sábado, 10 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6708: Estórias avulsas (38): A minha viagem à Guiné-Bissau 3 (José Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350)

1. O nosso Camarada José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 - 1972/74 -, e dos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11) - Gadamael, Guileje, Nhacra, Paúnca, enviou-nos mais uma mensagem narrando-nos mais algumas memórias e aspectos da sua inesquecível viagem à Guiné-Bissau:
Camaradas,
Para aqueles que ainda não puderam, ou não quiseram, ir à Guiné anexo algumas fotos, que obtive na minha primeira viagem àquela terra 36 anos depois de lá ter saído, de emblemas e guiões militares que sobrevivem ainda hoje das Unidades portuguesas, que por lá povoaram e combateram o PAIGC entre 1962 e 1974.
Desenhados e construídos por malta engenhosa e habilidosa, com muita queda para as artes, uma boa parte deles continua incólume, apesar dos anos passados mostrando apenas alguns efeitos do natural abandono a que foram votados.
Uns tantos identificam-se de imediato porque as inscrições são inconfundíveis.
Os não identificados constituem um desafio que aqui deixo registado, às memórias de quem com eles privou de perto.
Identifiquem-nos, ok!

Memorial da CART 2338 Memorial da CART 1742
Memorial da CCAÇ 1588
Memorial ao soldado português da CCAÇ 1588
Memorial com os emblemas da CAÇ 1418 (em cima) e (?) à direita Emblema da CAÇ 1418
Emblema de (?)Emblema da CCAÇ 2724
Memorial aos mortos da CCAÇ 1623 (?)
Memorial da CCAÇ 1623
Memorial da CART 2413
Memorial da CCAÇ 1682
Exterior de um expaldão do PEL MORT 2006
Interior de um espaldão do PEL MORT 2006
Memorial do PEL MORT 2006
Emblema do PEL MORT 2006
Memorial ao PEL MORT 3032
Um abraço,
José Carvalho
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350 e CCAÇ 11
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6467: Estórias avulsas (88): A minha viagem à Guiné-Bissau 2 (José Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350)

Guiné 63/74 - P6707: Notas de leitura (128): A Libertação da Guiné, de Basil Davidson (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
Era inevitável uma referência a esta obra de Basil Davidson, que correu mundo.
Nem tudo aconteceu conforme se previa no final do livro, mas o conteúdo apologético surtiu efeito, Cabral passou a ser muito mais conhecido no mundo anglófono graças a este texto apologético.

Um abraço do
Mário



A libertação da Guiné: o clássico de Basil Davidson

por Beja Santos

Em 1969, Penguin Books editam The Liberation of Guiné, de Basil Davidson, um publicista britânico que não escondia as suas simpatias pelos movimentos de libertação em luta na África portuguesa. O livro correu mundo, transformou-se no principal cartão-de-visita do partido de Amílcar Cabral em todo o mundo anglófono. Cabral e Davidson estivam reciprocamente. Aliás o prefácio do líder guineense, escrito no Boé, em Outubro de 1968, é de uma extrema beleza e revela profunda admiração: “[Basil Davidson] aceitou todos os riscos e canseiras para poder entrar em contacto, pessoalmente, com o modo de vida actual dos nossos povos. Três vezes entrou no nosso país, onde permaneceu tanto tempo quanto quis, falou com quem lhe apeteceu, viveu a realidade quotidiana da nossa vida e da nossa luta. Juntos usámos as mesmas canoas, os mesmos barcos, os mesmos trilhos do mato; estivemos presentes nas mesmas reuniões; bebemos pelas mesmas cabaças, comemos dos mesmos pratos, atravessámos os memos incontáveis rios do Sul, vadiámos através da mesma lama, lavámo-nos na mesma água, deitámo-nos e levantámo-nos à mesma hora, fomos escoltados pelos mesmos guerrilheiros”.

A viagem/reportagem começa no Quitáfine, fala do napalm lançado pelos Fiat, na travessia dos arrozais e depois o autor faz uma resenha histórica da colonização portuguesa na Guiné até ao levantamento dos grupos anti-colonialistas. Apresenta algum dos líderes políticos e militares como Osvaldo Vieira ou Otto Schacht. Combatentes como Pascoal Alves, um dos principais políticos da frente Sul falam da sua adesão ao partido, da luta ideológica dos primeiros tempos, dos medos, das alterações que se operaram no mapa. Basil Davidson evidencia as analogias que vai encontrando entre a luta do PAIGC e o combate que presenciou na Jugoslávia, durante a II Guerra Mundial, e a resistência dos vietnamitas perante os norte-americanos. Regista as conversas de Cabral em toda a região do Quitáfine, por onde vão passando. Fala das Lojas do Povo, da nova organização instalada nas chamadas regiões libertadas. O combatente Armando Ramos diz: “Chamamos zona libertada a uma área em que temos controlo quotidiano, em que apenas excepcionalmente temos de usar o nosso exército para neutralizar uma possível sortida portuguesa a partir de uma dessas guarnições e em que a população está mobilizada para o nosso lado, tanto no sentido político como no sentido militar da palavra. Outro activista do PAIGC, António Bana, fala da mobilização dos camponeses e da sensibilização dos homens grandes, a partir de 1960. A aceitarmos os dados expressos do Davidson, a acção doutrinária do PAIGC fermentou cerca de três anos eclodir a luta armada e a separação dos campos. Cabral e os outros dirigentes falam dos fulas e da sua ligação às autoridades portuguesas, isto quando visitam as zonas do Sudoeste. Os ataques maciços a Beli são explicados pormenorizadamente até ao abandono do aquartelamento, que irá isolar Madina do Boé (também abandonado em Fevereiro de 1969). Cabral vai contando a Davidson como está organizado o PAIGC nas suas bases exteriores, sobretudo a partir de Conacri, como são formados os quadros na Academia de Nanquim, e nos centros de Moscovo e Praga. Revela que em Outubro de 1967 cerca de 500 quadros frequentavam cursos na URSS e na Europa oriental.

