Fonte: © Carlos Barros (2005) Portal da Marinha Grande
Amigos & camaradas:
Se não conhecem, tomem nota de um sítio que descobri na Net. É de um camarada que vive na Marinha Grande e que andou pelos nossos lados, entre Fevereiro de 1967 e Novembro de 1968. O nome dele é Abel de Jesus Carreira Rei. Conta a sua história de ex-combatente num portal da Marinha Grande, dirigido por Carlos Barros: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei.
Com a devida vénia e os nossos agradecimentos (pela foto e pelos excertos de texto), aqui vai o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968).
Diz o autor: "Esta é a história verdadeira que eu escrevi: não a história que eu gostaria de escrever".
Trata-se de um diário que vai do dia 1 de Fevereiro de 1967 a 19 de Novembro de 1968.
E aqui ficam alguns apontamentos (corrigi, aqui e ali, a pontuação e a gramática, sem atraçoiar o pensamento do autor).
"Levantámo-nos eram três da manhã e saímos finalmente de Bissau, sem irmos lá, subindo o rio Geba acima, pelas seis horas, numa LDG (Lancha de Desembarque Grande), sendo patrulhados por marinheiros. O pormenor mais importante desta viagem foi na altura em que os homens da tripulação destruíram uma canoa dos turras, com seis tiros, obrigando toda a malta a deitar-se instintivamente.
"Desembarcámos em Bambadinca pelas treze horas, e daí seguimos para Fá [Mandinga], onde iria ser o nosso primeiro aquartelamento na Guiné. Depois dum refrescante banho, já depois de o sol se pôr, numa fonte de água fresca próxima do quartel - e, segundo dizem, a melhor da província - comemos a primeira refeição cerca das dez horas da noite. Apesar da fome que passámos, o nosso maior inimigo, neste início, é o calor, pois vínhamos do frio e qu1ase todos o sentimos".
2. Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem está destacado no Xime, aquartelamento da CCAÇ 1550:
"Neste quartel de Xime, onde temos permanecido desde a saída de Fá, está-se em contacto permanente com os indígenas, que vivem à entrada numa tabanca, com enorme população, sendo alguns deles soldados dum pelotão de nativos. Já percorri a mesma, e tive o primeiro contacto com as bajudas(raparigas adolescentes nativas), em companhia de camaradas mais velhos, que pertencem à Companhia de Caçadores nº 1550, cá destacada, e comecei a [papaguear] o crioulo. Como curiosidade tive nos braços um garoto mulato, talvez fruto da passagem dos primeiros militares brancos, por cá, no início da guerra."
3. Em 25 de Fevereiro o autor vai em patrulha estacionada no Enxalé, a CART 1439… O Enxalé ficava a norte do Rio Geba, em frente ao Xime. Também passei/passámos, a malta da CCAÇ 12, pela grande privação de água nesta região. Escreve o nosso cabo, quando regressa de Porto Gole ao Enxalé:
"Hoje pude avaliar quão grandes teriam sido as dificuldades que os nossos antecessores sofreram, e eu ainda terei de sofrer (?). A água, que costuma ser bebida com comprimidos e filtrada, bebeu-se por todos, sofregamente, sem olhar a limpeza e origem. Bebia-se todo o líquido que nos aparecia, quer nas poças do terreno, ou nos poucos cursos de água, fosse ele da cor que fosse!"…
4. Em 12 de Março, o baptismo de fogo na região do Xime. O autor não nos dá indicações precisas onde se desenrolou a operação, diz apena foi a "este do Xime"...
"Seriam talvez sete da manhã quando a linha da frente, donde eu fazia parte, detectou duas minas escondidas na picada, logo de imediato assinaladas e desactivadas. Entretanto, mais à frente o inimigo que, supomos, sabia das nossas manobras, vinha ao nosso encontro para nos montar emboscadas. Nós demos de caras com eles abrindo o nosso primeiro homem, à frente, fogo de rajada com a G3.
