quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18026: Estórias avulsas (88): Recordações da minha passagem por terras da Guiné, vaca morta junto ao arame farpado (Abel Santos, ex-Soldado Atirador Art.ª)

Camajabá, 1968 - Abel Santos junto ao memorial à CCAÇ 1418/BCAÇ 1856


 

1. Em mensagem do dia 20 de Novembro de 2017, o nosso camarada Abel Santos, (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), enviou-nos esta memória da sua passagem por terras da Guiné, mais propriamente por Camajabá.




Recordações da minha passagem por terras da Guiné Portuguesa

Depois de uma imensa actividade operacional na zona Leste 1 - Nova Lamego, a qual calcorreamos de Norte a Sul, Leste a Oeste, a CART 1742, a partir de 23 de Abril de 1968, foi deslocada para Buruntuma, ficando com a responsabilidade da vigilância do subsector de Camajabá e Ponte do rio Caiúm.

De Camajabá guardo algumas recordações, umas boas outras menos boas.
Estando eu a chegar ao aquartelamento, ido da Ponte Caiúm onde passei um mês destacado, surge um convite do responsável do subsector, Furriel Miliciano Amaro, do qual guardo gratas recordações, para gerir o depósito de géneros, mas com uma condição, fazer um reforço por semana, o que aceitei de imediato.

Foi uma experiência enriquecedora para mim, pois teria de saber dosear os géneros disponíveis para alimentação dos meus camaradas, tinha uma outra responsabilidade acrescida, que se baseava no apoio à população, em Camajabá havia um pelotão de milícia, homens recrutados na própria tabanca, e treinados pela tropa Portuguesa, aos quais éramos obrigados a fornecer os géneros alimentícios para sua alimentação. Este contacto directo com a população levou-me a perceber o que aquela gente pretendia, e não era a guerra, sentiam segurança junto da tropa, trabalhavam as suas terras, semeando e colhendo o fruto do seu trabalho, mas também sabiam que de um momento para o outro podiam ficar sem nada, sendo surripiado o esforço do seu trabalho, por aqueles que se diziam seus defensores.

Localização da Camajabá, estrada Buruntuma-Piche

Recordo um facto do qual fui protagonista, acontece que um dia os géneros alimentícios já eram escassos, a refeição do jantar era bianda (arroz) com salsicha, mas insuficiente para alimentar os meus camaradas, que todos os dias tinham serviços a desempenhar, como a ida à água e à lenha, e patrulhar a área envolvente ao destacamento. Eu e o furriel Amaro achámos por bem comprar na tabanca frangos para complemento do jantar, que depois de assados na brasa pelo cozinheiro Silva, foram degustados pela malta, e eu como responsável da cantina, ofereci meio barril de vinho que desapareceu pelas gargantas sequiosas, ainda hoje alguns camaradas me recordam esse dia.

Mas nessa noite fiz reforço como estava combinado, e lá fui cumprir o meu dever de militar para o posto de vigia que me estava destinado, e aqui é que foram elas, eu que já estava um pouco toldado pelo néctar do barril, ouvi barulho junto ao arame farpado e, não estou com meias medidas, faço fogo gritando ao mesmo tempo: "são eles, são eles", provocando o caos no destacamento.

Camajabá, 1968 - Abel Santos, de cócoras, com o Cabo Costa, filtrando água

De manhã, quando acordo, reparo que estou todo enlameado, não me lembrando do que tinha acontecido, mas fui logo informado que o inimigo era, “tinha sido”, uma vaca. Eu retorqui: "Ainda bem, pois o almoço vai ser melhorado, bifes com batata frita, com um copo de vinho para cada um".

Escusado será dizer que a tropa milícia também teve direito à metade do animal, cuja morte veio mesmo na altura ideal, devido à escassez de géneros.
Esta é uma das muitas peripécias passadas aquando da minha passagem por terras de África.

Um abraço para todos os combatentes.
Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17030: Estórias avulsas (87): Tudo começou a 9 de Janeiro de 1967 (Abel Santos, ex-Soldado Atirador Art.ª)

Guiné 61/74 - P18025: Agenda cultural (613): Amanhã, 30, pelas 18h30, na famosa Livraria Filigranes, em Bruxelas, apresentação da obra "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto". Convite da Embaixada Portuguesa em Bruxelas e do Camões, I.P.

