Meu caro Cherno, obrigado pelas tuas palavras e quero dizer-te que estou completamente de acordo contigo quando dizes que as necessidades e o querer dos homens e mulheres nativos da Guiné, que lutaram ao nosso lado, por um ideal, pelos seus próprios interesses sócio-económicos e por vezes até pelo ódio por outras etnias (depois eu explico porque uso a palavra ódio), não foram tomados em consideração pelas Forças Armadas Portuguesas no terreno aquando da retirada e não mereciam o que lhes aconteceu.
Como deves saber, em qualquer exército democrático todos recebemos ordens de outrem até chegar ao poder político e as ordens são para cumprir ou há consequências. Apesar de ter hoje conhecimento do que se passou com os soldados africanos, não sei o que poderia ter sido feito diferente para salvaguardar os interesses dos nossos camaradas que decidiram ou foram esquecidos lá e continuaram a fazer a sua vida na Guiné.
A Guiné é um país independente e Portugal não tinha e não tem o direito de intervir a não ser que os tratados fossem violados, o que veio a acontecer, e uma intervenção na ONU por parte de Portugal a denunciar tais massacres à comunidade internacional era apropriado, mas do que serve ?
Todos nós sabemos o peso das resoluções da ONU! Não valem muito a não ser que os interesses dos grandes estejam comprometidos.
O meu pai tentou fazer o seu melhor para triunfar mas nunca tinha sido agricultor na sua vida e em Castanheira de Pêra ou se cultivava ou se morria à fome. Uma outra estipulação era a proibição de empregar qualquer nativo para não perturbar a seu modo de vida que era basicamente a criação de gado. Como poderia um casal de portugueses brancos, vindos do Algarve, sem nunca ter sido agricultores, triunfarem no colonato do Cunene quando o governo lhes promete o Céu e no fim dá-lhes um casal de bois bravos, 4 hectares de terra, uma carrroça e diz Governa-te.
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Nota de L.G.:
(*) Vd. comentário ao poste de 10 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7253: (Ex)citações (108): Transferência de soberania com dignidade ou rendição sem honra nem glória ? Quando se olha para trás, é que se enxerga tudo... (José Gonçalves)
(...) Caro José Gonçalves,
Tenho lido com muito interesse os seus depoimentos ou pontos de vista que me parecem sinceros e muito realistas, certamente, fruto de uma longa reflexão e maturidade.
Sobre o poste de hoje, a minha modesta apreciação feita mais acima continua válida, no entanto queria chamar a atenção sobre um aspecto que, na minha opinião, podia e devia ser considerado, e não foi, que é a opinião desses soldados nativos e das milícias que, como é sabido, não viam a questão com os mesmos olhos nem tinham as mesmas motivações. E a parte da população Guineense que se arriscou ao lado de Portugal e que era considerada pela outra parte como sendo os cães dos colonialistas mereciam ser abandonados a sua sorte? Exceptuando a pequena Bélgica, nenhuma outra potência colonial o fez.
Um dia vou contar a história de um pequeno grupo de milícias fulas destemidos que, quase sem armas, atacou a localidade de Cuntima, no norte, e as drásticas consequências que daí resultaram para a comunidade local. Houve muitos que não se deixaram enganar pelas falsas promessas de um falso acordo que, de facto, foi uma verdadeira capitulação. Esta história faz lembrar os acordos de rendição ou capitulação da Alemanha na 1ª guerra.
Cherno Baldé (...)
(**) Último poste desta série > 12 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7267: História de vida (33): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte (Manuel Joaquim)