"Eles responderam de imediato com rajadas de metralhadoras e bazucadas, que caíam já bastante perto de nós. O local não nos ajudou, por só haver uma picada estreita, na qual seguíamos em linha, e que era ladeada por espesso capim alto. Do inesperado embate houve escasso recuo, para logo de seguida nós lhes fazermos frente, com morteiradas e rajadas que fizeram o inimigo bater em retirada.
"Foi histórico, para mim, este dia em que as ouvi cantar por cima da minha cabeça".
5. De 19 a 23 de Março, participa numa dramática operação ao Burontoni, na região do Xitole (Op Guindaste). As NT fazem 8 mortos, “confirmados no terreno”, e capturam material de guerra. Mas o ronco tem sempre custos para os tugas: mais uma vez o sofrimento devido ao cansaço e a falta de água…
"Retirámos, deixando tudo em chamas, em passo acelerado, tendo alguns desmaiado, em parte devido ao calor, mas também por falta de água, contando-se entre eles o nosso capitão e um sargento. Quando tornámos a passar pelo riacho, que sabíamos existir, parecíamos que estávamos loucos, procurando a água com ânsia, mesmo com ela quase preta, do calcar dos nossos pés. Lá estivemos mais de uma hora, para abalarmos depois, bastante mais frescos, a caminho de Dembataco, onde chegámos às sete e tal da noite. Pelo caminho, encontrámos mais uma nascente, com um curso de água, onde parámos e nos abastecemos de novo. Mais uma vez, corridas loucas ao encontro de água, e como sempre a ser preciso penetrar nela para a possuir: e eram sempre duas rações que tinha de arranjar; a minha e a do meu colega Saraiva, dos Moínhos de Carvide, que vinha completamente abatido, e o qual ajudei nas últimas horas de marcha, amparando-o e trazendo-lhe o seu equipamento (...).
"Parti de Dembataco, tremendamente abatido e exausto, em direcção à estrada do Xitole-Bambadinca, depois de passarmos uma ponte de paus ligados uns aos outros. Aí deveriam estar umas viaturas que nos levariam a Fá. Não estavam. Partimos aos tombos até Bambadinca, onde chegámos à meia-noite e foram só os teimosos do meu grupo de combate; os outros lá ficaram a aguardar as viaturas. Mas nós, uma vez chegados, tornámos atrás a fazer segurança às viaturas, que iam buscar os nossos colegas que, entretanto, se tinham posto a caminho por ser perigosa a sua permanência no local onde ficaram.
"Chegámos ao quartel à uma da manhã, e assim terminou a Operação Guindaste na zona Burontoni".
6. Em 15 de Abril de 1967, as NT sofrem um duro revés em Porto Gale… 7 mortos:
"Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!
"Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).
"De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).
"Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.
"Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.
"Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.
"Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio... Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família (...).
7. Em 14 de Maio de 1967, estamos em Bissá, um aquartelamento com oito abrigos, arame farpado e iluminação a… petromax!... E onde há alferes milicianos chicos (como também havia no nosso tempo!)…
Por outro lado, vejam, no registo do dia 12 de Junho de 1967, como era perigoso brincar com armadilhas!
8. Em 16 de Setembro, quatro mortos numa mina anticarro:
Em Outubro de 1967 a série negra continua, com mais mortos…
9. Em 29 de Novembro de 1967, há o relato de uam dramática operação à região de Madina [Madina / Belel, no regulado do Cuor].
" (...) Partimos à meia-noite do dia 27, com uma ração de combate por cada dois homens, e a caminho dum acampamento de turras, situado em Madina, onde eles tinham bastantes armas pesadas, entre elas, um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?).
E aqui ficam alguns apontamentos (corrigi, aqui e ali, a pontuação e a gramática, sem atraçoiar o pensamento do autor).
"Levantámo-nos eram três da manhã e saímos finalmente de Bissau, sem irmos lá, subindo o rio Geba acima, pelas seis horas, numa LDG (Lancha de Desembarque Grande), sendo patrulhados por marinheiros. O pormenor mais importante desta viagem foi na altura em que os homens da tripulação destruíram uma canoa dos turras, com seis tiros, obrigando toda a malta a deitar-se instintivamente.