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Convite da Embaixada de Portugal em Bruxelas e do Camões I.P.  [Instituto da Cooperação e da Língua, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Portugal]


1. Mensagem. com data de 21 do corrente, que nos chega da editora  Desassossego (nova chancela do Grupo Saída de Emergência):

 (...) É com muita satisfação que vemos o livro Aristides de Sousa Mendes. Memória de um Neto escrito por António Moncada de Sousa Mendes (**) ser apresentado em Bruxelas. (***)

Se quiser falar com o autor sobre esta grande viagem que foi percorrer as memórias do seu avó e transformá-las em livro, por favor, contacte-me. Obrigada!

Margarida Damião

Diretora de Comunicação | Communication Director

GRUPO SAÍDA DE EMERGÊNCIA

Taguspark - Rua Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva,

Edifício Qualidade - Bloco B3, Piso 0, Porta B

2740-296 Porto Salvo, Portugal
Tel: +351 214 583 772

Tlm: +351 963 441 979

www.sde.pt

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18010: Agenda cultural (612): Ílhavo, Biblioteca Municipal, domingo, 26 de novembro, 17h00, lançamento de "O Livro das Santinhas de Apegar: textos poéticos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário do nosso amigo José António Paradela, arquiteto)

(***) A conferência será em português, aqui na famosa Librairie Filigranes, em cuja página, na Net, se  diz o seguinte sobre o evento:

(...) De 18:30 à 20:30

Aristides de Sousa Mendes, Memórias de um neto

Memórias de um neto

O percurso corajoso e inspirador de um homem que salvou a vida de milhares de inocentes A história do cônsul Aristides de Sousa Mendes, e de como desafiou as ordens de Salazar para salvar as vidas de 30.000 refugiados durante a II Guerra Mundial, é hoje um legado de coragem e nobreza que constitui um orgulho para todos os portugueses. Mas quem era Aristides de Sousa Mendes? Por trás da figura heroica esconde-se um homem complexo, profundamente íntegro e religioso, devoto à família e ao país, e que foi forçado a fazer uma escolha terrível entre a sua consciência e o dever profissional, sabendo que as consequências para si seriam implacáveis.

Com recurso a um extenso arquivo fotográfico e documental, em grande parte inédito, o seu neto, António Moncada S. Mendes, desvenda o lado pessoal do cônsul e da sua família, lançando assim uma nova luz sobre a figura de um diplomata que se sacrificou para salvar a vida de muitos inocentes.  (...) 

Guiné 61/74 - P18024: Álbum fotográfico de António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 e da CCAÇ 17 (1): Bula, Binar e Pete

ÁLBUM FOTOGRÁFICO DE ANTÓNIO ACÍLIO AZEVEDO, EX-CAP MIL, CMDT DA 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 E DA CCAÇ 17, BULA E BINAR, 1973/74

Foto 1 - Abril de 1974 - Como Capitão Miliciano comandei a CCAÇ 17, sediada em Binar. Na foto apareço com os Alferes Sá e Teixeira que comigo integravam o Comando da Companhia. Foto, no interior do quartel, em Binar

Foto 2 - Abril de 1974 - Eu, acompanhado por 5 furriéis e 2 soldados da CCAÇ 17, junto duma bolanha, nas imediações do quartel de Binar

Foto 3 - Finais de Maio de 1974 - Apareço, no interior do nosso aquartelamento de Binar, a meio da foto, com o Major Dick Daring, do PAIGC, à minha direita, numa das primeiras visitas que nos fez a Binar, cerca de um mês depois do 25 de Abril. Estamos acompanhados pelo Alferes Sá, o Sargento e 5 Furriéis, todas da (CCAÇ 17) bem como por diversos elementos da população local e alguns elementos do PAIGC

Foto 4 - Abril de 1974 - Imagem obtida no interior do aldeamento de Ponta Consolação, que estávamos a acabar de construir para o Pelotão de Milicias, que estava ali instalado. Apareço na foto ao lado de 4 soldados da CCAÇ 17 e de 5 elementos daquele Pelotão de Milícias

