domingo, 27 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1788: Convívios (10): Pessoal de Bambadinca 1968/71: CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e 63 (Luís Graça)

Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de Maio de 2007 > Encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71 > A organização coube ao Fernando Calado (na foto, à esquerda), coadjuvado pelo Ismael Augusto, ambos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/71).

O grupo (mais de 60 convivas) teve na Dra. Rosa Calado (na foto, ao centro), elemento da direcção da Casa do Alentrejo, uma simpatiquíssima anfitriã. O editor do blogue e fotógrafo, à direita, chegou tarde, mas ainda a tempo de constatar que a organização esteve impecável e o que o sítio não podia ser melhor, em pleno coração de Lisboa. O fotógrafo de circunstância foi o Ismael.

O ex-soldado condutor auto da CCAÇ 12 Alcino Braga (que vive em Lisboa), com dois homens marcados para sempre pela guerra: o ex-Fur Mil At Inf António Fernando Marques, gravemente ferido numa mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971 (1) (2); e o ex-Fur Mil Patuleia, meu vizinho, natural do Bombarral, e meu amigo (ficou cego na explosão de uma mina em Angola; é ex-presidente da ADFA). O Patuleia e o Marques conheceram-se no Hospital Militar Principal da Estrela.


Elementos da CCAÇ12 > O ex-soldado condutor auto Alcino Carvalho Braga e o ex- 1º Cabo Apontador  de Armas Pesadas José Manuel P. Quadrado (que pertenceu ao 1º Gr Comb da CCAÇ 12, comandado pelo Alf Mil Moreira, seguramente o melhor oficial da companhia). Não sei o que é um e outro fazem hoje na vida. E do Moreiro perdemos o rasto.

O Mourão Mendes (da CCS/BCAÇ 2852, que vive atualmente em Torres Novas) e Gabriel Gonçalves, o famoso GG  (ex- 1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 12, residente em Lisboa).


O ex-Fur Mil At Inf Joaquim A. M. Fernandes, da CCAÇ 12, ao centro, falando com o Marques e o Patuleia. O Fernandes foi ferido, numa mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971, à saída de Nhabijões (2). Vive no Barreiro. Engenheiro, é director da Direcção de Infra-estrtuturas, da Quimiparque... Censurou-me, e com razão, de nunca aparecer nos convívios da malta de Bambadinca,  1968/71... Não me justifiquei: teria dificuldade em fazê-lo... Percebo as suas razões, entendo os seus ressentimentos, sou até capaz de comprender a sua ironia, não gostaria de magoar um amigo... De qualquer modo, hoje os meus camaradas da Guiné não se restringem apenas aos da minha ex-companhia, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12...


O Marques e o Patuleia: amigos para sempre. Ambos estão reformados: O Marques, da sua actividade comercial; o Patuleia, como ex-funcionário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (ainda o conheci, na Repartição de Finanças  da Reboleira, a 3ª da Amadora)...



José Fernando Almeida: ex-Furriel Miliciano de Transmissões, CCAÇ 12. Era o Don Juan da CCAÇ 12. Tinha, de resto, tempo, vagar e... talento para namorar as bajudas de Bambadinca: nunca saiu para o mato... Vive em Óbidos há 10 anos. Ao que sei, o Almeida está reformado da RDP.



O José Luís Vieira de Sousa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12, com a esposa e com a Teresa, esposa do Humberto Reis (ausente na Suécia, em viagem de negócios). O Sousa é corrector de seguros no Funchal. O Reis falhou, pela primeira, o encontro do pessoal de Bambadinca 1969/71. Mas venho depôr em seu favor: ele esteve impecavelmente bem representado pela esposa, a Sra. Dona Teresa que, além de grande senhora, é uma santa (não é fácil ser companheira de um camarada da Guiné).

O Sousa, coitado, estava desolado, sem o aparentar: tinha vindo de uma viagem turística à Eslováquia, em voo charter, por conta de uma das seguradores com quem trabalha; mas na volta ficou sem bagagens nem bilhete de regresso ao Funchal... Mesmo assim arranjou disposição para ir ao encontro dos seus velhos camaradas de Bambadinca... Confessou-me que foi comprar uma camisa nova, no hipermercado... Enfim, um gesto que merece a nota de cinco estrelas, na escala de camaradagem, de 1 (Mínimo) a 5 (Máximo)... De resto, em 18 meses de intensa actividade operacional no TO da Guiné nunca vi este homem perder a face, a calma ou as estribeiras!... Ontem como hoje, o Sousa é um homem calmo, razoável, autocontrolado, afável... (Desta vez, não trouxe a sua viola!).


O Ismael Augusto e o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel mil sapador, ambos da CCS do BCAÇ 2852. O primeiro vive em Lisboa (trabalhou na RTP como engenheiro e gestor; é actualmente consultor e docente universitário nas áreas da multimédia). O Soares, por sua vez, vive em Caneças.

Malta da CCS do BCAÇ 2852: em primeiro plano, o ex-furriel milicano vagomestre Carvalhal (que vive em Vila Nova de Famalicão e foi um dos organizadores do encontro do ano passado), o Fernando Taco Calado e o Mourão Mendes. Não consigo identificar o camaradas que está por detrás do Calado. Nem sei qual era o posto e a especialidade do Mourão Mendes.

O Jorge Cabral (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 63), conversando com o Ismael e  Otacílio Luz Henriques (ex-1º cabo bate-chapas, do pelotão do Ismael, o pessoal da ferrugem). Como toda a gente sabe, o Cabral é advogado e docente universitário, além de excelente escritor. Bem gostaria de ver editado um book com as suas deliciosas estórias cabralianas... Prometeu-me em breve mandar mais uma: disse-me o título, que não fixei...

O Agnelo Ferreira Pereira e a esposa. Ambos são meus conterrâneos, da Lourinhã. É um velho amigo de infância. Foi o primeiro camarada com quem falei, ao passar por Bambadinca no dia 2 de Junho de 1969, a caminho do meu destino (Contuboel, a nordeste de Bafatá), quatro dias depois do grande ataque ao aquartelamento, sede do Sector L1.

O Agnelo era operador de transmissões, fazendo parte da equipa do ex-Alf Mil Trms Fernando Calado. Recordo-me ainda das palavras do meu amigo: - "Podíamos ter morrido todos" [se as canhoadas e morteiradas tivessem acertado em cheio no alvo]... O Agnelo está hoje reformado. Trabalhou, com os irmãos, como despachante alfandegário... A entrada na CEE provocou um terramoto nesta actividade... E o Agnelo sofreu com isso...

O Isamael e o casal Calado. A Rosa (que é professora de história no ensino secundário, em Lisboa) faz parte dos orgãos de gestão da Casa do Alentejo. Teve a gentileza de fazer as honras da casa. Pequeno privilégio, mostrou-me a mim, ao Fernando e ao Isamael, algumas das salas, não abertas ao público, e que foram recentemente remodeladas... A sua próxima batalha é encontrar um (ou mais) mecenas para as urgentes obras de reparação da cobertura do prédio.

Dois antigos elementos da CCAÇ 12 > à esquerda, o Francisco Patronilho (ex-Sold Condutor Auto, vive hoje em Brejos de Azeitão) e, à direita, o Fernando Andrade Sousa (ex-º Cabo Aux Enf, vive na Trofa, tendo organizado, em 2006, juntamente com o Carvalhal, o anterior encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71).

O Patronilho, que já era casado e tinha um filho, quando esteve em Bambadinca, teve que puxar pela imaginação e suar as estopinhas para arranjar um dinheirinho extra para mandar à família e ir visitá-la nas férias... De regresso à vida civil, foi preparador de trabalho na Lisnave até se chatear com o ambiente e montar o seu próprio negócio, na área da reparação automóvel (se bem percebi), na terra onde vive... O Sousa, residente na Trofa, tanto quantome lembro, trabalhou na indústria têxtil e reformou-se no bom tempo, há menos de meia dúzia de anos... Nenhum deles tem ou usa e-mail. Mas o Sousa de vez em quando vai espreitar o nosso blogue...


