Segunda e última parte do "Diário" do José Cuidado da Silva, chegado até nós através do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381[1]
Buba, 22 de julho de 1968
Neste dia saímos do quartel às seis da manhã, e fomos emboscar na estrada de Buba para Aldeia Formosa para passar a coluna vinda de Aldeia. Neste dia estivemos sem comer durante todo o dia, e a coluna chegou já de noite ao quartel.
Aldeia Formosa, 19 de agosto de 1968
Neste dia, há volta das oito horas da noite, mais um lindo ataque dos turras, mas as morteiradas não chegaram cá, pois apenas caíram duas perto do quartel, mas com certeza eram de canhão porque nós apenas mandamos cerca de dez morteiradas e o ataque durou cerca de vinte minutos, e assim com estas palavras termino.
Aldeia Formosa, 20 de agosto de 1968
Nesta data fomos fazer uma coluna a Gandembel e partimos de cá da terra (Aldeia Formosa) eram 11.30, e sempre a picar a estrada por causa das minas.
Aldeia Formosa, 22 de agosto de 1968
Neste dia tivemos de ir novamente fazer a coluna a Gandembel. Partimos de Aldeia eram 6 horas da manhã, e a estrada sempre picada pelo meu pelotão.
Chegamos até a Chamarra e tudo a correr bem. Daí em diante viemos nas viaturas a cavalo, bem descansados da nossa vida, quando sofremos uma emboscada no caminho e começaram as morteiradas a cair por cima da gente e a costureirinha a trabalhar, etc...
Estava um bombardeiro em Aldeia Formosa, de aonde levantou voo, e foi ter com a gente, ainda nos encontrávamos debaixo de fogo. Ele lá largou as suas mesinhas em cima daqueles cabrões, e eles logo deixaram de dar fogo. Houve cinco feridos. Três soldados da minha companhia e um furriel que era o Samouco e um soldado dos velhos. Destruíram também uma viatura.
Aldeia Formosa, 25 de agosto de 1968
Na data indicada em cima, tivemos uma tarde de festa que começou cerca das cinco horas, e demorou cerca de 15 minutos. Neste dia andavam africanos a jogar a bola com colegas meus, e o jogo era na pista de aviação.
E estas são as últimas palavras deste ataque.
Aldeia Formosa, 27 de agosto de 1968
Fomos fazer uma coluna a Buba, que nela tivemos pouca sorte, e por isso tenho sempre escrito estes grandes sacrifícios que eu tenho passado junto dos meus colegas.
Aldeia Formosa, 9 de setembro de 1968
Mais um ataque neste dia por esses grandes parvos dos turras. Já era de noite quando eles atacaram, mas as morteiradas e as canhoadas não chegaram ao quartel, e nós mandamos só quarto morteiradass e seis obuzadas e os gajos assim nos deixaram a gente em paz. Ao fim de ter passado à volta de uma hora, mandamos dez obusadas para a Guiné francesa, e assim terminou este encontro.
Aldeia Formosa, 12 de setembro de 1968
Mais outra festa neste dia acima indicado, e assim vou contar esta história. Já quase de noite, os homens da Fox saíram fora do quartel com as Daimlers, e os turras estavam emboscado para atacarem o quartel, mas como ouviram o barulho dos carros a avançarem, logo atacaram os homens das Fox e o quartel ao mesmo tempo. O morteiro do quartel mandou quatro morteiradas e os obuses mandaram duas ameixas, e assim terminou a festa e o pessoal das Fox regressou depois para o quartel sem haver problema.
Aldeia Formosa, 1 de outubro de 1968
Em virtude de me encontrar na Província Ultramarina da Guiné tenho de escrever mais estas seguintes palavras que foram passadas na data indicada acima em Aldeia Formosa. Assim vou escrever o que se passou durante cerca de sete horas, pois choveu tanto, e fazia tanto vento que queria levar as casernas, mas levou, apenas, as chapas de zinco, que estavam a fazer de telhas numa pequena caserna onde estava a secretaria e pessoal da minha companhia a dormir.
Aldeia formosa, 22 de novembro de 1968
Mais uma história que vou contar desta minha guerra. Nesta data fomos fazer uma coluna a Gandembel, aonde iam com a gente os paraquedistas. Levávamos oito viaturas com géneros, e a malta ia a pé, porque íamos a picar a estrada. Chegamos a meio do sector com tudo a correr bem, e depois tivemos de montar a ponte para as viaturas passarem, e daí em diante nós já fomos encima dos carros, mais à frente tivemos de passar por outra ponte que é a Ponte Balana.
Aldeia Formosa, 31 de dezembro de 1968
Nesta data indicada acima, tivemos mais um ataque ao quartel, e nós já estávamos sabedores, porque o nosso capitão mandou formar a companhia para nos dizer. Eu estava de reforço ao portão dois, eram perto das seis da tarde quando nós ouvimos arrebentamentos. Assim que nós ouvimos arrebentamentos fomos imediatamente para a paliçada, e quando eram perto das dez horas, nós começamos a fazer fogo, quando eles atacaram com mais umas morteiradas e canhoadas. Os melros não conseguiram meter nenhuma dentro do quartel, e só acabou era meia-noite e meia.