Foto 5 - Janeiro de 1974 - A entrada de uma das "casernas" do aquartelamento de Pete (próximo de Bula), onde estava destacada a 1.ª Companhia do BCAV 8320/72, sediado em Bula e que comandei, interinamente, durante um mês, em substituição do comandante daquela Companhia que tinha sido punido. Estou acompanhado por 1 cabo e 3 soldados e ainda por um pequeno macaco (mascote do pessoal daquela caserna)

Foto 6 - Eu em cima de um Unimog 404, integrado numa coluna, entre Bula e Pete

Foto 7 - À entrada de uma das "casernas" do aquartelamento da 1.ª CCAV 8320/72, em Pete, acompanhado pelos 2 cozinheiros e o ajudante de cozinha

Foto 8 - No interior do aquartelamento de Binar, creio que em princípios de 1974, eu em cima de uma Berliet e acompanhado por 3 Comissários Políticos do PAIGC, que ali vieram várias vezes na sua missão de sensibilização das populações da zona

Foto 9 - Na noite da Ceia de Natal, em Pete, acompanhado por diversos elementos da 1.ª CCAV 8320/72. Como curiosidade o facto de o Pai Natal nos ter trazido nesse dia, como prenda, o primeiro militar que está de pé, à minha direita, que pertencendo à Companhia sediada no Biambe, se ter perdido e desorientado, numa emboscada que o pelotão dele sofreu 2 dias antes, tendo sido encontrado pelo pessoal de um nosso pelotão, que andava em missão de reconhecimento da envolvente ao nosso quartel

Foto 10 - Eu, em Binar, sentado nas grades de um Unimog 404, em frente à pequena Capela, que existia (e ainda existe em 2017), na parada do antigo aquartelamento
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17967: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (22):A população de Cufar

Guiné 61/74 - P18023: Fotos à procura de... uma legenda (96): Lisboa, Quinta das Conchas e dos Lilases: o outono do nosso descontentamento







Lisboa > Parque da quinta das Conchas e dos Lilases >  21 de novembro de 2017 >


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Passei a pertencer á já famosa tertúlia dos caminheiros da Quinta das Conchas (*)... Em vez de andar no ginásio a pedalar, feito maluco, numas dessas maquinetas americanas de queimar calorias, que pululam por aí nos pomposamente chamados "fitness centers" e "health clubs", "low cost", prefiro caminhar duas ou mais horas por semana, em parques como o da quinta das Conchas e dos Lilases, o terceiro maior espaço verde da cidade de Lisboa (com cerca de 25 hectares, depois do parque da Bela Vista, c. de 85 ha, e de Monsanto, c. 900 ha).

Desde a minha artroplastia da anca, que tinha deixado de  fazer grandes caminhadas a pé...Já lá vão mais de 3 anos... Decidi que estava na altura de retomar  estas atividades pedestres, com conta, peso e medida... 

Na quinta das Conchas e dos Lilases há sempre gente, às terças-feiras, com início às 10h00, disposta a não pedir licença à perna esquerda para pôr em movimento a perna direita, ou vice-versa, tanto faz...

Lá encontro também  alguns amigos e camaradas da Guiné. E espero que apareçam mais...Das 10 horas  ao meio dia damos "duas voltas ao redondel", enquanto se convive com gente gira, simpática, culta e viajada....O espaço é deslumbrante,  e eu estou ainda a descobri-lo (do ponto de vita da fauna, flora, património edificado e história). (**)

Ontem não fui, porque o tempo era de chuviscos... Mas na semana passada, a 21 do corrente, andei lá e tirei as fotos que reproduzo acima... Espero que algum leitor se interesse pelas imagens e possa melhorar a legenda: "o outono do nosso descontentamento" (LG)...

PS - O fantasma do grande colonialista Francisco Mantero (Puerto Real, Cádis, 1853- Lumiar, Lisboa, 1928) e a sua casa assombrada pairam por aqui... Com interesses em São Tomé e Príncipe e depois em Cabinda,  Angola, era uma das figuras mais excêntricas e mais ricas de Lisboa, tendo sido sócio fundador da Sociedade de Geografia:

(...) D. Francisco Mantero comprou a Quinta dos Lilases, no Lumiar, e dedicou-se intensamente à restauração e ampliação da casa da mesma. Em 1897 comprou a parte rústica da Quinta das Conchas, que lhe ficava anexa. No centro do grande lago artificial da Quinta das Conchas mandou fazer duas pequenas ilhas arborizadas com palmeiras, que evocam as ilhas de São Tomé e do Príncipe. (...)
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Notas do editor:

(*) Sobre a tertúlia dos camunheiros da Quinta das Conchas, vd. postes de:

Guiné 61/74 - P18022: Os nossos seres, saberes e lazeres (242): Em Vila de Rei, à procura de José Cardoso Pires (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Entramos numa localidade com o objetivo e tudo se vira de pernas para o ar quando sentimos um acicate na curiosidade. Estava com a garganta a arder na naquele dia de canícula, esquecera a medida cautelar de andar com uma garrafinha de água no bolso, em desespero parei num café-restaurante de Vila de Rei. Vi a menção à biblioteca municipal de nome José Cardoso Pires, de cuja obra sou aficionado e que dele tive o privilégio de saborear pilhérias e jocosidades. Foi uma visita surpreendente que a todos recomendo, sem qualquer hesitação.

Um abraço do
Mário


Em Vila de Rei, à procura de José Cardoso Pires (1)

Beja Santos

Quis o acaso que naquela tarde de canícula, a caminho de Pedrógão Pequeno, o viandante sentisse a garganta a arder, a clamar por uma água refrescante. Entrou-se em Vila de Rei e súbito se deu por uma indicação da Biblioteca Municipal José Cardoso Pires. Dessedentado, o viandante pôs-se ao caminho, intrigado e feliz. Intrigado, por o autor de “O Delfim” ter o seu nome consagrado numa biblioteca, houve o acicate de saber se por ali pairavam memórias do grandessíssimo escritor; e feliz, na justa medida em que o viandante com ele privou e dele guarda as melhores recordações do seu espírito faceto, das suas pilhérias, da imensidade de comentários por vezes acervos, dentro e fora do olimpo de artistas e escritores.
É um belo edifício, tem alguém de muito acolhedor na receção, chama colega para ali ficar, será ele o guia por tal deambulação.




A primeira surpresa é encontrar ali um recanto de homenagem a um poeta e crítico literário hoje injustamente esquecido, João Maia, natural de aqui perto, da Fundada, a sua crítica literária foi das melhores do seu tempo. Ainda bem que a biblioteca aqui fixou a sua imagem de homem sereno, lhe editou até uma obra tocante de memórias de infância, recordações afetuosas do seu lugarejo, e lhe consagra um centro de estudos, deixou obra imensa em diferentes publicações, particularmente na revista Brotéria, da Companhia de Jesus, a que pertencia. Foi muito bom vê-lo presente e dignificado neste nosso mundo que funciona como uma passerelle de ídolos efémeros.


Entrevistado por Artur Portela, José Cardoso Pires falou do seu nascimento espúrio em São João de Peso, aldeia de Vila de Rei. Fez uma apreciação mazinha, um tanto cáustica, do evento: “Naturalmente que vir ao mundo num estabulozinho sem ser por milagre mariano é uma maldição que fica para o resto da vida. Miséria extrema, daquela que só é possível imaginar nos povoados esquecidos do mapa. À falta de melhor, o meu avô repartiu o nome de filhos por padrinhos que os pudessem proteger, como aconteceu com o meu pai. Com a exceção do meu pai, todos os filhos do meu avô tiveram de emigrar para os Estados Unidos depois de terem servido de mão-de-obra infantil nas ceifas do Alentejo. Foram pastores, foram marçanos, foram tudo, até conseguirem juntar dinheiro par a viagem”. E, mais adiante: “Eu só nasci no campo porque a minha mãe, que era das Beiras, tinha a obsessão das origens. Quando estava grávida deixava Lisboa e fazia como os salmões: subia a contracorrente para ir ter os filhos lá na terra das origens”.

José Cardoso Pires fez amizades com os maiores artistas do seu tempo, Júlio Pomar deixou dele este belíssimo quadro.



A biblioteca é um foco de atração, o autor de “Cartilha do Marialva” está sempre à mão de semear qualquer leitor. Segue-se para o espaço a ele dedicado e é com imenso prazer que se para diante do óleo que lhe consagrou Victor Palla, arquiteto, pintor, designer, fotógrafo e editor, entre algo mais. Ainda hoje o viandante procura os seus trabalhos, não há bibliófilo que não revolva o céu e a terra à procura das suas fotografias e das capas dos livros que ele concebeu.