Tratando-se de uma obra de divulgação, Davidson dá conta da evolução do pensamento político de Cabral e das principais etapas da política diplomática, da chegada do equipamento militar e da estratégia de guerrilhas centrada em dois objectivos: desarticulação da economia e dos transportes dos portugueses e construção da economia das zonas libertadas.

Escusado é dizer que estamos perante uma obra panfletária, apologética, Amílcar Cabral é o centro da placa giratória, destaca-se o crescendo da guerra que leva inclusivamente ao ataque do aeroporto de Bissau, no início de 1968. Na derradeira conversa entre Davidson e Cabral fica claro que o PAIGC estava pronto a negociar uma retirada pacífica dos portugueses, estes tinham-se metido num dilema infernal, sabiam que já não podiam recuperar o controlar da Guiné e temiam que negociar a independência deste pequeno país iria minar a posição portuguesa em Angola e Moçambique.

“A Libertação da Guiné, aspectos de uma revolução africana”, por Basil Davidson, foi editado pela Livraria Sá da Costa em 1975.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6701: Notas de leitura (127): Caminhos Perdidos na Madrugada, de Fernando Vouga (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6706: Memória dos lugares (90): Mais postais ilustrados (Parte I): Nova Lamego (ou Gabu) (Agostinho Gaspar)



















Guiné > Nova Lamego (ou Gabu) > "Nova Lamego, Guiné Portugesa".  Colecção "Guiné Portuguesa, nº (?)". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal,  Imprimarte, SARL).

[Digitalização  e edição de imagem: L.G.]




1. Continuação da publicação de uma selecção de postais ilustrados da Guiné (*), da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.  

Estas imagens foram obtidas a partir de um único postal ilustrado, igualmente aqui reproduzido, da famosa colecção "Guiné Portuguesa", edição Foto Serra... Já agora, alguém sabe o número do postal, dentro da citada colecção ?


Sobre Nova Lamego e Gabu, temos menos de 100 referências no nosso blogue, no conjunto dos dois descritores,  mesmo assim baixo de outras localidades da Zona Leste como Bambadinca (c. 300),   Mansambo (128) (que, em rigor, não era uma localidade, era apenas um Bu...rako!, que o Torcato Mendonça e o Carlos Marques dos Santos tornaram mundialmente famoso), Bafatá (112), Xime (112),  Galomaro (100), ... Mas mesmo assim mais do que Xitole (82), Saltinho (58), Piche (56), Madina do Boé (51), Pirada (42), Canjadude (41), Geba (40), Fajonquito (32), Canquelifá, Enxalé (30), Contuboel (27), Buruntuma (12), etc., sem ter a preocupação de ser exaustivo.


O António Santos, o Tino Neves e outros camaradas que viveram em Nova Lamego poderão ajudar-nos a completar as legendas das fotos. Por exemplo, onde ficava a fonte da Várzea do Cabo, de 1945... Onde ficava ? Quem será o autor do azulejo ? O que era feito, no nosso tempo,  dos cavalos dos fulas ?

Já devolvi ao Agostinho Gaspar o seu precioso álbum, em Monte Real, no nosso V Encontro Nacional, no passado dia 26. Ei-o aqui, na foto, na ponta esquerda, ao lado da esposa, Maria Isabel, se não me engano... Na ponta direita, está o  José Eduardo Alves e a Maria da Conceição (Leça da Palmeira / Matosinhos)... Espero não ter trocado as esposas, que ainda chegámos à Guiné... (LG)

Foto: © Luís Graça (2010). Direitos reservados.

_____________

 Nota de L.G.:


Vd. último poste da série > 27 de Junho de 2010 >Guiné 63/74 - P6645: Memória dos lugares (80): Bissau, cidadezinha colonial (Parte V) (Agostinho Gaspar)



sexta-feira, 9 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6705: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (5): Não há nada a fazer! (António Martins de Matos)





1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen PilAv Res), enviou-nos, em 4 de Julho último, o seguimento da sua mensagem publicado no poste – P6618, a propósito do dia 10 de Junho:


Não há nada a fazer!

Camaradas,

Quando andava na Academia havia um cartaz pregado numa parede que dizia “o Exército é o Espelho da Nação”.
Passada a vaidade e imodéstia de quem inventou tal frase, acredito que as Forças Armadas sempre reflectem o que de bom e de mau se passa no país.
Para que não haja dúvidas em algumas cabeças mais contestárias ou daquelas que gostam de dividir para reinar, sou um militar do Quadro Permanente, o meu suor, a minha coragem e o meu medo sempre foram exactamente iguais ao suor, coragem e medo dos Milicianos de Guidage, Bajocunda, Xitole ou Fulacunda, quer fossem Capitães, Furriéis ou Soldados.

Antes do nosso almoço em Monte Real escrevi um pequeno texto (poste P6618) a tentar demonstrar o que somos e que podemos vir a ser em termos de antigos combatentes.
No entanto acabei de chegar à conclusão que a palavra “podemos” estava fora do contexto, mais apropriado teria sido escrever “poderíamos”.
E porquê?
Porque, aparte algumas palavras de estímulo e encorajamento, tanto em comentários no blogue, como de viva voz, nada mais aconteceu, no fundo estamos conformados com a situação.

Alguém mais distraído dirá numa voz comprometida, “precisamos é de nos organizar”.

Consultado o site do Ministério da Defesa constatei que, não contabilizando as associações clandestinas, existem oficialmente pelo menos 12 (doze) organizações que tratam dos Antigos Combatentes, a saber:
- Liga dos Combatentes (LC),
- Associação Nacional dos Prisioneiros de Guerra (ANPG),
- Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA),
- Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vitimas de Stress de Guerra (APOIAR),
- Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG),
- Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar (ANCU),
- Associação dos Combatentes do Ultramar Português (ACUP),
- Associação Portuguesa de Ex-Combatentes Militares (APECM),
- Associação Sócio Cultural dos Vila-Condenses Ex-Combatentes do Ultramar (ASCVCU),
- Associação de Comandos,
- Associação de Fuzileiros,
- Associação Reformados e Ex-Militares Ex-Combatentes Portugueses França (ARMCPF),
- Comissão de Ex-Militares Portugueses (OGBL)

Se retirarmos deste conjunto a ADFA, entidade que merece todo o meu respeito, o que fazem as restantes, quem as controla, quem as subsidia, a quem prestam vassalagem?

