concluí que, ou tinham sido cometidos muitos enganos, nas listas de batalhões, ou então havia alguém que preferia não falar desses tempos.
Mas a parte que me levou a falar disto foi o último telefonema: fui imediatamente advertida que não queria comprar nada (e lembrei-me da minha mãe, que sózinha em casa, cada toque do telefone é um sobressalto de alma quando a maior parte das vezes é de facto alguém a querer vender... qualquer coisa. Este senhor tinha uma voz triste e tão desalentada que o ouvi com o coração apertado (até porque praticamente não me deixou falar muito): os filhos estão longe e indiferentes e sozinho queixa-se do que fez por eles e principalmente dos sonhos que ainda hoje o atormentam; este sim, confirmou lá ter estado, mas foi quase com raiva que se distanciou de pessoas ou pormenores de então. Raiva de muita coisa, raiva de ainda não ter tranquilidade ao cabo de todos estes anos. "É esta vida, que é uma porcaria sabe...". Falei-lhe dos apoios que poderia ter, gratuitamente, ou quase, na APVG, nos grupos imensos de pessoas que se encontram todos os anos e misturam lágrimas com sorrisos, numa catarse daquele mal que nunca saiu completamente; mas já não me ouvia e desligou a chorar.
É muito doloroso saber que fui desinquietar ainda mais alguém que vive enclausurado num mundo em que todos lhes escapam pelos dedos das mãos, e nada lhe fica a não a ser a falta de paz.
Temo que telefonar-lhe de novo, para saber como está, como se sente, seja ainda pior.
E assim termino (tenho um jantar que já deveria estar feito e uma menina que está a reclamar a minha atenção...) com desejos de paz, saúde e muito amor para todos.
Ana Paula Ferreira
2. Comentário de CV:
Cara amiga Ana Paula, muito obrigado pelo seu contacto, pois há muito não tínhamos notícias suas.
Temos que lhe agradecer também o ter assinado a nossa petição, que afinal é de todos os que se sensibilizam pelo abandono e falta de reconhecimento pelo esforço de uma geração que ao longo de 14 anos sustentou uma guerra sem solução e que custou muito sangue à juventude de então.
Se os males do corpo estão mais ou menos solucionados, o do stress pós-traumático de guerra nunca foi devidamente reconhecido, e poucos técnicos de saúde se dedicam a esta problemática. Os apoios e as informações que deviam chegar a quem delas necessita, não chegam, porque também não houve, nem há um rastreio aos ex-combatentes, nesta fase de idade mais avançada em que as depressões são mais vulgares, originadas pela solidão e falta de saúde geral.
Procurei na página do nosso camarada Jorge Santos (http://guerracolonial.home.sapo.pt/) pedidos de contactos do Batalhão ou Companhia de seu pai, e encontrei este contacto: A. Ferreira da CCAÇ 616, telemóvel 961 958 299. Se ainda não contactou este camarada, em princípio ele estará disponível para ser contactado. Não é propriamente da Unidade de seu pai, mas pode ter outros contactos.
Recentemente aderiu ao nosso Blogue um camarada do Batalhão de seu pai, pertencente à Companhia 618, João Pinho dos Santos, ex-Alf Mil. Consulte o Poste 7723 (clique aqui). Mais uma hipótese a explorar.
A propósito, e para que perceba esta coisa das Unidades, informo-a de que um Batalhão, o do seu pai era o 619, era composto por 3 Companhias operacionais.
O Batalhão 619 era composto pelas Companhias 616 à qual pertenceu o A. Ferreira, 617 à qual pertenceu o seu pai e a 618 à qual pertenceu o nosso e camarada e amigo João Pinho dos Santos.
Por sua vez, cada Companhia era composta por 4 Pelotões.
Estamos a falar de Atiradores, porque ainda há que somar a esta gente os Especialistas: Condutores Auto, Transmissões, Enfermeiros, Mecânicos, Cozinheiros e Corneteiros.
Esta explicação é só para lhe dizer que haverá muita gente que se lembrará do Camarada 1.º Cabo Fernando Ferreira. Continue a tentar.