Os herdeiros de José Cardoso Pires ofereceram alguns dos seus bens preciosos, a sua máquina de escrever, livros autografados de outros escritores, traduções dos seus livros, condecorações, fotografias, recordações inolvidáveis.

Fortuito ou não o nascimento deste grande escritor em São João do Peso, permitiu que estes bens estejam aqui ao alcance de quem vive em Vila de Rei ou visita a biblioteca. Estão aqui todos os seus livros. Em jeito de despedida, apetece recordar o louvor que dele teceu outro magnífico das letras e seu companheiro de paródias, António Lobo Antunes:
“Quando anoitece, José Cardoso Pires começa a ganhar consistência no interior da roupa, íntimo de barmen e do labirinto estranho em que Lisboa se transforma, balizada de chafarizes e polícias que perderam, desde há séculos, o costume de sorrir. As árvores pingam trevas em cima de nós, os prédios aproximam-se, como as ovelhas, para adormecerem, encostando umas às outras os quadris das varandas (…) Às duas da manhã, quando as rugas, piedosamente apagadas pela ausência de sol, fazem de nós um grupo de adolescentes à espera da primeira comunhão e de uma nova garrafa, e os empregados dos bares circulam entre as mesas com a diligência das senhoras que procedem à recolha das esmolas no ofertório das missas, saímos para o ressonar a estores soltos dos bairros de Lisboa”.
Em Vila de Rei e pelo país fora ele convida quem quer que seja a pegar nas suas obras, dá gosto ler praticamente tudo quanto escreveu, para poder sentir a sinceridade de uma das suas muito apuradas reflexões: “O derrotismo assenta na negação, o ceticismo assenta na dúvida, e duvidar é um apelo à revisão, um princípio de análise”.

Continua
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18001: Os nossos seres, saberes e lazeres (241): As aldeias serranas da Serra da Lousã (Mário Beja Santos)

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18021: Manuscrito(s) (Luís Graça) (130): Lisboa com suas casas, de Álvaro de Campos / Fernando Pessoa













Lisboa, vista do nº 1 da Travessa do Ferragial, 13 de novembro de 2017. O edifício é o da famosa "Cantina das Freiras", da ACISJF - Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina.  É um dos sítios mágicos de Lisboa, com um "self-service" no último andar, com uma vista sublime sobre Lisboa e o Tejo, enquanto se almoça por meia dúzia de euros!,,, Nos primórdios, há 40 anos atrás, era uma espaço exclusivamente reservado a raparigas que trabalhavam na zona e vinham aqui aquecer a comida da sua lancheira num 
pequeno fogão a gás.  Hoje, a "cantina das freiras", como é carinhosamente conhecido,  é um serviço aberto a toda a população, incluindo turistas...  De 2ª a 6ª feira, das 12h00 às 15h00. É uma das últimas "cantinas sociais" de Lisboa: ir lá almoçar é também "ser solidário" e ajudar a missão da ACISJF. A comida, caseira, é uma delícia. E há bastante mesas, dentro e fora (terraço).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa com suas casas

Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores ...
À força de diferente, isto é monótono,
Como à força de sentir, fico só a pensar.

Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos,
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.

Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
À força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.

Álvaro de Campos [1934]


In: Fernando Pessoa: Poesia de Álvaro de Campos
Edição de Teresa Rita Lopes
Assírio & Alvim,

Lisboa, 2002
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17964: Manuscritos(s) (Luís Graça) (129): o deus-sol ou... quem disse que uma imagem vale mil palavras ?...

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18020: (Ex)citações (327): MiG russos e pilotos do PAIGC: mitos e realidades (José Matos / C. Martins / Cherno Baldé / Luís Graça)


O MiG 17, de origem russa, que felizmente ninguém viu na Guiné, durante a guerra colonial...

Fonte: Cortesia de Wikipedia  (Foto: copyleft).


Seleção de comentários ao poste P18006 (*)


1. Tabanca Grande / Luís Graça
O mítico e saudoso comandanet Pombo, de seu nome compleeto
José Luís Pomo Rodrigues (1934-2017).
Foto de Álvaro Basto (2008)


A notícia do "Daily Telegraph", de 2 de agosto de 1973, da autoria do correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon (, segundo a qual a guerrilha estava "apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”) nunca a vi confirmada...