O ex-Furriel Miliciano At Inf, da CCAÇ 12, Joaquim Pina. Continua a viver em Silves (Algarve). Foi ferido em combate, no decurso da Operação Borboleta Destemida, em Janeiro de 1970. Era um exímio amador de ilusionismo e bom tocador de viola. Um homem extramamente afável e bom camarada. Gostei de o rever. Não sei o que faz hoje. Confessou-me que não conhece o blogue nem tem e-mail, o que não é crime, mas é uma... pena (3).

Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.





Videoclipe (36 segundos) > O nosso Pavarotti alentejano... Voz: Fernando Taco Calado (ex-técnico superior na área da gestão de recursos na Petrogal; actual docente universitário; excelente executante do cante alentejano). Assistência: O ex-furriel dos reabastecimentos Lopes (espantosamente tem a mesma cara de há 38 anos, e que eu reconheci imediatamente) e o ex-furriel vagomestre Carvalhal (ex-CCS do BCAÇ 2852)... Faltou desta vez a viola do J. L. Vacas de Carvalho (ex-Alf Mil Cav, do Pelotão Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71). Há uma voz, que se ouve, a reclamar a massa do almoço, e que é a da Dra. Rosa Calado, da direcção da Casa do Alentejo... Entrentanto, sou testemunha de que o nosso Fernando, depois deste pequeno ensaio de um belíssimo cante alentejano, liquidou as contas do almoço... Cerca de 1500 euros, se a vista ou a memória me não atraiçoam...

Para reproduzir o vídeo, basta clicar duas vezes na imagem e, naturalmente, ligar o som... Devo acrescentar que o Fernando Taco Calado já nos tinha dado, há uns meses atrás, no encontro da Ameira, um cheirinho dos seus grandes dotes vocais (4), fazendo-nos (re)lembrar algumas das nossas noitadas de Bambadinca... A este propósito, costumo lembar que eramos mochos - os operacionais e muitos outros... Vivíamos de noite, dormíamos de dia (quando nos deixavam)... Para quem andava no mato, as 4 da madrugada eram a hora mortal do dia, a hora de todas as angústias... Saíamos ainda de noite, cerrada, para as nossas operações, tentando surpreender o IN no seu sono profundo... Depois do jantar, e até às tantas, era preciso ocupar o tempo: cantando, jogando, bebendo, escrevendo, ou simplesmente tabaqueando o caso, como dizem os alentejanos...

Vídeo: © Luís Graça (2007). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau_Videos. Copyright © 2003-2007 Photobucket Inc. All rights reserved.


Casa do Alentejo, Lisboa, 26 de Maio de 2007 > Almoço-convívio do pessoal de Bambadinca 1968/71 > Vídeo (36 segundos) > O nosso Pavarotti alentejano > Fernando Calado, natural de Ferreira do Alentejo, no seu melhor... mas desculpando-se de que um alentejano nunca canta sozinho...

Na emblemática e histórica Casa do Alentejo, sita no nº 58 da Rua Portas de Santo Antão, em pleno ventre de Lisboa, sob a batuta do Fernando Calado e do Ismael Augusto, realizou-se mais um almoço-convívio, no passado dia 26 de Maio, do pessoal que esteve em Bambadinca, entre 1968 e 1971.

Os convivas ultrapassaram as 6 dezenas, incluindo familiares. Cheguei, conforme prometido, já no fim do repasto, mas deu para rever velhos camaradas da Bambadinca do meu tempo, tanto da CCS do BCAÇ 2852 como da CCAÇ 12... Do pessoal de outras unidades adidas ao comando do Sector L1 só encontrei o Mário Beja Santos (Pel Caç Nat 52, que estava de saída quando eu entrei) e o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63).

Do pessoal da minha antiga companhia, revi alguns ex-furriéis milicianos (Pina, Fernandes, Marques, Almeida e Sousa), ex- condutores como o Patronilho e o Braga, ex-ajudantes de enfermeiro como o Sousa, e ainda ex-operadores cripto: o Gabriel Gonçalves e o Murta (de que não tenho registo fotográfico).

Da CCS do BCAÇ 2852, há a registar a presença dos ex-Alf Mil Ismael Gonçalves (Manutenção) e Fernando Calado (Transmissões), os dois organizadores do encontro, além do ex-Furriédis Miliciano Soares (Sapador), Carvalhal (Vagomestre) e Lopes (Reabastecimentos).

O Mendes Mourão será o organizador do próximo encontro, em Maio de 2008, em Torres Novas. Tive também o grato prazer de encontrar o meu amigo Agnelo Ferreira Pereira e esposa, ambos da Lourinhã.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) " Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) > 13 de Janeiro de 1971 > E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).


(2) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


(...) "História da CCAÇ 12 (1969/71)

"(19) Janeiro de 1971: 1 morto de 6 feridos graves aos 20 meses


"O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

"(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

"(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.

"0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

"(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

"Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf. Mil. Rodrigues] (b) deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

"Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões (c), agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

"(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba" (...).

(3) Vd. post de 12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIII: Op Borboleta Destemida: uma emboscada de meia-hora (Poindon/Ponta Varela, CCAÇ 12, Janeiro de 1970) (Luís Graça)

(...) "Enveredando por aí, e passados uns 100 metros, os homens da frente (1º Gr Comb da 12), ao entrarem numa clareira, detectaram um grupo IN instalado atrás de baga-bagas e de árvores. Evidenciando grande rapidez de reflexos, o apontador de LGFog 8,9 Braima Jaló foi o primeiro a abrir fogo. No mesmo instante começámos a ser violentamente flagelados com Mort 82, Lança-Rckets e rajadas de metralhadora. Uma granada de morteiro rebentou junto da 2ª secção do do 1º Gr Comb, tendo os estilhaços atingido o Furriel Mil Pina, o 1º Cabo Atirador Valente e os soldados Baiel Buaró e Sajo Baldé " (...).

(4) Vd. post de 24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1208: Eu ouvi o passarinho, às quatro da madrugada (J.L. Vacas de Carvalho / Fernando Calado)

Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1969 >O Fur Mil Ap Armas Pesadas de Infantaria Henriques, no cais de Bambadinca. Ao fundo, um dos barcos civis que faziam periodicamente a viagem Bissau-Bambadinca, passando pelo temível Mato Cão, no percurso Xime-Bambadinca, o primeiro troço do Geba Estreito. O Rio Geba era navegável até Bambadinca. As embarcações da Marinha Portuguesa (nomeadamente as Lanchas de Desembarque Grandes) só iam até ao Xime. Em Bambadinca, junto aos cais, frente à bolanha de Finete, havia um destacamento, guarnecida por um pelotão de intendência. Tanto o Xime como Bambadinca eram dois pontos de entrada da Zona Leste. Grande parte do abastecimento desta vasta zona eram feitos por terra e por rio. (LG)

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Manuel Amante , embaixador Manuel Amante da Rosa que, entre outros cargos e funções, foi conselheiro do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Cabo Verde (2005), embaixador de Cabo Verde no Brasil (1992/2002) e em Angola (1995/99), observador internacional da OUA no processo de democratização da África do Sul (1993/94), diplomata em Moscovo, colocado na embaixada de Cabo Verde (1986/90) bem como na missão permanente de Cabo Verde nas Nações Unidas, em Nova Iorque... Enfim, um invejável currículo para quem, tendo nascido na Guiné, ainda em 1973/74 estava nas fileiras do Exército Português, mas já era, muito provavelmente, simpatizante ou militante do PAIGC... (LG)


Caro Luís Graça,

Há muitos meses que venho acessando, diariamente, por vezes mais do que uma vez, o que se tornou recanto de milhares de militares que passaram pelo TO da Guiné.

Também fui militar (73/74), de recrutamento local, no CIM de Bolama onde fiz a recruta e especialidade antes de ser colocado no QG (Chefia dos Serviços de Intendência) em Bissau. No momento de ser incorporado, tal como muitos da minha geração, estava relativamente familiarizado com as questões de foro castrenses. Não se podia viver na Guiné e ficar alheio ao que se passava e à inutilidade que essa guerra significava em termos de vidas humanas.

Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai (o Bubaque, antiga traineira algarvia, adquirida pela Marinha portuguesa e transformada, nos inícios da guerra, em Lancha Patrulha nº4, até ser comprada pelo meu Pai e transformada em navio de transporte, mais popularmente conhecido por Djanta Kú Cia).

A jornada começava com a enchente da maré, passando por Portogole, Ponta Varela, Xime e daqui para a frente quase sempre a rasar as margens, ora de um lado ora de outro, ver passar o Mato Cão e Nhabijões até chegar ao pequeno mas movimentado porto de Bambadinca, onde sempre havia lanchas e batelões.

Não raras vezes, no regresso, saíamos de noite de Bambadinca rezando, tripulantes e passageiros, para que nada acontecesse até passarmos o Mato Cão. Salvo raras ocasiões as preces foram escutadas. O encanto era absorvente em noites de luar a descer o Geba a favor da maré, com o maquinista a ficar satisfeito, em termos de rotações do motor, só quando via faíscas e fumo espesso a sair da chaminé. Parecia que andávamos numa estrada cheia de curvas tal a velocidade com que descíamos o rio. As apreensões só desapareciam, na última curva, quando víamos as luzes do quartel do Xime. De noite Ponta Varela não constituía perigo. Passávamos a uma razoável distância.

Faço estas referências porque acabei por rever muitas imagens de Bambadinca e das suas gentes, onde passei férias com mais colegas estudantes e ia à caça, idas à boleia em viaturas militares ou civis, sem escoltas até ao Xime para ver o macaréu passar, cambanças para a outra margem do porto de Bambadinca de canoa, visita ao aquartelamento de Nhabijões que muito impressionou pela vetustez das instalações e más condições que facultava.

A minha filha tem um blog, Amante da Rosa, em Cabo Verde, que faz referência ao seu.

Sou amigo do Pepito.

Abraços e votos de que as memórias, por mais dolorosas que possam ter sido, não sejam apagadas mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais a todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné.

Manuel Amante

2. Comentário de L.G.

Caro embaixador e antigo camarada de armas:

Amigo de Pepito, nosso amigo é. Bastar-lhe-ia, aliás, invocar a sua condição de guineense, de ascendência caboverdiana, tendo feito a tropa no Exército Português, como muitos simpatizantes e até militantes do PAIGC, para se criar aquela saudável cumplicidade entre homens que têm em comum, pelo menos, a mesma paixão pela Guiné, as suas gentes, as suas tabancas, os seus rios e os seus braços de mar, as suas savenas e as suas florestas-galeria... Homens que falam a mesma língua e fazem os meus votos de paz e de amizade entre os povos, os seus povos, hoje, Cabo Verde e Portugal, respectivamente. Homens que cruzaram o Geba (2), e que conhecerem o rio-serpente, o Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca...

Cabo Verde, que eu não conheço (estive apenas uma ou duas horas no Sal, dentro de um avião), faz parte do meu imaginário: o meu pai foi expedicionário, na Ilha de São Vicente, aquartelado no Mindelo, entre 1941 e 1943... E eu convivi durante a minha infância com as suas estórias, as suas recordações e o seu álbum de fotografias, algumas das quais já reproduzi na I Série deste blogue (1).

Obrigado pelas suas recordações da Guiné, e Bissau, do Rio Geba, da Ponta Varela (3), do Xime, de Enxalé, do Mato Cão, de Nhabijões, de Bambadinca... Obrigado por nos dar a conhecer o surpreendente blogue da Carla, a Amante da Rosa (Ilha de Santiago, Praia), que irá merecer, em breve, um destaque especial no nosso blogue... Obrigado, enfim, pelas suas belíssimas palavras e pelos seus votos, de homem sábio e vivido que nos diz: "que as memórias, por mais dolorosas que possam ter sido, não sejam apagadas mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais a todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné"...

Em contrapartida, muito nos honraria a sua presença, mais efectiva, no nosso blogue, como membro da nossa Tabanca Grande...

Calorosas saudações.
Luís Graça
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império (Luís Graça)

26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores (Luís Graça)

22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente (Luís Graça)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXV: Cabo Verde (1941/43) (4): Mindelo, terra de B.Leza e de Cesária Évora (Luís Graça)

(2) Vou no Bissau, / num barco à vela, / no barco da Gouveia. /Aproveito a maré-cheia /e o cacimbo sobre Ponta Varela./

Vd. post de 15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1598: Conto(s) do barqueiro do Geba (Luís Graça)

(3) Referências a Ponta Varela, no nosso blogue, são inúmeras. Veja-se, por exemplo:


8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12 (Luís Graça)

(...) "Tratava-se de um destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelamente à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata 150 metros.

"O prisioneiro estivera lá três meses antes, e na altura os efectivos eram de cerca de 40 homens, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocavam para a Ponta Varela afim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba. O armamento era constituído por RPG-2 (seis) e armas ligeiras. Com base nestas informações planeou-se imediatamente Op Pato Rufia afim de executar um golpe de mão sobre o acampamento em referência, com o prisioneiro a servir de guia" (...).

9 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga (Luís Graça)

(...) "Malan fala pouco, a custo. As suas respostas às minhas perguntas são lacónicas, arrancadas a ferro e misturadas com um leve sorriso resignado. Procuro transmitir-lhe sinais de simpatia e de compaixão. Foi no mato ainda djubi [não posso precisar a idade]. Não deve ter conhecido outra vida. Chefe da tabanca levara menino e mulher para o Morès com medo de avião dos tugas. Primeiro deram-lhe uma semi-automática Simonov (uma arma bem melhor que a nossa velha Mauser que está distribuída ao pessoal das tabancas em autodefesa). Começou como milícia: fazia segurança à tabanca e ao pessoal que ia lavrar a bolanha. Mais tarde, é promovido a combatente como municiador do RPG-2. Passou depois a apontador. Há um ano atrás foi ferido em combate, no Xime, quando atacava lancha grande em Ponta Varela" (...)

28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

(...) "2.4.5. Possibilidades do IN: No plano militar: (i) Manter as acções de fogo sobre os aquartelanentos das NT;(ii) Intensificar as acções de guerrilha preferencialnente sobre as tabancas em autodefesa, pelotões de milícia e seus itinerários de socorro;(iii) Realizar acções de reconhecimento nos regulados de Badora e Cossé, a partir dos regulados de Xime, Bissari e Corubal; (iv) Utilizar as linhas de infiltração que do Boé conduzem aos regulados de Xime e Bissari através da faixa norte do regulado do Corubal, e que da área Xime-Mansambo conduzem à estrada Bambadinca-Mansambo; (v) Efectuar acções de barragem á navegação no RGeba, em especial nas áreas de Ponta Varela e Mato Cão; (vi) Reagir à acção de contrapenetração das NT" (...)

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969


T/T Uíge > CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Três oficiais milicianos, da esquerda para a direita: Ismael Augusto (manutenção), o David Payne (medicina) e o Fernando Calado (transmissões). Todos eles estavam em Bambadinca, na noite em que o aquartelamento foi atacado em força pelo PAIGC, como represália pela Op Lança Afiada (1). Bambadinca voltara a ser atacada, a 14 de Junho de 1969. O Calado e o Augusto são os organizadores do encontro, deste ano, do pessoal de Bambadinca (1968/71). O Payne, infelizmente, já morreu. (LG)

Foto: © Fernando Calado (2007). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > O Alf Mil de Transmissões, de braço ao peito, junto à parede, crivadas de estilhaços de granada de canhão sem recuo, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de Maio de 1969. Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais, mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação. O Fernando traz o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol.

Foto: © Fernando Calado (2007). Direitos reservados.



47ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Texto enviado a 3 de Maio de 2007. Subtítulos do editor do blogue.


Caro Luís, muito obrigado por teres impulsionado este segundo encontro [, em Pombal, no dia 28 de Abril de 2007,] onde revi camaradas inesquecíveis como o Humberto ou conheci outros como o Mexia Alves, um pouco a história da minha vida no Cuor.