Posto isto, desejo-lhe, em nome da tertúlia, as maiores felicidades, dizendo-lhe que pode voltar ao nosso contacto sempre que queira.
Continue a acompanhar a II Série do nosso blogue em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Um abraço do
Carlos
____________
Roseira Brava, letra e música de Manuel Correia de Oliveira
Roseira brava, roseira
Barco sem leme nem remos
Roseira brava é a vida
Que amargamente vivemos.
Roseira brava não tem
Rosas abertas nos ramos
Roseira brava é espinho
Que em nosso peito cravamos.
Roseira brava, roseira
Rosa em botão desfolhada
Roseira brava é teu rosto
Rompendo da madrugada.
Roseira brava no vento
Vai espalhando a semente
Roseira brava é lembrar
Quem se não lembra da gente.
Roseira brava, roseira
Que o sol de Verão não aquece
Roseira brava é o amor
A quem amor não merece.
Roseira brava é o ódio
Que vai minando a raiz
Roseira brava, roseira
Roseira do meu país.
Roseira brava é o ódio
Roseira do meu país.
____________
(*) Vd. poste de 8 de Abril de 2006 > Guiné 63/4 - DCLXXXV: Aerograma de Ana Paula Ferreira: o meu pai, o 1º cabo Ferreira (CCAÇ 617, BCAÇ 619, 1964/66)
Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7714: Blogoterapia (175): O Regresso, ou quem nos quer ainda ouvir (Joaquim Mexia Alves)
Olá a todos,
Já não visito o blogue há algum tempo, por isso já não estou muito familiarizada com a forma de comunicar com a Tabanca Grande.
Fora essas "debilidades técnicas" gostava de vos informar que também assinei a petição e com muito orgulho, em nome do meu pai: Fernando das Neves Ferreira.
Falei-vos dele pela primeira vez em 2006*, creio. O blog parou uns meses depois, mas mesmo assim voltava lá de vez em quando, porque me ajudava ler aquelas palavras e ver as fotografias. Tudo era para ele, sobre ele e todos os que embarcaram um dia, para defender a Nação e porque nunca ninguém lhes perguntou se quereriam realmente lutar naquela guerra, matar naquela guerra, ver morrer naquela guerra. A Nação precisava desse sangue? Mas ninguém lhes perguntou e assim não responderam a não ser com as suas vidas e os seus destinos mais ou menos fatídicos. Ninguém lhes perguntou, porque em ditaduras, nada se pergunta, apenas se ordena.
Não tenho visitado o blog, como já referi, mas continuei a ler todos os emails que recebia e continuei as minhas pesquisas, as minhas leituras... ontem ouvi Manuel Correia de Oliveira a cantar Roseira Brava (acrescentei a letra no final do email).
Quando era pequena e passavam aqueles pequenos documentários sobre a Guerra, as imagens eram sempre as mesmas, homens lutando para andar, enterrados em lama e àgua até ao pescoço, com os braços esticados para o céu segurando as armas, caminhando entre vegetação fustigada pelo corropio do helicóptero que se aproximava, carregando dois a dois, longos panos brancos com corpos mutilados... e a música era quase sempre esta: Roseira Brava de Manuel Correia de Oliveira. Por isso quando ontem a ouvi, tornei a ver tudo de novo. E pela primeira vez, hoje, depois de ter conseguido estes dados há mais de dois anos, contactei , ou tentei contactar colegas do meu pai: da mesma secção. Confesso que rezava enquanto marcava o número, não ferir ninguém a perguntar por alguém que poderia já cá não estar. A maior parte dos números já não eram reconhecidos, outros, não atenderam, restando apenas três. Três da lista de secção que eu tinha : 1 atirador, condutor e um furriel.
Tentei da melhor forma explicar porque ligava, até que a senhora que me atendeu, interrompe as minhas desculpas com "está engana, o meu marido nunca esteve na tropa". Titubeei ainda que estava com os dados do senhor à frente, mas a resposta foi irredutível e breve na despedida.O segundo, que sim, tinha estado, mas de repente, quando lhe pergunto se conhecia alguém daquela secção, não, não tinha estado lá como militar, mas como empresário. Mais uma vez apresentei as minhas desculpas pelo engano. Concluí que, ou tinham sido cometidos muitos enganos, nas listas de batalhões, ou então havia alguém que preferia não falar desses tempos.
