Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 10 : "Lagoa entre Catió e Priame".
Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 28: "Cufar, 1966 - Artilharia no quartel de Cufar, Obus 8,8 cm".
Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 14: "Catió 1967- Material capturado em Cabolol no decurso da Operação Penetrante em 27 de Junho de 1967".
Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 25: "Cachil 1965– Ilha do Como – Interior do aquartelamento".
Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 6: "Catió 1967- Meninos e bajudas na estrada de Ganjola".
Fotos e legendas: © Benito Neves (2007). Direitos reservados (1):
PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (2)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.
Parte IV - Pami e Malan são feitos prisioneiros pelos Lassas (pp. 35-40)
© Mário Fitas / (2007). Direitos reservados.
Resumo do episósio anterior (2):
Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.
Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.
Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.
Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.
A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.
Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.
Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.
Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.
(i) Pami e Malan são feitos prisioneiros
Madrugada de 24 de Agosto de 1965. Pami dorme paulatinamente nos braços de seu marido, depois de uma noite de amor. Ao romper da aurora, uma leve neblina cobre a bolanha entre Cobumba e o rio Cumbijã. Os cães da Tabanca começam a latir e ouvem-se barulhos esquisitos que, aos poucos, se transformam em gritaria. Cobumba está cercada por tropas do exército Português. Há algumas fugas, e ouvem-se algumas rajadas de espingardas G3. Malan, desprevenido, apenas tem tempo de esconder a sua Kalashnikov num depósito de arroz. Os soldados portugueses fazem a busca, de casa em casa. O pessoal capturado é reunido numa clareira. Disfarçadamente, Pami afasta-se de Malan, por ordem deste, para que não haja mais confusão, e para tentar não comprometer sua mulher. Ele está perdido! Vai ser facilmente identificado como guerrilheiro, pois sabe que existe mandato de captura contra ele.
Pami pensa como poderia tudo isto acontecer? E repentinamente apercebe-se.Os Lassas! Verdade, ali estavam eles! Mas como? Não se ouvira nada! O roncar das lanchas de desembarque!? Terão vindo pela estrada! De certeza! São mesmo perigosos. É necessário muito sangue frio e inteligência para tratar com esta gente. Estamos no fundo, pensa Pami, enquanto, atentamente, observa a movimentação das tropas portuguesas, identificando quem manda quem, e o cumprimento irrepreensível desta máquina de guerra. Raro é o soldado que não tem barba crescida, o que lhe dá uma certa camuflagem. Agora vê nitidamente quem comanda tudo. Precisamente! É aquele indivíduo alto, magro, barba curta e óculos escuros, que apenas usa pistola. Tudo passa por ele, que recebe e dá informações através do elemento que transporta um enorme rádio às costas, e que responde pelo nome de Garcia. Não há confusão! Os homens movimentam-se, como que vivessem em Cobumba há longos anos.
(ii) O leão de Cufar
A população que não conseguira fugir ao golpe de mão, contínua toda reunida. E à ordem do homem dos óculos, um negro, magro e pequeno, começa a transmitir em balantaum discurso contra os malefícios da guerrilha, e a necessidade de entendimento com as autoridades legais. Dado não se encontrar o chefe da Povoação, terá de levar algumas pessoas, homens e mulheres, para conversar melhor sobre todos estes problemas, e sobre os guerrilheiros que se movimentam com muita facilidade em Cobumba e, também, para receber explicações pela inexistência de jovens. Pede aos que ficam para transmitirem ao chefe de Tabanca estas palavras, e que seria bom que o mais breve possível ele se apresentasse em Bedanda, ou de preferência em Cufar, no que teria imenso gosto. Seguidamente, iria ser escolhido o pessoal que acompanharia os militares. Falou baixinho com um elemento que Pami reconhece ser um residente da Tabanca de Priame, em Catió. Concerteza seria o chefe da milícia. E são os homens e mulheres escolhidos. No grupo estão incluídos Malan Cassamá e, inexplicavelmente, Pami na Dondo.
Porquê? Não veriam os militares a sua frágil constituição e a inexistência da sua mão esquerda? Ou seria por isso mesmo!?... Não é uma tropa qualquer, há algo de especial nestes indivíduos, adivinham as coisas. Os soldados que rodeiam os homens que os acompanharão, começam a movimentar-se, obrigando-os a segui-los. Como uma cobra a deslizar por entre o capim e em fila, Pami observa os Lassas a saírem das suas posições e a movimentarem-se na direcção do cais. As mulheres são agora mandadas caminhar entre um grupo, que se terá mantido invisível do lado Norte no sentido de Cansalá. Ao entrarem na picada que atravessa a bolanha, para acesso ao cais, em terreno descoberto os militares deslocam-se afastados uns dos outros, aproximadamente quatro a cinco metros, em andamento rápido, e verifica-se que têm a preocupação de colocarem os pés no mesmo local do companheiro da frente. Pelo alongamento, devem ser próximo de cem homens.
Pami compreende agora toda a manobra. Fizeram roncar as lanchas de desembarque no rio junto a Cadique, para as tropas se movimentarem mais facilmente pelo interior, e não serem detectadas.
(iii) O embarque dos prisioneiros em lanchas da Marinha
Chegada ao cais, embarque rápido. A primeira lancha enche rapidamente, e recua para meio do rio, para segurança. A segunda também é rápida na movimentação. O pessoal prisioneiro continua separado. Na primeira lancha, os homens, onde segue também o homem dos óculos sempre com o do rádio atrás. As mulheres, na segunda, com o grupo que se mantivera invisível a Norte da povoação, e começa a descida do rio.
Pami Na Dondo - incógnita sabedora da língua portuguesa -, vai observando e registando as conversas dos militares, ignorantes ainda sobre quem são as suas prisioneiras. Julgando-as apenas entenderem o dialecto Balanta, ou um pouco de Crioulo.
Quatro militares estão muito próximo de Pami e esta pode seguir perfeitamente o seu diálogo. Apercebe-se rapidamente que são os chefes deste grupo de homens. Fica um pouco incomodada com o olhar persistente de um deles. Boina preta na cabeça, lenço da mesma cor ao pescoço. Não pára de olhar o coto da sua mão, procurando depois os seus olhos, com uma intensidade profunda. Passados uns momentos, fala para o que estava a seu lado:
- Telmo! Temos de soltar a língua àquela gaja sem mão! Tem cara de inocente, mas é capaz de saber muito!
- Acredito! É bem possível! - retorquiu o outro.
Mas um terceiro, pequenino e magro, muda a conversa.
- É pá e as sacanas das formigas! Foda-se, fiquei todo picado. Vocês viram como os cabrões têm a estrada toda cortada e cheia de abatises!?
O que dá por nome de Telmo riposta:
- Qualquer dia vamos limpar aquela merda toda! Tambinha, o que é que dizes?
- O caralho! Vai tu!
O da boina preta olha para o Tambinha - diminutivo de nome balanta, apercebe-se Pami - e com escárnio diz:
- É melhor ires marcando as férias se não quiseres embarcar nessa! E tu, Taveira, não estás cá!? Ou estás a masturbar-te em pensamento!? Não dizes nada?
Entretanto, um soldado com aspecto boçal e de barba ruiva bastante crescida, chega-se mais a uma bajuda, que fazia parte das cinco prisioneiras, e por entre o pano com que esta cobria o corpo, mete-lhe a mão nos seios e sai-lhe:
- Rica chicha! Isto para o almoço era até esfolar a gaita!
Os militares riem, mas o de nome Telmo, autoritário e vendo a cena, repreende o soldado:
- Se lhe tocas mais uma vez, levas com a G3 no focinho! Seu porco! Assim é que queres fazer psico? É? Toma juizinho. Ninguém toca nas mulheres!
Faz-se silêncio por uns tempos, perturbado apenas pelo roncar do motor da lancha. Alguns militares começam a tirar cigarros dos bolsos e, fumando, vão mirando as prisioneiras com olhar muito distante.
Passado algum tempo de viagem, um militar de calção e camisa azuis - que deveria pertencer à guarnição da lancha -, informa o de nome Telmo:
- Estamos a chegar! É melhor mandar a malta desviar, para a prancha descer e acostar melhor!
- O.K.! Malta, vamos chegar mais para trás!
E, virando-se para os outros três companheiros, dá as seguintes ordens:
- Taveira, sai primeiro com os teus homens!
Depois, virando-se para o da boina atalha:
- Mamadu, com os teus leva as mulheres! Cuidado ao subir para as viaturas! Tambinha, vais no último Unimog!
(iv) A chegada a Cufar
E começam as despedidas do pessoal da lancha, enquanto a porta da frente da mesma desce e embate em terra, pelo que fica pronta para o desembarque. Os soldados começam a sair, agora com outro à vontade, e muita fala. Não sabendo onde se encontrava, Pami apercebe-se de que o terreno é já muito conhecido dos militares.
Apesar dos avisos recebidos, as mulheres são auxiliadas a subir para as viaturas, pelos soldados que aproveitam para as apalpar e passar as mãos pelas partes baixas das mesmas, satisfazendo assim o instinto animalesco, resultante de longa privação de sexo. Só quando as viaturas se põem em andamento, e atravessam a tabanca de Impungueda, Pami reconhece o local. Sim, é de certeza, passara por ali antes da ocupação de Cufar pelos militares. Atravessam Iusse, contornam a lagoa e entram ao fundo da pista de aviação, em direcção à antiga Quinta.
Ao chegarem ao portão da Quinta, Pami não reconhece nada. Está tudo modificado, só quando param em frente da moradia principal, identifica a antiga casa. Desce toda a gente, e alguns soldados curiosos aproximam-se dos prisioneiros que continuam separados. O militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento, reúne com os chefes dos grupos, e é dado destino aos prisioneiros. Na separação ainda há um olhar entre Pami e Malan, transmitindo em pensamento a mensagem secreta, de que a sorte os acompanhe. Não será assim! Pami e Malan fazem naquele breve, mas profundo olhar, o adeus para sempre. Ali terminará uma vontade, um querer, uma coisa diferente, aquele amor sofrido e vivido até à exaustão. É o fim de certeza! No seu interior eles sentem-no! Sentem vontade de correr um para o outro e morrer naquele momento. Mas já é tarde, lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação para sempre. A solidão toma conta do seu pensamento e coração .
(v) Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló
As mulheres prisioneiras ficam à guarda dos milícias do ex-cipaio. Os homens ficam sob a custódia dos soldados brancos. Nenhum prisioneiro conhece o seu destino. À noite é distribuída uma refeição de arroz com carne de vaca, cozinhada pelos soldados Lassas. Pami rejeita, não tem apetite, apenas bebe um pouco de água. Com as suas companheiras, são metidas numa palhota junto às moranças dos milícias. É-lhe solicitado silêncio, e o medo não deixa que haja qualquer comunicação entre as mulheres. Pami não consegue dormir um minuto, pelo que se apercebe dos movimentos nocturnos próximos da palhota. De quando em vez ouvem-se passos. Deverá ser o render das sentinelas.
No dia seguinte, ao romper da madrugada, começam a ouvir-se os bombalôs, tambores, no seu frenético tan-tan, para os lados das tabancas a sul, anunciando o Choro pela morte de alguém. Pami sentada no chão de capim - pensamento enevoado -, não sente os panos enrolados ao corpo, todos ensanguentados. A situação nem lhe dá a física percepção, de que lhe terá aparecido a menstruação.
Conforme o sol se vai erguendo por sobre o tarrafe da confluência dos rios Manterunga e Cumbijã, a vida no aquartelamento, vai tomando movimento. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.
(Continua)
__________
Notas de L.G.:
(1) Um especial agradecimento é devido ao nosso camarada Benito Neves que pôs à disposição do Mário Fitas e da nossa Tabanca o seu álbum fotográfico. Sobre o Benito, vd. os seguintes posts:
Vd. posts de:
15 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2268: A falsificação da história da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)(Benito Neves)
18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)
2 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1559: Ex-Alf Mil Avilez, da CCAV 1484, hoje professor de arte, foi o autor do mural de Catió (Benito Neves)
(2) Vd. episódios anteriores:
Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)
(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…
No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.
O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.
É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)
28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)23 de Novembro de 2007 >
(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.
Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.
Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).
5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)
(3) Lassas era a alcunha por que eram conhecidos os militares da CCAÇ 763, de que fazia parte o Mário Vicente, Fur Mil Fitas . No seu primeiro livro (Putos, Gandulos e Guerra, edição de autor, Cucujães, 2000, p. 75), pode ler-se:
"Por informações recebidas, a [CCAÇ 763] será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas. Pelo que se veio a saber, lassa era "uma espécie de abelha existente na Guiné que, não sendo molestada, não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa quando enraivecida. Esta alcunha resultaria, portanto, da actuação da [Companhia] pois, quando chegava a uma povoação em que a população estivesse e não fugisse, não haveria problemas, pois falava-se com essa população e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Se, caso contrário, a população fugisse e abandonasse as suas moranças, as mesmas eram literalmente destruídas" (...) .
O termo crioulo que eu ouvi, muitas vezes, aos meus soldados fulas, quando fugíamos das terríveis abelhas africanas era Bagera, bagera!!! (LG)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
domingo, 9 de dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2339: Tabanca Grande (44): Henrique Cabral, Fur Mil, CCAÇ 1420 (Mansabá, 1965/67), editor do Blogue Entre Fogo Cruzado
1. Mensagem do camarada Henrique Cabral, do dia 4 de Dezembro de 2007, dirigida ao nosso Blogue
Camaradas,
Tomei a liberdade de me dirigir a todos vós porque, a descoberta dos vossos relatos e fotografias na blogosfera me trouxeram recordações de locais e situações, por mim também vividas bem de perto.
Assim, e passados mais de 40 anos de ter andado por Fulacunda, Mansoa, Braia, Encheia, Uaque, Jugudul, Bissorã, K10, Olossato, Cutia, k3 (Farim) e Mansabá, resolvi partilhar também com todos vós, as imagens que por lá recolhi, nesses tempos bem difíceis.
