O dia apresentou-se soalheiro e de temperatura muito agradável, como quem diz, nem quente, nem frio, e muito simpático para o convívio antecipadamente combinado, e veiculado pelo melhor dos orgãos de divulgação de convívios, almoçaradas, e outros acontecimentos de heroicidades comprovadas.
De repente, digo mesmo: súbita e inesperadamente, ouviu-se uma voz tonitoante, de comandante a impor a autoridade dos galões: seus grandes pasmados, não vêem como o Dinis come a sobremesa, que lhe levam à boca a colher cheia de pudins?
A surpresa admoestante paralisou a todos, que dirigiram os olhares para o canto do fundo da mesa, lugar onde se encontrava o distinto Comandante das tropas e das operações (com direito a que lhe levassem os doces à boca), amparado entre dois pesos mais ou menos pesados, de um lado o Mário, que não costuma aguentar-se com dislates, do outro o António, que levitava entre poesias orientais e o aroma dos primeiros cafés a serem servidos, enquanto os olhares inquietos dos circundantes se fixavam naquela espécie de última ceia, e algumas colheres suspensas deixavam cair por virtude de desiquilibrios, as adocicadas e gostosas iguarias pasteleiras, que sujavam calças, saias, ou a borda da toalha, onde permaneciam como destroços até que fossem sacudidas. Todos se aguentaram à bronca.
Todos não! Porque a minha psicóloga, imperturbável, feliz, e ciente do que gosta de fazer, ainda me trouxe à boca mais duas colheres de sobremesa, antes que o Comandante Rosales tivesse manifestado vontade de me medalhar com uma porrada, pelo que disse ser o meu comportamento mimado, mas, desconfio, apenas representava a inveja que os poderosos sentem, quando as classes exploradas vivem com alegria os pequenos prazeres da vida.
Mas o excelentíssimo público de leitores merece uma reportagem mais circunstanciada. Vamos lá:
Conforme a ampla divulgação prévia, foi grande o interesse suscitado na participação em mais uma etapa gloriosa, com vista ao aplacar de fomes e sedes, que a feliz iniciativa da Magnífica Tabanca, superiormente liderada pelo controverso Comandante Rosales, e excelentemente levada a cabo por este vosso humilde e guloso criado, concretizou com manifesto agrado.
A confirmar o que antecede, bateu-se o recorde de inscritos e de mastigantes, o que constitui uma exemplar prova do exercício desinteressado da política alimentar. Houve uma falta por motivos imprevistos, e outra, sem ai nem ui, provocada por um conhecido autarca que, desleixadamente, terá ficado a contrapôr estatísticas da greve. Também a esposa do Domingos não veio, mas por motivo de saúde, embora não se trate de situação alarmante. Virá para a próxima. Também por motivo de doença faltou o Vitor Balalaica, a quem fazemos votos de que vença a adversidade, e de quem esperamos poder ouvir os magnificos fados que interpreta como poucos. A ver se o nosso Segundo-Comandante (com a colaboração do Zé Carioca) se mantém atento e providencia um próximo encontro com homenagem musical. Porém, à guisa de compensação, vierem dois piriquitinhos, filhos de dois conhecidos atabancados: o António Santos (com umas barbas à Agostinho da Silva), e o nosso investigador José Martins, que tem muita matéria para publicar.
Também para publicar e testemunhar futuramente, desdobraram-se em trabalhos fotográficos os tertulianos, Miguel Pessoa (também conhecido por ser o esposo da nossa Camarada Giselda Pessoa, extraordinária de atenções e dedicação aos ex-combatentes das bolanhas guineenses; Manuel Resende, que não sendo um jovem, é uma promessa da fotografia; Humberto Reis, que apesar de acompanhado por duas indefectíveis e fidelíssimas canadianas não teve tantas oportunidades para engatilhar retratos; e o Jorge Canhão, que, com objectivas de grande calibre, ainda teve tempo para confraternizar, manducar e beber da inspiradora sangria, enquanto se batia ao prémio "o melhor fotógrafo do evento", prémio que ficou por atribuir por falta de exemplares para o empate registado (só havia um prémio). Mas o Colaço seria o justo vencedor, em caso de desempate, com uma única fotografia que me tirou.
As estrelas, como vem sendo costume, foram todos, que mantiveram um ambiente muito agradável, e juram não faltar futuramente.
Falta referir-me às especialidades que foram servidas: as entradas confirmaram-se num plano acima da razoabilidade, e foram deglutidas com gula, já que estes combatentes não registam a traumática doença da falta de apetite: croquetes, queijos, e patê de marisco, serviram de treino para o repasto; depois veio uma sopa vegetal, onde as couves marcaram presença.
O prato de peixe era bastante substantivo, pois tratou-se de um arroz de lulas, muito tenrinhas e de dimensão adequada, acolitadas com gambas e ameijoas, num conjunto que se revelou bem temperado, aromático, e muito apaladado. Foi excessiva a quantidade, e ainda sobrou.
O prato de carne apresentou um rolo de lombo de porco recheado um enchido saboroso, e vinha acompanhado de batatinhas e cebolas a aflorar de um molho sucolento que merecia mais atenções e dedicações, não fora os antecedentes terem dimuinuído a capacidade volumétrica para ingerir, pelo que voltou a sobrar.
Nos finalmentes, houve uma mesa de doces, onde se podia escolher entre farófias, pudins, mousse, maçã assada, e não tive capacidade para mais, apesar de muito entusiasmado pela variedade de paladares.
O vinho era suficientemente bom, e nem me interessou saber das castas de onde fora espremido, nem a região de proveniência, nem os outros ítens que glorificam os enólogos, como também foi suficiente para eu não ter provado a sangria ou a água cristalina, que o pior, vocês sabem, são as misturas.
Jorge Rosales - O Comandante e Tesoureiro
José Manuel Matos Dinis - O Relator
Assim se apresentavam as mesas
____________Nota de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9103: Convívios (381): Tabanca da Linha, Restaurante A Camponesa, Cabreiro, Alcabideche, Cascais, 24/11/2011: Fotos de José Colaço, Manuel Resende e Humberto Reis