O texto que te envio hoje centra-se no ataque a Bambadinca, em 28 de Maio [de 1969]. Tens aí a fotografia do Calado de braço ao peito a mostrar os estilhaços de uma morteirada junto às habitações dos oficiais. Eu próprio escrevi um aerograma à Cristina em cima do acontecimento, que tens plena liberdade para usar. Não me recordo de outras imagens deste evento e, como sabes, as marcas passaram depressa. Quando a CCAÇ 12 chegou, já se tinha feito a cosmética. E o segundo ataque deixou ainda menos marcas. Seguem igualmente pelo correio os dois livros referidos. Um grande abraço do Mário.


Finete está a arder?
por Beja Santos


Hoje, 27 de Maio [de 1969], levanto-me estonteado e bem derreado pela emboscada feita há poucas horas em Sinchã Corubal. Tenho uma secção de pelotão de milícias em Finete, onde vão trabalhar no levantamento de um novo abrigo e na construção do balneário. Vamos, pois, levar um dia ameno, entregue aos afazeres domésticos até que o Teixeira nos comunique a hora de partida para Mato de Cão.


Antecipando a vingança da gente de Madina


O que aconteceu ontem em Sinchã Corubal (2) não me sai da cabeça mas procuro prevenir a reacção da gente de Madina: Será que desta vez irei ser emboscado entre Canturé e Gambaná? Em Mato de Cão é impossível, é um planalto de onde se avista todo o palmeiral de Chicri, qualquer aproximação é facilmente detectada de dia. A não ser que eles ensaiem uma emboscada nocturna, embora seja difícil saber qual o itinerário que vamos usar, faça sol ou chuva andamos sempre por caminhos diferentes para evitar as mais amargas surpresas. E momentos há em que duvido da capacidade de beligerância da gente de Madina.

Converso com os furriéis, hoje é melhor dar condições para haver aulas para os soldados e crianças, vistoriar as munições e o abastecimento de víveres, fazer uma capinação lá para os lados de Sansão, olhar com mais cuidado a contabilidade, já que as folhas de pagamento têm que ser enviadas urgentemente para Bambadinca.

Enquanto ganhamos balanço para as actividades no interior de Missirá, o Casanova recorda-nos que o mês que finda [, Maio de 1969,] foi marcado por emboscadas a colunas em todo o sector, flagelações brutais a tabancas em autodefesa como Amedalai, Moricanhe e Taibatá.
- Se digo isto, é só para lembrar que andamos numa permanente correria e o nosso inimigo não nos vai fazer excepção, vamos ser atacados em breve. Proponho que conversemos sobre medidas mais rigorosas de segurança. - Aceito a sugestão e o tema fica para ser apreciado sem papas na língua ao almoço.

A hora do expediente ou a burocracia da guerra

Com o Pires, aprecio o expediente corrente: as queixas do Setúbal quanto às velas do radiador do burrinho [, o Unimog 411,] a necessidade de fazer uma coluna com a nova vaga de doentes cheios de malária e até um soldado milícia com elefantíase, o abate de vários cantis que desapareceram nos últimos patrulhamentos; depois procedemos ao apuramento das contas e concordei com as folhas de pagamentos dos milícias de Missirá e Finete; ainda com o Pires tratei do novo mapa das férias, o aquartelamento de Missirá obrigou todos a um esforço medonho, há que reintroduzir a escala de férias ainda que moderadamente dado o número significativo de baixas por doença.


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Furriel Mil Pires > "O Pires era um algarvio discreto, sóbrio na comunicação e de uma lealdade a toda a prova. Por vezes zanguei-me com ele, por falta de sugestões ou iniciativas. Concentrei demasiados poderes e cometi asneiras e fui imprevidente. Quando o Casanova começou a desmoronar-se psicologicamente, não dei por nada, por pura insensibilidade. Julgo que devia ter empenhado mais o Pires que era meticuloso e tinha um excelente trato com a tropa africana. Ao fundo, vê-se o último abrigo a ser arranjado, que era o dele. Ele queixava-se que lhe tinha deixado a segurança para o fim. Não foi bem assim, já que a carapaça tinha duas camadas de cimento recheadas de três folhas de bidão. Quando abandonarmos Missirá em Novembro este abrigo já não existirá´".



Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Fonte de Cancumba, a noroeste de Missirá.

"Sem a água da fonte de Cancumba a vida em Missirá era impossível. Todos os dias, no mínimo duas vezes, uma secção ia buscar bidões, jerricãs e garrafões. Na véspera de eu chegar a Missirá (3 de Agosto de 1968) veio gente de Madina deixar propaganda e avisos sinistros. Até fins de Outubro de 69, registei por seis vezes a presença do inimigo, aqui. Nunca envenenaram a água. Montávamos segurança para as mulheres lavarem a roupa e abastecerem-se. Era ali que elas tomavam banho com as crianças, recusaram sempre o balneário de Missirá.

"O grande tormento era quando o Unimog 404 ou o burrinho, o 411, estavam avariados. Então, meia Missirá arrastava os bidões ida e volta, operação penosa só compensada pelo banho frio, muitas vezes a cheirar a petróleo. O Furriel Pires tirou a fotografia para celebrar a cabeça rapada".



Fotos e legendas: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Pires, de quem são as chapas, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Ao fim da manhã, concluído este expediente, e aguardando que Umaru Baldé anuncie que o almoço esteja pronto, olho para o correio recebido e por responder, e guardo energia para correspondência tão dispersa: recebi um amável aerograma do Cláudio Neto, que foi meu furriel na CCAÇ 2402, que me descreve a vida dura que levaram depois de estar em Có e que termina assim: "Não o esqueço nem ao Medeiros Ferreira" (3).

Começo um aerograma para a Cristina, lançando uma trivialidade: "O capim começa a aproximar-se do arame farpado, anoitece muito depressa com um céu funesto, pela noite fora a parada azula-se com o rugido das borrascas. " Será que o cansaço já me rouba a inspiração, estou condenado a escrever estas frases sem nexo? No fundo, ando à volta de uma questão principal que é responder à Cristina se vamos ou não casar por procuração, ainda há uma remota esperança do meu recurso ser aceite e a punição dos dois dias de prisão eliminada, e então poderia ir a Lisboa e casarmos. Esta dúvida vai manter-se até Agosto, altura em que conhecerei que a punição se manterá ainda com redacção diferente, o que vai mudar toda a minha argumentação. Vejo a sombra de Umaru à porta do meu abrigo, oiço-lhe os seus passos que esmagam o saibro. É com alívio que suspendo estas cogitações, esta dor em aerogramas onde nada posso prever para o meu futuro, para o nosso futuro.

Ao almoço, antes de dar a palavra aos três furriéis e aos cabos presentes (o Alcino, o Barbosa, o Teixeira e o Raposo) anuncio que o Raposo vai partir e que Bissau informou que o seu substituto, António da Silva Queiroz, vai chegar em breve. Aproveito para agradecer ao Raposo toda a ajuda que me deu na intendência dos víveres e anuncio que ele será substituído pelo Alcino. Olho-o quando faço este anúncio e sinto a muita amizade que se vai consolidando entre nós.

Recordo o dia, há meses atrás, quando o conheci junto à Capela de Bambadinca, ele tremia como varas verdes, seguramente que o tinham praxado, dizendo-lhe que ia para o pior dos infernos, às ordens de um chefe alucinado. O Alcino é um camponês que reclama sopas adubadas, tem saudades do vinho forte da sua região, tem saudades do seu terrunho, está desamparado de afectos, é frugal no contacto humano, é uma criatura inocente que sofre com a nossa linguagem de caserna, um palavreado indisponível para os seus valores telúricos. Naquele momento ainda não sei o papel determinante que ele vai ter um dia para o encadeado destas recordações, quando, de um só jacto, eu lhe dedicar uma carta, escrita com a maior das intranquilidades e com o meu pedido público de desculpas por nunca mais ter sabido dele, depois de ele passar a sinistrado de guerra.