Pergunta-se: (i) onde é que estavam esses 40 guerrilheiros do PAIGC a receber cursos de pilotagem na Rússia?; (ii)  quem foram eles?; (iii) como se chamavam?; (iv) como é que foram (se é que foram...) aproveitados depois da independência?; (v) por que é que o Luís Cabral foi buscar um camarada nosso, o nosso saudoso José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017), para pilotar o seu "jacto" presidencial, o Falcon, oferta dos suecos (salvo erro...)?

Recorde-se o que ele nos confidenciou tempos antes de morrer:

(...) "O comandante Pombo privou com os dois, o Luís Cabral e o 'Nino' Vieira. Dos dois era inclusive 'amigo'. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o mesmo por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos (muito menos MiG ou outros aviões). O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral, já não sei por quem. Este gostava muito dele, cmdt Pombo, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de... champagne." (...)

O Luís Cabral, se tivesse os tais 40 pilotos, acabados de treinar pelos russos, não precisava de nenhum "tuga" para pilotar o seu Falcon!... A menos que não tivesse confiança nenhuma na competência deles e dos seus instrutores russos...

2. Caria Martins:

Vários mitos sobre os MiG:

(i) o PAIGC não tinha dinheiro para comprar e manter os ditos;

(ii)  a URSS não iria vender porque iria internacionalizar o conflito (não esquecer que a Guiné estava sob administração portuguesa, reconhecida pela ONU);

(iii) o  Sekou Touré não iria permitir que o PAIGC os tivesse, se não confiava no seu próprio exército muito menos confiava no PAIGC;

(iv) não era verdade que o PAIGC tivesse alguém a ter instrução para piloto.

(v) onde ficaria a base aérea para operarem?

3. Cherno Baldé:

Tudo isso que vocês dizem é pura verdade: que o PAIGC não tinha dinheiro para comprar e manter os ditos MiG; que a URSS não os iria vender porque iria internacionalizar o conflito, etc.

Mas, "n'empêche que",

(i) o PAIGC já tinha armas anti-aéreas das mais modernas (Strela) que limitavam seriamente as actividades operacionais dos aviões no CTIG;

(ii) tinham conseguido colocar todas as guarnições (quartéis) situadas ao longo das duas fronteiras em situação de perigo permanente e de quase estado de sítio;

(iii) no campo diplomático, tinham conseguido colocar Portugal numa situação insustentável e de permanente pressão internacional...

E, ainda vocês conseguem manter essa atitude de eterno menosprezo pelas suas capacidades de acção e de adaptação as diferentes situações.

Sobre a operação "Mar-Verde", Amílcar Cabral escreveu na sua mensagem de novo ano de 1971, sobre as causas do falhanço da operação:

(...) Primeiro, devido à pronta resposta do povo irmão da Guiné e das suas forças armadas";  (...)  "mas, também, é preciso descobrir, no próprio seio da mentalidade portuguesa, a causa interna, que motivou a sua ventura e, consequentemente a sua derrota. Ela reside, profundamente, no desprezo secular que sempre manifestaram pelo Homem africano. Esse desprezo, que se traduziu eloquentemente na célebre frase de Salazar - "a África não existe".

(...) Como é de vosso conhecimento, também eu (bem como toda a minha comunidade que se aliou e apostou em Portugal) perdi (perdemos) aquela guerra e não adianta questionar se militar ou politicamente. Desde os meus 14/15 anos que jurei a mim mesmo que, custasse o que custasse, nunca faria parte do PAIGC. Detestei-o pelo que fez e pelo que representava na sua essência.

