Caro Luís Graça e demais Camaradas de Arrmas.
Sou Manuel Luís Lomba, ex-furriel mil da CCav 703, do BCav 705, os "Cavaleiros Marinhos", e penamos na Guiné, em 1964/66.
Estivemos um ano na Amura, como reserva às ordens do Comando-Chefe e terminámos a comissão no Sector de Nova Lamego - a Companhia 703 na quadrícula de Buruntuma, a 704 em Bajocunda e a 702 em Madina do Boé.
O BCaç 1856 foi render-nos, ficando a Companhia 1418 em Buruntuma e a 1416 em Madina do Boé, a qual causará a morte, em combate, a Domingos Ramos, um dos primeiros e dos mais competentes comandantes do PAIGC, ex-furriel mil desertado do Exército Português, por ter sido vítima de flagrante injustiça de superior hierárquico, quando era instrutor no CIM (Centro de Instrução Mililitar), em Bolama.
Nas muitas missões de intervenção interagimos com o BCav 490, os Sempre em Frente", com o BCaç 600 (desconheço a divisa), com o BCaç 619, as "Sentinelas do Sul", com o BArt 635, os "Águias Negras", com Companhias independentes, com Grupos de Comandos, a Companhia de Pára-quedistas e Destacamentos de Fuzileiros.
Chegado à reforma, entrei em correntes de escrita. Acabo de publicar o livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", em edição de autor.
Manifesto o mais elevado apreço pelas vossas iniciativas e a minha vontade de adesão.
(Manuel Luís Lomba)
2. Em resposta, foi enviada em 7 de Setembro a seguinte mensagem ao camarada Manuel Lomba:
Caro camarada Manuel Lomba
À boa maneira do nosso Blogue vamo-nos tratar por tu.
Muito obrigado pelo teu contacto e pela vontade de pertenceres a esta família de ex-combatentes da Guiné. Na qualidade de relações públicas deste Blogue estou a receber-te e a sugerir que nos mandes uma foto do teu tempo de Guiné e outra actual (mais ou menos) para podermos proceder à tua apresentação formal à tertúlia.
Se quiseres desenvolver um pouco mais o texto da mensagem que nos mandaste servirá para a tua apresentação. Fala-nos um pouco mais do teu livro, manda-nos a capa digitalizada, e se há hipótese de algum interessado o adquirir, à cobrança, por exemplo.
Fica a teu critério outros pormenores para que te possamos ficar a conhecer melhor.
A tua correspondência deverá ser enviada sempre para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e simultaneamente para mim ou para o Eduardo.
Qualquer dúvida, é só perguntar.
Sem outro assunto de momento, fico ao teu inteiro dispor.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
3. No dia 9 de Setembro recebemos esta mensagem do camarada Manuel Lomba:
Meu caro Carlos Vinhal.
Grato pela sua resposta, a que tento corresponder em conformidade.
Envio duas fotos e acrescento um texto extraído do livro que acabo de publicar: "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu" (opto por escrever conforme a antiga ortografia).
Manuel Lomba
4. Do livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba:
Outras manobras, no contexto da manobra da rendição da CCav 703 pela CCaç 763, na nomadização de Cufar, em 18 de Março de 1965
Chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efectivo da Companhia de Caçadores 763, comandada pelo capitão Costa Campos, para a nossa rendição, dotada de 8 cães de guerra, treinados por si e por sua conta e risco, género de combatentes que os turras também já mobilizavam. Os cães vieram acrescentar-se aos passarinhos, às vacas, aos patos bravos, às árvores, à vegetação, a toda a magia da Natureza, na engrenagem da máquina de sacrifícios, de sofrimento e morte que era a guerra da Guiné. Pelos cães, pelo brasão e pelo guião, pusemos-lhe o nome da Companhia dos Cães. Os turras não terão visto o que vimos deles, mas sobrar-lhes-ão motivos para, posteriormente, os alcunhar de “lassas” (abelhas).