Imaginei então um filme a preto e branco em que cada um possa, com pequenos textos fáceis de ler, dar voz às imagens e acrescentar algo que contribua para o conhecimento daquilo que por lá vimos, ouvimos e sentimos.
O eventual contributo de novos items e imagens será bem vindo.
Venho deste modo convidar-vos a participar no "ENTRE FOGO CRUZADO" o que muito me lisongearia.
Considerando ser o meu sítio, apenas um complemento aos vossos, tive a iniciativa de colocar nele, algumas ligações para eles.
Saudações cordiais,
Henrique
In illo tempore:
Furriel Mil Cabral
CCAÇ 1420
BCAÇ 1857
Na Guiné de 1965 a 1967
Agora:
Henrique de Sacadura Freire Cabral
Queluz, Dezembro 2007
2. No dia 9 de Dezembro de 2007 o co-editor CV respondia:
Caro camarada Henrique Cabral:
Em nome do editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estou a agradecer o teu contacto e o facto de teres na tua página um link para a nossa.
Já agora abro um parêntesis para te dizer que o nome oficial do nosso blogue não é Tabanca Grande como indicas, mas o que está acima. Entre nós usamos os termos Tabanca Grande ou Caserna Virtual, para dar um ar de igualdade e camaradagem entre os tertulianos.
Tratamo-nos por tu, independentemente dos antigos postos militares, da idade e até da posição social. Verdadeiros camaradas não se distinguem entre si.
Deixo-te o convite para, se quiseres, entrares na nossa Tabanca Grande, onde cabe sempre mais um camarada que tenha pisado qualquer chão da Guiné. Teríamos assim mais oportunidade de trocar conteúdos, estórias, experiências e fotos dos nossos tempos.
São nossos tertulianos também os civis que, por qualquer circunstância da vida, estão indelevelmente marcados pela Guiné de então, hoje Guiné-Bissau.
Tu e eu temos em comum o facto de termos andado por terras do Óio. Estive em Mansabá 22 meses em quadrícula, entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972. Conheço Mansoa, Cutia, Bissorã, K3, Farim, Bafatá e Bissau, claro.
Muito pouco, comparado com aqueles que intervinham em tudo quanto era sítio.
Já andei Entre Fogo Cruzado. Está muito bem elaborado.
As belíssimas fotografias a preto e branco dão-lhe uma particularidade que realça sobretudo o teu gosto e sensibilidade pela imagem, mais do que pelas palavras.
A memória da guerra em si, não é o mais importante, mas a beleza da paisagem daquela terra e, os usos e costumes daquele povo nosso irmão.
Parabéns.
Em meu nome, no do Luís Graça e dos restantes camaradas e amigos do nosso blogue desejamos-te os melhores êxitos e uma vida longa para a tua página.
Os nossos cumprimentos
Carlo Vinhal
Co-editor
3. No mesmo dia Henrique Cabral voltava ao contacto
Caro camarada Carlos,
Para que fique bem claro, eu é que agradeço a tua disponibilidade e atenção dada ao meu sítio e a possibilidade de nele colocar um link para a Tabanca Grande que considero um excelente trabalho. Um manancial de documentos vivos da guerra na Guiné escritos na primeira pessoa.
Eu sei que o actual e verdadeiro nome não é Tabanca Grande mas...se me autorizarem, prefiro, gosto mais dele. É mais sintético, abrangente, recua no tempo e aproxima-nos.
Fico muito grato pelo convite que me fazes e quando arranjar veia lá estarei. No entanto o meu forte não é a escrita e muito menos o romance. Sou muito sintético e até telegráfico demais.
De facto andámos pelos mesmos sítios...já lá vai tanto tempo. Mas quando revejo as minhas fotos é com se fosse hoje. É por isso que imaginei o meu sítio assim - impessoal e intemporal. Aberto a todos, pois todos nós por lá vimos aquelas imagens em qualquer chão. Esta apresentação pretende dar relevo a pormenores da vida daquela gente que muitas vezes não contava para nada...senão para ser usada.
Ficaria muito lisonjeado com palavras tuas nos comentários e caso queiras, podes mesmo enviar-me uma foto e texto.
Muito obrigado pelos votos encorajadores.
Um abraço
Henrique
4. Comentário de CV
Camaradas e amigos tertulianos, podem e devem visitar o sítio do nosso camarada Henrique Cabral em http://entrefogocruzado.wordpress.com/ porque é um local calmo, cheio de fotografias a preto e branco, de belas paisagens e gente da Guiné.
Como o nome do blogue sugere, o povo esteve e estará sempre entre fogos cruzados. Muitas vezes serviu e serve de moeda de troca, outras, é vítima inocente. No entanto raras vezes lhes pedem opiniões quanto ao seu próprio futuro e sobre o caminho que querem seguir.
Transcrevo a seguir, com a devida vénia ao Henrique, da rubrica Acerca de... um trecho em que ele se apresenta, e ilustro com uma das belíssimas fotos que lá se podem ver.
5. O Autor
Acerca de...
em 1965.
Foi mais um a chegar… dos muitos atiradores integrado numa Companhia de Caçadores de tropa-macaca mas trazia na bagagem uma kodak e a cabeça cheia de ideias.
Andava sempre por aí… só desaparecendo às vezes quando o chamavam para dentro do aquartelamento para “fazer os serviços”. Mas voltava… voltava sempre com a mesma curiosidade de nos conhecer.
Por vezes as coisas não lhe corriam bem mas nunca o deixava transparecer… antes aproveitando o que de bom esta terra tinha para lhe oferecer: o pôr do sol esfuziante, não fora a deprimente época das chuvas; o verde das matas e seus sons inesquecíveis, não fora os perigos que escondem; a água quente dos rios, não fora algum dos seus habitantes menos agradáveis; as noites claras de lua cheia e cruzeiro do sul, não fora os indesejáveis mosquitos.
Usou 3 máquinas fotográficas que sucessivamente se foram avariando devido às péssimas condições a que eram sujeitas, tendo disparado cerca de 3000 vezes.
em 2007
Passados 40 anos decide mostrar parte do seu espólio fotográfico apenas com o intuito de partilhar, com todos, essas recordações.
A guerra não é o tema central mas como realidade bem dura que foi, não pode ser omitida.
Propositadamente são excluídas certas imagens e não são referidos nomes de pessoas ou lugares, tentando apenas fazer um filme a preto e branco do dia-a-dia da gente, em qualquer chão guineense.
Henrique Cabral
Novembro 2007
Fotos: © Henrique Cabral (2007)(site Entre Fogo Cruzado)
Camaradas,
Tomei a liberdade de me dirigir a todos vós porque, a descoberta dos vossos relatos e fotografias na blogosfera me trouxeram recordações de locais e situações, por mim também vividas bem de perto.
Assim, e passados mais de 40 anos de ter andado por Fulacunda, Mansoa, Braia, Encheia, Uaque, Jugudul, Bissorã, K10, Olossato, Cutia, k3 (Farim) e Mansabá, resolvi partilhar também com todos vós, as imagens que por lá recolhi, nesses tempos bem difíceis.
Imaginei então um filme a preto e branco em que cada um possa, com pequenos textos fáceis de ler, dar voz às imagens e acrescentar algo que contribua para o conhecimento daquilo que por lá vimos, ouvimos e sentimos.
O eventual contributo de novos items e imagens será bem vindo.
Venho deste modo convidar-vos a participar no "ENTRE FOGO CRUZADO" o que muito me lisongearia.
Considerando ser o meu sítio, apenas um complemento aos vossos, tive a iniciativa de colocar nele, algumas ligações para eles.
Saudações cordiais,
Henrique
In illo tempore:
Furriel Mil Cabral
CCAÇ 1420
BCAÇ 1857
Na Guiné de 1965 a 1967
Agora:
Henrique de Sacadura Freire Cabral
Queluz, Dezembro 2007
2. No dia 9 de Dezembro de 2007 o co-editor CV respondia:
Caro camarada Henrique Cabral:
Em nome do editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, estou a agradecer o teu contacto e o facto de teres na tua página um link para a nossa.
Já agora abro um parêntesis para te dizer que o nome oficial do nosso blogue não é Tabanca Grande como indicas, mas o que está acima. Entre nós usamos os termos Tabanca Grande ou Caserna Virtual, para dar um ar de igualdade e camaradagem entre os tertulianos.
Tratamo-nos por tu, independentemente dos antigos postos militares, da idade e até da posição social. Verdadeiros camaradas não se distinguem entre si.
Deixo-te o convite para, se quiseres, entrares na nossa Tabanca Grande, onde cabe sempre mais um camarada que tenha pisado qualquer chão da Guiné. Teríamos assim mais oportunidade de trocar conteúdos, estórias, experiências e fotos dos nossos tempos.
São nossos tertulianos também os civis que, por qualquer circunstância da vida, estão indelevelmente marcados pela Guiné de então, hoje Guiné-Bissau.
Tu e eu temos em comum o facto de termos andado por terras do Óio. Estive em Mansabá 22 meses em quadrícula, entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972. Conheço Mansoa, Cutia, Bissorã, K3, Farim, Bafatá e Bissau, claro.
Muito pouco, comparado com aqueles que intervinham em tudo quanto era sítio.
Já andei Entre Fogo Cruzado. Está muito bem elaborado.
As belíssimas fotografias a preto e branco dão-lhe uma particularidade que realça sobretudo o teu gosto e sensibilidade pela imagem, mais do que pelas palavras.
A memória da guerra em si, não é o mais importante, mas a beleza da paisagem daquela terra e, os usos e costumes daquele povo nosso irmão.
Parabéns.
Em meu nome, no do Luís Graça e dos restantes camaradas e amigos do nosso blogue desejamos-te os melhores êxitos e uma vida longa para a tua página.
Os nossos cumprimentos
Carlo Vinhal
Co-editor
3. No mesmo dia Henrique Cabral voltava ao contacto
Caro camarada Carlos,
Para que fique bem claro, eu é que agradeço a tua disponibilidade e atenção dada ao meu sítio e a possibilidade de nele colocar um link para a Tabanca Grande que considero um excelente trabalho. Um manancial de documentos vivos da guerra na Guiné escritos na primeira pessoa.
Eu sei que o actual e verdadeiro nome não é Tabanca Grande mas...se me autorizarem, prefiro, gosto mais dele. É mais sintético, abrangente, recua no tempo e aproxima-nos.
Fico muito grato pelo convite que me fazes e quando arranjar veia lá estarei. No entanto o meu forte não é a escrita e muito menos o romance. Sou muito sintético e até telegráfico demais.
De facto andámos pelos mesmos sítios...já lá vai tanto tempo. Mas quando revejo as minhas fotos é com se fosse hoje. É por isso que imaginei o meu sítio assim - impessoal e intemporal. Aberto a todos, pois todos nós por lá vimos aquelas imagens em qualquer chão. Esta apresentação pretende dar relevo a pormenores da vida daquela gente que muitas vezes não contava para nada...senão para ser usada.
Ficaria muito lisonjeado com palavras tuas nos comentários e caso queiras, podes mesmo enviar-me uma foto e texto.
Muito obrigado pelos votos encorajadores.
Um abraço
Henrique
4. Comentário de CV
Camaradas e amigos tertulianos, podem e devem visitar o sítio do nosso camarada Henrique Cabral em http://entrefogocruzado.wordpress.com/ porque é um local calmo, cheio de fotografias a preto e branco, de belas paisagens e gente da Guiné.
Como o nome do blogue sugere, o povo esteve e estará sempre entre fogos cruzados. Muitas vezes serviu e serve de moeda de troca, outras, é vítima inocente. No entanto raras vezes lhes pedem opiniões quanto ao seu próprio futuro e sobre o caminho que querem seguir.
Transcrevo a seguir, com a devida vénia ao Henrique, da rubrica Acerca de... um trecho em que ele se apresenta, e ilustro com uma das belíssimas fotos que lá se podem ver.
5. O Autor
Acerca de...
em 1965.
Foi mais um a chegar… dos muitos atiradores integrado numa Companhia de Caçadores de tropa-macaca mas trazia na bagagem uma kodak e a cabeça cheia de ideias.
Andava sempre por aí… só desaparecendo às vezes quando o chamavam para dentro do aquartelamento para “fazer os serviços”. Mas voltava… voltava sempre com a mesma curiosidade de nos conhecer.
Por vezes as coisas não lhe corriam bem mas nunca o deixava transparecer… antes aproveitando o que de bom esta terra tinha para lhe oferecer: o pôr do sol esfuziante, não fora a deprimente época das chuvas; o verde das matas e seus sons inesquecíveis, não fora os perigos que escondem; a água quente dos rios, não fora algum dos seus habitantes menos agradáveis; as noites claras de lua cheia e cruzeiro do sul, não fora os indesejáveis mosquitos.
Usou 3 máquinas fotográficas que sucessivamente se foram avariando devido às péssimas condições a que eram sujeitas, tendo disparado cerca de 3000 vezes.
em 2007
Passados 40 anos decide mostrar parte do seu espólio fotográfico apenas com o intuito de partilhar, com todos, essas recordações.
A guerra não é o tema central mas como realidade bem dura que foi, não pode ser omitida.
Propositadamente são excluídas certas imagens e não são referidos nomes de pessoas ou lugares, tentando apenas fazer um filme a preto e branco do dia-a-dia da gente, em qualquer chão guineense.
Henrique Cabral
Novembro 2007
Fotos: © Henrique Cabral (2007)(site Entre Fogo Cruzado)
Guiné 63/74 - P2338: Álbum das Glórias (35): O Grito dos Rangers, em Pombal (28 de Abril de 2007)
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º encontro da malta do nosso blogue (1) > Restaurante O Manjar do Marquês > Para a posteridade, aqui fica a foto dos rangers, ali presentes: Da esquerda para a direita, na segunda fila, de pé: F. Chapouto, J. Mexia Alves, E. Magalhões Ribeiro, A. Pimentel; na primeira fila, J. Parreira, J. Casimiro Carvalho, H. Reis...