"Desembarcámos em Bambadinca pelas treze horas, e daí seguimos para Fá [Mandinga], onde iria ser o nosso primeiro aquartelamento na Guiné. Depois dum refrescante banho, já depois de o sol se pôr, numa fonte de água fresca próxima do quartel - e, segundo dizem, a melhor da província - comemos a primeira refeição cerca das dez horas da noite. Apesar da fome que passámos, o nosso maior inimigo, neste início, é o calor, pois vínhamos do frio e qu1ase todos o sentimos".
2. Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem está destacado no Xime, aquartelamento da CCAÇ 1550:
"Neste quartel de Xime, onde temos permanecido desde a saída de Fá, está-se em contacto permanente com os indígenas, que vivem à entrada numa tabanca, com enorme população, sendo alguns deles soldados dum pelotão de nativos. Já percorri a mesma, e tive o primeiro contacto com as bajudas(raparigas adolescentes nativas), em companhia de camaradas mais velhos, que pertencem à Companhia de Caçadores nº 1550, cá destacada, e comecei a [papaguear] o crioulo. Como curiosidade tive nos braços um garoto mulato, talvez fruto da passagem dos primeiros militares brancos, por cá, no início da guerra."
3. Em 25 de Fevereiro o autor vai em patrulha estacionada no Enxalé, a CART 1439… O Enxalé ficava a norte do Rio Geba, em frente ao Xime. Também passei/passámos, a malta da CCAÇ 12, pela grande privação de água nesta região. Escreve o nosso cabo, quando regressa de Porto Gole ao Enxalé:
"Hoje pude avaliar quão grandes teriam sido as dificuldades que os nossos antecessores sofreram, e eu ainda terei de sofrer (?). A água, que costuma ser bebida com comprimidos e filtrada, bebeu-se por todos, sofregamente, sem olhar a limpeza e origem. Bebia-se todo o líquido que nos aparecia, quer nas poças do terreno, ou nos poucos cursos de água, fosse ele da cor que fosse!"…
4. Em 12 de Março, o baptismo de fogo na região do Xime. O autor não nos dá indicações precisas onde se desenrolou a operação, diz apena foi a "este do Xime"...
"Seriam talvez sete da manhã quando a linha da frente, donde eu fazia parte, detectou duas minas escondidas na picada, logo de imediato assinaladas e desactivadas. Entretanto, mais à frente o inimigo que, supomos, sabia das nossas manobras, vinha ao nosso encontro para nos montar emboscadas. Nós demos de caras com eles abrindo o nosso primeiro homem, à frente, fogo de rajada com a G3.
"Eles responderam de imediato com rajadas de metralhadoras e bazucadas, que caíam já bastante perto de nós. O local não nos ajudou, por só haver uma picada estreita, na qual seguíamos em linha, e que era ladeada por espesso capim alto. Do inesperado embate houve escasso recuo, para logo de seguida nós lhes fazermos frente, com morteiradas e rajadas que fizeram o inimigo bater em retirada.
"Foi histórico, para mim, este dia em que as ouvi cantar por cima da minha cabeça".
5. De 19 a 23 de Março, participa numa dramática operação ao Burontoni, na região do Xitole (Op Guindaste). As NT fazem 8 mortos, “confirmados no terreno”, e capturam material de guerra. Mas o ronco tem sempre custos para os tugas: mais uma vez o sofrimento devido ao cansaço e a falta de água…
"Retirámos, deixando tudo em chamas, em passo acelerado, tendo alguns desmaiado, em parte devido ao calor, mas também por falta de água, contando-se entre eles o nosso capitão e um sargento. Quando tornámos a passar pelo riacho, que sabíamos existir, parecíamos que estávamos loucos, procurando a água com ânsia, mesmo com ela quase preta, do calcar dos nossos pés. Lá estivemos mais de uma hora, para abalarmos depois, bastante mais frescos, a caminho de Dembataco, onde chegámos às sete e tal da noite. Pelo caminho, encontrámos mais uma nascente, com um curso de água, onde parámos e nos abastecemos de novo. Mais uma vez, corridas loucas ao encontro de água, e como sempre a ser preciso penetrar nela para a possuir: e eram sempre duas rações que tinha de arranjar; a minha e a do meu colega Saraiva, dos Moínhos de Carvide, que vinha completamente abatido, e o qual ajudei nas últimas horas de marcha, amparando-o e trazendo-lhe o seu equipamento (...).