Mas a parte que me levou a falar disto foi o último telefonema: fui imediatamente advertida que não queria comprar nada (e lembrei-me da minha mãe, que sózinha em casa, cada toque do telefone é um sobressalto de alma quando a maior parte das vezes é de facto alguém a querer vender... qualquer coisa. Este senhor tinha uma voz triste e tão desalentada que o ouvi com o coração apertado (até porque praticamente não me deixou falar muito): os filhos estão longe e indiferentes e sozinho queixa-se do que fez por eles e principalmente dos sonhos que ainda hoje o atormentam; este sim, confirmou lá ter estado, mas foi quase com raiva que se distanciou de pessoas ou pormenores de então. Raiva de muita coisa, raiva de ainda não ter tranquilidade ao cabo de todos estes anos. "É esta vida, que é uma porcaria sabe...". Falei-lhe dos apoios que poderia ter, gratuitamente, ou quase, na APVG, nos grupos imensos de pessoas que se encontram todos os anos e misturam lágrimas com sorrisos, numa catarse daquele mal que nunca saiu completamente; mas já não me ouvia e desligou a chorar.
É muito doloroso saber que fui desinquietar ainda mais alguém que vive enclausurado num mundo em que todos lhes escapam pelos dedos das mãos, e nada lhe fica a não a ser a falta de paz.
Temo que telefonar-lhe de novo, para saber como está, como se sente, seja ainda pior.
E assim termino (tenho um jantar que já deveria estar feito e uma menina que está a reclamar a minha atenção...) com desejos de paz, saúde e muito amor para todos.
Ana Paula Ferreira
2. Comentário de CV:
Cara amiga Ana Paula, muito obrigado pelo seu contacto, pois há muito não tínhamos notícias suas.
Temos que lhe agradecer também o ter assinado a nossa petição, que afinal é de todos os que se sensibilizam pelo abandono e falta de reconhecimento pelo esforço de uma geração que ao longo de 14 anos sustentou uma guerra sem solução e que custou muito sangue à juventude de então.
Se os males do corpo estão mais ou menos solucionados, o do stress pós-traumático de guerra nunca foi devidamente reconhecido, e poucos técnicos de saúde se dedicam a esta problemática. Os apoios e as informações que deviam chegar a quem delas necessita, não chegam, porque também não houve, nem há um rastreio aos ex-combatentes, nesta fase de idade mais avançada em que as depressões são mais vulgares, originadas pela solidão e falta de saúde geral.
Procurei na página do nosso camarada Jorge Santos (http://guerracolonial.home.sapo.pt/) pedidos de contactos do Batalhão ou Companhia de seu pai, e encontrei este contacto: A. Ferreira da CCAÇ 616, telemóvel 961 958 299. Se ainda não contactou este camarada, em princípio ele estará disponível para ser contactado. Não é propriamente da Unidade de seu pai, mas pode ter outros contactos.
Recentemente aderiu ao nosso Blogue um camarada do Batalhão de seu pai, pertencente à Companhia 618, João Pinho dos Santos, ex-Alf Mil. Consulte o Poste 7723 (clique aqui). Mais uma hipótese a explorar.
A propósito, e para que perceba esta coisa das Unidades, informo-a de que um Batalhão, o do seu pai era o 619, era composto por 3 Companhias operacionais.
O Batalhão 619 era composto pelas Companhias 616 à qual pertenceu o A. Ferreira, 617 à qual pertenceu o seu pai e a 618 à qual pertenceu o nosso e camarada e amigo João Pinho dos Santos.
Por sua vez, cada Companhia era composta por 4 Pelotões.
Estamos a falar de Atiradores, porque ainda há que somar a esta gente os Especialistas: Condutores Auto, Transmissões, Enfermeiros, Mecânicos, Cozinheiros e Corneteiros.
Esta explicação é só para lhe dizer que haverá muita gente que se lembrará do Camarada 1.º Cabo Fernando Ferreira. Continue a tentar.