O Grito dos Rangers ainda hoje ecoa pelo casarão de O Manjar do Marquês:
Ranger YYYYAAAAAAAAAAA
Ranger YYYYAAAAAAAAAAA
Ranger YYYYAAAAAAAAAAA
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
_______
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts sobre o encontro:
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1709: Tertúlia: Encontro em Pombal (1): Malta de cinco estrelas (José Martins)
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1712: Tertúlia: Encontro em Pombal (3): Obrigado e até ao próximo, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1713: Tertúlia: Encontro em Pombal (4): O nosso bom humor (Tino Neves / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1714: Tertúlia: Encontro em Pombal (5): Perdidos & achados (Carlos Vinhal / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1716: Tertúlia: Encontro em Pombal (7): Camaradas radicais (Paulo Santiago / Vitor Junqueira)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
1 de Maio de 2007 Guiné 63/74 - P1720: Tertúlia: Encontro em Pombal (9): (Não) me tirem daqui (Sousa de Castro / Vacas de Carvalho / Mexia Alves)
3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1725: Tertúlia: Encontro em Pombal (10): O nosso bom gigante J. Mexia Alves (Vitor Junqueira)
3 de Maio de 2007 > Guine 63/74 - P1728: Tertúlia: Encontro em Pombal (11): A parábola do porco e da tesoura de barbeiro (David Guimarães / Vitor Junqueira)
5 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1733: Tertúlia: Encontro em Pombal (12): Lições para o futuro (Raul Albino)
5 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1734: Tertúlia: Encontro em Pombal (13): Paco Bandeira: Lá longe, onde o sol castiga mais.. (J. L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
6 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1735: Tertúlia: Encontro em Pombal (14): Vídeo do Hugo Moura Ferreira
16 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1762: Tertúlia: Encontro de Pombal (15): Estórias do Caco Baldé (Spínola) (J.L. Vacas de Carvalho, J. Mexia Alves e outros)
O Grito dos Rangers ainda hoje ecoa pelo casarão de O Manjar do Marquês:
Ranger YYYYAAAAAAAAAAA
Ranger YYYYAAAAAAAAAAA
Ranger YYYYAAAAAAAAAAA
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts sobre o encontro:
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1709: Tertúlia: Encontro em Pombal (1): Malta de cinco estrelas (José Martins)
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1712: Tertúlia: Encontro em Pombal (3): Obrigado e até ao próximo, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1713: Tertúlia: Encontro em Pombal (4): O nosso bom humor (Tino Neves / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1714: Tertúlia: Encontro em Pombal (5): Perdidos & achados (Carlos Vinhal / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1715: Tertúlia: Encontro em Pombal (6): Vitor, não temos a tua pedalada, mas foi bom (Sousa de Castro)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1716: Tertúlia: Encontro em Pombal (7): Camaradas radicais (Paulo Santiago / Vitor Junqueira)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
1 de Maio de 2007 Guiné 63/74 - P1720: Tertúlia: Encontro em Pombal (9): (Não) me tirem daqui (Sousa de Castro / Vacas de Carvalho / Mexia Alves)
3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1725: Tertúlia: Encontro em Pombal (10): O nosso bom gigante J. Mexia Alves (Vitor Junqueira)
3 de Maio de 2007 > Guine 63/74 - P1728: Tertúlia: Encontro em Pombal (11): A parábola do porco e da tesoura de barbeiro (David Guimarães / Vitor Junqueira)
5 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1733: Tertúlia: Encontro em Pombal (12): Lições para o futuro (Raul Albino)
5 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1734: Tertúlia: Encontro em Pombal (13): Paco Bandeira: Lá longe, onde o sol castiga mais.. (J. L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
6 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1735: Tertúlia: Encontro em Pombal (14): Vídeo do Hugo Moura Ferreira
16 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1762: Tertúlia: Encontro de Pombal (15): Estórias do Caco Baldé (Spínola) (J.L. Vacas de Carvalho, J. Mexia Alves e outros)
Guiné 63/74 - P2337: Humor de caserna (4): Cancioneiro do Niassa: O Turra das Minas (Luís Graça)
Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada (asfaltada) Mansabá-Farim > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada.
Foto: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.
Texto do editor L.G., a pretexto do post P2327, de 4 de Dezembro, sobre a guerrilha e as suas minas (1):
No final dos anos sessenta, no norte de Moçambique, na região do Niassa, os soldados portuguesas entoavam fados, baladas e outras canções que relatavam as alegrias e as tristezas do seu quotidiano de guerra.
O registo era, umas vezes, de bravata, de brincadeira e de paródia, e outras vezes mais triste, saudosista e intimista... Era uma forma de exorcizar os fantasmas do medo, da morte, da solidão, de lidar com a angústia dos ataques aos aquartelamentos, das emboscadas no mato e nas picadas, e das minas nos trilhos, de lidar com o stresse, de manter viva a ligação com a sua terra natal (que ficava, física e simbolicamente, a muitos milhares de quilómetros de distância), de reforçar o seu espírito de corpo como combatentes e até, de certo modo, de humanizar uma guerra, desgastante e cruel, que não parecia ter uma solução militar à vista.
Nalgumas das letras dessas músicas (escritas por milicianos, com formação universitária, ou por alguns militares mais politizados, ou simplesmente com jeito para versejar), podia-se inclusive descortinar sinais, mais implícitos do que explícitos, de contestação e até de resistência, sinais esses que tinham um efeito perverso, introduziam o famigerado espírito dissolvente, denunciado pelos arautos do regime político não-democrático, então dominante, acabando por, de algum modo, minar o moral das tropas e a vontade de combater.
O mesmo se passava, de resto, noutras frentes de guerra, como a Guiné, como todos nós, camaradas da Tabanca Grande, podemos testemunhar pela nossa própria experiência pessoal: as longas noites da Guiné eram passadas, muitas vezes, entre muitos copos de uísque, cerveja, intermináveis jogos de lerpa e longas sessões de fados, baladas e outras canções (com o Manuel Freire à cabeça, seguido do Zeca Afonso, do Adriano Correia de Oliveira, dos Beatles, do Bob Dylan, do Donovan e de tantos outros...):
"Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida...", era uma das nossas preferidas,no meu tempo de Bambadinca (1969/71), sendo cantada e acompanhada à viola com um misto de saudades da nossa terra e de rebeldia contra o aparelho político-militar (Eles eram os chefes, os oficiais superiores do batalhão, o comando-chefe, o Estado Maior do Exército, e por aí fora até ao poder político, protagonizado pela parelha Caetano e Tomás).
Vários poetas e versejadores, de maior ou menor talento, pertencentes aos três ramos das forças armadas, contribuiram anonimamente para aquilo a que depois se veio a chamar o Cancioneiro do Niassa. As letras eram acompanhadas por melodias em voga na época, incluindo tangos, fados, baladas. tradicionais ou não, ainda hoje facilmente reconhecíveis (por ex., A Casa da Marquinhas, de Alfredo Marceneiro, ou a Júlia Florista, da Amália). O seu interesse não é literário mas sim documental, socioantropológico.
Na Net, o meu primeiro contacto com as Canções do Niassa (2) foi através de duas páginas:
(i) uma, a Joraga, acrónimo de José Rabaça Gaspar, a mais antiga, a mais criativa, a mais pessoal, também a mais confusa... São uma série de páginas encavalitadas uns nas noutras, desde a página da família aos coros alentejanos... O início do sítio que é uma verdadeira rede... ilimitada, como diz o autor, um andarilho alentejano, remonta a 2002, se não me engano. Rabaça Gaspar foi Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2838 (Moçambique, 1968/70). Mora hoje em Corroios.
Foi ele o primeiro a divulgar, na Net, o registo fonográfico das 13 primeiras Canções do Niassa, parte de uma gravação da Rádio Metangula, da Marinha (que tinha uma base naval, no Lago Niassa, justamente em Metangula). Essa gravação data de 1969, e a interpertação é de João Peneque, que seria um guarda-marinha (equivalente ao posto de Alferes, no Exército).
O Rabaça Gaspar diz que os ficheiros áudio foram obtidos a partir de uma cassete gravada em 1969, e graças ao apoio técnico de dois amigos, Manuel Aleixo e Manuel Cruz. Este primeiro lote de canções faz parte do Cancioneiro I. O autor prometeu - até agora, em vão - um Cancioneiro II e um Cancioneiro III.
Aqui vai a lista das 13 canções do Cancioneiro I (que podem ser ouvidas no sítio original, na voz de João Peneque). Segundo o Rabaça Gaspar, o Jorge [Pereira] Ferreira, Fur Mil, da CCS do BART 2838, seria o autor de quatro ou cinco letras:
1. Fado do Checa
Adapt. de “Rosa Enjeitada” – Fado
por Jorge Ferreira - BART 2838
2. O Turra das Minas
Adapt. de “Júlia Florista” - Max
por Jorge Ferreira - BART 2838
3. Adeus Metangula – Fado da Despedida
Adapt. de “Adeus Mouraria”
por Jorge Ferreira (?)
4. Fado das Partituras
5. Fado do Render da Guarda
6. Fado do Turra
Adapt. de “Fado Corrido”
por Jorge Ferreira
7.Hino do Lunho
Adapt. de “Vampiros” – Zeca Afonso
por Alferes Herculano de Carvalho (o Carvalho 100, da 1ª Companhia de Engenharia)
8 .Fado do Destacamento Veterano
9. Fado das Comparações
Adapt. de “Estranha Forma de Vida”
por Jorge Ferreira
10. Fado do Estado Maior
Adapt. de “São Caracóis” - Amália
11. Fado do Buldozer
12. A Júlia Golpista
Adapt. de “Júlia Florista” - Max
13. Fado a Metangula
(ii) outra fonte, por mim consultada em 2004, foi a excelente página do Jorge Santos, hoje membro da nossa tertúlia.
O Jorge fez também um trabalho excelente, notável, pioneiro, de recolha, preservação e divulgação desta documentação tão efémera mas tão importante para a sociologia histórica da guerra colonial, e onde se devem incluir o estudo das representações sociais do turra, o invisível e obíquo inimigo que combatíamos em Moçambique, Angola e Guiné. No total a recolha de Jorge Santos ultrapassa as 40 canções, disponíveis no seu site:
Página de Jorge Santos > Guerra Colonial > Canções do Niassa
Convirá lembrar que Jorge Santos faz parte dos primórdios da nossa Tabanca Grande: foi 1º Grumete Fuzileiro, pertencente à 4ª Companhia de Fuzileiros e esteve em Moçambique, na região do Niassa (Metangula e Cobué), entre Abril de 1968 e Janeiro de 1970.
Há ainda a referir a existência de uma edição discográfica das Canções do Niassa, que resultaram da colaboração do actor João Maria Pinto (que no início da década de 1970 fez, com um grupo de amigos, as primeiras gravações do Cancioneiro do Niassa, vendendo depois as cassetes piratas aos soldados recém chegados) e ao produtor Laurent Filipe: Canções proibidas: O Cancioneiro do Niassa. Lisboa: EMI - Valentim de Carvalho, Música, Lda. 1999. CD. 7243 5 20797 2 8.
Foram seleccionadas e gravadas 13 canções, cantadas pelo João Maria Pinto e seus convidados (entre outros, Carlos do Carmo, Rui Veloso, Paulo Carvalho, Janita Salomé, João Afonso). Aqui vai o alinhamento:
1. Ventos de Guerra - João Maria Pinto/Rui Veloso;
2. Taberna do Diabo - João Maria Pinto/Gouveia Ferreira;
3. Fado do Checa - Paulo de Carvalho;
4. O Turra das Minas - João Maria Pinto/Rui Veloso;
5. Erva Lá Na Picada - João Maria Pinto/Janita Salomé;
6. Luta p'la Vida - João Maria Pinto;
7. Neutel d'Abreu - João Maria Pinto/Mariana Abrunheiro;
8. Bocas Bocas - Lura, João Maria Pinto/Mingo Rangel;
9. Fado do Miliciano - Janita Salomé;
10. O Fado do desertor - Carlos do Carmo;
11. O fado do Antoninho - Teresa Tapadas;
12. Hino de Vila Cabral - Carlos Macedo/João Maria Pinto;
13. O Hino do Lunho - João Maria Pinto e outros (João Afonso, Ana Picoito, Tetvocal...).
Destas 13 canções, apenas se conheciam, em 1979 - segundo a informação do produtor do disco - os autores de duas: Gouveia Ferreira (Taberna do Diabo) e Carlos Macedo (Hino de Vila Cabral).
Como ilustração do post de 4 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes), reproduzimos aqui a letra do Turra das Minas:
O Turra das Minas
O turra das minas,
Pequeno e traquinas,
Lá vai na picada
E a malta escondida,
Na mata batida
Monta a emboscada.
O turra passou,
A malta esperou,
Já toda estafada,
E a Berliet
Sempre foi estoirada.
Refrão
Ó turra das minas,
A tua vida agora
É pôr as marmitas
Pela estrada fora.
Oh turra das minas,
Tua arma soa
Por léguas e léguas,
Aqui no Niassa,
Onde a Guerra entoa [ecoa].
Há mortos e feridos
E os mais comidos
Somos sempre nós,
Vamos pelos ares,
Gritando por todos,
Até pelos avós.
Ó turra, bairrista,
Mas pouco fadista,
Já é tradição
Ser pára-quedista
Sem tirar o curso,
Ai isso é que não.
Refrão:
Oh turra das minas,
A tua vida agora... (3)
______________
Notas de L.G:
(1) Vd. nota de 4 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)
(2) Vd. post de 11 de Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa
(3) Comentário:
Paródia do fado A Júlia Florista, uma das muitas criações de Amália. Segundo o sítio da Tuna Feminina do Instituto Superior Técnico, a letra é de Joaquim Pimenal e a música de Lionel Villar.