"Parti de Dembataco, tremendamente abatido e exausto, em direcção à estrada do Xitole-Bambadinca, depois de passarmos uma ponte de paus ligados uns aos outros. Aí deveriam estar umas viaturas que nos levariam a Fá. Não estavam. Partimos aos tombos até Bambadinca, onde chegámos à meia-noite e foram só os teimosos do meu grupo de combate; os outros lá ficaram a aguardar as viaturas. Mas nós, uma vez chegados, tornámos atrás a fazer segurança às viaturas, que iam buscar os nossos colegas que, entretanto, se tinham posto a caminho por ser perigosa a sua permanência no local onde ficaram.
"Chegámos ao quartel à uma da manhã, e assim terminou a Operação Guindaste na zona Burontoni".
6. Em 15 de Abril de 1967, as NT sofrem um duro revés em Porto Gale… 7 mortos:
"Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!
"Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).
"De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).
"Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.
"Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.
"Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.
"Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio... Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família (...).
7. Em 14 de Maio de 1967, estamos em Bissá, um aquartelamento com oito abrigos, arame farpado e iluminação a… petromax!... E onde há alferes milicianos chicos (como também havia no nosso tempo!)…
Por outro lado, vejam, no registo do dia 12 de Junho de 1967, como era perigoso brincar com armadilhas!
8. Em 16 de Setembro, quatro mortos numa mina anticarro:
Em Outubro de 1967 a série negra continua, com mais mortos…
9. Em 29 de Novembro de 1967, há o relato de uam dramática operação à região de Madina [Madina / Belel, no regulado do Cuor].
" (...) Partimos à meia-noite do dia 27, com uma ração de combate por cada dois homens, e a caminho dum acampamento de turras, situado em Madina, onde eles tinham bastantes armas pesadas, entre elas, um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?).
"Chegámos por volta das dez e meia da manhã. Por essa altura, começou a sobrevoar a zona uma avioneta com um major de operações. Depois de mais de uma hora parados, e a suportar toda a intensidade do sol escaldante, fomos obrigados a avançar para o objectivo. Nessa ocasião fazia-se a entrada numa bolanha cheia de água.
"Mas os nossos corpos caíram!... Fomos quatro evacuados. Cerca de vinte homens ficaram a fazer a segurança ao helicóptero. Todos os outros iam a caminhar para o objectivo. Levantámos, no meio do capim com mais de três metros de altura, e assim que partimos, toda a zona era alvo de fortes rebentamentos, lançados pelo inimigo, para liquidar os homens que eles sabiam estar nesse local em que o helicóptero subiu.
"O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! Tínhamos chegado ao fim do percurso, e decerto a sermos sempre observados pelo inimigo. Agora era o mais difícil: atacar e fazer a retirada; que é onde se juntam todos os sacrifícios, que são cada vez maiores, na medida em que reduzem as nossas capacidades.
"Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos turras, que batiam a zona. Perderam-se... Os outros, que o capitão (de nome, Figueiredo) obrigou a irem contra as trincheiras do inimigo - apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparo, se não avançassem - sofriam dois mortos e três feridos. Não lhes foi possível trazer os mortos (um soldado nativo das milícias e o próprio guia), pois o fogo era intenso.
"Chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel, tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados".