As preocupações do Casanova são sentidas por todos: vivemos a um ritmo alucinante, com colunas à fonte de Cancumba, desmatamos e descapinamos por vezes em situações de risco, vamos diariamente a Mato de Cão, com as chuvas a precariedade dos abastecimentos obriga-nos a caminhar e a patinhar até Bambadinca, há as emboscadas nocturnas, a segurança ao Sintex, o que ainda resta das obras de Missirá, as idas a Finete, e o mais que se sabe. A correr de um lado para o outro, esqueçemo-nos que o inimigo vigia, recolhe informações e um dia explorará fraquezas, multiplicamos as actividades e o número de efectivos baixa.

Fico mandatado para falar com o Comandante [do BCACAÇ 2852, sito em Bambadinbca,] sobre a necessidade de recebermos mais efectivos, as duas secções de milícias de Missirá devem voltar, há que propor apoios da CCS, gente dos morteiros, sapadores, apontadores de metrelhadora, praças. Precisamos de ajuda, é esta a mensagem que recebo dos presentes. E nos presentes está o Adão que é soldado-maqueiro e alinha em tudo: nos patrulhamentos, nas colunas e nos reforços.
- Já agora, meu alferes, lembre-se de mim, não me quero ir embora, mas fazia jeito mais dois maqueiros, com a vida que levo nem tenho tempo para estar em Finete.

Findo o almoço, recomeçámos as nossas tarefas, fui com uma secção reforçada até à ponte de Sansão. Regressei ao anoitecer, jantei e na parada revistei o armamento dos vinte homens que me iam acompanhar na emboscada nocturna. Esta exigência das emboscadas nocturnas era uma novidade do nosso major de operações: fosse em que condições fosse, era determinado a todos os destacamentos que tivessem uma emboscada montada para dissuadir o inimigo, desde o anoitecer até horas que tornassem as flagelações praticamente impossíveis. Com a usura das nossas actividades, estava decidido que quem ia a Mato de Cão não emboscava. O quebra-cabeças era prever os cenários de ataques a Missirá e como é que nós podíamos reentrar no quartel sem ficar debaixo de dois fogos...

Naquela noite quem se meteu até à cintura numa bolanha entre Missirá e Cancumba até às 11:30 da noite fui eu e um contigente de caçadores nativos e milícias. Findo este tempo, que não dá para dormir no tépido da água porca e barrenta, sempre afugentando a mosquitada a zunir furiosa porque não pode atravessar a rede mosquiteira, e debaixo da tensão que é estar com os olhos concentrados nas diferentes sombras que nos cercam e nos ruídos próprios das florestas, regressámos com o corpo moído e a vontade de mergulhar no duche frio do costume.


Em socorro de Finete...


Era precisamente meia noite e vinte e cinco quando começámos a ouvir roncos em catadupa dos obuses, uma sinfonia de armas pesadas, rockets e morteiros, a terra tremia bem perto de nós, o negrume da noite deu lugar a riscos desses pequenos cometas que são as balas tracejantes a esvoaçar no éter. Ainda a limpar-me , subo ao abrigo onde Ussumane Baldé assiste deslumbrado ao foguetório e sinto o coração contricto quando lhe pergunto:
- Ussumane, é Finete que está a ser atacada? - A resposta é me dada pelo seu olhar súplice:
- Ah, meu alfero, eles vão partir Finete todinha!.

Os minutos passam e não vejo chegar resposta do fogo de Finete.
- Que é que leva aqueles gajos a demorarem tanto tempo a reagir? - A multidão cresce na parada, não há militar e civil que não esteja esgazeado a ver este ataque assustador, quer pelo porte, quer pela falta de reacção.

De vez em quando há fogachos em direcção contrária, mas quem domina nesta cantilena de morte são as armas pesadas e os sons que conheçemos ao armamento do PAIGC. O meu olhar mareja-se de lágrimas incontidas, de tudo me recrimino por não ter pensado que o PAIGC ia rapidamente embalar uma resposta à nossa aparição em Sinchã Corubal. O fogo atroador prossegue, todos lastimam a destruição de uma Finete e há quem já vaticine que está reduzida a escombros.

Pela última vez, no alto daquele abrigo que abre para Sansão e que numa grande angular permite ver tudo o que é floresta de 14 quilómetrs até Finete, vejo e olho e começo a sentir no ar a nuvem espessa de um fogo que devasta quem vive para aqueles lados do Geba. É então que grito que vou partir com os voluntários que se oferecerem , em auxílio de Finete. Para quem falou de prudência à hora do almoço, é exactamente o oposto o que se está a viver no frenesim na parada de Missirá: O Setúbal já faz roncar o Unimog 404 para onde vão saltar cerca de 20 voluntários armados até aos dentes.

No meio daquele desatino, ainda consigo seleccionar dois bazuqueiros, três apontadores de dilagrama e levo o morteiro 60. Sento-me ao lado do Setúbal e determino:
-Daqui até à entrada de Canturé podes ir a 100 à hora. Depois páras, iremos todos a pé os últimos 4 quilómetros.

A corrida desenfreada é digna de um filme: aos tombos dentro da caixa do Unimog, os meus soldados examinam as cartucheiras, as cavilhas das granadas, a posição em riste das metralhadoras; gritamos como num manicómio acerca de cuidados que sabemos que não iremos cumprir, zelos impossíveis de respeitar, apelo à serenidade que ninguém controla. E minutos depois, muitos minutos depois, o Unimog pára arfante onde começa a longa recta de Canturé, muito antes da curva que se orienta para Gambaná e daqui para Mato de Cão.

O Setúbal vai sozinho na viatura e de faróis apagados. Graças a uma nesga de lua, dez homens de cada lado flanqueiam a picada.O ar está empestado pela pólvora. Caminhamos à espera do pior. A prudência vai aparecer a dois quilómetros de Finete, onde o mato é denso e os poilões escondem o luar. De tanto gritar durante a viagem, como se estivéssemos a incutir coragem uns aos outros, damos agora com o silêncio sepulcral que nos envolve. Que raio de Finete é esta que não tem cubatas a arder, nem se ouvem tiros isolados, nem gritos dos agonizantes?

Com alívio, em marcha lenta, passamos os pontos onde era possível o inimigo estar emboscado. E do alto do alcantilado, que é essa inclinação abrupta que descemos e subimos para chegar ou partir de Finete, assobia-se aos sentinelas que respondem com entusiasmo. Aguarda-nos um quadro surreal: somos recebidos com entusiasmo, abraços, tudo quanto é sinal de boas vindas. Vejo Bacari Soncó avançar em passo lesto e abraçar-me. É a medo e com a voz embargada que lhe pergunto:
-Irmão, temos muitos mortos? - Um olhar coruscante precede o atónito da resposta:
- Mortos, mortos de quê?. Mortos só se for em Bambadinca, ali é que há manga de canseira!- Atónito estou eu:
-Bambadinca, então foi Bambadinca que foi atacada?



Os pormenores do ataque a Bambadinca, em carta enviada à Cristina

E o Unimog marcha aos tropeções pela bolanha de Finete. Quando chegamos à margem do Geba, o canoeiro Mufali vem buscar-nos. O rio está na vazante, entramos na canoa com lama até à cintura. Na outra margem aguarda-nos o Machado e as suas Daimlers. Enquanto subimos a rampa para o quartel, dá-me os pormenores do ataque.

Em aerograma à Cristina, no rescaldo da manhã seguinte:

Os rebeldes vieram pela pista de aviação e cemitério, atacaram o quartel frente à porta de armas, perto da tabanca fula, onde o Almeida (Pel Caç Nat 63) tem a sua tropa, as morteiradas caíram perto da central eléctrica, residência de oficiais e sargentos. Todos, que nunca tinham sonhado em tal arrojo, encheram-se de pânico, e vieram para a parada onde desataram a fazer fogo desnorteado, e só não houve feridos e mortos por milagre.

O Capitão Neves foi para o morteiro enquanto a tropa do Almeida repelia os rebeldes que avançavam para a residência dos oficiais. Depois retiraram e entretanto o pesado morteiro de Bambadinca começou a reagir. Há muitos quartos esburacados e tectos desfeitos. Só há um ferido ligeiro: o apontador de morteiro do Almeida que ficara em Finete enquanto eu estava numa emboscada, ainda ontem. Esta é a resposta à grande operação do Corubal, de há dois meses atrás. Este o ajuste de contas....