Recorde-se que a Berliet era uma das viaturas mais usadas no transporte de tropas: de origem francesa, eram montadas no Tramagal.
É interessante a analogia, óbvia, entre a mina A/C, e a marmita... Não sei se o termo fazia parte da gíria do pessoal, na época, ou se trata apenas de uma metáfora do poeta... Por outro lado, é curiosa a descrição, quase simpática, irónica, e até cúmplice, do turra, como se este fosse um velho compincha: Ó turra das minas, pequeno e traquinas (...); Ó turra, bairrista, mas pouco barrista (...). Enfim, uma cumplicidade ou uma duplicidade, própria dos combatentes, que vem introduzir na guerra brutal das minas, anticarro e antipessoais, uma nota de humanidade, de humor negro, de
Há outro sítio na Net onde se pode ouvir o Turra das Minas, uma das 13 Canções do Niassa que fazem parte da gravação, feita da Rádio Metangula, da Marinha, em 1969.
Letra e Música:
Fado do Checa
Fado do Turra das Minas
Fado da Despedida
Fado das Partituras
Fado do Render da Guarda
Fado do Turra
Hino do Lunho
Fado do Destacamento Veterano
Fado das Comparações
Fado do Estado Maior
Fado do Buldózer
Fado da Júlia Golpista
Fado a Metangula
Guiné 63/74 - P2336: AD inaugura a Rádio Comunitária de Canchungo e a TV de Cantanhez (Afonso Sousa / AD)
Em mensagem de 8 de Dezembro de 2007, o nosso camarada Afonso Sousa (1), dava-nos conta da inauguração da Rádio Comunitária de Canchungo e da TV de Cantanhez.
Caro Carlos:
Captei estas notícias no site da AD - Acção para o Desenvolvimento , de que faz parte (como director executivo) o Carlos Schwarz (Pepito).
A inauguração da Rádio Comunitária do Canchungo a 9 de Novembro, assim como a da TV de Cantanhez, que ocorreu a 24, integraram-se nas comemorações do 15.º aniversário da AD.
Um cumprimento de parabéns ao Carlos Schwarz, com o desejo de felicidades.
Um abraço.
Afonso Sousa (1)
Inaugurada a Rádio Comunitária de Canchungo
A 9 de Novembro, dia em que a nossa ONG (AD) celebrou o seu XV Aniversário, começou a emitir a Rádio Comunitária Uler a Baand, que significa na língua manjaca Chegou a Hora!
A inauguração contou com numerosas associações de agricultores, de mulheres e de jovens, vindos de Calequisse, Caió, Cacheu e Canchungo, às quais se associaram o Régulo de Canchungo Baticã Ferreira, altos dignatários tradicionais, organizações internacionais como a UICN, Ong amigas vindas de várias regiões do país e representantes de igrejas de Canchungo.
Esta rádio é gerida pelos jovens desta cidade do litoral norte do país que emite para os sectores de Cacheu, Caió, Canchungo e Calequisse, programas ligados ao desenvolvimento rural, saúde, desporto, cultura, recreação e que vai dar voz aos sem voz.
Foto da inauguração da Rádio Comunitátária Uler a Baand em Canchungo
Inauguração da TV de Cantanhez, em 24 de Novembro, último.
A TV Massar, televisão comunitária de Cantanhez, que na língua nalú quer dizer TV Estrela, foi inaugurada no dia 24 de Novembro de 2007, enquanto iniciativa da associação dos jovens agricultores de Iemberém (Ajai) que protagonizou a construção das suas instalações mobilizando a mão-de-obra da comunidade local, fabricando adobes e colectando inertes.
Tem como objectivo a emissão de programas de agricultura, telescola, formação profissional, alfabetização, cultura tradicional, história, ambiente e ecoturismo, promovendo o acesso directo da população a um orgão de comunicação, resgatando valores culturais das diferentes etnias, permitindo o conhecimento de informações e programas relevantes de desenvolvimento local.
Serão difundidos programas de formação de jovens poceiros, técnicos de energia solar, carpinteiros, pedreiros, a divulgação de programas agrícolas com vista à melhoria das técnicas de cultura das principais produções, da sua protecção vegetal natural, do uso de fertilizantes orgânicos, da introdução de novas espécies de interesse económico e nutritivo e de técnicas de conservação e transformação em compotas, farinhas e óleos.
Foto da inauguração da TV de Cantanhez
Fotos © retirados do site da AD (2007)
AD - Acção para o Desenvolvimento (Guiné-Bissau)
__________
Nota de CV:
(1) Afonso M. F. Sousa, ex-Fur Mil Trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro) (1968/70
Caro Carlos:
Captei estas notícias no site da AD - Acção para o Desenvolvimento , de que faz parte (como director executivo) o Carlos Schwarz (Pepito).
A inauguração da Rádio Comunitária do Canchungo a 9 de Novembro, assim como a da TV de Cantanhez, que ocorreu a 24, integraram-se nas comemorações do 15.º aniversário da AD.
Um cumprimento de parabéns ao Carlos Schwarz, com o desejo de felicidades.
Um abraço.
Afonso Sousa (1)
Inaugurada a Rádio Comunitária de Canchungo
A 9 de Novembro, dia em que a nossa ONG (AD) celebrou o seu XV Aniversário, começou a emitir a Rádio Comunitária Uler a Baand, que significa na língua manjaca Chegou a Hora!
A inauguração contou com numerosas associações de agricultores, de mulheres e de jovens, vindos de Calequisse, Caió, Cacheu e Canchungo, às quais se associaram o Régulo de Canchungo Baticã Ferreira, altos dignatários tradicionais, organizações internacionais como a UICN, Ong amigas vindas de várias regiões do país e representantes de igrejas de Canchungo.
Esta rádio é gerida pelos jovens desta cidade do litoral norte do país que emite para os sectores de Cacheu, Caió, Canchungo e Calequisse, programas ligados ao desenvolvimento rural, saúde, desporto, cultura, recreação e que vai dar voz aos sem voz.
Foto da inauguração da Rádio Comunitátária Uler a Baand em Canchungo
Inauguração da TV de Cantanhez, em 24 de Novembro, último.
A TV Massar, televisão comunitária de Cantanhez, que na língua nalú quer dizer TV Estrela, foi inaugurada no dia 24 de Novembro de 2007, enquanto iniciativa da associação dos jovens agricultores de Iemberém (Ajai) que protagonizou a construção das suas instalações mobilizando a mão-de-obra da comunidade local, fabricando adobes e colectando inertes.
Tem como objectivo a emissão de programas de agricultura, telescola, formação profissional, alfabetização, cultura tradicional, história, ambiente e ecoturismo, promovendo o acesso directo da população a um orgão de comunicação, resgatando valores culturais das diferentes etnias, permitindo o conhecimento de informações e programas relevantes de desenvolvimento local.
Serão difundidos programas de formação de jovens poceiros, técnicos de energia solar, carpinteiros, pedreiros, a divulgação de programas agrícolas com vista à melhoria das técnicas de cultura das principais produções, da sua protecção vegetal natural, do uso de fertilizantes orgânicos, da introdução de novas espécies de interesse económico e nutritivo e de técnicas de conservação e transformação em compotas, farinhas e óleos.
Foto da inauguração da TV de Cantanhez
Fotos © retirados do site da AD (2007)
AD - Acção para o Desenvolvimento (Guiné-Bissau)
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Nota de CV:
(1) Afonso M. F. Sousa, ex-Fur Mil Trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro) (1968/70
sábado, 8 de dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)
1. Em meados deste ano, apresentou-se o soldado de Transmissões de Infantaria da CART 730/BART 733, Artur Conceição. Soldado de Transmissões de Infantaria numa Companhia de Artilharia ? Interrogou-se o nosso editor Carlos Vinhal.
Recordemos a resposta do Artur:
Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,
Sou o Artur António da Conceição. Estive na Guiné de 65 a 67. O Carlos Vinhal perguntava-me no mail de boas vindas “o que fazia um militar que tinha duas especialidades: ser condutor e ainda exercer a especialidade de transmissões, devia ser complicado.”
Aqui vai a minha resposta: O que fazia um soldado de Transmissões de Infantaria Condutor Auto, numa Companhia de Artilharia, na Guiné nos anos de 65/67?
Fui incorporado no CICA4 em Coimbra em 21 de Outubro de 1963. Em 1963 começava a Guerra na Guiné, em Angola já ia com dois anos e em Moçambique ainda não tinha começado.
Quem nesta fase tinha conhecimentos práticos da guerra que nos esperava ? É nesta época que aparecem umas especialidades meio esquisitas, ou seja, faziam moda sem se pensar na sua utilidade prática.
Eu nunca vi nenhum condutor a conduzir com um AN/PRC-10 às costas!!!...Tal como muitas modas também esta não pegou!!! Mas no 4º turno de 63 e no primeiro de 64, penso que não houve mais, saíram: Transmissões Inf Condutor Auto, Radiotelegrafista Condutor Auto, Ponteneiro Condutor Auto e Auxiliar de Serviço Religioso Condutor Auto.
As duas últimas ainda teriam alguma razão de existir, agora as duas primeiras não me parece que fizessem muito sentido. Deveria ser muito interessante ir a conduzir com uma mão e com uma chave de Morse na outra, ou debaixo de fogo a tremer como varas verdes e a comunicar em Morse. Havia de sair uma coisa jeitosa!...
Na Guiné tanto eu como os restantes Transmissões Condutor Auto fazíamos parte da Secção de Transmissões, que era composta por um Furriel, um 1º Cabo Cripto, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas condutor auto, um 1º Cabo de Transmissões, um soldado de Transmissões, e dois soldados de Transmissões condutor auto.
Em termos de funções, fazíamos todos a mesma coisa, inclusive cripto quando era necessário. Como eu era de 1963, e todos os restantes eram de 1964, ainda me calhou em sorte fazer a escala e tomar conta do material. Prémio de especialidade, era só para os radiotelegrafistas.
A minha Companhia chegou à Guiné em Outubro de 64, eu só cheguei em Fevereiro de 65, e fui logo direitinho a Bissorã em coluna militar com os primeiros tiros pelo caminho, entre Mansoa e Bissorã.
Depois de algumas operações com emboscadas e alguns ataques durante dois meses, fomos parar a Jumbembem. Em Jumbembem a estadia não foi muito má em termos de operações com emboscadas ou ataques ao aquartelamento.
Nessa altura a zona Norte era calma, dado que fazia fronteira com o Senegal. Quando em coluna para ir a Farim gastar uns pesos, ou ficar a manter a segurança junto ao rio Lamel, ou ir a Canjambari, utilizava-se um AN/GRC-9 instalado num Unimog com fundo em sacos de areia e paredes de chapas de bidon recheadas de areia; mas o condutor ia no lugar do morto.
Em Agosto de 1966 a minha Companhia regressou com 22 meses de comissão, e até essa data quem tivesse 16 meses de Guiné vinha também embora. Acontece que nesta data chegou directiva no sentido de que quem não tivesse ido de início teria de ficar até completar 24 meses. Como eu era um rapaz cheio de sorte e como ainda tinha pouco tempo de tropa, tive de gramar mais 6 meses.
Fiquei dois meses no QG (Quartel General) onde tinha como tarefa uma vez por dia e cerca das 18 horas, apanhar a Press Lusitana. Todos os dias ouvia sermão do então Capitão Garcia dos Santos (2) porque só apanhava as notícias desportivas e pouco mais.
Eu estava demasiado cansado e depois de 18 meses de mato não era o mais indicado para aquela tarefa, e fui substituído por um fresquinho acabado de chegar de Lisboa.
Os últimos quatro meses fiz serviço na PIDE em Bissau. Nessa altura os postos da PIDE estavam equipados com Emissores/Receptores de capacidade muito superior aos das NT, que eram na altura o AN/GRC-9.
Se acontecesse um ataque numa unidade do mato que precisasse de pedir socorro e o seu rádio não fosse suficiente, recorria ao posto da PIDE para comunicar com Bissau. Era minha missão fazer a ponte para o QG. Nunca aconteceu...
Como tinha de estar oito horas de serviço por dia em sistema de turnos, com uma folga no final, tinha de ter qualquer coisa para entreter. Quando o turno era de dia batia-se à máquina tudo o que era dito pela Rádio Argel e pela Rádio Moscovo, que tinha sido previamente gravado numa fita magnética. Quando era de noite, fazia o meu trabalho e o do operador da PIDE, e ainda dava para passar pelas brasas.
Como era minha intenção não voltar para a mesma actividade que tinha antes do serviço militar, fui-me valorizando profissionalmente, e no fim de quatro meses utilizava bem uma máquina de escrever e uma chave de Morse, porque protegido como estava a mão não me tremia.
Fui convidado para ficar, mas eu agradeci muito e fugi a sete pés. Também não eram esses os meus planos. Em Jumbembem utilizava-se só Fonia, porque para transmitir grafia não se pode tremer, e eu tremia em permanência. O meu amigo Saramago chamava-me o gelatina.
E era mais ou menos isto o que fazia um soldado de Transmissões Condutor Auto.
2. O Artur Conceição esteve num Batalhão que, como muitos outros, passou por Brá numa primeira fase. Dispersou as companhias pela intervenção, até lhe ser atribuída a zona de Farim e distribuiu-as por Farim (sede do Batalhão), Jumbembem e Cuntima (Colina do Norte).
Foi um Batalhão que deixou história, com muito para contar. E o Artur voltou, estes meses depois, a enviar-nos nova mensagem.
Meus Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote
Se entenderem que o conteúdo possa ter implicações, de ordem afectiva ou outras por parte dos familiares, não incluam no blogue.
Um abraço,
Artur Conceição
Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros
por Artur Conceição
Pela manhã realizou-se a habitual ida a Farim para levar o correio com destino à Metrópole. Já se encontrava em Jumbembem a Companhia que iria render a CART 730, e cujo número não me recordo.