4. José Matos:

Sobre os pilotos guineenses é óbvio que a preparação deles acabaria por ser semelhante aos da Guiné-Conacri, ou seja, sabiam levantar e aterrar o MiG, pouco mais que isso. Portanto, nunca seriam grande ameaça para as forças portuguesas. Nem se sabe se teriam depois MiG para pilotar, portanto, tudo isso foi inflacionado…

Quando se deu a independência os que estavam na URSS devem ter voltado sem acabar o curso de MiG e portanto não tinham qualquer competência para pilotar um Falcon. Não admira que tenham contratado o Pombo Rodrigues…

Meu caro Cherno, a questão dos pilotos guineenses e mesmo outros africanos, nada tem a ver com ser africano. O problema tem a ver com a formação de pilotagem que era dada a estes candidatos a piloto na URSS e depois com a própria capacidade para sustentar as aeronaves. O caso que conheço bem era o da Guiné-Conacri que era uma desgraça e que eu faço referência neste artigo:
https://www.revistamilitar.pt/artigo/1017 (***)

Portanto, o problema era a curta formação que tinham na URSS que fazia com que as aptidões de pilotagem e a experiência de voo fossem muito baixas e não permitissem tirar grande rendimento das aeronaves. (**)

Além disso, os próprios MiG estavam muitas vezes inoperacionais por deficiências de manutenção e falta de capacidade em sustentar a frota, o que piorava ainda mais as qualificações dos poucos pilotos para pilotar os aviões. Portanto, não vejo que fosse muito viável o PAIGC ter uma força aérea operacional na Guiné-Conacri e acho que toda essa questão foi inflacionada na época como estratégia de propaganda…(***)
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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 23 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18006 José Matos: As negociações secretas do acordo dos Açores em 1974: o caso da central nuclear. "Revista Militar", nºs 2581/2582, fevereiro / março 2017

(**) Último poste da série > 29 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17913: (Ex)citações (326): CCAÇ 17, uma companhia da "nova força africana", baseada em pessoal manjaco


15 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15114: Inquérito online: num total de 86 votos apurados, mais de metade (53,5%) diz que que no seu tempo "já se falava da existência de aviões inimigos nos céus [do CTIG]"... Mário Gaspar, ex-fur mil, da CART 1659, garante que viu 3 MiG no cruzamento de Gadamael/Guileje, no final da comissão, em meados de 1968... Ao Jorge Canhão (3ª C/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) mostraram-lhe, na secretaria, fotos de MiG 15 e MiG 17 para comparar com os nossos Fiat G-91

11 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15103: FAP (89): Op Mar Verde: e se os MiG, que existiam de facto, mesmo que pouco operacionais, tivessem sido localizados e destruídos ? (José Matos)

10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15100: FAP (88): A propósito da Op Mar Verde, dos MiG e do artigo do José Matos: Labé ainda hoje não tem uma pista capaz de receber MiG, se eles existiam mesmo só podiam estar em Conacri...Será que a malta foi mesmo ao aeroporto ? (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

9 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15092: FAP (87): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - IV (e última) parte

Guiné 61/74 - P18019: Blogpoesia (540): Tempos duros em que as saudades apertavam (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Novembro de 2017:

No mês de Novembro de 1972 morre numa mina, entre Galomaro e Saltinho, o 1.º Cabo PELREC Teixeira; são transferidos para o hospital de Bissau o Carlos Filipe e o seu comandante de pelotão, alferes Mota, que vem a falecer dois dias depois.
Foi um tempo duro em que as saudades apertavam e, em sentido figurado, também se morria de amor.

Um abraço
Juvenal Amado


Meu amor morro de saudades

O papel fino
Letra redonda tão harmoniosa,
Feminina sem segredos
Água fonte dos meus sentidos
Cheirava a ti o papel
Lá estavam os iis com corações
A tua escrita tinha aroma de pêssego
Sabia onde tinhas colado a tua boca
O teu sabor a maçã
Perfume dos nossos lugares
Erva fresca pinheiro e eucalipto
Relia o cabeçalho 
- Meu querido... Morro de saudades 
meus olhos perdiam-se nos iis com corações 
Como sobrevivemos longe 
Como suportamos a longa espera 
Guardava as tuas palavras 
Enquanto aguardava o regresso a ti
Doía-me a ausência de nós
Na solidão da noite tudo parecia irreal
Fustigavam-me todas a dúvidas
Os meus fantasmas ganhavam formas
Vagueavam entre o suor e o calor
Voltava a ler a magia nas tuas palavras
- Meu querido… morro de saudades
Guardava-te junto ao peito
Nunca te amei tanto
e…
Também eu morria de saudades
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18015: Blogpoesia (539): "As rampas...", "Apanágio de poucos..." e "Arame farpado...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728