10. No final de Dezembro de 1967, o nosso cabo Rei está destacado no Enxalé e a 23 relata a sua viagem a Bafatá, para fazer compras d Natal!
"Fui até Bafatá no dia 23, para comprar bebidas, doces e frutas, para festejarmos o dia de Natal e a passagem de ano. Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné!
"Fomos uns quantos de Enxalé, até às margens do rio Geba, percorrendo o rio, de canoa cerca de três quilómetros, até ao quartel do Xime, onde com mais alguns elementos, em viatura auto, nos fizemos à estrada, percorrendo cerca de sessenta quilómetros, passando por Bambadinca, depois a zona de Fá e finalmente Bafatá. Regressámos a Enxalé já de noite, atravessando uma bolanha com dois quilómetros e meio de extensão, e com água a cobrir-nos a cintura.
"Não vou deixar aqui as minhas impressões, sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial: somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando do progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores.
"A seguir veio o Natal, vivido no meio de boa disposição, com bastante camaradagem e optimismo entre o grupo. Houve uma ligeira ceia - pois era preciso estarmos atentos ao inimigo - onde não faltou o velho amigo [o bacalhau ? o vinho ?], o vinho do Porto, e demais bebidas, juntamente com bolos, nozes, pinhões, passas de uvas, etc. E até umas filhoses feitas por mim.
"No dia 28, os turras vieram cá visitar-nos, durante alguns minutos, durante os quais nos defendemos, não ocorrendo desse ataque nada de grave a assinalar".
11. Em Fevereiro de 1968, o nosso cabo goza as suas merecidas férias em Bissau, hospedado na pensão Chantre... Nesse mês, a base aérea de Bissalanca tinha sido atacado pelo PAIGC... E em frente a Bissau, Tite é atacada:
"Quando me encontrava numa noite destas, pelas onze horas, a passear junto à área do Porto Marítimo de Bissau, começou-se inesperadamente, como sempre, a ouvir o rebentar de granadas potentes, e a vê-las lançar ao ar as suas mortíferas estilhaçadas incandescentes... Era mais um ataque terrorista a um destacamento na área de Tite".
12. Em 1968, a escrita do diário torna-se mais rara. Em 1 de Junho de 1968 há outra dramática descrição de um contacto com o IN, de que resultou entre outras baixas a captura de um elemento das NT:
"O meu sono e o dos meus camaradas foi perturbado à uma da madrugada! E, passadas duas horas, saímos juntamente com a companhia presentemente cá destacada, para fins operacionais.
"Mas os nossos corpos caíram!... Fomos quatro evacuados. Cerca de vinte homens ficaram a fazer a segurança ao helicóptero. Todos os outros iam a caminhar para o objectivo. Levantámos, no meio do capim com mais de três metros de altura, e assim que partimos, toda a zona era alvo de fortes rebentamentos, lançados pelo inimigo, para liquidar os homens que eles sabiam estar nesse local em que o helicóptero subiu.
"O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! Tínhamos chegado ao fim do percurso, e decerto a sermos sempre observados pelo inimigo. Agora era o mais difícil: atacar e fazer a retirada; que é onde se juntam todos os sacrifícios, que são cada vez maiores, na medida em que reduzem as nossas capacidades.
"Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos turras, que batiam a zona. Perderam-se... Os outros, que o capitão (de nome, Figueiredo) obrigou a irem contra as trincheiras do inimigo - apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparo, se não avançassem - sofriam dois mortos e três feridos. Não lhes foi possível trazer os mortos (um soldado nativo das milícias e o próprio guia), pois o fogo era intenso.
"Chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel, tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados".
10. No final de Dezembro de 1967, o nosso cabo Rei está destacado no Enxalé e a 23 relata a sua viagem a Bafatá, para fazer compras d Natal!
"Fui até Bafatá no dia 23, para comprar bebidas, doces e frutas, para festejarmos o dia de Natal e a passagem de ano. Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné!