A recordação mais impressiva dessa madrugada era a mulher do Tenente Pinheiro à porta do abrigo, enquanto as crianças dormitavam lá dentro. Ao amanhecer, verificámos a extensão dos danos, mas o meu lugar já não era ali. Ainda aproveitei para fazer compras de víveres, trazer algumas camas e fardamento.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 1997 > Antigas instalações dos oficiais (à direita) e dos sargentos (à esquerda). A messe de sargentos ao fundo, do lado esquerdo; a dos oficiais, à direita (a cozinha era comum). Eram excelentes instalações hoteleiras, para a época e por comparações com outros outros aquartelamentos. A regra geral era a bunkerização (por ex., Mansambo). Em 28 de Maio de 1969, quando o pessoal metropolitano da futura CCAÇ 12 estava a chegar à Guiné, Bambadinca sofreu um grande ataque do PAIGC. Quando lá passámos uns dias depois, a 2 de Junho, eram ainda visíveis os impactes das granadas de morteiro (por ex., num dos quartos dos sargentos, à esquerda) e a estupefacção do pessoal... Recordo-me de ter trocado impressões com um conterrâneo meu, o 1º cabo de transmissões Agnelo Pereira Ferreira, natural da Zambujeira Lourinhã, e que pertencia à CCS do BCAÇ 2852... Dois meses antes, havia sido executada a grande Operação Lança Afiada (1) , destinada a varrer toda a margem direita do Corubal, e desalojar o PAIGC do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole... A resposta, em força, não se vê esperar... Uma das questões controversas, já aqui debatidas, foi o papel do tenente-coronel Pimentel Bastos durante o ataque... Hoje sabemos que ele estava lá... Essa informação foi-me confirmada recentemente por dois alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2852, o Ferando Calado (transmissões) e o Ismael Augusto (manutenção)... A anedota que no meu tempo se contava sobre o Pimbas é isso mesmo: uma mera anedota de caserna (4).

Bambadinca revisitada... Soubemos depois que, a seguir à independência, fora palco de trágicos acontecimentos: desvario revolucionário, ajustes de contas, julgamentos populares e execução sumária, por fuzilamento, de régulos fulas (o tenente Mamadu, por exemplo), além de combatentes que estiveram integrados nas NT (CCAÇ 12, incluída) (LG)...

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.




Leitura: uma obra-prima de Simenon, O Comboio de Veneza

Regressei a Finete e daqui a Missirá a cogitar sobre as minhas fraquezas e as de Bambadinca. Pressentia que estavam mudanças no ar, o inimigo mais forte e indiferente aos aldeamentos em autodefesa. O inimigo sabia o que queria, tinha sempre a seu favor o conhecimento da mata e o factor da imprevisibilidade. Nós só podíamos esperá-lo e destruí-lo perto do nosso terreno, retirando-lhe a facilidade dos abastecimentos. Vou saber em Junho, Julho e Agosto que o inimigo vai ter o desplante de lançar morteiradas e fogo breve e retirar. Uma vez vou perder a cabeça e persegui-los pela noite escura, mas cedo compreenderei que é um acto demencial.

Em Missirá aguarda-me a notícia que nessa madrugada parto para Mato de Cão. Em breve vou fazer 24 anos. É aqui que me estou a fazer um homem, há dez meses atrás era impensável supor que a vida do Comandante de Missirá e Finete fosse a do meu atribulado quotidiano. Não gosto nem desgosto, limito-me a agradecer a Deus a coragem que Ele me oferece.

Durante este tempo, li dois livrinhos (mas que grandes livros!) que falam de comboios. Primeiro, O Comboio de Veneza, por Georges Simenon. Justino Calmar está em férias no Lido de Veneza, com a mulher e filhos. Num dia quente de Agosto, tem que regressar a Paris e toma o comboio que o leva até Lausana e daqui à Cidade Luz. Na carruagem, é interpelado por um passageiro que viria de Belgrado ou do Trieste. Inúmeras perguntas, e Justino sem saber porquê responde a tudo. Em dado momento o passageiro pede-lhe para em Lausana ir buscar uma mala que está num cacifo na gare, tomar um taxi e entregar a mala numa residência perto da estação. Ele tem tempo, aceita a incumbência.

É aqui que começa a mudança da sua vida. Quando chega à morada, encontra uma mulher estrangulada. Sem saber como reagir, regressa ao comboio e daqui parte para Paris. Em casa descobre que a mala tem uma fortuna em dinheiro francês, americano e inglês. Espera um contacto que não chega. A mala muda de cinco em cinco dias de cacifo e de estação. Aos poucos, começa a gastar o dinheiro, inventa que está a ganhar nas apostas dos cavalos. A mulher e os amigos sentem que há diferenças desde o regresso de Veneza. Depois uma secretária, que nutre por ele uma secreta paixão, declara-se. Entrámos na recta final da tragédia: apanhado a fazer sexo pelo patrão no escritório, suicida-se.



Estátua do escritor belga Georges Simenon (1903-1989), na sua cidade natal, Luik.Fonte: Wikipedia, De vrije encyclopedie (Imagem do domínio público / This image has been released under the 'GNU Free Documentation License' ).

Vinte anos antes da sua morte, Simenon tinha, em Missirá, um jovem apaixonado leitor, de nome Mário Beja Santos, que está prestes a fazer 24 anos, e que é alferes miliciano do exército colonial português... (LG).


É uma obra-prima em que Simenon joga habilmente com as recordações de Justino, dando-nos o retrato de um homem comum que age como nós, sem deter as motivações e as consequências. As explicações essenciais não existem: Terá havido crime? Há relação entre aquela mala e a mulher estrangulada em Lausana? O que aconteceu ao homem que lhe entregou a mala e desapareceu? Temos aqui a tragédia do homem comum, a continuidade da linha de vida que não se controla, uma tragédia em que o ser hesitante é ultrapassado por todos os acontecimentos e então desiste.



Salão Lisboa (Foto: Mário Novaes, 1949). Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A12538. Ficava na Rua da Mouraria. Da autoria de José António Pedroso, foi construído em 1916. Era popularmente conhecido como o Cinema Piolho. Foi o primeiro edifício da cidade a ser desenhado e construído como sala de cinema ou animatógrafo... Ainda estávamos na época de ouro do cinema mudo... (LG)


O desconhecido do Norte Expresso é o primeiro livro que leio de Patricia Highsmith. Tenho sorte com a iniciação. Guy Haines vai reencontrar-se com Miriam para tratar do divórcio. É um arquitecto de 29 anos cujo talento começa a ser reconhecido. Guy pretende casar com Anne. No comboio é abordado por Bruno que lhe faz uma proposta macabra: Guy mata o seu pai e ele matará Miriam. Guy rejeita a proposta mas a fatalidade já está em movimento naquela carruagem do Norte Expresso. Enquanto leio, ocorre-me subitamente o portentoso filme de Alfred Hitchcock a que alude a capa deste livro da Colecção Vampiro. No meu abrigo, de vez em quando páro para olhar o beijo do par amoroso e lembro-me vezes sem conta dos cinemas que frequentei na minha adolescência e onde eram habituais os panos pintados e os cartazes.

... e recordações de Lisboa e dos seus cinemas


Lembrei-me do Cine Oriente, o Salão Lisboa, o Chant Éclair, o Cine Bélgica, o Rex (primeiro Lis), o Royal, o Pathé, o Alvalade, o Max... Sessões de dois filmes, um de aventuras ou acção ou de guerra, outro sentimental, comédia ou até musical. Lembrei-me da religiosidade de ir ao cinema , a combinação com os amigos, ia-se com a melhor roupa como para a igreja. O cinema era a suprema alegria das imagens reconfortantes com que nos identificávamos com os bons e os maus. Onde terei visto este filme de Hitchcock? Terá sido num cineclube, num ciclo alusivo a este mestre do suspense? Não sei e estou muito cansado. Vou repousar um pouco, tenho depois o ritual de ida a Mato de Cão. E aguardam-me muitas surpresas em Junho.