O abrigo do depósito de géneros do estacionamento estava escancarado e vazio. Havia dias que não se via o fumo das chaminés das cozinhas rodadas a elevar-se ao céu, a anunciar rancho quente, e o estado de ruína dos nossos aparelhos digestivos já tolerava melhor a fome que a ingestão das rações de combate da Manutenção Militar. Aqueles “periquitos” (fardas verdes) da rendição vieram de Bissau, com volumoso carregamento de mantimentos e de suficiência, ou soberba, na exibição do direito ao seu exclusivo proveito. Coube a nós, mais velhos e “maçaricos”, (fardas amarelas), manter os turras à distância, para a chegada das suas pessoas e bagagens e tivemos de continuar a contê-los, a seco, para o desembarque dos comes e bebes, próprios para gente refeiçoar. Alguém bichanou a ideia e começamos a magicar expedientes de como lhes surripiar um garrafão de vinho e um bacalhau, para dizermos o adeus às armas de Cufar com uma “punheta” (do dito).
A ambiência da guerra é vivida como de outro mundo; mas aqueles “periquitos” da Companhia dos Cães pareciam vindos de outro, tal era a disciplina e método incutidos à desestiva das lanchas e ao tráfego das suas provisões de géneros alimentícios. Treinavam os cães e parecia-nos que os cães os treinavam a eles. O seu furriel vagomestre supervisionava todos e tudo, omnipresente, e enviava uma espécie de “guia de remessa” pelos grupos que faziam o tráfego para o estacionamento, que o seu primeiro-sargento conferia no destino, presencialmente. Os garrafões partidos ou esvaziados por consumo na viagem eram-nos entregues, com a maior displicência, qual tarefa menor, pela nossa missão de segurança, para os levar a vazadouro, à montureira que o estacionamento havia criado, na margem direita do Meterunga, exterior ao perímetro da sua segurança, povoada por um bando de flamingos, originários do rio Cumbijã, e por uma colónia de abutres jagudis, que a putrefacção do lixo atraíra para ali.
Tamanha vigilância conseguia conter as nossas intenções predadoras. Justificava-se a falta de iniciativa da acção específica fazendo circular entre nós o trocadilho de que tínhamos “os cães da Companhia” à perna. Nenhum mal é absoluto e havia muito tempo que a vida nos ensinara a reverter em nosso proveito a pequena parcela de bem que todo o mal contém. A situação não nos escapará à melhor análise, para o desencadear da acção dela consequente. Um tiro de aviso seria decisivo; mas com coisas sérias não se brinca, a despeito de dispostos a fazer um séria brincadeira.
Saiu um aviso, dirigido àquele vagomestre, a alertar que os turras viviam a cerca de 2 km, com super-metralhadoras, morteiros e canhões, que a morosidade do serviço estava a colocar-nos em grande risco, pelo que a segurança disponibilizava dois elementos em seu reforço e ajuda.
A invocação da proximidade dos turras era eficaz a impor o respeitinho, monopolizador das atenções. A solicitude sensibilizou o vagomestre, a contribuir para a sua fragilização. Um dos disponibilizados encheu um garrafão vazio no rio, outro pegou num garrafão partido e começou a dissimular um desvio, em sentido oposto à montureira; ele deu em cima dele, a farejar furto, afrouxou a vigilância, já afrouxada pela solicitude e pela atenção a eventuais sinais dos turras, enquanto aqueloutro trocava o garrafão de água por um garrafão de vinho, que levou, na maior das calmas, a esconder na montureira. O vigilante voltou, contou e recontou os garrafões. Tudo em conformidade, tudo num ápice, como de um golpe de mão se tratasse. O inconfundível cheiro de bacalhau salgado andava no ar, a provocar-nos as suas memórias gustativas, libertado duma caixa rebentada, com dizeres “graúdo” a encimar o lote do dito, rabos e badanas esparramados - e as operações da desestiva das lanchas aproximavam-se do fim. A sorte protege a audácia, escrevera Virgílio, na Eneida. Ante essa iminência, a segurança instruiu e destacou um outro do seu efectivo, para ajudar “a esfolar o rabo” e dar fim a esse trabalho, que o vigilante se apressou a agradecer, sem reparar no pormenor de ele se apresentar com o dólmen camuflado, a contrastar com a generalidade, em tronco nu.