"Fomos uns quantos de Enxalé, até às margens do rio Geba, percorrendo o rio, de canoa cerca de três quilómetros, até ao quartel do Xime, onde com mais alguns elementos, em viatura auto, nos fizemos à estrada, percorrendo cerca de sessenta quilómetros, passando por Bambadinca, depois a zona de Fá e finalmente Bafatá. Regressámos a Enxalé já de noite, atravessando uma bolanha com dois quilómetros e meio de extensão, e com água a cobrir-nos a cintura.
"Não vou deixar aqui as minhas impressões, sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial: somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando do progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores.
"A seguir veio o Natal, vivido no meio de boa disposição, com bastante camaradagem e optimismo entre o grupo. Houve uma ligeira ceia - pois era preciso estarmos atentos ao inimigo - onde não faltou o velho amigo [o bacalhau ? o vinho ?], o vinho do Porto, e demais bebidas, juntamente com bolos, nozes, pinhões, passas de uvas, etc. E até umas filhoses feitas por mim.
"No dia 28, os turras vieram cá visitar-nos, durante alguns minutos, durante os quais nos defendemos, não ocorrendo desse ataque nada de grave a assinalar".
11. Em Fevereiro de 1968, o nosso cabo goza as suas merecidas férias em Bissau, hospedado na pensão Chantre... Nesse mês, a base aérea de Bissalanca tinha sido atacado pelo PAIGC... E em frente a Bissau, Tite é atacada:
"Quando me encontrava numa noite destas, pelas onze horas, a passear junto à área do Porto Marítimo de Bissau, começou-se inesperadamente, como sempre, a ouvir o rebentar de granadas potentes, e a vê-las lançar ao ar as suas mortíferas estilhaçadas incandescentes... Era mais um ataque terrorista a um destacamento na área de Tite".
12. Em 1968, a escrita do diário torna-se mais rara. Em 1 de Junho de 1968 há outra dramática descrição de um contacto com o IN, de que resultou entre outras baixas a captura de um elemento das NT:
"O meu sono e o dos meus camaradas foi perturbado à uma da madrugada! E, passadas duas horas, saímos juntamente com a companhia presentemente cá destacada, para fins operacionais.
"O nosso destino era uma ligeira patrulha nas matas de Seé, a pouco mais de 10 Kms de percurso [do Enxalé]. O andamento foi decorrendo normal e sem incidentes até cerca das seis da manhã, altura em que detectámos algumas folhas junto a uma árvore -a sentinela avançada do inimigo, que tinha ido dar o alarme.
"A seguir era a entrada numa bolanha rodeada de espessa mata, feita em corrida: tínhamos detectado tropas inimigas - que no momento em que eu chegava à zona de morte (vista depois) - faziam a entrada numa mata do nosso lado esquerdo. Esses mesmos acabavam de fazer uma patrulha, ou então deveriam vir dum suspeito acampamento, perto da nossa viatura, imobilizada na emboscada de 10 de Abril (?). Fiz logo fogo, assim como toda a frente do meu grupo, sendo nessa ocasião feridos alguns inimigos (...).
"Entretanto, nós avançávamos pela mata dentro, mas a escassos metros o inimigo esperava-nos! Então o tiroteio foi intenso, com o inimigo a cercar-nos. Tivemos de retroceder. Mas, uma vez fora da mata, os tiros e rebentamentos sucediam-se de todos os lados; eram feridos cinco elementos nossos, entre eles o capitão da outra companhia.
"Depois avançámos ao longo da mata, com as forças inimigas bem instaladas, e a fazer fogo constante sobre nós. Num momento de maior aflição era deixado o capitão e alguns homens nessa dita zona de morte. Eu, nesse momento, estava no meio da bolanha oferecendo um alvo fácil, ouvindo assobiar rajadas e roquetadas, e via os meus companheiros a passarem por mim; pois tinha sido dos primeiros, e só fiquei para trás, na altura em que reparei que todos fugiam em direcção a Bissá, sem se importarem com a rectaguarda. Gritei, pedi que recuassem!... E vi os turras correrem para os que estavam em perigo. (Mais tarde, disse um soldado de nome Pombinho, de quem eu trazia a arma - "os turras avançaram, mandando-lhe levantar as mãos e ordenando que se rendesse". A resposta dele foi uma rajada com uma arma de um ferido, obrigando-os a fugir para o mato).
