O nosso vagomestre de serviço, que esteve 22 meses na Guiné, em 1969/71, sem provar um arrozinho de polvo, um polvo à lagareiro ou as patanicas de polvo (sabores da sua infância, quando o polvo era a comida dos pobres), não podia deixar de assinalar na agenda este evento gastronómico, que já vai na 15ª edição.
Os amantes de boa comida terão a oportunidade de explorar uma variedade de pratos de polvo confecionados por 25 restaurantes da região da Lourinhã. Cada espaço terá o desafio de apresentar as suas propostas únicas, destacando as diferentes e criativas formas de cozinhar este prestigiado ingrediente." (...) (Fonte: CM Lourinhã)
Este ano, a Quinzena Gastronómica do Polvo conta com a participação dos seguintes restaurantes (passe a publicidade):
- 100 Pratus (Praia da Areia Branca)
- Adega do Careca (Atalaia)
- Alta Restaurante (Praia da Areia Branca)
- Amigos do Solar (Lourinhã)
- Areal Beach Bar by Chakall (Praia do Areal Sul)
- Avenida Café Cervejaria (Lourinhã)
- Barracão do Petisco (Marquiteira)
- Castelo (Lourinhã)
- Chico Neto (Praia de Porto Dinheiro)
- Dom Lourenço (Praia da Areia Branca)
- Dom Sebastião (Lourinhã)
- Erva Daninha (Lourinhã)
- Foz Restaurante (Praia da Areia Branca)
- Mar do Norte by Lilly Pozo (Praia de Porto Dinheiro)
- Novo Parque (Parque Natural da Fonte Lima)
- O Moleiro (Casal da Murta)
- O Passarinho (Moita dos Ferreiros)
- Pizza & Companhia (Praia de Porto Dinheiro)
- Rota da Marteleira (Marteleira)
- Solar da Vila (Lourinhã)
- Solmar & Terrace (Praia da Areia Branca)
- Terra à Terra (Lourinhã)
- Vestigium (Reguengo Pequeno)
- Viveiro (Praia de Porto Dinheiro)
- West 23 by Chakall (Estrada da Peralta)
com batatas assadas a murro, pum!!!,
anuncia o cozinheiro-mor do reino.
Já lá vai o tempo das favas contadas,
do bico calado e pé ligeiro,
a era do cheiro a esturro,
o regime do come e cala-te,
Agora a dieta é chique, é mista,
cale-te e não comas,
muito menos fillet mignon,
Nem sequer rosbife,
que já não há almoços grátis, avisa o vedor,
ameaça o almoxarife, aconselha o dietista.
Urra!, sim, senhor,
pois se o reino é porco e glutão,
então que viva o polvo, o povo,
à lagareiro, alarve,
e que à sobremesa se sirvam passas do Algarve,
manda sua alteza, el-rei,
de todos o primeiro cãocidadão.
Mas agora quem está no pedestal, e mija de alto,
Viva o povo dos polvos,
o terceiro estado da nação,
morra o polvo dos povos,
sem eira nem beira.
O polvo apanhado nos covos,
nas minas e armadilhas
dos senhores da terra e do mar,
e depois afogado em puro azeite virgem de oliveira,
no caldeirão de todas as batalhas,
travadas e por travar.
O polvo, o povo,
apanhado nas malhas da história, em contramão,
nos buracos negros da memória,
nas falhas da terra opaca, nas marés rasas.
Sem honra, sem glória, sem grandeza!
pobre polvo, cuja rede neuronal tentacular
é comida à mesa, de garfo e faca,
p'lo pregador predador.
Resta-te a triste consolação
de seres tema de quinzena, patriótica e gastronómica.
E quiçá a vitória amarga de ires à mesa
do senhor comendador, industrial de exportação,
que fez do globo uma banda filarmónica.
morte ao arroz de cabidela,
morte ao frango, morte ao capão,
E que o coelho não se zangue
por ser roubado e despromovido
no tacho e na panela.
Ladrão mais finório é larápio,
diz o léxico do tempo novo que aí vem,
viva o funcho e a beringela!
E vai de frosques, o senhor doutor,
dos cânones e das leis,
que de fraque senta-se o regedor,
no chão do piquenicão,
onde quem mais ordena é o polvo, o povo,
no cardápio, democrático, do barracão do petisco.
Mas, atenção, mais vale prevenir o risco
de o poder cair na rua,
sob o tentáculos do inteligente polvo
e os alvoroços do estúpido povo.
Produto gourmet, produto manufaturado
de todas as maneiras e feitios,
batido, dançado, cantado,
algemado, açoitado, degradado,
em sangue suor e lágrimas.
Povo desalmado, acéfalo,
povo (en)cantado, afadistado, cefalópode,
grelhado, alimado, escalado,
salteado em fricassé e até enlatado
do soldado da guerra colonial da Guiné.
Ou era óleo de fígado de bacalhau, camaradas ?
Que a gente sempre ouviu dizer mal
do rancho, do vagomestre, e do comandante...
Mas quem diz, ufa!, que não aguenta,
na tropa amocha, na terra ou no mar,
quem se lixa é o polvo, o polvo!
Enchamuçado, encapuçado, emboscado,
enforcado, fatiado, espalmado em filhós,
frito, fuzilado, seco ao sol no telhado,
teso que nem um carapau.
E até, imagine-se, pizzado!,
sim, muitas vezes pisado, humilhado e ofendido.
Que o polvo, o povo,
pouco esquelético mas mimético,
na ausência de espinha (dorsal),
adapta-se bem à nouvelle cuisine
e aos caprichos dos novos chefs.
Mas, o que mais irrita,
o amigo secreto do polvo, do povo,
que não tem limousine e anda a pé,
são os donos da cozinha, os magarefes,
mal entroikados,
que falam em nome dele, o povo,
e que, de garfo e faca em riste, ou até à espadeirada,
o imolam pelo fogo,
e o guarnecem, com a batata frita de Bruxelas!...
viva o cardápio proletário!,
glória ao arroz de polvo,
E saúde e longa vida para o povo, agora pobrezinho,
que dantes também comia iscas... com elas!
Lourinhã,
Quinzena Gastronómica do Polvo,
10 de junho de 2014,
revisto em 13 de maio de 2024.