O correio com destino à CART 730 havia sido entregue como habitual, dois dias antes, a partir de uma avioneta que largava os sacos, mas como a Companhia de rendição ainda não tinha assentado arraiais, o seu correio tinha ficado em Farim, onde era preciso ir buscá-lo para distribuição.
A Companhia que ia render a CART 730 tinha chegado cerca de uma semana antes e foi recebida sem qualquer euforia, que seria mais do que natural, mas talvez tivesse havido um grande respeito por quem chegava e que tinha ainda 2 anos de Guiné pela frente. Pairava no ambiente um certo desalento face ao comando da Companhia entre os homens que nos iam render.
Eu próprio tive uma situação bem complicada, ao ser advertido por estar a colocar água nas baterias que alimentavam o posto de rádio e que se encontravam ligadas em série e depois em paralelo de modo a garantirem 12 volts no terminal, que era a voltagem a que trabalhavam os AN/GRC-9. No entender de quem me dirigia tal advertência o que deveria ser colocado nas baterias seria petróleo e não água, para não enferrujar as baterias. Pelo que estaria a danificar o material intencionalmente.
Era habitual na distribuição de correio ser feita uma separação prévia por classes. O correio dos Oficiais ia para um lado, o dos Sargentos para o outro e finalmente o das praças era distribuído através de chamada pelo 1º Cabo escriturário ou pelo Sargento dia.
A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado.
O Capitão Rui António Nuno Romero tinha sido vítima de acidente mortal com arma de fogo. No chão estavam espalhadas várias cartas e também muitas fotos.
Perante o cenário, a minha reacção foi de fuga. Não me perguntem porquê. Porque ainda hoje não consigo explicar. Como estava de serviço tive de regressar rapidamente ao meu posto para enviar o pedido de evacuação. Foi a única vez que enviei uma mensagem com grau de urgência Zulu.
A foto recorda o momento da evacuação, onde se pode ver uma das nossas enfermeiras páraquedistas, e que, nesse tempo na Guiné, não seriam uma dezena. Foto de Artur Conceição. Direitos reservados.
4. No mesmo dia respondemos:
Artur, Caro Camarada,
Compreende-se o cuidado que pões na tua mensagem. E, no entanto, o facto ocorreu, estavas lá, foste testemunha. Também ouvi falar do caso, embora as minhas memórias já não sejam muito precisas. Que não foi caso único.
Os nossos Camaradas têm estado calados sobre casos idênticos, mas enquanto lá estive, tive conhecimento de um ou outro acidente desse género. Tinha-se-me varrido o caso do Cap Rui Romero e, ao ler a tua mensagem, num instante, veio-me à memória.(...)
Se pertenceste ao BART 733 tens muito para contar. O vosso Batalhão andou por quase toda a Guiné, esteve uns tempos baseado em Brá, com as companhias em intervenção, até renderem o BCAV 490 (o do Como) em Farim, Jumbembem e Cuntima. As minhas memórias estão correctas?
Quanto á publicação do sucedido com o nosso infeliz Camarada Rui Romero e, tal com tem acontecido com tantos outros casos (a guerra também foi feita de casos desses), não vejo impedimento em apresentar um testemunho público. E a família teve certamente conhecimento da forma como ocorreu.
Um abraço, Camarada Artur. Se quiseres tens muito para contar, porque o teu Batalhão foi um actor muito interveniente naqueles tempos.
vb
5. Na volta, responde o Artur Conceição
Caro Camarada V. Briote
Todas as tuas memórias estão correctas. Já lá vai tanto tempo que por vezes até nos interrogamos se terá sido mesmo assim.
O BART 733 havia partido para a Guiné em Outubro de 1964, e era comandado pelo Tenente-Coronel Glória Alves, que já tinha sido meu comandante no RI 11 em Setúbal, tendo sido substituído pelo então Major Carvalho Fernandes e que era o segundo comandante.
Só cheguei à Guiné no dia 17 de Fevereiro de 1965, e nesse mesmo dia fui levado para Brá onde se encontrava a CCS do BART 733.
O Artur com o Capelão que celebrou a missa, em Brá no dia 18 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa
Três dias depois 20 de Fevereiro (sábado) passava por cima de Brá a caminho do Hospital um helicóptero que transportava o Baleizão (Manuel Graça Bexiga Troncão, era o seu nome), atingido mortalmente, e mais dois camaradas feridos, pertencentes à CArt 730 que nesse dia andava em intervenção na zona do Olossato.
Dois dias depois, segunda-feira segui em coluna para Bissorã onde se encontrava a minha companhia e que partilhava as instalações locais com uma Companhia do BCAV 645 (*), Águias Negras, comandado pelo Tenente-Coronel Henrique Calado.
No sábado a seguir, quando já tudo se preparava para ir dormir, houve ordem para preparar para uma saída para o mato. Foi toda a noite a andar sem saber muito bem por onde, uma vez fomos enganados pelos guias, e acabámos por envolver ao amanhecer um objectivo que não era o desejado. O João Parreira não achou piada nenhuma...
Fomos esperados no caminho de regresso onde levamos porrada e cerca das duas da manhã foram fazer-nos uma visita a Bissorã. Este ataque a Bissorã aconteceu de Domingo de Carnaval, dia 28 de Fevereiro, para segunda-feira.
Depois de participar em mais algumas operações de risco descontrolei o sistema nervoso e entrei em estado de hipotermia. Quem diria... Com um calor daqueles!...
O Dr. Afonso perante tal situação mandou-me em consulta externa para o Hospital de Bissau. Durante algum tempo estive em Brá onde se encontrava a CCS do Bart 733.
Lembro-me muito bem dos três grupos de Comandos que partilhavam o mesmo refeitório, em horários diferentes, e que ficava do lado direito quando se entrava no aquartelamento. Era um luxo…! Até comíamos em pratos….!
Também me lembro de um protesto dos Comandos por causa da alimentação que pôs tudo em sentido. Já lá estarias nesta altura? Deve ter acontecido em Abril de 1965. De camaradas dos Comandos, só me lembro do Furriel Joaquim Carlos Morais, que namorava uma enfermeira pára-quedista, vitimado numa sexta-feira pela manhã, no dia 7 de Maio de 1965, e do Vila Franca, por ter assistido a um episódio com ele que me deixou incrédulo.
Na consulta externa era assistido por um psiquiatra de seu nome Pimenta, natural de Coimbra, e que foi de facto extraordinário.
Num dia em que tinha consulta, quando cheguei ao Hospital estavam a chegar feridos graves, e um deles necessitava de uma transfusão directa porque os médicos iam ter de lhe cortar uma das pernas. Aceitei o desafio com coragem embora não tivesse sido fácil.
Não sei o seu nome nem o seu posto porque nunca mais voltei a entrar no Hospital, mas sei que era um camarada nosso que estava muito pior do que eu.
Estava na maca quando o Dr Pimenta deu por mim. Deu-me alguma coragem e disse que depois me esperava quando eu saísse do bloco.
Tivemos uma conversa prolongada e ele perguntou-me se eu já me sentia em condições de voltar para o mato sem ter problemas.
Entretanto a CCS já tinha ido para Farim, e em Brá só tinham ficado dois quarteleiros para tomar conta de algum material, e deixaram-me órfão. A CART 730 tinha partido de Bissorã rumo a Jumbembem. As alternativas eram poucas, e nestas condições aceitei ir-me embora.
Dois ou três dias depois enfiaram-me num caixote voador rumo a Farim. Fiquei alguns dias em Farim, e quando pedi alojamento mandaram-me para um grande armazém que nem portas tinha, onde havia umas camas e uns colchões empilhados. Montei uma cama com um colchão em cima, e tentei dormir. Não tinha lençóis, nem manta nem mosquiteiro e durante a noite acordava para matar os percevejos com uma tábua de uma caixa de batatas, antes que me furassem a roupa que tinha vestida.
Quando veio coluna da CART 730 a Farim, lá fui rumo a Jumbembem onde estive durante cerca de 15 meses sem problemas de maior.
Missa celebrada pelo Capelão do 733, no refeitório da CART 730, em Jumbembem
Em Jumbembem em cima de um barracão que serviu de caserna nos primeiros tempos, que ficava logo a seguir ao aquartelamento do lado direito, na estrada que dava para Cuntima. Eu sou o que está de boina e camuflado, do meu lado direito está o Norberto que era do Pelotão de Camjambari e que tinham vindo para Jumbembem por troca de um pelotão da CART 730, para recuperar fôlego. Do meu lado esquerdo está o Cabo cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre e que era Sabatista. Mais ao lado o Morais Castela que era natural de Viseu. Na queda o meu grande amigo Guilherme Augusto LEAL Chagas que é natural de Elvas.
Menciono aqui o nome do Major Carvalho Fernandes, e quero deixar a promessa de que um dia falarei deste grande amigo, porque entre os militares do Q.P. também havia homens muito bons, que não podemos nem devemos esquecer.
O dia hoje não está famoso, mas prometo que na próxima contarei coisas mais divertidas.
Um grande abraço,
Artur António da Conceição
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Nota de vb: vd posts:
(1) Sobre o Artur Conceição vd. posts.
Guiné 63/74 - P2291: Convívios (36): XII Convívio dos combatentes da Freguesia de Campia, no dia 10 de Novembro de 2007 (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1989: Homenagem ao António da Silva Batista (Artur Conceição, CART 730, Jumbembem, 1965/67)
Guiné 63/74 - P1824: O Aeroporto de Jumbembem e os ecologistas 'avant la lettre' (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)
(2) Tenente coronel na altura do 25 de Abrild e 1974, fez parte, com Otelo Saraiva de Carvalho, do Estdao Maior do MFA (Movimento das Forças Armadas), sendo o responsável pelo plano de transmissões. Hoje é general na reforma. É o presidente da Assembleia Geral da Associação 25 de Abril.
(*) Deve ler-se: "...com a Cart 643, comandada pelo Cap Ricardo Lopes da Silveira, e que pertencia ao BART 645 'Águias Negras'."Agradecemos ao Abreu dos Santos a correcção.
Recordemos a resposta do Artur:
Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,
Sou o Artur António da Conceição. Estive na Guiné de 65 a 67. O Carlos Vinhal perguntava-me no mail de boas vindas “o que fazia um militar que tinha duas especialidades: ser condutor e ainda exercer a especialidade de transmissões, devia ser complicado.”
Aqui vai a minha resposta: O que fazia um soldado de Transmissões de Infantaria Condutor Auto, numa Companhia de Artilharia, na Guiné nos anos de 65/67?
Fui incorporado no CICA4 em Coimbra em 21 de Outubro de 1963. Em 1963 começava a Guerra na Guiné, em Angola já ia com dois anos e em Moçambique ainda não tinha começado.
Quem nesta fase tinha conhecimentos práticos da guerra que nos esperava ? É nesta época que aparecem umas especialidades meio esquisitas, ou seja, faziam moda sem se pensar na sua utilidade prática.
Eu nunca vi nenhum condutor a conduzir com um AN/PRC-10 às costas!!!...Tal como muitas modas também esta não pegou!!! Mas no 4º turno de 63 e no primeiro de 64, penso que não houve mais, saíram: Transmissões Inf Condutor Auto, Radiotelegrafista Condutor Auto, Ponteneiro Condutor Auto e Auxiliar de Serviço Religioso Condutor Auto.
As duas últimas ainda teriam alguma razão de existir, agora as duas primeiras não me parece que fizessem muito sentido. Deveria ser muito interessante ir a conduzir com uma mão e com uma chave de Morse na outra, ou debaixo de fogo a tremer como varas verdes e a comunicar em Morse. Havia de sair uma coisa jeitosa!...
Na Guiné tanto eu como os restantes Transmissões Condutor Auto fazíamos parte da Secção de Transmissões, que era composta por um Furriel, um 1º Cabo Cripto, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas condutor auto, um 1º Cabo de Transmissões, um soldado de Transmissões, e dois soldados de Transmissões condutor auto.
Em termos de funções, fazíamos todos a mesma coisa, inclusive cripto quando era necessário. Como eu era de 1963, e todos os restantes eram de 1964, ainda me calhou em sorte fazer a escala e tomar conta do material. Prémio de especialidade, era só para os radiotelegrafistas.
A minha Companhia chegou à Guiné em Outubro de 64, eu só cheguei em Fevereiro de 65, e fui logo direitinho a Bissorã em coluna militar com os primeiros tiros pelo caminho, entre Mansoa e Bissorã.
Depois de algumas operações com emboscadas e alguns ataques durante dois meses, fomos parar a Jumbembem. Em Jumbembem a estadia não foi muito má em termos de operações com emboscadas ou ataques ao aquartelamento.
Nessa altura a zona Norte era calma, dado que fazia fronteira com o Senegal. Quando em coluna para ir a Farim gastar uns pesos, ou ficar a manter a segurança junto ao rio Lamel, ou ir a Canjambari, utilizava-se um AN/GRC-9 instalado num Unimog com fundo em sacos de areia e paredes de chapas de bidon recheadas de areia; mas o condutor ia no lugar do morto.
Em Agosto de 1966 a minha Companhia regressou com 22 meses de comissão, e até essa data quem tivesse 16 meses de Guiné vinha também embora. Acontece que nesta data chegou directiva no sentido de que quem não tivesse ido de início teria de ficar até completar 24 meses. Como eu era um rapaz cheio de sorte e como ainda tinha pouco tempo de tropa, tive de gramar mais 6 meses.
Fiquei dois meses no QG (Quartel General) onde tinha como tarefa uma vez por dia e cerca das 18 horas, apanhar a Press Lusitana. Todos os dias ouvia sermão do então Capitão Garcia dos Santos (2) porque só apanhava as notícias desportivas e pouco mais.
Eu estava demasiado cansado e depois de 18 meses de mato não era o mais indicado para aquela tarefa, e fui substituído por um fresquinho acabado de chegar de Lisboa.
Os últimos quatro meses fiz serviço na PIDE em Bissau. Nessa altura os postos da PIDE estavam equipados com Emissores/Receptores de capacidade muito superior aos das NT, que eram na altura o AN/GRC-9.