Ainda tentei aprofundar o tema mas confesso ter logo desistido por frustração ao constatar que uma delas há mais de 35 anos que não consegue estabelecer uma simples lista dos que morreram no Ultramar, outra que diz ter 40.000 sócios e que se orgulha de facultar consultas pós-traumáticas, cobra aos seus associados uma quota anual de 20 euros. (com mais 4 euros já podiam ser sócios do meu Spotem!!!!), outras duas que recebem do Estado um subsidio de 125.000 euros/ano (palpita-me que recebem todas mas confesso já não ter tido vontade para investigar).

No seu comentário o amigo Magalhães Ribeiro referiu uma Federação dos Combatentes que, segundo o jornal Sol de 17Dez2007, terá reunido 5 destas Associações.
O pouco que acabei por encontrar da referida Federação foi através do Jornal de Tondela, “O Beirão”, onde é referido que o seu Presidente também o é da ANCU, que alteraram os Estatutos em 27Março2010, que têm um programa para 2010 baseado em 13 items (quaisquer que eles sejam) e que estão a preparar as comemorações dos 50 anos do inicio da Guerra do Ultramar (deve ser coisa fina).

Perdemos no futebol, ainda não foi desta que os futuros Heróis da Pátria se conseguiram afirmar, não por falta de uns tantos golpes de mão ou investidas contra o inimigo ou mortos no campo da honra, antes pelo facto de não terem marcado uns golitos.
Tivesse a coisa corrido bem e já estava a ver o 10 Junho com uma centena de condecorações, do Madail ao apanha bolas, que as medalhas até já deviam estar em banho-maria.
E pronto, vamos continuar a ler “A Bola”, comentar as transferências, o Moutinho que foi para o Porto, “ganda” malandro, ainda que tenha deixado 11 milhões nos cofres do meu amado Spotem.

Como eu gostava de ter nascido em Inglaterra, nem precisava de ser em Stratford-upon-Avon, qualquer cantinho da “Velha Albion” me servia.
Pelo menos tinha a certeza que as futuras gerações iriam respeitar a minha memória.
Assim, paciência, somos como somos, não há nada a fazer...

http://www.youtube.com/watch?v=lygVz1mjkrI&feature=PlayList&p=0D56ED9BA66D4986&playnext_from=PL&playnext=1&index=7

Um Abraço,
António Martins de Matos
Ten PilAv na BA12
____________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6704: Contraponto (Alberto Branquinho) (11): Você é preto!?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 4 de Julho de 2010:

Caríssimo Carlos
Estou a enviar junto o texto para o Contraponto (11), com os desejos habituais de saúde e sorte, que não é, propriamente, a sorte ao jogo, mas pode ser, também, incluída.

Um abraço do
Alberto Banquinho




CONTRAPONTO (11)

VOCÊ É PRETO !!!


Foi em Outubro ou Novembro de 1966. Em Lamego e durante o Curso de Operações Especiais – “Rangers”.

Talvez não saibam que, durante o curso, os aspirantes e os furriéis (cabos milicianos?) que o frequentavam eram enquadrados em “parelhas”, ou seja, em grupos de dois. Tentavam assim criar um espírito de entreajuda, companheirismo e sentido de co-responsabilidade. O meu sócio/parelha era cabo-verdiano, há muito residente em Lisboa, de quem fiquei amigo. Reencontrei-o, depois do regresso da Guiné, na Faculdade de Direito de Lisboa, para onde me transferi, depois de ter chegado a Coimbra em plena crise de 1969.

Em Lamego, durante o curso, havia provas individuais mas havia, também, provas em que se funcionava por parelhas.

Numa noite fria e de céu estrelado, sem lua, fomos carregados, de olhos vendados, em camiões de caixa fechada e transportados para muitos quilómetros de Lamego, por estradas e caminhos de terra batida. O camião parava de onde em onde e vinha a ordem: - Salta a parelha n.º x!

A parelha apeava-se, eram tiradas as vendas e era largada num qualquer caminho no meio de um pinhal… sem despedidas. Corrigidos os atacadores das botas, amanhadas as calças, corrigido o aperto o cinto e de canhangulo (velho, inútil e avariado) em bandoleira, havia que decidir que caminho tomar.

- Qual era a missão? –( perguntarão).

Era alcançar Lamego e o CIOE (quartel) o mais rapidamente possível, sendo proibido seguir estradas ou caminhos. Se detectados em infracção por um carro militar, estacionado e de faróis apagados, seríamos recarregados para uns excelentes quilómetros lá mais para trás.

A primeira decisão foi deixar que o camião se afastasse e seguir-lhe o rumo, procurando espaço com alguma visibilidade.

Alguém perguntará: - Porque é que não tentavam orientar-se pela Estrela Polar? – Porque não sabíamos se Lamego estava para Norte, para Sul ou Leste ou Oeste…

A tentação foi fazer batota – seguir a primeira estrada ou caminho onde os primeiros faróis surgissem e encontrar uma placa sinalizadora.
Bem agachados e quietos no meio do mato (“mata” seria mais tarde, na Guiné), evitando ser vistos, enquanto os carros passavam.

Caminhámos, caminhámos sem que surgisse qualquer placa a indicar Lamego ou proximidades.
Discutimos, discutimos. – Se queres ir por aí vai tu. Acho que a luminosidade que se vê além só pode ser Lamego.
Como natural do Alto Douro, eu achava que tinha melhor conhecimento do terreno (Onde foi que, meses mais tarde, eu ouvi isto?).

E foi durante estas andanças que ouvimos um cão ladrar. Mas bem longe. Por entre o arvoredo parecia ver-se uma luz muito fraca tremeluzindo, longe e em baixo. Aparecia e desaparecia. E o ladrar parecia vir desses lados. “- Vamos lá perguntar o caminho”.

Começámos a caminhar na direcção da luz. Agora não havia dúvidas – era uma luz. Fraca, muito fraca. “- Vamos depressa, que eu já estou farto disto”.