"O tiroteio continuava com as nossas forças dispersas pelo mato, havendo dois grupos de combate que tinham ido dar uma volta ainda maior, e reagrupando aqueles que ainda estavam na zona de fogo.
"À frente tudo corria, para Bissá. Atrás ficavam duas armas: uma pesada, MG e uma ligeira, G3. E, o pior de tudo, um homem da outra companhia era apanhado à mão pelo inimigo! (Mais tarde falou-nos de Conakry, via rádio, a informar-nos que se encontrava bem)(1).
"Enquanto a maior parte chegava a Bissá, com dois feridos graves a perderem sangue, entre outros, apareciam no local de combate dois bombardeiros, dando em seguida algumas rajadas para a mata, onde nessa altura se encontravam já os grupos de combate, que tinham vindo em socorro, orientando-se pelo tiroteio. Seguidamente aterrava um helicóptero, protegido pelos bombardeiros, para evacuar o capitão e mais dois homens também feridos por uma roquetada, enquanto lhe faziam segurança.
"Partimos de Bissá às duas da tarde, mas só os que podiam andar - lá seriam evacuados quatro homens feridos e dois exaustos - pois ainda lá ficaram três ou quatro que não podiam caminhar. Eu, apesar de ter poucas esperanças em aguentar essas três horas de andamento, abalei disposto a cobri-las, pois trazia no pensamento unicamente o nome de Porto Gole! Fomos encontrar os bombardeiros, a meio do percurso, não tendo [tido] mais chatices com o inimigo. Cansado e sem forças, fui o primeiro a chegar a Porto Gole".
13. O último registo do diário são os preparativos para o regresso a casa, depois de 22 meses de comissão. E as últimas confidências, já escritas no N/M Uíge, em 19 e 20 de Novembro de 1968:
"No mato, enquanto fazia emboscadas ou patrulhas, os apontamentos do meu livrinho, que trazia sempre comigo no dolmã, saíram algumas vezes incompletos e com falta de acção e estilo. A minha escassa formação primária não me proporcionou melhores ideias. Tudo o que ficou escrito, não se tratou senão de simples partes vividas, onde a realidade dava lugar a maiores esclarecimentos.
"E acabei por impor a mim próprio a chamada memória selectiva, e omitir factos tão ruins que eu nem os conseguia descrever, e com a sua omissão convencer-me de que nunca aconteceram.
"A minha missão não foi das mais árduas, outros houve que sofreram muito mais. Para esses, irá decerto o carinho de todos quantos nos rodearam através das escassas notícias referidas além-mar.
"Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos, ou chorarmos os mortos.
"A minha missão não foi das mais árduas, outros houve que sofreram muito mais. Para esses, irá decerto o carinho de todos quantos nos rodearam através das escassas notícias referidas além-mar.
"Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos, ou chorarmos os mortos.
"A estes últimos, os heróis desconhecidos desta guerra, aqueles que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos... a estes, a minha modesta homenagem que se resume em desejar-lhes Eterno Descanso. Irmãos de meses difíceis desta tropa, a minha lembrança por vocês perdurará (...) eternamente, pois eu podia ter sido um de vós!"
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Nota de L.G.
(1) Presumo que tenha sido libertado, juntamente com os outros prisioneiros portugueses, na sequência da invasão, em 25 de Novembro de 1969, de Conakry, pelas forças comandadas por Alpoim Galvão (Op Mar Verde).
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Nota de L.G.
(1) Presumo que tenha sido libertado, juntamente com os outros prisioneiros portugueses, na sequência da invasão, em 25 de Novembro de 1969, de Conakry, pelas forças comandadas por Alpoim Galvão (Op Mar Verde).