Se acontecesse um ataque numa unidade do mato que precisasse de pedir socorro e o seu rádio não fosse suficiente, recorria ao posto da PIDE para comunicar com Bissau. Era minha missão fazer a ponte para o QG. Nunca aconteceu...
Como tinha de estar oito horas de serviço por dia em sistema de turnos, com uma folga no final, tinha de ter qualquer coisa para entreter. Quando o turno era de dia batia-se à máquina tudo o que era dito pela Rádio Argel e pela Rádio Moscovo, que tinha sido previamente gravado numa fita magnética. Quando era de noite, fazia o meu trabalho e o do operador da PIDE, e ainda dava para passar pelas brasas.
Como era minha intenção não voltar para a mesma actividade que tinha antes do serviço militar, fui-me valorizando profissionalmente, e no fim de quatro meses utilizava bem uma máquina de escrever e uma chave de Morse, porque protegido como estava a mão não me tremia.
Fui convidado para ficar, mas eu agradeci muito e fugi a sete pés. Também não eram esses os meus planos. Em Jumbembem utilizava-se só Fonia, porque para transmitir grafia não se pode tremer, e eu tremia em permanência. O meu amigo Saramago chamava-me o gelatina.
E era mais ou menos isto o que fazia um soldado de Transmissões Condutor Auto.
2. O Artur Conceição esteve num Batalhão que, como muitos outros, passou por Brá numa primeira fase. Dispersou as companhias pela intervenção, até lhe ser atribuída a zona de Farim e distribuiu-as por Farim (sede do Batalhão), Jumbembem e Cuntima (Colina do Norte).
Foi um Batalhão que deixou história, com muito para contar. E o Artur voltou, estes meses depois, a enviar-nos nova mensagem.
Meus Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote
Se entenderem que o conteúdo possa ter implicações, de ordem afectiva ou outras por parte dos familiares, não incluam no blogue.
Um abraço,
Artur Conceição
Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros
por Artur Conceição
Pela manhã realizou-se a habitual ida a Farim para levar o correio com destino à Metrópole. Já se encontrava em Jumbembem a Companhia que iria render a CART 730, e cujo número não me recordo.
O correio com destino à CART 730 havia sido entregue como habitual, dois dias antes, a partir de uma avioneta que largava os sacos, mas como a Companhia de rendição ainda não tinha assentado arraiais, o seu correio tinha ficado em Farim, onde era preciso ir buscá-lo para distribuição.
A Companhia que ia render a CART 730 tinha chegado cerca de uma semana antes e foi recebida sem qualquer euforia, que seria mais do que natural, mas talvez tivesse havido um grande respeito por quem chegava e que tinha ainda 2 anos de Guiné pela frente. Pairava no ambiente um certo desalento face ao comando da Companhia entre os homens que nos iam render.
Eu próprio tive uma situação bem complicada, ao ser advertido por estar a colocar água nas baterias que alimentavam o posto de rádio e que se encontravam ligadas em série e depois em paralelo de modo a garantirem 12 volts no terminal, que era a voltagem a que trabalhavam os AN/GRC-9. No entender de quem me dirigia tal advertência o que deveria ser colocado nas baterias seria petróleo e não água, para não enferrujar as baterias. Pelo que estaria a danificar o material intencionalmente.
Era habitual na distribuição de correio ser feita uma separação prévia por classes. O correio dos Oficiais ia para um lado, o dos Sargentos para o outro e finalmente o das praças era distribuído através de chamada pelo 1º Cabo escriturário ou pelo Sargento dia.
A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado.
O Capitão Rui António Nuno Romero tinha sido vítima de acidente mortal com arma de fogo. No chão estavam espalhadas várias cartas e também muitas fotos.
Perante o cenário, a minha reacção foi de fuga. Não me perguntem porquê. Porque ainda hoje não consigo explicar. Como estava de serviço tive de regressar rapidamente ao meu posto para enviar o pedido de evacuação. Foi a única vez que enviei uma mensagem com grau de urgência Zulu.
A foto recorda o momento da evacuação, onde se pode ver uma das nossas enfermeiras páraquedistas, e que, nesse tempo na Guiné, não seriam uma dezena. Foto de Artur Conceição. Direitos reservados.
4. No mesmo dia respondemos:
Artur, Caro Camarada,
Compreende-se o cuidado que pões na tua mensagem. E, no entanto, o facto ocorreu, estavas lá, foste testemunha. Também ouvi falar do caso, embora as minhas memórias já não sejam muito precisas. Que não foi caso único.
Os nossos Camaradas têm estado calados sobre casos idênticos, mas enquanto lá estive, tive conhecimento de um ou outro acidente desse género. Tinha-se-me varrido o caso do Cap Rui Romero e, ao ler a tua mensagem, num instante, veio-me à memória.(...)
Se pertenceste ao BART 733 tens muito para contar. O vosso Batalhão andou por quase toda a Guiné, esteve uns tempos baseado em Brá, com as companhias em intervenção, até renderem o BCAV 490 (o do Como) em Farim, Jumbembem e Cuntima. As minhas memórias estão correctas?
Quanto á publicação do sucedido com o nosso infeliz Camarada Rui Romero e, tal com tem acontecido com tantos outros casos (a guerra também foi feita de casos desses), não vejo impedimento em apresentar um testemunho público. E a família teve certamente conhecimento da forma como ocorreu.
Um abraço, Camarada Artur. Se quiseres tens muito para contar, porque o teu Batalhão foi um actor muito interveniente naqueles tempos.
vb
5. Na volta, responde o Artur Conceição
Caro Camarada V. Briote
Todas as tuas memórias estão correctas. Já lá vai tanto tempo que por vezes até nos interrogamos se terá sido mesmo assim.
O BART 733 havia partido para a Guiné em Outubro de 1964, e era comandado pelo Tenente-Coronel Glória Alves, que já tinha sido meu comandante no RI 11 em Setúbal, tendo sido substituído pelo então Major Carvalho Fernandes e que era o segundo comandante.
Só cheguei à Guiné no dia 17 de Fevereiro de 1965, e nesse mesmo dia fui levado para Brá onde se encontrava a CCS do BART 733.
O Artur com o Capelão que celebrou a missa, em Brá no dia 18 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa
Três dias depois 20 de Fevereiro (sábado) passava por cima de Brá a caminho do Hospital um helicóptero que transportava o Baleizão (Manuel Graça Bexiga Troncão, era o seu nome), atingido mortalmente, e mais dois camaradas feridos, pertencentes à CArt 730 que nesse dia andava em intervenção na zona do Olossato.
Dois dias depois, segunda-feira segui em coluna para Bissorã onde se encontrava a minha companhia e que partilhava as instalações locais com uma Companhia do BCAV 645 (*), Águias Negras, comandado pelo Tenente-Coronel Henrique Calado.
No sábado a seguir, quando já tudo se preparava para ir dormir, houve ordem para preparar para uma saída para o mato. Foi toda a noite a andar sem saber muito bem por onde, uma vez fomos enganados pelos guias, e acabámos por envolver ao amanhecer um objectivo que não era o desejado. O João Parreira não achou piada nenhuma...
Fomos esperados no caminho de regresso onde levamos porrada e cerca das duas da manhã foram fazer-nos uma visita a Bissorã. Este ataque a Bissorã aconteceu de Domingo de Carnaval, dia 28 de Fevereiro, para segunda-feira.
Depois de participar em mais algumas operações de risco descontrolei o sistema nervoso e entrei em estado de hipotermia. Quem diria... Com um calor daqueles!...
O Dr. Afonso perante tal situação mandou-me em consulta externa para o Hospital de Bissau. Durante algum tempo estive em Brá onde se encontrava a CCS do Bart 733.
Lembro-me muito bem dos três grupos de Comandos que partilhavam o mesmo refeitório, em horários diferentes, e que ficava do lado direito quando se entrava no aquartelamento. Era um luxo…! Até comíamos em pratos….!
Também me lembro de um protesto dos Comandos por causa da alimentação que pôs tudo em sentido. Já lá estarias nesta altura? Deve ter acontecido em Abril de 1965. De camaradas dos Comandos, só me lembro do Furriel Joaquim Carlos Morais, que namorava uma enfermeira pára-quedista, vitimado numa sexta-feira pela manhã, no dia 7 de Maio de 1965, e do Vila Franca, por ter assistido a um episódio com ele que me deixou incrédulo.
Na consulta externa era assistido por um psiquiatra de seu nome Pimenta, natural de Coimbra, e que foi de facto extraordinário.
Num dia em que tinha consulta, quando cheguei ao Hospital estavam a chegar feridos graves, e um deles necessitava de uma transfusão directa porque os médicos iam ter de lhe cortar uma das pernas. Aceitei o desafio com coragem embora não tivesse sido fácil.
Não sei o seu nome nem o seu posto porque nunca mais voltei a entrar no Hospital, mas sei que era um camarada nosso que estava muito pior do que eu.
Estava na maca quando o Dr Pimenta deu por mim. Deu-me alguma coragem e disse que depois me esperava quando eu saísse do bloco.
Tivemos uma conversa prolongada e ele perguntou-me se eu já me sentia em condições de voltar para o mato sem ter problemas.
Entretanto a CCS já tinha ido para Farim, e em Brá só tinham ficado dois quarteleiros para tomar conta de algum material, e deixaram-me órfão. A CART 730 tinha partido de Bissorã rumo a Jumbembem. As alternativas eram poucas, e nestas condições aceitei ir-me embora.
Dois ou três dias depois enfiaram-me num caixote voador rumo a Farim. Fiquei alguns dias em Farim, e quando pedi alojamento mandaram-me para um grande armazém que nem portas tinha, onde havia umas camas e uns colchões empilhados. Montei uma cama com um colchão em cima, e tentei dormir. Não tinha lençóis, nem manta nem mosquiteiro e durante a noite acordava para matar os percevejos com uma tábua de uma caixa de batatas, antes que me furassem a roupa que tinha vestida.
Quando veio coluna da CART 730 a Farim, lá fui rumo a Jumbembem onde estive durante cerca de 15 meses sem problemas de maior.
Missa celebrada pelo Capelão do 733, no refeitório da CART 730, em Jumbembem
Em Jumbembem em cima de um barracão que serviu de caserna nos primeiros tempos, que ficava logo a seguir ao aquartelamento do lado direito, na estrada que dava para Cuntima. Eu sou o que está de boina e camuflado, do meu lado direito está o Norberto que era do Pelotão de Camjambari e que tinham vindo para Jumbembem por troca de um pelotão da CART 730, para recuperar fôlego. Do meu lado esquerdo está o Cabo cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre e que era Sabatista. Mais ao lado o Morais Castela que era natural de Viseu. Na queda o meu grande amigo Guilherme Augusto LEAL Chagas que é natural de Elvas.
Menciono aqui o nome do Major Carvalho Fernandes, e quero deixar a promessa de que um dia falarei deste grande amigo, porque entre os militares do Q.P. também havia homens muito bons, que não podemos nem devemos esquecer.
O dia hoje não está famoso, mas prometo que na próxima contarei coisas mais divertidas.
Um grande abraço,
Artur António da Conceição
__________
Nota de vb: vd posts:
(1) Sobre o Artur Conceição vd. posts.
Guiné 63/74 - P2291: Convívios (36): XII Convívio dos combatentes da Freguesia de Campia, no dia 10 de Novembro de 2007 (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1989: Homenagem ao António da Silva Batista (Artur Conceição, CART 730, Jumbembem, 1965/67)
Guiné 63/74 - P1824: O Aeroporto de Jumbembem e os ecologistas 'avant la lettre' (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)
(2) Tenente coronel na altura do 25 de Abrild e 1974, fez parte, com Otelo Saraiva de Carvalho, do Estdao Maior do MFA (Movimento das Forças Armadas), sendo o responsável pelo plano de transmissões. Hoje é general na reforma. É o presidente da Assembleia Geral da Associação 25 de Abril.
(*) Deve ler-se: "...com a Cart 643, comandada pelo Cap Ricardo Lopes da Silveira, e que pertencia ao BART 645 'Águias Negras'."Agradecemos ao Abreu dos Santos a correcção.
Guiné 63/74 - P2334: Encontro de ex-combatentes, em Lisboa, no restaurante "Pelicano Dourado" (A.Marques Lopes)
Foto 1> Restaurante Pelicano Dourado de Joaquim Djassi, ontem combatente do PAIGC e hoje imigrante integrado na sociedade portuguesa.
1. Mensagem do camarada Marques Lopes (1) do dia 4 de Dezembro, dando-nos conta de um jantar, de ex-combatentes da Guiné, em Lisboa, no Restaurante Pelicano Dourado.
No dia 1 de Dezembro passado estivemos no Pelicano Dourado, restaurante que o Joaquim Djassi tem na Zona J de Chelas, em Lisboa.
Foto 2> Os presentes: Marques Lopes, o António Pimentel, o Xico Allen, o Braima Baldé, o Hugo Moura Ferreira e, claro, o Joaquim Djassi.
Foto 3> António Pimentel, Marques Lopes, Braima Baldé (de pé) e Joaquim Djassi
Foto 5> Para quem não sabe (eu também não sabia) este peixe chama-se "bentana". A D. Leontina Pontes (natural de Catió), mulher do Joaquim Djassi, explicou-nos que é um peixe que é apanhado nas bolanhas da Guiné-Bissau e vem para cá de avião. O prato é acompanhado com banana verde e mandioca. Mas foi o aperitivo, pois o prato forte foi chabéu de frango.
Foto 2> Os presentes: Marques Lopes, o António Pimentel, o Xico Allen, o Braima Baldé, o Hugo Moura Ferreira e, claro, o Joaquim Djassi.
Foto 3> António Pimentel, Marques Lopes, Braima Baldé (de pé) e Joaquim Djassi
Foto 4> O Xico Allen, à direita em conversa com o António Pimentel, Marques Lopes e Joaquim Djassi.