O terreno começava a descer de forma pronunciada. Comecei a tactear o que me pareceram ser videiras. Lembrei-me dos socalcos do Douro e, como ele seguia à minha frente, aconselhei:

– Vai devagar. Vê onde pões os pés”. Deixei de o entrever e, depois de um barulho de restolhada, ouvi-o cair e queixar-se.

- Onde estás?” – perguntei, tacteando o chão à minha frente.

- Caí, estou aqui”. Usando o canhangulo, fiz o reconhecimento do chão escuro à minha frente. Toquei em arames e percebi que ele tinha caído em cima dos arames de suporte das videiras e, depois, no chão. Estaria, portanto, dois a três metros abaixo. O enleado dos arames teria amortecido a queda.

- Estás bem?

- Estou todo cagado.

Deixei-me escorregar pelo desnível e aproximei-me. Estava bem.
Agora já não se via a luz.

Continuámos, torneando socalco a socalco. O ladrar estava mais próximo e a encosta era cada vez mais íngreme. A luz voltou a surgir lá mais abaixo, mas fraca e parecia apagar-se de vez em quando.

Afinal, estava mais longe do que parecia.

Em terreno quase plano e aberto surgiu o barulho de água a correr. O cão ladrava já mais fortemente, pressentindo-nos. A luz, embora vacilante, era já bem visível.
Caminhámos ainda mais uns dez a quinze minutos e o cão veio ao nosso encontro, ladrando ameaçador. Assobiei-lhe baixinho para o acalmar. Ouviu-se, então, a voz de um homem:

- Quem vem lá?

- Militares. De Lamego.

- Cheguem-se cá. Cala-te, Leão.

O cão parou de ladrar. Caminhei pela laje de xisto na direcção da porta do casebre de onde vinha a luz. O homem esperava à porta.

- São só vocês?

- Só.

Ouvia-se o forte caudal da água do ribeiro correndo ali bem perto.

- Querem um copo de vinho?

- Agradecemos. Dá licença?

Entrámos, limpando as botas na soleira, com o cão atrás de nós, cheirando-nos, com o focinho colado às botas.

- Sentem-se.

O homem foi buscar uns copos de esmalte, andou uns passos no sentido do marulhar da água que corria junto à parede, passou-os por água, sacudiu-os e entregou-nos.

Quando passou junto ao candeeiro de petróleo, a figura agigantou-se na sombra, contra a parede e telhado. Constatei, então, que o homem estava ali por causa do trabalho na azenha (ou moinho de água, como lhe chamam no sul).

Puxou da garrafa e encheu-me o copo. Quando ia encher o copo do meu companheiro, parou, a olhá-lo. Foi buscar o candeeiro, ergueu-o à altura da cara e, com espanto, exclamou:

- VOCÊ É PRETO !!!

Olhou-me e perguntou:

- E está aqui na tropa?

Fixei-o nos olhos, acenei que sim com a cabeça, ao mesmo tempo que pensava: ”E eu sou Branquinho”.

Bebemos o copo de vinho e, já informados, abalámos na direcção de Lamego.

Alberto Branquinho
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6562: Contraponto (Alberto Branquinho) (10): Grafia do crioulo da Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P6703: V Convívio da Tabanca Grande (16): A Guiné em Monte Real ou um Encontro de camarigos (Joaquim Mexia Alves)

1. Depois de uma arreliadora avaria nesta máquina infernal (PC), que não sendo muito importante, dele acabamos por depender, dava uma vista de olhos pelo monte do correio acumulado, e eis que encontro esta pérola cintilante, entre as mensagens à espera de tratamento:

Meu caros camarigos editores
Estava para aqui sentado, à distância de quase uma semana do nosso encontro e, de repente surge o anexo!

Eu gostava de vos agradecer a todos, editores, camarigos que connosco estiveram, aos que não puderam estar, e às camarigas que deram a graça a um encontro que corria o risco de ser um "almoço de velhos" nas suas recordações.

Agradecer também a generosidade de todos os que contribuíram para amenizar a falta dos que não puderam estar e que tanta falta fizeram, porque «todos não somos demais»!

Aqui fica a pobreza dum escrito em fraca rima, mas que sai do coração.

Um grande, forte e camarigo abraço, desta vez primeiro para elas, as vossas mulheres que tão bem vos acompanham, e depois para todos os camarigos, mais apertado e com batimento de mãos nas costas!!!
Joaquim

Foi assim que saiu e é assim que vai... se tiver erros, paciência!!!
Monte Real, 2 de Julho de 2010



2. Joaquim Mexia Alves foi o responsável máximo pelo organização dos três últimos Encontros da Tertúlia, que tiveram um êxito assinalado. Este ano não fugiu à regra, apesar das anormais ausências de pessoas inscritas, quase todas devidamente justificadas. Cremos, não voltará a acontecer.
CV

Aspecto do exterior do Palace Hotel de Monte Real, quando se atacavam já as Entradas e se trocavam as primeiras palavras entre camaradas e acompanhantes.


Aqui fica o poema do incansável Mexia Alves*:


A GUINÉ EM MONTE REAL OU UM ENCONTRO DE CAMARIGOS

A manhã nascera auspiciosa!
O Sol já brilhava
mesmo antes de eu abrir os olhos,
que afinal estavam abertos
há longas horas na noite.
“Quem tem responsabilidades
não dorme”,
diz o ditado,
que eu levei à letra
nessa ansiosa e longa noite.
Chego a Monte Real,
discretamente,
não quero ainda ver ninguém,
pois preciso de ultimar listas,
pensar nas palavras,
que hei-de dizer,
mas que depois de pensadas,
não sairão,
ficaram caladas,
porque nessas alturas
apenas manda o coração.
Chego-me então a eles,
aos primeiros,
que já chegaram,
e a conversa começa,
pelo meio dos abraços.
Um aperto de mão aqui,
um beijo dado ali,
nas mulheres que acompanham,
os homens da guerra ida,
e é tal a confusão,
que quase dou beijos também,
aos homens que vão chegando,
pelo meio de embaraços.
Lembras-te de mim?
Eu lembro-me de ti!
Terás estado em Farim?
Ou Mansoa, ou Bafatá?
Eu estive no Pidjiquiti,
Gadamael, Canquelifá.
Surgem os nomes de tanta terra,
estranhos nomes,
de longínquos lugares,
feitos presença agora,
numa nova vivência
de uma já antiga guerra.
Oh pá, e o coiso?
Que é feito dele?
E aquela emboscada,
aquele ataque,
aquela picada,
aquela operação,
aquela noite mal passada,
à espera da evacuação?
Estás mais gordo!
Estás mais magro!
Olha o que estamos todos,
é cada vez mais velhos!
Eh pá,
Aquele nosso amigo,
lá se foi!
Que queres, pá,
todos temos de partir!
Mas sabes do que ele gostava?
Era assim de nos sentir,
de nos acompanhar a falar,
a contar histórias sem fim,
era de nos ouvir a rir.
E o Sol aperta,
o calor traz recordações,
de manhãs que nasciam quentes,
como se não houvesse frio,
ali naquelas paragens.
Fala-se daqueles que lá ficaram,
dos filhos daquelas gentes,
que ao nosso lado lutaram.
Toldam-se os olhos,
aperta-se o coração,
e quase num grito mudo,
dizemos uns para os outros:
hoje não, pá, hoje não!
Finalmente já sentados,
(posso descansar um pouco),
uns conversam,
outros estão calados,
e outros há ainda,
que de tanto falarem,
tem de beber um copo,
atrás de outro copo,
o que parecendo que não,
lhes solta ainda mais a língua!
Ai pecado meu, pecado meu!
E há discursos,
E discursatas,
e homenagens,
e histórias,
e bravatas!
E há quem cante,
e também toque,
quem encante,
e quem também vá…
a reboque!
Serenamente,
elas estão ali,
orgulhosas dos seus homens,
pensando bem no seu intimo:
nem sabes o que eu passei…
apenas e só por ti!
Cai a noite,
o dia chegou ao fim.
Cala-se lentamente o vozear,
há promessas de encontros,
torna-se difícil partir.
Há abraços repetidos,
uma vez e outra vez,
“está no ir, está no ir”,
mas só apetece ficar,
a falar, a recordar,
a contar mais uma história
para a qual já não há tempo,
para o ano,
para o ano, talvez!
Depõe-se as armas,
despem-se os camuflados,
tiram-se as pinturas de guerra,
e apresenta-se um ar “normal”!
É que durante umas horas,
quase sem ninguém se dar conta,
esteve a Guiné toda inteira,
um dia em Monte Real!


Monte Real, 2 de Julho de 2010
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6697: 20 Anos depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6669: V Convívio da Tabanca Grande (11): Caras novas (Parte II): Jorge Araújo, Acácio Correia, Manuel Carmelita, Eduardo Campos, João Malhão Gonçalves, Júlia Neto, Arménio Santos.. (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6702: Ser solidário (78): Campanha para abrir 10 poços de água e construir 10 fontanários na Guiné-Bissau. Primeira fase, Amindara (José Teixeira)

Mensagem do nosso camarada José Teixeira, com data de 2 de Julho de 2010:

Caríssimos amigos e camaradas
Junto texto e diversas fotos sobre o projecto "Sementes e água potável para a Guiné-Bissau" que permitem apreciar o estado actual da primeira fase do projecto.

Pedia o favor de publicarem no blogue para que todos os camaradas que contribuíram para o projecto possa ter conhecimento do andamento do projecto.

Muito obrigado
José Teixeira



Campanha para abrir dez poços de água e construir 10 fontanários em tabancas no interior da Guiné – Bissau*

Apesar da torneira ligada aos corações dos combatentes da Guiné, que fez jorrar alguns milhares de euros para o projecto SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU me parecer que já sofre da terrível seca que nos apoquenta e deixou de “pingar”  a obra segue em frente.

Juntamos algumas fotos bem elucidativas do andamento das obras em AMINDARA, sem comentários, pois as fotos são bem expressivas.

Ainda não conseguimos a totalidade dos euros necessários, mas está quase.
Para a obra de construção do poço, sistema de elevação de água, depósito e canalização, faltam menos de 100 €.

A AD - Acção para o Desenvolvimento ONG, a Associação local com quem fizemos uma parceria, está a proceder à construção do poço por administração directa o que permite a poupança de algumas centenas de euros.
Ficam assim criadas as condições para a Tabanca de Amindara, ter água potável as necessidades higiénico sanitárias.

Todavia o nosso projecto passa pela dinamização da agricultura, pelo que se torna necessário angariar fundos para a aquisição de sementes. (Segunda fase do projecto).
Temos a garantia, também neste campo, da experiência dos técnicos da AD – Ver http://www.adbissau.org/adbissau/ em fomentar a agricultara através da organização nas comunidades locais de associações de desenvolvimento com o objectivo de preparar tecnicamente os habitantes locais para a cultivo de produtos agrícolas e rentabilização dos meios.
No caso concreto de Amindara juntamos uma foto da senhora (habitante local) que assumiu a responsabilidade de unir os habitantes em torno do projecto que com a nossa atitude ganhou pernas para andar, sobre a orientação técnica e anímica da AD – Acção para o Desenvolvimento.

Ouso insistir no apelo que lancei aos combatentes da Guiné. Uma oferta de 20€ para a dinamização deste projecto, pois como diz o ditado migalhinhas é pão.
As crianças de Amindara merecem melhor sorte. Merecem água pura para saciarem a sua sede sem riscos para a saúde.

Zé Teixeira
Tabanca pequena – Grupo de amigos da Guiné-Bissau

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6543: Ser solidário (76): O projecto de sementes e água potável para a Guiné-Bissau já arrancou na tabanca de Amindará (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 12 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6580: Ser solidário (77): Em busca de fotos da antiga escola do Gabu (José Bastos, União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa)

Guiné 63/74 - P6701: Notas de leitura (127): Caminhos Perdidos na Madrugada, de Fernando Vouga (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
Encontrei-me, cheio de alegria, com o Embaixador Henriques da Silva, ele está a reflectir na sua adesão à tertúlia. Escreve que se farta e qualquer dia temos aí um livro com bastantes surpresas. Trocámos empréstimos, tenho aqui quilos de livros para ler, vou começar pelo “Polón Di Brá”, do João Carlos Gomes, que diz ser um documento de reflexão sobre uma guerra devastadora, desnecessária e justamente imposta ao povo da Guiné Bissau e datado de Novembro de 1998.