___________

Notas de L.G.:

(1) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal


(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros...

"Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé [, alcunha por que era conhecido o Spínola,] deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné...

"A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue...

"Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava libertada... Eu faria o mesmo, na minha terra...

"Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. LG" (...).


(2) Vd, último post da série > 20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1770: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (46): Encontros de morte em Sinchã Corubal, com a gente de Madina

(3) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(4) Sobre o tenente Pimentel Bastos, primeiro comandante do BCAÇ 2852 (substituído a meio da comissão pelo tenente-coronel Pamplona Real), vd. os seguintes posts:


1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça junto ao velho obus 10.5, possivelmente de marca Krupp, uma temível arma que vinha da II Guerra Mundial... O obus é, por excelência, uma boca de fogo especializada em tiro curvo, de longo alcance... Ainda hoje tenho, nos meus ouvidos, o seu 'assobio' por cima das nossas cabeças, quando o Xime fazia fogo de apoio às NT, por ocasião de operações à Ponta do Inglês, ao Poidon/Ponta Varela, ao Baio/Buruntoni... O seu alcance era, porém, limitado: 10/12 km, no máximo, creio eu, com uma cadência de dois a quatro tiros por minuto, na melhor das hipóteses ... Não creio, por exemplo, que disparado do Xime conseguisse atingir a Ponta do Inglês. Ou que os obuses de Mansambo chegassem ao Buruntoni... Mas quem sou eu para falar de artilharia ? Tirei a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria, mas juro que esqueci tudo, mal pus os pés na Guiné... É que deram-me uma G-3... (LG)

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 1969 > Assinalado a azul Bambadinca (sede de batalhão, na época o BCAÇ 2852), a verde Mansambo (CART 2339) e a vermelho a base do PAIGC do Baio/Buruntoni.

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Foto: © Luís Graça. Direitos reservados.

Mais uma estória da nova série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Chamei-lhe estórias de Mansambo, aquartelamento construído heroicamente, de raíz, pelo pessoal da CART 2339 (1), e que não vinha no mapa...

Burontoni: Mito ou Realidade ?

por Torcato Mendonça

Ambas, pensamos nós. Foram escritos dois textos – em 14 e 23 de Novembro, pelo Beja Santos (2) e C. M. dos Santos, – que merecem ser complementados com novas informações.

O maior Santuário do PAIGC no Sector L1 era o Burontoni. Deixando de fora, a zona do Fiofioli e a margem direita do Corubal até á Ponta do Inglês.

Segundo as informações, situava-se na zona Baio/Burontoni, sensivelmente a cerca de 5/6 Kms a Sul do Xime e, talvez, 10/12 Kms a Oeste de Mansambo. Ver carta do Xime. O Baio/Burontoni foi destruído na Lança Afiada (3).

No início de Julho de 1968, o novo Comandante-Chefe, Brigadeiro Spínola, visitou Mansambo. O seu antecessor, General Shultz, nunca o vi. Nessa visita breve, falou-se da posição geo-estratégica do novo aquartelamento (Mansambo). Logicamente, o Burontoni., como principal base inimiga, foi falada.

O Comandante da minha Companhia, como não costumava ir nas operações, minimizou o que daquela base do IN se dizia. Abanei a cabeça e o Brigadeiro viu. Esperou, pelo fim do palrar do Capitão e, com aquela voz que o monóculo ajudava a transformar-se em voz de ópera bufa, disparou:
- Diga lá porque discorda, alferes? - Já tinha trocado breves palavras com o Capitão Almeida Bruno. Calmamente – general ou brigadeiro não come militar – pensei Estou tramado e respondi:
-A aproximação é difícil porque, segundo dizem, têm pequenos postos de sentinela, com vários elementos, antes da base principal. - O Cap Almeida Bruno veio em meu socorro e lá disse ser essa a informação, as bolanhas eram difíceis e mais umas explicações para acalmar o Velho.
- Só com uma operação bem planeada.

Ficou a pairar no ar: Burontoni qualquer dia está aí. Mas não. O BART 1904 (4) nunca preparou nenhuma operação para lá. Nessa altura, Junho/Julho de 1968, já tínhamos ido ao Galo Corubal (Xitole), Poidom e Ponta Varela (Xime), Madina e Sinchã Camisa (Enxalé) e outros acampamentos IN. Tudo com êxito. Geralmente acompanhados de outras forças, como a CART 2338, CART 1746 (Xime), Pel Caç Nat 52 (no tempo do Saiegh, antes do Beja Santos) e Pelotões de Milícias. Além disso continuávamos a ser a Companhia de intervenção do Sector, a construir o aquartelamento e a iniciar a acção psicossocial, para as autodefesas das tabancas vizinhas. Posteriormente só se concretizariam Candamã e Afia.

Em Outubro soubemos ir participar numa operação ao Burontoni. Já estava o BCAÇ 2852 em Bambadinca, a comandar o Sector. Por essa altura, a nossa experiência em combate era, infelizmente, alguma. Assaltos a acampamentos, emboscadas, ataques ao aquartelamento…

O dia chegou. A Companhia ia a quatro grupos e em Manssambo ficavam os não operacionais, os operacionais com problemas de saúde... E para reforço vinha o Pelotão de Milícias do Tenente Mamadu (5). A comandar o aquartelamento, ainda bem, ficou o Alferes Rodrigues por se encontrar inoperacional.

Em Bambadinca tivemos um briefing surrealista:
- Eles estão bem armados, têm armas pesadas, e… Claro que, devido ao factor surpresa, não vão puder utilizar esse material.

Claro! Ver filmes de guerra, género Canhões de Navarone deve ajudar a certos militares. Nome da operação: Meia Onça... Tinha ficado melhor Bichano ou Tareco…! Claro que, mesmo antes de sairmos, o IN já sabia.

As NT eram formadas por dois agrupamentos. Um saindo do Xime: Cart 1746 e o Pel Caç Nat 53, com o apoio de um Pelotão de Artilharia. Outro saindo de Taibatá: CART 2339, Pel Caç Nat 52 e 1 Grupo da CCAÇ 2401. Francamente não me lembro da constituição das nossas forças, só da CART 1746 do Xime. Soube agora ao ler o Historial da Companhia. Mas falha o relato. Não se passou assim. O que o Historial relata induziu o C. M. dos Santos em erro.

O Beja Santos relata, e bem, o briefing e, em certa medida, o desenrolar da operação. Eu estava lá. Aquela era a minha guerra e seria a do Marques dos Santos, se não estivesse de férias. Saímos de Bambadinca, passámos por Amedalai e virámos para Taibatá. Certamente, talvez alguém de Amedalai ou da Tabanca do Xime foi dar um passeio pelo mato. Encontrou, por mero acaso, o comandante dos Libertadores ou PAIGC – e esta hein? – e disse-lhe:
- Já saíram…

A nossa Companhia tinha novo comandante (o terceiro capitão) (6) e seria ele o comandante daquele agrupamento. A CART 2339 tinha dois oficiais – ele e eu. O Rodrigues, inoperacional em Manssambo, outro talvez de férias e, em Taibatá, ficaria o último, vítima de um acidente à chegada.

Saímos, a meio da noite com a missão: assaltar e destruir o Burontoni. O outro agrupamento saía do Xime com a missão: montar emboscadas em determinados lugares e proteger ou, se necessário, apoiar o nosso agrupamento.

Os guias eram fracos, tinham medo e diziam não conhecer bem a zona. Falei com um Milícia – o 91? - que já tinha estado no Burontoni mas vindo do Xime. Passadas poucas horas, depois da saída, verificámos que algo não estava certo. Acresce que a chuva não ajudava nada. Contudo a bússola não engana e não progredíamos bem. Parámos, conferenciámos e continuámos. Ao romper do dia nova paragem. Estávamos longe do objectivo. O Historial fala em Dembataco. Falso. Isso era para sudeste e nós caminhávamos para sudoeste, só que com muita volta…continuámos e sentimos que já devíamos estar detectados.