Uns já são conhecidos, mas há que dizer quem são os desconhecidos: o fula Braima Baldé, que foi ferido em combate em Buba, foi soldado na CCAÇ 763, que foi substituída pela CCAÇ 1621 onde esteve o Hugo Moura Ferreira; o beafada Joaquim Djassi foi um guerrilheiro do PAIGC, sob o comando do Gazela, e foi um dos que entrou em Guiledje depois de nós sairmos.
Diz ele que encontraram manga de cervejas, whisky e latas de conservas.
O Braima Baldé continua com ligações à Guiné-Bissau, para onde se desloca com frequência.
O Joaquim Djassi não. É doente renal (tinha regressado de uma sessão de hemodiálise quando nós chegámos) e diz com mágoa que se estivesse no seu país já tinha morrido certamente...
Falámos de mais coisas, naturalmente.
Foto 5> Para quem não sabe (eu também não sabia) este peixe chama-se "bentana". A D. Leontina Pontes (natural de Catió), mulher do Joaquim Djassi, explicou-nos que é um peixe que é apanhado nas bolanhas da Guiné-Bissau e vem para cá de avião. O prato é acompanhado com banana verde e mandioca. Mas foi o aperitivo, pois o prato forte foi chabéu de frango.
Fotos © de Xico Allen, Braima Baldé, Marques Lopes e Hugo M. Ferreira (2007)
Abraços
A. Marques Lopes
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Nota de CV:
(1) Vd. post de 5 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2329: O Hino de Gandembel cantado ao vivo na já famosa Casa Teresa, em Matosinhos, sede da delegação Norte da Tabanca Grande
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2333: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra, em Coimbra (Fernando Barata)
1. Mensagem do Fernando Barata:
Luís,
Apetece-me dizer: "foi bonita a festa, pá".
Em relação ao documentário pouco devo acrescentar por duas razões. Primeiro, tu tiveste o privilégio de o ver e sabes a obra-prima que ali está, até pelo facto de, finalmente, termos a visão do outro lado, lado esse que, por vezes, tinha tanto de comum com o nosso: o inimigo, que dava pelo nome de obstinação salazarenta e que não teve visão para acompanhar os ventos da História.
Depois, sinto-me pequenino para analisar tamanha obra. Mas se me pedirem para numa palavra a definir direi: WIKIPÉDIA, porque nela tu encontras tudo sobre a Guerra Colonial na Guiné.
Foi, também, agradável ver aquele anfiteatro compostinho essencialmente por gente jovem, alunos daquela instituição da qual me orgulho ter pertencido, mesclado por aproximadamente 20 cinquentões, nos quais eu via Luíses Graças.
Conhecidos ou que se apresentaram como tabanquistas: o Vítor David,o Carlos Oliveira Santos (sempre com as suas intervenções polémicas e inflamadas), o Martins Julião, o Idálio Reis (intervenção comovida e comovente), o Delfim Rodrigues e o Carlos M. Santos.
Tivemos o privilégio de, no debate coordenado pelo Professor José Manuel Pureza, terem participado a Diana Andringa, que pôs todo o enlevo na obra que criou – e como ela se deve sentir orgulhosa, juntamente com o Flora Gomes; o Major-General Pezarat Correia, com uma exposição académica enriquecida pelo facto de conhecer in loco o terreno que estava em discussão; Sílvia Roque, doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos, numa análise do conceito de paz centrada na realidade que estava, de momento, a ser discutida e Julião Sousa, também doutorando, que se debruçou sobre a figura ímpar de Amílcar Cabral.
Pela forma como tudo decorreu está de parabéns o Núcleo de Estudos para a Paz.
A Diana estava feliz. Diz o poeta que Coimbra é uma lição, só que desta vez a lição foi a Diana quem a deu, mas em Coimbra, valha-nos isso (1).
Aquele abraço,
Fernando Barata
___________
Nota de vb:
(1) vd posts de:
Guiné 63/74 - P2314: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (2): Coimbra, 4 de Dezembro, 14h30, auditório da FE/UC (Fernando Barata)
13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2262: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (1): Castro Verde (16/11) e Coimbra (4/12) (Diana Andringa / Fernando Barata)
Luís,
Apetece-me dizer: "foi bonita a festa, pá".
Em relação ao documentário pouco devo acrescentar por duas razões. Primeiro, tu tiveste o privilégio de o ver e sabes a obra-prima que ali está, até pelo facto de, finalmente, termos a visão do outro lado, lado esse que, por vezes, tinha tanto de comum com o nosso: o inimigo, que dava pelo nome de obstinação salazarenta e que não teve visão para acompanhar os ventos da História.
Depois, sinto-me pequenino para analisar tamanha obra. Mas se me pedirem para numa palavra a definir direi: WIKIPÉDIA, porque nela tu encontras tudo sobre a Guerra Colonial na Guiné.
Foi, também, agradável ver aquele anfiteatro compostinho essencialmente por gente jovem, alunos daquela instituição da qual me orgulho ter pertencido, mesclado por aproximadamente 20 cinquentões, nos quais eu via Luíses Graças.
Conhecidos ou que se apresentaram como tabanquistas: o Vítor David,o Carlos Oliveira Santos (sempre com as suas intervenções polémicas e inflamadas), o Martins Julião, o Idálio Reis (intervenção comovida e comovente), o Delfim Rodrigues e o Carlos M. Santos.
Tivemos o privilégio de, no debate coordenado pelo Professor José Manuel Pureza, terem participado a Diana Andringa, que pôs todo o enlevo na obra que criou – e como ela se deve sentir orgulhosa, juntamente com o Flora Gomes; o Major-General Pezarat Correia, com uma exposição académica enriquecida pelo facto de conhecer in loco o terreno que estava em discussão; Sílvia Roque, doutoranda em Política Internacional e Resolução de Conflitos, numa análise do conceito de paz centrada na realidade que estava, de momento, a ser discutida e Julião Sousa, também doutorando, que se debruçou sobre a figura ímpar de Amílcar Cabral.
Pela forma como tudo decorreu está de parabéns o Núcleo de Estudos para a Paz.
A Diana estava feliz. Diz o poeta que Coimbra é uma lição, só que desta vez a lição foi a Diana quem a deu, mas em Coimbra, valha-nos isso (1).
Aquele abraço,
Fernando Barata
___________
Nota de vb:
(1) vd posts de:
Guiné 63/74 - P2314: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (2): Coimbra, 4 de Dezembro, 14h30, auditório da FE/UC (Fernando Barata)
13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2262: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (1): Castro Verde (16/11) e Coimbra (4/12) (Diana Andringa / Fernando Barata)
Guiné 63/74 - P2332: O Hino da Guiné-Bissau: letra de Amílcar Cabral e música de Xiao He (Virgínio Briote)
Depois de doze anos de luta encarniçada, o Furriel Magalhães Ribeiro arreia a bandeira de Portugal em Set 1974, em Mansoa. Foto de Magalhães Ribeiro.
Diz-se que, em 1963, aquando de uma visita de uma delegação do PAIGC à República Popular da China, Amílcar Cabral (2), depois de ter ouvido uma canção de Xiao He, terá dito que gostaria que fosse ele, Xiao He, o compositor a fazer uma música similar para inspirar a população da Guiné a alcançar a independência.
Um guerrilheiro hasteia a bandeira da Guiné-Bissau, em Mansoa. Foto de Magalhães Ribeiro.
Usando música africana como inspiração, Xiao He compôs a música, que depois da Independência em 1974, se viria a tornar o Hino da Guiné-Bissau.
Sol, suor e o verde e mar,
Séculos de dor e esperança:
Esta é a terra dos nossos avós!
Fruto das nossa mãos,
Da flor do nosso sangue:
Esta é a nossa pátria amada.
CORO
Viva a pátria gloriosa!
Floriu nos céus a bandeira da luta.
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Paz e o progresso!
Ramos do mesmo tronco,
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem o mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou.
CORO
Viva a pátria gloriosa (...) (1)
__________´
Nota de vb:
(1) Fonte: World Statesmen.org
Letra de Amílcar Lopes Cabral
Musica de Xiao He
(2)No seu livro Crónica da Libertação, Luís Cabral atribui a si a paternidade de tal iniciativa descrevendo em pormenor os passos que deu para obter de Xiao He "as propostas de partituras para o Hino do Partido e para o Hino dos Trabalhadores, acompanhadas de uma fita magnética com o registo das respectivas interpretações" (pgs 225, 226)
Diz-se que, em 1963, aquando de uma visita de uma delegação do PAIGC à República Popular da China, Amílcar Cabral (2), depois de ter ouvido uma canção de Xiao He, terá dito que gostaria que fosse ele, Xiao He, o compositor a fazer uma música similar para inspirar a população da Guiné a alcançar a independência.
Um guerrilheiro hasteia a bandeira da Guiné-Bissau, em Mansoa. Foto de Magalhães Ribeiro.
Usando música africana como inspiração, Xiao He compôs a música, que depois da Independência em 1974, se viria a tornar o Hino da Guiné-Bissau.
Sol, suor e o verde e mar,
Séculos de dor e esperança:
Esta é a terra dos nossos avós!
Fruto das nossa mãos,
Da flor do nosso sangue:
Esta é a nossa pátria amada.
CORO
Viva a pátria gloriosa!
Floriu nos céus a bandeira da luta.
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Paz e o progresso!
Ramos do mesmo tronco,
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem o mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou.
CORO
Viva a pátria gloriosa (...) (1)
__________´
Nota de vb:
(1) Fonte: World Statesmen.org
Letra de Amílcar Lopes Cabral
Musica de Xiao He
(2)No seu livro Crónica da Libertação, Luís Cabral atribui a si a paternidade de tal iniciativa descrevendo em pormenor os passos que deu para obter de Xiao He "as propostas de partituras para o Hino do Partido e para o Hino dos Trabalhadores, acompanhadas de uma fita magnética com o registo das respectivas interpretações" (pgs 225, 226)
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
Guiné 63/74 - P2331: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja santos) (12): Um Adeus a Missirá, e um poema de Ruy Cinatti a M. Caetano e M. Soares
Guiné > Zona Letse > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > "Este disco foi uma das prendas do Natal de 1969, enviado pelo Ruy Cinatti. Recebeu o consenso do Abel e do Moreira, os meus colegas de quarto. Dvorak e a sua Sinfonia do Novo Mundo comportam a alegria, o deslumbramento e o exotismo, tudo em doses moderadas, e com a vantagem do ouvido assimilar bem. Fez-me muita companhia, sobretudo antes de partir e regressar das operações. As sinfonias de Dvorak estão hoje muito longe das minhas preferências, mas respeito a boa companhia que me trouxeram. E nunca esqueci o sorriso desta criança, que ainda hoje me lembram os Soncó e os Mané [que deixei em Missirá]".
Guiné > Zona Leste > Sector L1 )Bambadinca) > Cuor > Missirá > 1969 > "Um belo documento histórico-artístico, que estava à minha espera, quando regressei a Missirá, após tratamento em Bissau, depois da mina anticarro de 16 de Outubro de 1969. O Ruy Cinatti dá-me conta do regresso do Contra-almirante Teixeira da mota a Portugal e fala-me dos seus poemas à volta das eleições de 1969. Vou reproduzir parte deste conteúdo na Operação Macaréu à Vista, com muito orgulho".
Fotose legendas © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado, em 25 de Outubro último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).
Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (12): As minhas últimas flagelações em Missirá
por Beja Santos
(i) Duas flagelações... e uma simulação (cómica) em onze dias
Reza a história da CCAÇ 12 que “de 1 a 15 de Novembro de 1969, a 2ª Secção do 3º Gr Comb esteve de reforço ao aquartelamento de Missirá, na altura em que o Pel Caç Nat 54 veio render o 52. Durante este período, Missirá sofreria três flagelações, sem consequências, a última das quais, a 14, por grupo estimado entre 20/30 homens que utilizou Mort 82 e 60, RGP2 e armas ligeiras”.
Também a história do BCAÇ 2852 refere três flagelações, uma a 3 de Novembro, pelas 18h30, que durou cerca de vinte minutos, outra a 8, pelas 10h45, e a 14, pelas 17h30, que durou cerca de cinco minutos. Manda a verdade dos factos que se pormenorize o que se passou à volta dessas flagelações.
Não tínhamos ilusões que em Madina era bem conhecida a situação de pré-calamidade que se vivia neste canto do Cuor. Quando regressei de Bissau, na última semana do mês de Outubro, tinha quase metade do Pel Caç Nat 52 e dos pelotões de milícias inactivos, acamados, palúdicos, depauperados, incapazes de dar um passo. O David Payne apoiou a ideia do major Cunha Ribeiro em reforçar Missirá, onde as tropas disponíveis estavam confinadas às idas diárias a Mato de Cão, à emboscada, aos reforços e às lides diárias, com a agravante de se contar só com o burrinho operacional.
As gentes de Madina/Belel utilizavam praticamente os mesmos itinerários, sabedoras que as nossas deslocações passavam de Missirá a Caranquecunda, daqui pelos palmares até Flaque Dulo, depois Canturé, Chicri e Mato de Cão: eles contornavam o rio Biassa, flanqueavam o trilho de Morocunda, posicionavam-se junto a Cancumba, despejando a metralha sobre a área do aquartelamento e limítrofes.
Eram flagelações cirúrgicas, quase indolores, como se fossem certificados de presença, aliviando-se a carga de trotil antes do regresso às bases. Na flagelação de 3 de Novembro, algum do fogo dos morteiros caiu dentro da tabanca, havendo mesmo uma morança bastante atingida. Era a hora que antecedia o jantar e os banhos, os primeiros momentos instalavam pânico, mas a qualidade da tropa vinha imediatamente ao de cima, até o professor já pegava em armas, era um acto trivial, complementar da docência. Ficaram duas crianças ligeiramente estilhaçadas e a mãe do Quebá, o nosso picador, voltou a fracturar uma perna. Quem teve mais trabalho foi o maqueiro Adão, escoriados não faltaram até madrugada.