Um abraço do
Mário


Caminhos perdidos da madrugada:

Em Bafatá, 27 de Junho de 1971


por Beja Santos

Fernando Vouga é escritor e militar (coronel reformado). Como capitão, fez três comissões em África nos três teatros de operações: em Moçambique, 1966 a 1968; na Guiné, de 1969 a 1971; e em Angola, de 1972 a 1974. O seu romance “Caminhos Perdidos na Madrugada” tem o fundamental da sua acção a decorrer em Moçambique, já no termo da guerra colonial. Na plantação “Chá Molungo” os acontecimentos atropelam-se à medida que em Portugal o processo da descolonização começa a ganhar contornos. Os colonos movimentam-se, mas também crescem a influência dos movimentos de libertação. Nenhum autor esquece a sua identidade ou prescinde de falar de si. É o que faz Fernando Vouga recorrendo a um alter-ego que se movimenta em diferentes cenários: a Academia Militar na Amadora, um cemitério em Castelo Branco, as matas perigosas da região dos Dembos, em Angola, um ataque à cidade de Bafatá, Junho de 1971, a guerrilha maconde no planalto de Mueda. Está aqui uma parte relevante da experiência do autor na guerra colonial.

Para efeitos de recensão, vamos acompanhar os acontecimentos de Bafatá, vistos pelo capitão Álvaro Santos (quem sabe, Fernando Vouga).

A 27 de Junho de 1971, o general António de Spínola desce de um helicóptero em Bafatá, com um ar grave e carrancudo. Não se perde em informalidades, dirige-se de imediato para o Comando do Sector Leste da Guiné.

Na véspera, cerca das onze e meia da noite, Bafatá fora atacada cerca de dez minutos. Em termos militares, tratou-se de um acontecimento pouco relevante mas revestiu-se de uma grande importância psicológica e política. Era a primeira vez que o coração do “chão fula” era atacado, punha-se a nu a fragilidade da sua segurança.

O tenente-coronel que comandava o batalhão local foi sujeito a um ataque cerrado pelo homem do pingalim e do monóculo. O autor refere que grande parte do contingente de guerrilheiros que participara no ataque era constituída por antigos soldados do Exército português, mais propriamente elementos de uma companhia de Comandos que participara na Operação Mar Verde e que ficara em Conacri, feitos prisioneiros. É de pensar que se trata de pura ficção, todos os relatos apontam para o fuzilamento dos elementos do pelotão do tenente Januário que se entregaram às autoridades da Guiné Conacri. O capitão Álvaro Santos era comandante de uma companhia de caçadores aquartelada em Bafatá, assistiu estarrecido à discussão entre Spínola e o seu comandante de batalhão, achou aquela humilhação gratuita, mais a mais em frente de oficiais de patente inferior. De qualquer forma, o capitão Álvaro Santos nutria por Spínola consideração e respeito. Achava-o dotado de uma imaginação prodigiosa, de uma vontade de ferro, de uma energia inesgotável e, sobretudo, com uma fé cega no seu próprio sucesso. Este Spínola era um homem tão crédulo e estava tão confiante no brilhantismo dos resultados da sua acção que numa manhã de Abril de 1970 reunira no Palácio do Governo todos os oficiais com responsabilidades de comando de companhia ou de escalão superior, bem como todos os oficiais de operações, para lhes anunciar o fim da guerra. Durante a reunião, informou que estava a ser levados a efeito contactos com os chefes guerrilheiros com o objectivo de se pôr termo às hostilidades, tendo mesmo dado instruções precisas a todos para se prepararem para receber os guerrilheiros que, dentro de pouco tempo, começariam a entregar-se. Álvaro Santos assistira à reunião. E o autor escreve:

“Álvaro, que regressara de Angola com as suas convicções seriamente abaladas, com esta notícia do fim da guerra na Guiné ganhou novas esperanças, tanto para si como para a pátria que jurara defender. Mas tudo se desvaneceu poucos dias depois, quando soube que, algures nas matas de Teixeira Pinto, quatro oficiais portugueses tinham sido barbaramente chacinados. Precisamente aqueles que, ao longo de vários encontros com um grupo de guerrilheiros do PAIGC, negociavam a sua rendição às tropas portuguesas. E assim terminaram tragicamente as inabaláveis certezas de Spínola que, pelos vistos, tomou a árvore pela floresta. Contudo, o general tinha razão num ponto: a sua política desequilibrara muitas populações em seu favor, e o PAIGC tivera alguns amargos de boca. Assim, é de toda a justiça reconhecer que, no que respeita à melhoria das condições de vida do povo da Guiné e à satisfação de muitas das suas reivindicações, a sua actuação foi notável”.

“Caminhos Perdidos na Madrugada”, de Fernando Vouga, DG edições, 2ª edição, Abril de 2010.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6694: Notas de leitura (126): Guineense Comando Português, de Amadú Bailo Djaló (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6700: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (30): Bissau, Paraíso na guerra

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Maio de 2010:

Amigo Vinhal
Saúde boa?

O mar da vida tem andado meio encapelado e cavalgar-lhe as ondas obriga a concentração de excepção, por vezes a gestão à hora de tempo e disposição.

Como compromissos são compromissos e até ver sempre gostei e os soube cumprir, cá te mando mais um troço de “Viagem …” - que me continua a levar àquela terra que, com as suas contradições, faz parte única na minha vida - que espero possa merecer atenção dos Tertulianos.

Um grande abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (30)

Bissau – Paraíso na guerra


As “férias” que felizmente nos tinham sido impostas nesta espécie de “capital mundana” iam decorrendo sem sobressaltos inesperados permitindo-me(nos) usufruir da possibilidade de viver uns dias, regendo-nos por parâmetros diferentes mas bem melhores, dos a que até ali estávamos habituados por força de circunstâncias várias.