A meio da manhã sentimos, ao longe, o PCV (Posto de Comando Volante) na habitual DO 27. Ao longe e, ainda bem, do ar o silêncio era de ouro. Tentámos o contacto com o outro agrupamento. Nada. Nova paragem e conversa com o Capitão. Estava desorientado. Esta era a sua primeira operação. Creio que foi a última, talvez uma ida, em coluna ao Xitole. O teor da conversa que tivemos diluiu-se no tempo.

Contactámos o PCV e soubemos que o outro agrupamento não tinha atingido a posição determinada. Nós estávamos longe. De quê?! Perdemos o contacto. Por volta do meio-dia rebenta forte tiroteio. Percebemos ser Manssambo a enrolar. Ouvíamos o barulho da nossa pesada.

Convém dizer o que era a pesada. Cortava-se a tampa de um bidão de 200 litros e, do outro lado, só metade. Depois, bem depois, metia-se lá uma G3 e em rajadas curtas e cadenciadas fazia-se um barulho dos diabos. Arma perigosa… deve ter intrigado muita gente.

O IN respondia assim ao nosso atrevimento, atacando em pleno dia e perto do arame farpado, durante quase uma hora, Mansambo.

Passado pouco tempo foi restabelecido o contacto com o PCV. Ordens para abortar a operação. Progressão difícil até Taibatá. A bússola continuava a funcionar bem e muito melhor que os guias. Embarque nas viaturas e regresso a Bambadinca.

Foi das piores, senão a pior operação em que participei. Mal planeada, mal comandada, mal…mal…tudo e mais não digo!

Mansambo teve que ser remuniciado de héli. Os homens do Tenente Mamadu tinham o dedo do gatilho pesado… safa!

Ficou-me a imagem do comandante de Taibatá, um furriel miliciano. Tinha uma mosca (tufo de pêlos por debaixo do lábio inferior), género rabicho chinês ao contrário. Teria seguramente um palmo de comprimento. Ele torcia-a, ria-se e beberricava uma cerveja… O clima era terrível e o isolamento dava-lhe a pitada de sal e pimenta certas… Malhas que o império teceu.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

(2) Vd. posts de:

14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca

23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1306: Meia Onça, Meia Operação (Carlos Marques dos Santos, CART 2339)

(3) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(4) Batalhão que antecedeu o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Este, por sua vez, foi rendido pelo BART 2917 (1970/72).

(5) O famoso régulo de Badora, de quem se dizia que tinha 50 mulheres, uma cada tabanca do seu chão... e vários filhos na CCAÇ 12.

(6) Vd. post de 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1784: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!






Cartas e aerogramas enviados pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350) à família, na 2ª quinzena de Maio de 1973 (1). A última é de 30 de Maio, escrita em Gadamael, onde o Casimiro se juntou à sua destroçada e desmoralizada companhia. Alguns dias depois, ele será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, também ferido com gravidade (2).

A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue. Agradeço ao nosso camarada (que é tripeiro e vive na Maia) o carinho e o apreço com que ele me fez chegar este lote de correspondência. É um período doloroso para ele, por motivos óbvios e mais um: o seu velhote, seu cúmplice e confidente na correspondência de Guileje, faleceu ainda há pouco tempo (LG) .





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Três fotos com o Fur Mil Op Espec J. Casimiro Carvalho, a quem se podia chamar o homem da HK-21... Também era responsável pelo morteiro 81 (LG).



Guiné > Região de Tombali > Cacine > Abril/Maio de 1973 > Na altura (22 de Maio de 1973) em que Guileje foi abandonada pelas NT, o J. Casimiro Carvalho estava em Cacine, coordenando o reabastecimento destinado à sua companhia. Os géneros vinham de Bissau, em batelões, até Cacine, e depois em LDM até Gadamael e, por coluna, até Guileje. Estas fotos devem ser dessa época.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, na famosa porta de armas de Guileje (3)... Com ar de quem vinha ou ia dar um mergulho na...piscina. (LG).

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > A fonte que abastecia o aquartelamento e a tabanca de Guileje. Em primeiro plano, junto à bomba de água, o Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho. A descontracção dos militares era evidente, para não dizer o aparente desprezo pelas mais elementares medidas de segurança... Presumo que esta foto seja ainda do início da instalação da CCAV 8350, em Guileje talvez finais de 1972 ou princípios de 1973... (LG).

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.



Guileje está à mercê deles!


Cacine, 22/5/73:


Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].


Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.


Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…


Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).

96 horas debaixo de fogo, sem pão nem água


Cacine, 25/5/73


Mãezinha: (…) Graças a Deus, estou óptimo, aqui em Cacine, onde (por enquanto) não há guerra.


O pessol fugiu, abandonando tudo lá, de Guileje, porque estavam a cair foguetões e granadas de canhão sem recuo, desfazendo padaria, depósito de géneros... O chão estava cheio de crateras , devido às granadas. Os militares de lá estavam há 96 horas debaixo de bombardeamento, sem beber nem comer (só algumas rações de combate que conseguiram apanhar), pois não podiam sair dos abrigos.


Deixaram 4 Berliets novas (550 contos cada um), outras camionetas, 2 geradores, 2 obuses novos (4 000 contos cada um), armas pesadas, toda a comida e bebidas ficaram lá, grande parte desfeitas, etc.


Era um inferno, alguns soldados estavam aterrorizados, morreu um furriel que estava num abrigo, com estilhaço na cabeça.


E eu aqui, em vez de estar com os meus camaradas neste momento de perigo… Os turras andavam por volta do quartel (a 300 m). Um abraço do seu filho (…).


PS – Ficaram lá 30 vacas abandonadas.



Mandaram de Bissau 6 urnas com chumbo...


Gadamael-Porto, 29/5/73


Pai:


Recebi hoje as fotos, ao chegar a este local onde se encontra a minha companhia refugiada, a 18 Km de Guileje, vindo de Cacine depois de ter acabado o meu serviço. Lá, em Cacine, passei uns dias óptimos.


Em Gadamel os grupos têm saído todos os dias para o mato e têm sido atacados todos os dias, caindo em emboscadas. Eu vou começar a sair também.


Mandaram de Bissauu 6 URNAS (com chumbo) para aqui. À ESPERA!!! O pessoal anda todo desmoralizado. Ficaram, em Guileje, 6 sacos de correio fechados, correio que nós, portanto, não recebemos.. Se eu não responder a essas cartas, já sabe porquê. As fotos que eu tinha, vossas, ficaram lá também. Isto é que é a GUERRA.


(…) Comigo não há novidade, não se preocupem. Estou óptimo. Eh! Eh! Já não penso tanto na Ana, talvez devido a isto, mas quase nem penso nele. Vamos a ver no que isto vai dar. (…) Não desanime que eu também não. Adeus. (…)




Amanhã já vou sair e levo a metralhadora ligeira HK-21



Gadamael, 30/5/73


Querida mãe: (…) Vou mandar um rolo de 12 fotos a preto e branco. (…) Eu, bem, graças a Deus. Mandem-me roupa interior e meias, pois não tenho quase nada (…): 5 cuecas,. 6 pares de meias (3 brancas e 3 verdes, no Casão Militar são a 17$00 cada par).


Tenham paciência mas é melhor isto do que morrer e a morte andou perto dos SITIADOS em Guileje.


Amanhã já vou e isto anda mesmo mau. Levo a metralhadora ligeira HK-21. Lubrifiquei-a hoje, toda. Antes de sair vou experimentá-la aqui no quartel (…).

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Nota de L.G.:


(1) Vd. posts anteriores:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

(2) Vd. posts de:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Vd. ainda post de 2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

(...) "Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais CASIMIRO CARVALHO.

(...) "Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.

"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael.

"Esperando a maior atenção de Vª Exª para este assunto e agradecendo desde já toda a atenção que lhe possa dispensar. Abel dos Santos Quelhas Quintas, Capitão Miliciano de Artilharia na Reforma Extraordinária Nº Mec. 36467460, Deficiente das Forças Armadas" (...).

(3) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)