A 8 de Novembro, não houve flagelação nenhuma. Tinha vindo a insistir com o capitão Manuel Figueiras, do BCAÇ 2852, para que ele visitasse Finete e Missirá antes da chegada do Pel Caç Nat 54, havia obras em curso, não se tinha encontrado nenhuma solução para trazer o gerador até Missirá, faltava a renovação de dois abrigos, impunham-se obras na fonte de Cancumba, entregara-lhe uma proposta para um edifício onde podia funcionar a escola, em Finete era indispensável fazer obras em vários abrigos, e por aí adiante. Fui buscá-lo pelas 6h da manhã ao Geba, viu as obras e as mais prementes carências em Finete, rumámos para Missirá, exactamente quando lhe mostrava os trabalhos num abrigo começou uma carga de fogo de costureirinhas, temi uma emboscada ao grupo que tinha ido buscar água à fonte. O pesado tiroteio desnorteava-me, angustiava-me, era como se os nossos soldados não pudessem reagir, estivessem todos massacrados. O capitão Figueiras pedia para eu reagir com morteiros, expliquei-lhe que era impossível, numa outra fonte estavam lá metade das mulheres de Missirá a lavar, na outra as morteiradas não iriam escolher entre “eles” e “nós”.
Extinto subitamente o tiroteio, aquele estranho tiroteio só de costureirinhas, toda a gente disponível saiu em auxílio dos emboscados. Não tínhamos percorrido 1 km quando vimos uma tropa bem disposta a rolar os bidões cheios de água, havia risada e cantarolice. Sem disfarçar a ansiedade, quis saber tudo, a dimensão da emboscada, a nossa resposta, porque é que não se tinha ouvido o nosso potencial de fogo. Durante alguns minutos, recorrendo à mímica e ao crioulo, o Domingos e o Nhaga, que sempre falaram um português impecável, davam respostas fora do contexto das perguntas. Indignado com tanta parvoíce, exigi que fôssemos ao local de tanto tiro de costureirinha.
O que vi nos palmares de Cancumba deixou-me sem fôlego: as palmeiras descascadas, brutalmente atingidas pelas balas. A resposta impunha-se: os cafajestes dos meus soldados tinham procurado praxar o capitão Figueiras, o tiroteio de G3 em cima das palmeiras soava exactamente como fogo de custureirinha. Atado de pés e mãos pela manhosise destes soldados ladinos, que souberam semear o pânico e divertir-se à grande, lá ataviei uma explicação ao capitão Figueiras que me aguardava ansioso na porta de armas. Nasceu assim a flagelação que nunca existiu...
(ii) Cristina, agora tenho que passar a ir aos Nhabijões...
Quanto aos acontecimentos de 14 de Novembro, a flagelação aconteceu, teve alguns aspectos duríssimos, era verdadeiramente para intimidar, e ao longo de todos estes anos interrogo-me sobre as informações existentes em Madina/Belel acerca da transferência que se operou nesse dia do Pel Caç Nat 52 para Bambadinca e do Pel Caç Nat 54 para Missirá.
A 13, escrevo à noite à Cristina:
O nosso almoço hoje foi feijões com chouriço. Como só iria partir para Mato de Cão pelas 15 horas, estava a ler o julgamento do capitão Dreyfus e o texto J’accuse, de Zola, da biografia de Jaime Brasil, quando chegou a mensagem: “rendição em 1406h30. monte segurança região Gã Gémeos.
Começou o rebuliço dos espólios, pagamento de dívidas entre civis e militares, as crianças interromperam a escola, foi preciso gritar bem alto que Mato de Cão tinha a precedência, quem cá ficasse desse atenção a toda a logística da partida. Podes imaginar o que vão ser as viagens amanhã com mulheres e crianças, baús, galinhas e cabras. Malã voltou a dizer-me que não está satisfeito com a solução, na noite da flagelação que praticamente destruiu Missirá, em Dezembro de 1966, o Pel Caç Nat 54 só cá esteve três dias, saiu castigado para o Xime, acho que a sua reacção à flagelação foi nula...
A 21, já instalado em Bambadinca, volto a escrever à Cristina:
Logo no dia da chegada do Pel Caç Nat 54, houve uma flagelação com morteiros e roquetes, isto com o quartel meio vazio, o novo contigente sem saber onde estavam os abrigos, a ripostar atarantados. Salvou a situação a secção de milícias que respondeu prontamente com espingardas e metralhadoras, felizmente tinha lá comigo o Queirós, respondemos com o morteiro 81 começou logo a cuspir fogo sobre Cancumba.
Pela primeira vez, ouvi os insultos dos rebeldes fora do arame farpado, acertaram em dois abrigos, caiu uma morteirada perto do paiol dos combustíveis, nada aconteceu. Desta vez arderam duas moranças, perderam-se os tectos e os haveres dos civis. Foi a minha despedida com fogo, mas dois dias depois ainda fiz uma nova patrulha de reconhecimento, com todo o pelotão de milícias e parte do 54. Depois te conto, agora tenho que ir aos Nhabijões, onde se está a proceder a um reordenamento das populações.
(iii) Notas de leitura: os filhos de Casamansa, portugueses do coração
Entreguei no comando de Bambadinca propostas de louvor para os cabos Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva e António Ribeiro Teixeira. O primeiro, pelo seu desembaraço e entusiasmo na reconstrução de Missirá, o segundo pela sua inexcedível capacidade de colaboração, incluindo no ensino das crianças e dos milícias de Missirá e Finete, o terceiro pela dedicação nos melhoramentos dos dois aquartelamentos e o zelo sem mácula nas suas funções de cabo de transmissões. Foi com grande satisfação que soube mais tarde que o comandante de Bafatá chamara a si estes louvores. Com o auxílio do Pires, preparei novas propostas de louvor para o Barbosa, Casanova e o Adão.
Mesmo sabendo que o Jovelino Corte Real [, cmdt do BCAÇ 2852,] não irá apreciar a iniciativa, enviei um memorando sobre as últimas flagelações:
Os rebeldes dispõem de informações sobre as nossas fraquezas. Não se pode ir ao rio Gambiel com trinta soldados, todos aqueles campos estão lavrados e defendidos. De Sinchã Corubal para Madina sabemos que aumentaram os patrulhamentos, as picadas estão minadas, só os podemos intimidar nas emboscadas da nossa iniciativa, usar a técnica do “bate e foge”. As repetidas flagelações de há dois meses para cá são pequenas escaramuças que têm a vantagem de ficarmos a saber que eles trazem pequenos grupos que retiram cedo, usando sempre os mesmos itinerários. Talvez seja conveniente intensificar os patrulhamentos a mais de dois grupos de combate, mantendo em Missirá dois pelotões intactos. Aqui não se vive só a desmotivação pela doença e o extremo cansaço. Aqui sabe-se que o inimigo está reforçado e nós não podemos responder com os meios existentes.
Do mal o menos, a 16 de Novembro o pelotão de milícias de Missirá voltou a estar reunido, ao menos atenderam a esta súplica.
Não tenho coragem para repegar na ideia de escrever sobre os Soncó. Passei a limpo algumas das notas que coligi nas pesquisas feitas na biblioteca do Centro de Estudo da Guiné Portuguesa. Há documentos que me impressionaram muito. Por exemplo, a comunicação de Francisco António Marques Geraldes à Sociedade de Geografia de Lisboa datada de 1887:
Vivi três anos em Zeguichor, e por vezes percorri vários pontos do Casamansa. Não há gentio na Guiné que mais amor mostre pela nação portuguesa que o que habita nas margens deste rio. Desde a sua embocadura até Selho é o dialecto crioulo-português que se ouve falar, tanto aos banhuns como felupes e balantas. Com franqueza o digo: via-me vexado perante as contínuas representações das tribos gentílicas a França, não se pode negar que os filhos de Casamansa não são portugueses de coração e séculos hão-de passar sem que o nosso nome se apague da memória desta pobre gente que ainda hoje pergunta com toda a ingenuidade como é que os brancos proibindo a escravatura vendem uns aos outros tantas tribos independentes entre si. Que precisão tinha Portugal para vender à França aquele rio? Se precisava de dinheiro porque não impunha contribuições que todos pagariam?
Tomo nota que o professor Armando Zuzarte Cortesão, que plantou palmeiras de Samatra no Gambiel, escreveu A Guiné como Colónia de Comércio e Plantação, em 1928, boletim 37 da Agência Geral das Colónias. Tomo igualmente nota de mais um trabalho do Padre Marcelino Marques de Barros: Guiné Portuguesa. Breve notícia sobre alguns dos usos, costumes, línguas e origens dos seus povos, publicado em 1882 no boletim série 3ª, XII, da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Depois descubro uma referência que interessa aos Soncó e ao Cuor, vem no relatório da Província da Guiné Portuguesa, elaborado no ano económico de 1888-1889 pelo governador interino Joaquim da Graça Correia Lança, a páginas 17:
Se a cultura se for desenvolvendo no rio Geba, como é de esperar num futuro muito próximo, devido ao estabelecimento de muitas famílias mandingas desde Malafo até Sambel-Nhanta, a prosperidade da província fica de vez assegurada.
Escrevo também nos meus apontamentos:
É importante ler tudo sobre Honório Pereira Barreto, Teixeira Pinto e Senna Barcelos, sobretudo os Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné.
Não voltarei a pegar nestes apontamentos antes de 1972, mas mesmo assim o Cuor, a saga dos Soncó, as guerras de pacificação, tudo se ia esfumando como se de um encadeado de epifenómenos se tratasse. Felizmente, eu estava completamente enganado.
Com o Pires, com o Barbosa, o Domingos e o Queirós, revemos a contabilidade, os autos de abate, as existências de lençóis e fronhas, a comida que fica, os combustíveis; com o apoio do Varanda, um apontador de morteiro 81 que chegou recentemente e, claro está, com a intervenção directa do condutor Xabregas passa-se em revista o material auto. Sem nos apercebermos, chegou o Ramadão, civis e militares pedem uma coluna de reabastecimento para que os fiéis tenham sal, cola e mafé para os jejuns.
Febril, parece que quero deixar o correio todo em dia, disparo aerogramas para Lisboa, São Miguel, Moçambique, Angola, impus-me tréguas sobre o correio em chamas que me tem sido enviado pela família e que praticamente ignoro. Prossigo cuidadosamente a minha correspondência com o Sr. Jesuíno Jorge, pai do falecido condutor Manuel Guerreiro Jorge. Recebo grandes alegrias como a que de o Eduardo Canto e Castro, uma amizade que começou nos nossos onze anos, se acaba de licenciar em engenharia com alta classificação, e já foi colocado na Junta de Energia Nuclear.
E mesmo a ultimar preparativos, as idas a Mato de Cão são uma constante. A 11 escrevo à Cristina:
Ontem fui a Mato de Cão ver passar dois barcos de guerra que transportavam a nova companhia para Mansambo. Este ano o jejum do Ramadão não trouxe problemas como no ano passado, Malã e Lânsana falaram previamente com os nossos soldados, o jejum está atenuado. O Ruy Cinatti mandou-me um volume de líricas portuguesas, de Maria Alberta Menéres a Gastão Cruz.
E termino assim: Dá-me um beijo e um pouco das tuas mãos, dorme bem, em breve estaremos juntos.
(iv) Ruy Cinatti e as eleições de 1969: um poema alegórico para Narcello Caetano e Mário Soares
Com a data de 1 de Novembro, recebo uma belíssima carta de Ruy Cinatti. Depois de ficar a saber que o Teixeira da Mota já não voltará à Guiné, ele escreve sobre as eleições havidas em Portugal. Diz ele:
As eleições acabaram. Fiz no decorrer 35 poemas alegóricos que serão publicados em edição fora do mercado sobre o título “O Borda d’Alma”. Aqui vão três:
OPÇÃO
Para Marcello Caetano e Mário Soares
Com o impossível fazem-se milagres.
Com o possível há milagres a menos.
Vamos, decidamos
aquilo que queremos,
somente com as linhas
com que nos cozemos.
Aleluia!
VOTAÇÃO
Já ganhei o dia
porque fui autêntico.
Atingi o mínimo
sem me disfarçar.
A história não tem
nada de maior.
É um dia na vida.
Chego a acreditar
BORDA D’ALMA
O calendário foi cumprido
à risca - saiu certo.
Tive um tubérculo, por junto,
entumescido,
mas saiu certo.
A culpa foi minha, que não soube
adubar bem.
Foi propício o clima.
A culpa é minha,
de mais ninguém.
Vou experimentar novas mézinhas.
Talvez cultive.
Com anos de pousio, um homem cresce.
Talvez me salve.
Com esforço e dispersão, leio tudo o que posso, oiço cantatas de Bach, sinfonias de Mahler, o eterno companheiro Beethoven. Tenho consciência que se aproxima o adeus a Missirá, a hora de me despedir dos Soncó e dos Mané, dos soldados milícias a quem devemos inúmeras atenções, dos soldados aqui destacados como o Varanda e o Xabregas.
Continuo a ler as novelas de Somerset Maugham, comecei O Cavalo Espantado, de Alves Redol, estou a acabar Ladrões de Raparigas, de Mickey Spillane, trouxe o Arco do Triunfo, do Erich Maria Remarque, este chamou-me a atenção em Bissau, vi-o nas estantes da minha Mãe, gosto de Remarque, lembro-me de A Oeste Nada de Novo, vi, vai para cinco anos o filme de Lewis Milestone Arco do Triunfo com soberbas interpretações de Ingrid Bergman, Charles Boyer e sobretudo Charles Laughton. Vamos então até Paris nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. É madrugada, fiz a ronda pelos postos de sentinela, é uma madrugada quente de plena época seca. Olho bem os céus para não me esquecer deste Cuor tão amado, tão sofrido nos encontros e desencontros, o Cuor onde me fiz homem.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post anterior desta série > 30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2317: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (11): O fantasma de Infali Soncó
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