Era sabido que os turras não gostavam de andar à luz do dia e, partindo da ideia que estariam a descansar das suas noitadas operacionais, um vigilante foi destacado para irritar os abutres jagudis, que reagiram furiosamente, com o seu grasnar fúnebre, contagiando os flamingos e toda a passarada ao redor entrou em alvoroço. A segurança correspondeu ao alarido com a emissão do alerta de perigo, toda a malta se colou ao chão - o respeitinho que faltava, decisivo, pelos turras. O último “maçarico” disponibilizado para o “tráfego e estiva” mergulhou junto ao lote das caixas de bacalhau e atracou-se à rompida, para surgir a rastejar, no sentido da montureira, tendo alegado ao vigilante que ia “pela arma”. No sítio certo, largou dois bacalhaus, que levava sob o dólmen camuflado, badanas entaladas na cintura e rabos entalados nos sovacos, razão bastante e suficiente para provocar o imediato levantamento do alerta de perigo; logo ele foi retomar a sua tarefa de ajuda, agora com a arma, mas em tronco nu, tal como os “periquitos”.
Algumas horas passadas, aqueles dois bacalhaus estavam desfiados, dessalgados por açúcar, feitos em salada com as últimas cebolas picadas, regados com os restos de azeite e comidos (e “bebidos”), com a discrição aconselhável, no ventre do poilão sagrado, novo posto de sentinelas avançadas, no segmento que nos cabia na defesa da nomadização em Cufar. Os turras e o Irã da mata de Cufar Nalu portaram-se condescendentes. A irreverência não negligenciara a prudência; para não se correr riscos, como alvos de participação e acção disciplinar, a prevenir “porradas” e, também, pela ausência de confiança mútua, a praxe não foi respeitada, ao não se convidar o proficiente vagomestre da Companhia de Caçadores 763 a partilhar da petiscada, na nossa despedida da nossa estada de 65 dias naquele palco no coração da guerra da Guiné.
5. Comentário de CV:
Caro Manuel Lomba, à boa maneira do Blogue (onde é que já ouvi isto?) temos que nos tratar por tu.
Estás apresentado à tertúlia, e logo com um texto muito curioso do teu livro, onde falas dos Lassas, Companhia do outro nosso camarada Mário Fitas. Podeis trocar impressões sobre o tempo de sobreposição, se é que deu tempo para vos conhecerdes. Este nosso camarada, assinando-se como Mário Vicente, escreveu um pequeno livro, também edição de autor, patrocinado pela Junta de Freguesia do Estoril, com o título "Pami Na Dondo A Guerrilheira", passado em Cufar, uma história, segundo o autor, ficção e realidade, de uma prisioneira. Para conheceres a história, que foi publicada na íntegra no nosso blogue, clica no título sublinhado.
Fiquei agradavelmente surpreendido pela tua vinda a minha casa para me entregares de mão um exemplar do teu livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu". Não chegaste a dizer-me como é que os possíveis interessados em adquiri-lo o poderão fazer.
Durante a nossa conversa apercebi-me que os anos não passaram por ti, estás em boa forma, tens uma excelente memória, muitas recordações do tempo da Guiné "à flor da pele" e escreves muito bem. Pelo que acabo de dizer, poderás ser uma mais-valia para o nosso Blogue, ainda mais se acrescentar que estiveste mais recentemente na Guiné-Bissau, em trabalho, onde tiveste oportunidade de estar com ex-combatentes do PAIGC.
Depois do que acabo de dizer sobre ti, não poderás escusar-te a falar-nos da guerra que viveste nos meados dos anos 60 em Cufar e Buruntuma e do que viste na Guiné-Bissau já independente e soberana. Disseste-me que muitas das tuas fotos desapareceram, mas incluíste algumas no teu livro, e outras terás que nos poderás facultar para publicação.
Termino a tua apresentação enviando um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10381: Tabanca Grande (360): Manuel Serôdio, mais um camarada da diáspora, ex-fur mil at inf, CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (Bula, Bissau, Empada, Buba, Quinhamel, 1967/68)