Buba, 4 de fevereiro de 1969
Como andamos a fazer uma estrada de Buba até Aldeia Formosa, e já temos perto de dez quilómetros, e neste dia nós íamos com a nossa calma pela estrada fora quando caímos numa emboscada. Iam dois pelotões pelos flancos. Era o meu e o quarto, mas a emboscada rebentou do lado onde ia o quarto.
Buba, 9 de fevereiro de 1969
Neste dia tivemos um ataque ao quartel que quando começou eram 10.30h. Eu já me encontrava a dormir, mas o ataque era tão grande que eu até acordei. Alevantei-me da cama, e ia para fugir para a vala, mas já estava tão cheia que fui para debaixo da cama.
Buba, 13 para 14 de fevereiro de 1969
Na noite de 13 para 14 de fevereiro às cinco da manhã sofremos mais um ataque estava a malta ainda a dormir quando elas começaram a cair. Eu não tive nada. Fui para debaixo da cama, e vários camaradas também. Eles meteram muitas canhoadas e morteiradas dentro do quartel, mas só houve um ferido da Companhia 2382 que foi o “Esgota-pipas”, e foi para o hospital, e o meu pelotão e o segundo foram fazer o reconhecimento donde eles nos atacaram com 14 canhões, 3 morteiros 82 e com armas ligeiras. Apenas apanhamos algumas granadas de canhão, e isto é o fim.
Buba, 19 de abril de 1969
Tudo isto é guerra. Mais um ataque que começou pelas oito da noite. Apenas meterem duas canhoada,s e uma delas furou a parede da minha caserna, mas sem haver qualquer acidente, e durou cerca de 10 minutos. No dia seguinte foram dois pelotões da minha Companhia fazer o reconhecimento, aonde estavam 18 granadas de morteiro, e encontraram postas de sangue. Atacaram com 8 canhões e 3 morteiros, e pronto por hoje já chega.
Buba, 4 de maio de 1969
Fomos fazer uma coluna até Nhala e ia a engenharia também, mas a engenharia ficou no segundo pontão, e aonde estava minada de minas, pois alevantamos 38 minas antipessoais e uma anticarro, e mais à frente nós íamos a picar, e encontramos a estrada toda escavacada e aonde alevantamos três minas, e havia outra que um rapaz da minha companhia lhe pôs o pé encima, e ficou com o pé todo partido. Foi socorrido pelos primeiros socorros e depois foi para o hospital em Bissau.
Mampatá, 17 de maio de 1969
Estive em Mampatá cerca de 15 dias, e no dia 16 os turras fizerem um pequeno ataque. Foi apenas com lança.roquetes, e armas ligeiras, mas não houve qualquer novidade, e no dia seguinte fomos fazer o reconhecimento e nada encontramos.
Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250, Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Um foto aérea de povoação e aquartelamento... A unidade de quadrícula anterior terá sido a CCCAÇ 3326 (1971/73, Mampatá e Quinhamel) a que pertenceu o nosso camarada António Amaral Brum, há 36 anos emigrado no Canadá. Em 1968, no último trimestre, esteve aqui destacado o José Teixeira, o José Cuidado da Silva, o Eduardo Moutinho Santos, o José Belo, o José Manuel Samouco e outros "Maiorais" (CCAÇ 2381, 1968/70).
Foto: © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Mampatá, 31 de maio de 1969
Neste dia saímos de Mampatá na coluna de Aldeia Formosa para Buba, e foram alguns rapazes da minha companhia a picar a estrada até ao meio do sector. Ao fim de alguns quilómetros tivemos uma emboscada, onde houve dois mortos e seis feridos. Os mortos e os feridos eram de uma companhia que já tinha dezanove meses, e assim seguimos para diante.
Um chama-se Manuel Luís que é da Azinheira e o outro era o Silva, e nós ao fim destas duas emboscadas já não tínhamos aquase [sic] nenhum material de guerra.
Empada, 13 de junho de 1969
Aqui, neste pequeno quartel de Empada, foi o meu primeiro ataque que eu tive na data indicada acima. Nada me meteu medo. Eu nessa altura estava a comer galinha e a beber aqueles copos da ordem junto de alguns camaradas.
Empada, 16 de junho de 1969
Era uma hora da noite e eu estava dormindo num pequeno abrigo, mais alguns camaradas bem descansados, mas foi só ao som das canhoadas e morteiradas que nós acordamos.
Empada, 28 de junho de 1969
Mais uma vez uma linda festa feita pelos turras. Eram oito horas quando eles começaram a mandar morteiradas e canhoadas, mas elas caíram bem longe deste pequeno quartel, pois ficaram a meio do caminho.