Na verdade e talvez devido às situações intensas por que tínhamos passado durante a quase dúzia de meses antecedentes, a nossa maior preocupação por aquelas latitudes não era de facto a possibilidade de confrontos belicistas na cidade e antes o “asneirar” em termos de RDMs e afins ou em conflitos escusados e eventualmente puníveis, o que era de certo modo fácil de poder acontecer, bastando para isso uma boca menos própria na altura errada, quem sabe uma falta de “palada” a um qualquer guerreiro combatente de gabinete com patente superior - por norma os mais achacados a gostar de demonstrar a sua força, valor e valentia - que estivesse maldisposto.

Nas digressões “folgosas” e especialmente para o Pessoal fardado, o comportamento e o atavio também eram levados em conta, não fossem os amigos PMs implicar e vir a criar problemas escusados e “sacrifícios” inúteis e indesejados.

Em suma, o lema era tentar passar aquelas “férias” sem dar azo a eventuais punições coartadoras, cumprir com o rigor necessário as missões atribuídas e… gozar o mais possível a estadia que sabíamos ser “sol de pouca dura”!

Os dias iam-se esgotando, as folgas foram sendo aproveitadas e vividas mais ou menos intensamente em conformidade com as ofertas que a cidade nos proporcionava, as disponibilidades e a disposição de cada um.

Desses tempos recordo o cirandar pela cidade, de ”cu alçado” ou apeado, retendo imagens e situações que, na sua grande maioria talvez por não me terem marcado (?) suficientemente, se foram esbatendo e esfumando com o passar dos anos.

Recordo o ir jantar ao “Pelicano” com uns compinchas e já com uns copitos, propositadamente pedir ao empregado guineense uma lagosta fresquinha e “implicar“ com ele quando nos trouxe o dito crustáceo indevidamente… já que o que se tinha pedido era uma garrafa de vinho “Lagosta” fresquinha. Passados uns tempos pedia-se de novo uma lagosta fresca e vindo uma garrafa… implicava-se energicamente dizendo que tínhamos pedido era uma lagosta e não vinho… enfim, infeliz do empregado que já deitava lume pelos olhos mas… o cliente tinha sempre razão e passou a perguntar se era garrafa ou a outra !!!!

Que saudades da lagosta e do camarão àqueles preços e qualidade!!!

Recordo de uma das vezes ter ido beber umas cervejas a um café ou pensão (?) que não recordo o nome, situada numa paralela à esquerda (sentido marginal Palácio) da Av. da República. Por lá estava, sentado na mesa ao lado, o Sargento Teixeira dos Comandos, cabeça rapada e impressionou-me o seu olhar frio de gelar! Cá fora e à entrada da porta, dois pretos travam-se de razões e lutam perante a passividade geral. A dada altura um deles cai por cima de uma bicicleta lá parada e faz um golpe fundo e sangrento na almofada do “dedão do pé”. Sem mais nem para quê senta-se na “espécie de passeio”, saca de uma navalha e… corta o resto da “almofada” deitando-a para a rua!!! Levanta-se e vai embora como se nada fosse.

Lembro ter ido ao UDIB assistir à actuação do animado “Bana”, pelos vistos “coqueluche” à época. Gostei, mas gostei mais das bajudas a arrastar o pé na dança, coisa que me esforcei por acompanhar mas… nem tudo se consegue sempre!!

Conheci o colorido e extaseante mercado de Bandim(?) onde tudo se vendia e onde comprei uma estatueta (busto) facetada de bajuda e outra de um macaco em que o artesão estava a trabalhar e que não deixei acabar, por gostar dela como estava. Claro que não resisti a umas belas peles de cobra (surucucu?) e a uns panos coloridos.

Estatuetas inacabadas-Bajuda e macaco sentado – Guiné-Bissau-M.Bandim 1971
Foto: Luís faria

Lembro alguns bons momentos passados em tons de chocolate, nessa cidade também de “perdição”!

O tempo ia-se volatilizando sem sobressaltos especiais.

Como a excepção confirma a regra, momentos vividos por elementos do 4.º GCOMB num patrulhamento ao final do dia, vieram quebrar um pouco a rotina pardacenta das missões atribuídas, situação essa que ainda hoje é narrada pelos intervenientes e que poderia ter resultado em desfecho complicado e grave, não fora a experiência e presença de espírito das partes e talvez também o modo como encarávamos aquela estadia.

Erros involuntários potencialmente fatais, que aconteciam na guerra e não deveriam acontecer e que muitas das vezes se não assumiam!

Elementos do 4.º GCOMB têm por missão patrulhar em zona pré-estabelecida e assim o fazem sem sobressaltos. Nada se vai passando, como era previsível.

Num descanso do patrulhamento preventivo na esquerda da estrada Bissau – João Landim, lá para as bandas dos aquartelamentos, o pessoal acomoda-se em segurança julgada conforme à situação. A tarde vai alta, a chuva cai em bátegas intermitentes. A dada altura o impensável (?) acontece e um grupo de “turras” (não estávamos lá por essa eventualidade??) aparece de supetão.

Conta o Azevedo:

- Estava descontraído e de repente começo a ver uma serie de “pretos maltrapilhos” armados, descalços e de farda meia rota… apanhei a arma e… um susto do cara…” !!

Recorda o Lobo:

- Apareceu uma chusma de “pretos” com armas deles(IN), mal amanhados e alguns descalços e quando nos vêem dizem: “somos Portugueses, somos Comandos, boa-tarde ” … sois portugueses mas é a pqvp, penso!!! Aperro a arma …”

Alguém os reconhece e avisa:

- São os Comandos Africanos disfarçados.

Seguem caminho sob o olhar curioso e vigilante do pessoal menos convencido e tudo acaba felizmente em bem, ficando um susto valente para recordar na vida!

Duas forças amigas que se cruzam na mesma zona sem prévio conhecimento?!! Fosse noite e talvez a estória tivesse sido outra.