Posto isto, desejo-lhe, em nome da tertúlia, as maiores felicidades, dizendo-lhe que pode voltar ao nosso contacto sempre que queira.
Continue a acompanhar a II Série do nosso blogue em http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Um abraço do
Carlos
____________
Roseira Brava, letra e música de Manuel Correia de Oliveira
Roseira brava, roseira
Barco sem leme nem remos
Roseira brava é a vida
Que amargamente vivemos.
Roseira brava não tem
Rosas abertas nos ramos
Roseira brava é espinho
Que em nosso peito cravamos.
Roseira brava, roseira
Rosa em botão desfolhada
Roseira brava é teu rosto
Rompendo da madrugada.
Roseira brava no vento
Vai espalhando a semente
Roseira brava é lembrar
Quem se não lembra da gente.
Roseira brava, roseira
Que o sol de Verão não aquece
Roseira brava é o amor
A quem amor não merece.
Roseira brava é o ódio
Que vai minando a raiz
Roseira brava, roseira
Roseira do meu país.
Roseira brava é o ódio
Roseira do meu país.
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(*) Vd. poste de 8 de Abril de 2006 > Guiné 63/4 - DCLXXXV: Aerograma de Ana Paula Ferreira: o meu pai, o 1º cabo Ferreira (CCAÇ 617, BCAÇ 619, 1964/66)
Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7714: Blogoterapia (175): O Regresso, ou quem nos quer ainda ouvir (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P7730: Parabéns a você (214): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381 (Tertúlia e Editores)
PARABÉNS A VOCÊ
06 DE FEVEREIRO DE 2011
Caro camarada José Teixeira, a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva. Sabes que és um camarigo especial entre a Tertúlia, pela tua colaboração no Blogue onde cada texto é um hino à solidadriedade que já praticavas ao tempo, e muito mais importante, pela tua actividade dentro da ONG da Tabanca Pequena de Matosinhos, sempre muito bem acompanhado pelos teus camaradas de Direcção. As vossas iniciativas a favor da Guiné-Bissau são reconhecidas e deram já muitos e bons frutos.
Assim, temos a certeza toda a Tertúlia vem desejar-te um feliz dia de aniversário junto de tua esposa, filhos e demais familiares e amigos.
Que esta data se festeje por muitos anos, repletos de saúde, porque isso se vai reflectir no bem de alguém, tendo sempre por perto aqueles que amas e prezas. Amigos não faltarão à tua volta, porque os sabes cativar e manter.
Na hora do brinde não esqueças os teus camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça pela tua saúde e longevidade.
____________
Notas de CV:
(*) José Teixeira foi 1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70 e actualmente é membro da Direcção da Tabanca Pequena ONGD que se dedica a apoiar causas em favor do povo irmão da Guiné-Bissau
Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7729: Parabéns a você (213): Ana Duarte, Fernando Franco e Hugo Moura Ferreira (Tertúlia e Editores)
Guiné 63/74 - P7729: Parabéns a você (213): Ana Duarte, Fernando Franco e Hugo Moura Ferreira (Tertúlia e Editores)
PARABÉNS A VOCÊ
06 DE FEVEREIRO DE 2011
Cara amiga Ana Duarte, caros camaradas Fernando Franco e Hugo Moura Ferreira, a Tabanca Grande solidariza-se convosco nesta data.
Assim, vêm os Editores, em nome de toda a Tertúlia desejar-vos um bom dia de aniversário junto dos vossos familiares e amigos.
Que esta data se comemore por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre por perto aqueles que amais e prezais.
Na hora do brinde não esqueçais os vossos camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça pela vossa saúde e longevidade.
____________
Notas de CV:
Ana Duarte é viúva do nosso camarada Sargento-Mor Humberto Duarte, que foi Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez -1973/74
Fernando Franco foi 1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288, Guiné, 1973/74
Hugo Moura Ferreira foi Alf Mil da CCAÇ 1621, Cufar e Cachil, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/68
Vd. último poste da série de 5 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7728: Parabéns a você (212): Agradecimento do José Belo, um lusitano na terra dos Vikings
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