Buba, 31 de julho de 1969
Mais umas palavras tenho a acrescentar, mas desta vez é em Buba. Neste dia fomos picar a estrada para a coluna de Aldeia Formosa passar. O meu pelotão picou até cerca de quatro quilómetros, e foi tudo a correr bem. Depois rebentou uma mina na viatura da frente, aonde levava cerveja e tabaco. Foi tudo pelos ares, e nós a beber cerveja e roubar tabaco. Foram aquelas bebedeiras da ordem, e os pretos a roubar sabão, pois só houve dois feridos. Um era da minha companhia, e o outro era africano.
Buba, 3 de agosto de 1969
E agora, mais uma vez, aproveito cinco minutos para escrever estas palavras. Mais um lindo ataque neste tão belo dia. Eram seis da tarde quando caiu uma canhoada dentro do quartel e feriu duas vacas. Foi uma pena não as ter matado…e todas.
Buba, 19 de setembro de 1969
Eram perto das seis da tarde, quando os turras começaram a atacar, mas elas caíram todas dentro do rio, e eu nessa altura estava dentro do refeitório para arreceber [sic] a comida quando elas começaram a assobiar, e houve apenas um ferido e houve apenas um ferido [repetido] , mas foi devido a fazer fogo com o morteiro 60, e esse partiu dia 20 para o hospital, e não houve mais problema, apenas um preto fugiu no mesmo dia com uma G3. Pronto.
Buba, 21 de setembro de 1969
Eram 4.30 da tarde quando os turras resolveram novamente atacar, mas as morteiradas e canhoadas caíram todas dentro do rio, e apenas só nos assustaram, e nada mais.
Buba, 29 de setembro de 1969
Mais um ataque. Pois eram perto das 4 horas da tarde quando algumas morteiradas e canhoadas caíram dentro do rio. Apenas uma caiu dentro do quartel, e algumas também assobiaram por cima, e assim se passou mais um ataque sem haver problema, e quando eram perto das seis horas voltaram novamente, mas essas ficaram todas dentro do rio. Decerto era para matarem o peixe, e nós nesse segundo ataque não fizemos fogo, e por hoje já chega.
Buba, 10 de outubro de 1969
Neste dia fomos fazer uma coluna a Nhala, e quem foi a picar foi a minha malta. Saímos do quartel eram 6 horas da manhã, e nós ao meio do setor encontramos um fornilho. Quem o encontrou foi o Rio Maior. Era um fornilho com carga elétrica. O furriel Pedro alevantou-a, e assim começamos novamente a andar. Avançamos mais um km. e ficamos emboscados. Aguardamos perto das cinco horas, e depois viemos nas viaturas até Buba.
Buba, 12 de outubro de 1969
Eram 5.30 horas da tarde quando os turras mais uma vez nos atacaram. Caiu manga de canhoadas e morteiradas dentro do quartel, mas não houve feridos, e assim que acabou o fogo, a malta saiu fora do quartel, e fomos ao local que eles estiveram a atacar.
Empada, 9 de janeiro de 1970
Mais um ataque no qual arderam 6 tabancas, e não caiu nenhuma dentro do quartel. Eram 11.30 horas quando nos atacaram. Noutro dia seguinte fomos fazer o reconhecimento, e nada encontramos, e eles roubaram mandioca aos pretos, pois fomos atacados a quinhentos metros do arame com roquetes e outras armas ligeiras.
Empada, 13 de janeiro de 1970
Eram dez horas da noite quando a festa começou pelos turras, mas desta vez ainda não caiu nada dentro deste tão pequeno alvo. Apenas queimaram seis tabancas. Noutro dia seguinte fomos fazer o reconhecimento, e nada encontramos. Atacaram-nos com um canhão, um morteiro 82, roquetes e outras armas ligeiras.
Empada, 31 de janeiro de 1970
Mais um ataque com canhões e morteiros 82, mas não caiu nada dentro do quartel. Ficaram ao meio do caminho. Noutro dia seguinte fomos fazer o reconhecimento. Os nossos morteiros não chegaram lá, e assim foi o último ataque que nós tivemos. Depois viemos para Bissau, e aonde nos encontramos à espera de um autocarro para nos levar até à Metrópole, para visitar as nossas famílias.
Parti para esta Província da Guiné em defesa da Pátria - 1 de maio de 1968 e terminei a 9 de abril de 1970
Assim termino esta minha comissão de reforço com suor e lágrimas no meio destas matas em defesa da Pátria. Agora quero ir embora abraçar os meus pais.
Quero ir embora para matar as saudades que há tanto tempo me encontro ausente. A caminho de 24 meses gozando (?) estas terras desta tão pequena Província da Guiné com suor e lágrimas, e assim defendi, e lutarei sempre pela Pátria.
José Cuidado da Silva
(FIM)
_____________
Nota do editor
[1] - Vd. post anterior de 7 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25491: Estórias do Zé Teixeira (62): O “Diário” do José Cuidado da Silva (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381)