A todos um abraço e até Teixeira Pinto, de novo
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6403: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (29): Do Inferno ao Paraíso

Guiné 63/74 - P6699: Parabéns a você (129): Viva o senhor professor Peixoto, membro do selectíssimo Clube dos SEXAS! (Luís Graça)



Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Uma foto, muito feliz, do Manuel Carmelita, grande fotógrafo: o Joaquim e a Margarida, o nosso casalinho de professores de Penafiel, apanhados num belíssimo momento de descontracção e de ternura... O Joaquim é também habitué da Tabanca de Matosinhos, frequentada igualmente (e fotografada) pelo Manuel Carmelita. Hoje faz 61 anos. Está connosco há uma ano. A melhor prenda que lhe podíamos era encontrar gente da sua açoriana CART 3414, que andou por Bafatá e Saré Bacar (1971/73).


Fotos: © Manuel Carmelita / Carlos Vinhal  (2010). Direitos reservados


1.  Em 11 de Julho do ano passado, apresentava-se formalmente à Tabanca Grande o senhor professor Joaquim Carlos Rocha Peixoto, casado com outra senhora professora, Margarida Peixoto, um casal encantador que entretanto veio a tornar-se amigo e visita da nossa família no Norte (Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses).

A explicação é fácil: primeiro, o Joaquim foi Fur Mil Ap Inf, com o curso de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 3414 (Bafatá e  Sare Bacar, 1971/73) (*), e andou lá minhas bandas da zona leste...  Depois, mora em Penafiel e é professor do ensino básico, 1º ciclo, tendo leccionado durante anos na Casa do Gaiato, em  Paços de Sousa. Aí o professor também foi aluno, recebeu lições grandes de vida, por que naquela instituição acolhem-se e educam-se meninos da rua, alguns dos quais com dramáticas histórias de abandono, violência, exclusão social...

O Joaquim ainda está no activo, enquanto a Margarida já se reformou. O Joaquim é um homem discreto, sensível, reservado. A Margarida é uma típica nortenha, de verbo fácil e a sensibilidade à flor da pele. Já tive o privilégio de estar com eles, na sua belíssima casa nessa belíssma terra, que é Penafiel da qual sabia pouco, no tempo da guerra colonial: era apenas, para mim, a capital do vinho verde (ah!, como bem sabia, o verdinho de Penafiel em Bambadinca!).

Hoje Penafiel, a dois passos do Porto,  é o coração da Rota do Românico do Vale do Sousa, uma região que merece uma prolongada visita não só pelas suas gentes, gastronomia e paisagens naturais como sobretudo pelo seu património edificado, e nomeadamente o Românico de Resistência, vasto, rico e único  (Sugestão de roteiro para visitar os 21 monumentos que compõem a Rota do Românico do Vale do Sousa: 4 mosteiros beneditinos, 10 igrejas, 1 ermida, 2 pontes, 2 torres e 2 monumentos funerários dos quais só existem 6 exemplares conhecidos em Portugal).

Por outro lado, a Margarida está ligada por laços afectivos à freguesia de Paredes de Viadores, no vizinho concelho de Marco de Canaveses, em cuja escola (a Escola de Passinhos / Foz) trabalhou um ano, o primeiro ano da sua vida como professora primária (como então se chamavam as nossas queridas professoras).

Margarida Peixoto, também natural de Penafiel (com 6 anos vividos em Angola, dos 10 aos 16, em plena guerra colonial), voltou a Paredes de Viadores, em 2009,  para reencontrar e homenagear os seus "meninos e meninas" da Escolinha de Passinhos / Foz, no já longínquo ano de 1972... Tinha acabado de sair do Magistério. Foi o seu primeiro ano de trabalho. Tinha cerca de três dezenas de alunos, de ambos os sexos, da 1ª à 4ª classe... Nunca mais se esquecerá deles, das suas caras, dos seus nomes, das suas histórias...

Conhecera a Alice por ocasião do IV Encontro Nacional do Nosso Blogue,  na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria, em 20 de  Junho de 2009. Por um feliz acaso: apresentei-as por que eram da mesma região... Hoje são duas belas amigas. A Alice proporcionou logo a seguir, na sua casa,  nesse verão o reencontro da senhora professora com alguns dos seus antigos meninos e meninas... Eu e o Joaquim estivemos naturalmente presentes... Encantados. Foi um momento único, irrepetível. Como têm sido, para muitos de nós, alguns momentos aqui proporcionados pelo nosso blogue... De tal modo que já paga direitos de autor a frase  O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande. A que se deve acrescentar: Honni soit qui mal y pense  (sem pretensões nem maldade...).

Espero reencontrá-los, de novo, este mês, ou em Penafiel, ou em Candoz, Paredes de Viadores, na nossa casa e na festa da Senhora do Socorro, daqui a quinze dias. Mas antes disso temos que celebrar aqui a festa de anos do Joaquim, membro já do nosso selectivo Clube dos SEXAS.

Em meu nome, dos demais editores e do resto da Tabanca Grande, aqui fica aquele Alfa Bravo que já é marca distinta no tratatamento social entre os amigos e camaradas da Guiné que se reunem sob o frondoso poilão da Tabanca Grande.

Um Alfa Bravo muito especial, comprido, caloroso e largo, tão comprido como o Rio Geba, tão caloroso como o Rio Douro, tão largo como o Rio Tejo que é o rio da minha aldeia... Um beijinho ternurento da Alice para ti e para a Margarida. Esperamos revê-los em breve. Infelizmente, em Monte Real, como sempre, o tempo de convívio é como a areia da ampulheta...Foi bom mas foi curtíssimo... Resta-nos os reencontros em Penafiel, em  Candoz, no Blogue, no Facebook...

Joaquim, hoje não é dia de falar da tropa. Bebo um copo à tua longevidade e saúde. Faz o favor de continuares a ser feliz! Parabéns! Teu amigo e camarada,

Luís Graça

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4667: Tabanca Grande (160): Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 3414 (Bafatá e Sare Bacar, 1971/73)

Vd. poste anterior desta série > 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6665: Parabéns a você (128): Mensagens para a Tertúlia (José Firmino / Manuel Maia)